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Interdição do CEU Capão Redondo preocupa pais de alunos e funcionários

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No início de março deste ano, a Defesa Civil interditou o polo da instituição devido a problemas estruturais, e a Secretaria Municipal de Educação afirma que está tudo “sob controle”, mas muitos envolvidos permanecem preocupados com a situação.

 Desde o dia 19 de março de 2021, o CEU Capão Redondo, localizado na Rua Daniel Gran, no bairro Jardim Modelo, na região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, encontra-se interditado. Segundo colaboradores, alunos e pais de alunos, muitas questões ainda permanecem sem respostas.

Conversamos com alguns professores que compõem o corpo docente da instituição e também com alguns responsáveis por alunos do polo, que contaram sobre o impacto dessa interdição. Os entrevistados que dividiram seus relatos com o Desenrola preferiram não se identificar.

De acordo com os profissionais entrevistados, a construção de uma identidade própria para o CEU Capão Redondo demorou anos para ser concretizada e foi preciso muita persistência para que hoje o polo pudesse receber alunos surdos, oferecer aulas de libras, materiais adequados e profissionais capacitados.

“Aprendi a ser professora lá, profissionais incríveis entraram, saíram, mas tem um grupo maravilhoso que permaneceu. Temos poucos professores com pouco tempo de casa, a maioria está há mais de 5 anos. Quando cheguei lá, a escola ainda não tinha identidade, muito menos vínculo com a comunidade e alunos”, conta uma das educadoras.

Outra característica do espaço, que tem um polo bilíngue, é que oferece aulas de libras não somente aos alunos com deficiência auditiva, mas para todos os estudantes, para que assim, consigam também se comunicarem entre si.

Foram muitos projetos idealizados no local para contribuir com o desenvolvimento e crescimento acadêmico dos alunos, entre eles: dança, teatro, leitura, natação, xadrez, reforço de português e matemática, além de grafite, futsal e música. Muitos desses projetos eram incluídos na rotina dos alunos, incentivando o contato com o meio cultural.

“O trabalho ao longo do tempo nunca foi fácil, temos muitos alunos com deficiência, então sempre fomos bastante cobrados” conta uma das professoras.

O polo possui três unidades educacionais, sendo elas o CEI, EMEI E EMEF e um dos diferenciais é que sua estrutura comporta mais de 120 alunos com deficiência auditiva. 

“Muitas escolas da região não aceitavam os alunos com deficiência e mandavam procurar o CÉU, que lá nós tínhamos suporte, mas não, não tínhamos suporte, lá nós tínhamos uma equipe que estava disposta a fazer diferente”

relatou uma professora.

As professoras reforçam que o processo de construção do CEU Capão não foi e ainda não é fácil, que foi com o tempo, diálogo e otimismo que os profissionais se sentiram aptos e seguros para estarem na linha de frente de um polo diferencial na região.

“Fomos nós que com muito trabalho, fomos criando laços, destruindo barreiras e construindo a identidade da escola. Quando o polo bilíngue chegou, também foi assim, sem muita conversa com os professores, houve bastante resistência. Mas aos poucos o trabalho foi acontecendo”, comentou a professora.

 Falta de suporte

Devido a pandemia, em 2020, as aulas presenciais foram suspensas no CEU do Capão Redondo e foi adotado o ensino remoto. No início de 2021, retomaram com as aulas presenciais, seguindo os protocolos necessários para essa nova fase, mas no mês de março de 2021, o polo sofreu a interdição feita pela Defesa Civil, por problemas estruturais na construção.

Alguns pais dividiram com a gente suas angústias diante do cenário que seus filhos estão vivendo. Entre muitas queixas, uma das mais comuns é o fato das crianças terem sido transferidas involuntariamente para outras escolas, sem nenhum diálogo e sem as famílias e os profissionais do CEU serem ouvidos.

“Essa desorganização é lamentável. Só foram correr atrás quando foi liberado 100% dos alunos de forma presencial. Aí jogaram nossos filhos de qualquer jeito em qualquer escola só pra dizer que eles não estavam sem escola”, desabafou a mãe de um aluno do CEU.

O que também preocupa muitos pais, é que as escolas para onde seus filhos foram transferidos, não possuem condições para receberem os alunos. Além da distância de suas casas para as novas escolas, sendo que agora, alguns precisam tirar de seus próprios bolsos o gasto da locomoção dos filhos de casa até a escola.

“Estou em tratamento médico e meus filhos estavam já sendo prejudicados com as aulas remotas, mas era necessário, em razão da pandemia. Agora, restando apenas alguns meses para o final do ano letivo, a gestão pública de maneira irresponsável, agrega mais este prejuízo ao desenvolvimento cognitivo dos alunos”, relata o pai de dois alunos do polo.

Um dos benefícios que os alunos do CEU Capão Redondo tinham, era o TEG – Transporte Escolar Gratuito, onde conquistaram esse recurso e era o que deixava muitos pais mais tranquilos, mas por conta da transferência para outras escolas, muitos estudantes perderam esse benefício, sendo que diversos alunos foram matriculados em escolas muito distantes de suas residências.

“Se meus filhos correm risco de perderem o ano letivo? Não, já perderam!”

desabafou o pai dos alunos.

A interdição, que ocorreu este ano pela Defesa Civil, se deu pelo deslocamento de placas de concreto que envolvem a estrutura, e que de acordo com alguns profissionais da unidade, já era do conhecimento da DRE – Diretoria Regional de Educação do Campo Limpo, há quatro anos.

Essa interdição está prevista para ser finalizada até dezembro deste ano, e os pais dos alunos optaram por manterem seus filhos nas aulas remotas até que a reforma seja concluída, mas de acordo com as próprias famílias, eles não foram ouvidos nas reuniões feitas com órgãos responsáveis, e os alunos, compulsoriamente, foram remanejados para escolas de outras regiões.

“Os alunos que frequentam o polo, tem uma prioridade da TEG (Transporte Escolar Gratuito), por isso fazem parte do projeto, mas eles estando fora do polo essa garantia já não é mais garantida. E eles vão para uma lista de espera de toda uma rede municipal. Tem aluno que dentro do polo já tinha uma dificuldade de TEG, imagina fora”, coloca outra profissional do corpo docente da unidade, que prefere não ser identificada.

Dessa forma, muitas famílias estão tendo que pegar transporte ou se deslocarem a pé para chegarem nas escolas onde os estudantes foram transferidos.

Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Educação e eles alegaram que não há risco de desabamento no local. Afirmaram também que a SIURB – Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras realizou vistorias no CEU para acompanhar a evolução das placas de concreto e que na última vistoria foi constatada a movimentação dessas placas e a necessidade de intervenções emergenciais no local.

A Secretaria concluiu dizendo que o prazo de execução das obras é de, no máximo, 180 dias. A preocupação dos familiares e professores da unidade só aumenta, tendo suas falas, sugestões e angústias não ouvidas, além da falta de garantia que após a conclusão da obra, todos alunos e professores retornem para o polo. 

“A gente não vai deixá-los pegarem essa maldita doença”, desabafa mãe durante tentativa de vacinar filhos contra a covid-19

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Para vacinar os três filhos adolescentes contra a covid-19, Denise precisou encarar os transtornos causados pela falta de acesso à informação sobre a disponibilidade da vacina Pfizer no ponto de vacinação mais próximo da sua casa.

Denise precisou encarar os transtornos causados pela falta de acesso à informação sobre a disponibilidade da vacina Pfizer no posto de vacinação do Grajaú. (Foto: Thais Siqueira)

Na última segunda-feira (12), Denise Moreno, 35, moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo, estava sob sol forte junto com seus quatro filhos na fila do ponto de vacinação do Centro Cultural do Grajaú, aguardando receber a senha, quando de repente uma agente de saúde passou avisando sobre o encerramento da vacinação de adolescentes por falta de vacina Pfizer.

A cidade de São Paulo iniciou no dia 6 de setembro a vacinação de adolescentes de 12 a 14 anos sem comorbidades ou deficiência física. Em comunicado oficial publicado no site da prefeitura, o objetivo é vacinar cerca de 360 mil adolescentes.

Seis dias após esse comunicado oficial ser publicado, Denise ainda está tentando vacinar seus três filhos, Luiza Moreno, 12, Carlos Eduardo Moreno, 14, e Lúcio Moreno, 17, ambos estão em busca de obter a primeira dose da vacina.

Ela é mãe de Luiza Moreno, 12, Carlos Eduardo Moreno, 14, e Lúcio Moreno, 17, pois ambos estão em busca de obter a primeira dose. (Foto: Thais Siqueira)

“Às vezes não tem a dose ou a gente chega perto das cinco horas aí e eles avisam que só vai ter amanhã”

Denise Moreno é moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo.

“Às vezes não tem a dose ou a gente chega perto das cinco horas aí e eles avisam que só vai ter amanhã. E aí eu ligo para saber e falam que não tem, está assim desse jeito”, relata a moradora, citando que o contato com os postos de vacinação não vem sendo positivo para ela obter informações precisas, que a permita organizar sua rotina para imunizar os filhos.

Em junho de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a indicação da vacina Comirnaty, da Pfizer, para aplicar em adolescentes com 12 anos de idade. Antes desse período, a vacina já estava liberada para jovens com 18 anos a 15 anos.

Após a apresentação de estudos que foram desenvolvidos fora do Brasil e avaliados pela Anvisa, a aplicação do imunizante foi aprovada nesses grupos com essa faixa etária de idade.

“Eu não tenho muito tempo porque trabalho”

Denise Moreno é moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo.

Enquanto a ciência cumpre o seu papel de desenvolver, analisar e aprovar procedimentos confiáveis para imunizar jovens e adolescentes, a unidade de vacinação mais próxima da casa da moradora do Grajaú não vem colaborando tanto com o processo logístico, devido à falta de imunizantes.

Esse cenário vem tornando ainda mais exaustiva a rotina de Denise, uma mulher independente que trabalha, cuida da casa e de três filhos. “Eu não tenho muito tempo por que trabalho. E aqui como é mais perto, eu prefiro vir aqui. Ou seja, essa questão dos polos de vacinação fora dos postos de saúde facilita bastante”, afirma ela, lembrando que o único problema é a falta de vacina.

Para vacinar jovens menores de idade, a presença dos pais ou algum outro responsável é obrigatória, por isso, a moradora vem se esforçando para conciliar demandas profissionais e pessoais para acompanhar a vacinação dos filhos.

Desânimo

Após perceber que teria que voltar para casa sem ter os filhos vacinados, ela ficou ainda mais revoltada e disse estar desanimada para voltar em outro dia e tentar vacinar os filhos novamente.

“Com certeza não dá nem vontade de voltar para vacinar as crianças né? Quando a gente vinha para tomar a nossa vacina já era difícil, agora as crianças têm que faltar na escola para tomar, dá vontade nem de dar a dose, dá vontade de ficar sem tomar vacina”, desabafa a moradora.

Ciente da importância de preservar a saúde dos filhos, a moradora respira fundo e enfatiza que eles são sua maior motivação. “O que motiva é porque são meus filhos né? A gente não vai deixá-los pegarem essa maldita doença”, conta ela.

Ao tomar conhecimento do que estava acontecendo com os moradores, conversamos com uma das enfermeiras responsáveis pelo ponto de vacinação. Recebemos a informação que haviam apenas 30 doses disponíveis, sendo 15 para adolescentes e 15 para adultos quem iriam tomar a segunda dose do imunizante AstraZeneca, que foi substituída pela  vacina da Pfizer, fato que motivou a agende de saúde avisar as pessoas na fila que não haveria imunizantes para todos os moradores.

Em seguida, buscamos novas informações sobre a previsão de data e horário da chegada de mais vacinas, e fomos comunicados que só seria possível obter essa informação com um representante da Unidade de Vigilância em Saúde (UVIS) da Capela do Socorro.

Enquanto o nosso repórter se preparava para ir atrás dessas informações, todas as pessoas que estavam na fila começaram a receber a senha para serem imunizadas , contrariando o aviso da agente de saúde que afirmou inicialmente não ter mais vacinas no local.

Dicas de acesso à informação 

Esse acontecimento reforça a importância de cobrar e fiscalizar o processo de aplicação das vacinas nas periferias e favelas de São Paulo, um procedimento bastante confiável, mas que se torna ainda mais participativo e transparente quando os moradores têm acesso às informações que lhe são úteis no processo de aplicação da vacina.

Por isso, o Desenrola lista abaixo quatro passos importantes sobre como os moradores podem estar melhor informados sobre a disponibilidade de vacinas, quantidade de doses, e em qual endereço de posto de vacinação esses imunizantes estão disponíveis, utilizando o site Filômetro da Prefeitura de São Paulo, plataforma que cria uma fila digital e norteia o usuário a se organizar para ir no dia mais adequado receber a imunização.

1 – Acesse o site: https://deolhonafila.prefeitura.sp.gov.br/ para identificar de maneira atualizada o tipo de ponto de vacinação. Se é uma Unidade Básica de Saúde, um Parque Público, um Mega Posto ou um ponto volante, que pode mudar de lugar eventualmente.

2 – O site disponibiliza essas informações também em formato regional, ou seja, a partir da região onde cada usuário mora, ele consegue verificar e selecionar o bairro e posto de vacinação mais próximo da sua casa.

3 – Ao clicar em cada ponto de vacinação descrito no site, surge uma lista completa dos locais, onde o usuário consegue identificar endereço, situação da fila, além da data e horário que os dados foram atualizados. Ao clicar sobre a frase: “Disponibilidade”, é possível identificar qual dose está sendo aplicada e quais vacinas estão disponíveis.

4 – O filômetro é confiável porque em todos os pontos de vacinação, agentes de saúde estão alimentando o sistema com os dados de pessoas que estão indo até o local se vacinar, então se você acessa o site, pode confiar na veracidade destas informações.

*Esta entrevista foi produzida com o apoio do Fundo de Resposta Rápida para a América Latina e o Caribe organizado pela Internews, Chicas Poderosas, Consejo de Redacción e Fundamedios. O conteúdo dos artigos aqui publicados é de responsabilidade exclusiva dos autores e não reflete necessariamente a opinião das organizações.  

Trancistas formam novas gerações de cuidados ancestrais

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Além de possibilitar a conexão e reencontro com as raízes e conhecimentos ancestrais afro-brasileiros, a prática do trançar tem fortalecido financeiramente muitos profissionais moradores das periferias, se firmando como uma tecnologia social.

De uma ação de resistência a um gesto de afeto, o ato de trançar o cabelo tem sido ressignificado e possibilitado oportunidades de fortalecimento financeiro para inúmeras trancistas que estão formando novas gerações de cuidados com o cabelo e se reconectando com esse saber ancestral.

Entre essas trancistas que têm passado seus conhecimentos a outras pessoas, fortalecendo a si mesmas e também outras mulheres, está a Monalisa Braga, 36, moradora do Parque Santo Antônio, no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. Ela é trancista há mais de dez anos e já formou em torno de 80 pessoas desde que começou a oferecer cursos de tranças.

Monalisa já trabalhou em uma rede de fast food e em uma loja de eletrodomésticos, mas conta que sempre trançou cabelos e já fazia isso como uma fonte de renda desde os seus 12 anos de idade, contribuindo na renda dos pais.

Seu primeiro contato com a trança começou no cabelo da sua irmã mais nova, e com o passar do tempo usou clipes de rap como referência principal nas suas primeiras tranças. Hoje seus atendimentos e os cursos que ministra se tornaram a sua única fonte de renda.

“Eu comecei com uma empresa familiar em parceria com meu irmão que é barbeiro, nossos clientes eram uma boa mistura de clientes locais e pessoas que vinham de toda parte da cidade de São Paulo”, compartilha Monalisa, que antes da abertura do salão com seu irmão, em 2012, já atendia em sua casa, mas foi a partir de 2015, que passou a oferecer cursos para outras mulheres.

“No início, há uns 7 anos atrás não me trazia renda alguma. Hoje ainda dou bolsas para as alunas e as aulas são ministradas junto com as alunas pagantes. E ninguém sabe quem é bolsista ou não. Hoje tenho uma renda dos cursos”

conta a profissional, que além de do curso pago, oferece bolsas de estudo.

Uma das aulas ministrada pela trancista Monalisa Braga

A trancista já ministrou o curso para pessoas que vieram de longe para aprender, como Ceará, Alagoas, Minas Gerais, interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Baixada Santista. Ela também já foi a outros estados ministrar workshops.

“Não faço ideia de quantas pessoas fizeram o curso comigo até hoje, mas no grupo de suporte do ano passado até hoje temos em torno de 80 pessoas. Entre alunas e ex-alunas que já concluíram o curso. A grande maioria já tem seu próprio negócio. Tem algumas trancistas até famosas da internet que iniciaram no meu curso”, afirma.

Ela também conta que sente uma grande procura pelas tranças por pessoas que estão passando pela transição capilar.

“Agora está em alta a transição capilar, e para passarem por esse momento usam tranças para se sentirem bem e não sofrerem tanto nesse processo que mexe demais com a autoestima”, relata ela, que também conta que um dos públicos que mais procuram pelo seu curso são mães solo, mulheres pretas e periféricas.

Tecnologia social

Para Lúcia Udemezue e Denna Souza, do Manifesto Crespo, coletivo de arte-educação formado por mulheres negras que dialogam sobre identidades, gênero e práticas antirracistas, a trança é uma modalidade do campo da estética dos cabelos, e é uma oportunidade de geração de renda que cresce cada vez mais.

“Surge também como possibilidade para outras mulheres que precisam prover seus filhos e necessitam de dinheiro, a trança como geração de renda pode ser sugerida também em contextos que observamos a importância de autonomia financeira para sair de situações de violências e outras vulnerabilidades”, avaliam as pesquisadoras e arte-educadoras que fazem parte do Manifesto Crespo junto com Nina Vieira.

“A trança é uma tecnologia social artística ancestral”. É dessa forma que Lúcia Udemezue e Denna Souza, do Manifesto Crespo, contextualizam sobre esse saber. Elas reforçam o caráter de comunicação, de linguagem, sentidos, significados e difusão desse saber ancestral.

As pesquisadoras avaliam positivamente as possibilidades criadas a partir dessa expressão ancestral. 

“É muito bacana ver que esses saberes estão sendo repassados e com criatividade cada pessoa pode criar oportunidades de crescimento pessoal e profissional.”

analisam as pesquisadoras Lúcia Udemezue,  Denna Souza e  Nina Vieira do Manifesto Crespo.

E foi vislumbrando um crescimento pessoal e autonomia financeira que a Williny Washington, 24, moradora de Lajeado, bairro de Guaianases, zona leste de São Paulo, buscou em 2020, um curso de tranças.

Williny trabalhava com auditoria e saiu da área no começo da pandemia, em 2020. Atualmente sua única fonte de renda é a partir das tranças, profissão que exerce há em média 7 meses, e que iniciou logo após ter feito um curso com uma trancista. 

Ela conta que ficou sabendo do curso de tranças pelo instagram, ministrado por uma profissional de Artur Alvim. Fez o curso em maio de 2020 e ao término do curso começou a atuar na área.

“Já era uma vontade antiga minha, e no começo da pandemia descobri a gravidez e decidi sair desse ramo por ter muito contato com público e sempre estar viajando. No curso da Carla [trancista] vi a oportunidade de trabalhar pra mim mesma e assim me sentir mais segura por não precisar viajar”, relata Williny.

A maioria de suas clientes são do bairro onde mora, divulga seu trabalho em busca de clientes através da internet e produzindo conteúdo para ganhar visibilidade. Para ela, a trança carrega símbolos: “Um ato de resistência, negritude e estilo e cada vez mais ganhando espaço entre nós”, compartilha.

Uma das atuações do coletivo Manifesto Crespo se dá através de oficinas de tranças, onde destacam a importância de se observar o diálogo geracional que a técnica e o ato de trançar podem transmitir enquanto legado, comunicação e até reconstrução de identidade.

“Trata-se de um saber também passado entre as gerações (por exemplo, mães e filhos), a criança quando vai sendo trançada pelo membro da família é investida de afeto na construção do penteado, pois este vai sendo adornado com miçangas, fibras, fitas e/ou lãs coloridas que fazem mais do que enfeitar a cabeça, mas também de fortalecer o ori, o corpo de afeto, porque o afeto vai sendo representado também na produção do trançado”, analisa o coletivo de arte-educação.

Essa é uma das formas que Alessandra Silva, 30, moradora de Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, enxerga o ato de trançar.

“Eu sempre acreditei que era sim um saber ancestral, um dom passado para aqueles que teriam a sensibilidade de cuidar de algo tão valioso que é nosso Ori, e sempre me senti muito honrada por isso”

afirma Alessandra Silva.

Alessandra conta que justamente por isso demorou para começar a trabalhar na área, “pois sempre tive como grande responsabilidade e durante muito tempo não me achava pronta”, compartilha.

Alessandra Silva trabalha com tranças desde 2017.

Alessandra trabalhava em uma padaria e ficou desempregada, assim começou na área no final de 2017, tendo como primeiras clientes suas conhecidas, também do território. Seu primeiro contato com a trança aconteceu sendo trançada pela sua tia.

“Foi daí que comecei a observar minha tia que decidi aprender e olhando ela fui pegando o jeito, e ela me permitia cuidar do cabelo de minhas primas, onde quase todos os dias eu ia tentando fazer uma trança diferente”, comenta.

A trancista conta que seu maior público é da quebrada e desde que começou na área, a trança tem sido sua única fonte de renda. Segundo ela, no começo foi complicado até alcançar uma clientela e a confiança do público: “Mas eu estava decidida a ter minha independência financeira, e em questão de tempo, mais ou menos um ano, notei que realmente muita coisa havia mudado”, conta.

Durante o período da pandemia, sua renda mudou, mas ela analisa o cenário e o perfil do seu principal público dentro dessa mudança.

“Teve uma redução, porém nada tão absurdo. São prioridades né, a situação não estava favorável, e como a maior parte de minhas clientes são da quebrada, é algo que dá super pra entender, por muitas vezes abrimos mão de algo para poder ter outro”, afirma a profissional.

“Nessa poética de trançados acabamos por salientar os penteados que nos conectam aos nossos ancestrais que utilizam as tranças também para enfeitar-se ou comunicar algo”

apontam as integrantes do Manifesto Crespo.

Alessandra ainda não abriu turmas para oferecer cursos, mas entre os anos de 2018 e 2020, passou seus conhecimentos como profissional da área para fortalecer outras mulheres da quebrada.

“Em uma conversa com uma colega, ela me falou que gostava muito de tranças e tal, e que tinha pedido umas dicas pra uma outra colega, porém essa mesma não estava na disposição de passar informações básicas, foi onde por um impulso eu falei: ‘Ah se quiser eu posso te ensinar o pouco que sei’, e perguntei pra ela se podíamos nos encontrar um dia pra eu já ir passando umas dicas”, conta Alessandra, que passou alguns materiais e técnicas para a colega.

Ela conta que desde então a colega vem trabalhando na área e sempre que precisa, oferece suporte. “Fico muito feliz por ver a evolução dela na área, e hoje não é a única renda dela, porém durante a pandemia foi o que manteve ela com sua família”, afirma a trancista.

“Eu sempre quis ter esse suporte de alguém, mas eu nunca tive, então acho muito importante ter alguém que acredite na gente e nos incentive a melhorar e correr atrás”

compartilha Alessandra.

A trancista já deu suporte a quatro mulheres, sempre tentando contribuir com o que sabe e fortalecê-las: “Tem quatro pretas pra quem eu dou suporte, de quando pensam em fazer algo que nunca fizeram me chamam e eu passo como e as melhores formas de se trabalhar”, diz.

Ela conta que duas delas não estavam trabalhando, pois devido a pandemia foram dispensadas. “Uma delas trabalhava e procurou por querer poder ter uma renda extra e com o tempo poder ficar só nas tranças, a outra é pra poder aprender a cuidar dos cabelos de suas quatro filhas”, compartilha.

Oferecer cursos é algo que está nos planos de Alessandra, como parte de projetos que ela pretende colocar em prática. “O que me impossibilita no momento é que sou muito fiel ao que sinto, assim como começar a trançar, só dei o passo quando me senti pronta, no momento ainda não sinto que eu conseguiria realmente passar tudo o que é preciso e fora a estrutura, que no momento estou planejando meu espaço”, coloca a profissional. 

“A trança, ela é sim transformadora, porque ela permite que eu transforme a minha realidade a partir deste outro lugar, pensando como geração de renda”

afirmam as especialistas do coletivo Manifesto Crespo.

A partir de saberes passados de geração para geração,  o ato de ensinar, partilhar e fortalecer a si e a outros por meio dessa tecnologia social, muitas possibilidades têm sido criadas e conexões têm sido feitas através dessa tecnologia usada como estratégia de resistência até hoje.

“A trança também é uma linguagem e como tal, se comunica. E é essa comunicação que vai registrando e datando por meio das estilizações dos trançados a nossa história e ilustrando o nosso processo de re-existência”, apontam as pesquisadoras do Manifesto Crespo.

O poder do ouvir: um relato de algumas horas no centro de São Paulo

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No dia 12 de agosto de 2021, novamente fiz algumas caminhadas no centro da cidade de São Paulo e não pude deixar de notar a presença da política ao meu redor. 

Foto: Marcelo Renda @rendaphoto

No dia 12 de agosto de 2021, novamente fiz algumas caminhadas no centro da cidade de São Paulo e não pude deixar de notar a presença da política ao meu redor. A fome gritava como eu nunca tinha visto, nem nos meus anos acompanhando projetos sociais e vivendo em um bairro pobre e sem acessos básicos.

Lembro da primeira vez que vi a face mais dura da fome, eu tinha entre 11 e 12 anos, joguei um pote de sorvete no lixo, na mesma hora um senhor correu e pegou meu pote, eu sentia um misto de sensações, mas eu já não entendia como em um país com tanta comida existiam pessoas comendo do lixo.

No dia 12 de agosto não foi diferente, muitas famílias na rua, muitas crianças na Avenida Paulista em meio a um vento frio pedindo comida, essa era a São Paulo rica, o motor do Brasil, e como eu poderia me orgulhar de morar numa cidade com políticas de austeridade tão cruéis?

Penso neste momento que essas pessoas já não eram pessoas, ao serem vistas morando na rua passam a ser vistas como monstruosidades, não são cidadãs dignas, um incômodo e fedem como o lixo, poderíamos passar por cima delas como se fossem parte da própria rua e ninguém choraria suas mortes. 

Talvez neste exato momento você achou meu texto duro demais ou exagerado, mas a Prefeitura taca água nessas pessoas, confisca seus cobertores e os expulsa de locais onde dormem no frio, elas já são tratadas como eu descrevi, mas no Brasil tudo é velado e a violência mora no nosso olhar. 

Em frente ao Carrefour da Pamplona vejo uma mãe e sua filha, uma cena inédita para meus olhos, já que nunca havia visto alguém pedir comida lá apesar de frequentar há anos. A mãe pedia em voz baixa um miojo “daqueles que vem em pote moça” para ela comer com a filha, eu entrei no mercado atordoada em ver aquela cena e ser parte dela, procurei algo mais útil, tentei encontrar coisas mais saudáveis para comer na rua e que conseguissem gerar sensação de saciedade, no fim, sabia que iria comprar o que a moça pediu, um miojo daqueles de pote, decidi comprar um bolo e uma bebida que crianças costumam tomar.

Assim que fui entregar as comidas para a mãe dela os olhos brilharam, ela sorriu, a mãe me pediu obrigada em voz baixa e eu tentei falar algo melhor antes de virar minhas costas para a fome. O aumento da população moradora de rua não eram os dados, estava no meu olhar, estava na minha frente e na frente de todos os cidadãos que entraram naquele Carrefour sem ouvir essa mãe, e eu não era melhor que eles.

Um pouco mais a frente, entro em uma farmácia onde há três crianças na porta pedindo moedas, uma delas entra para comprar algumas coisas, dentre elas um pacote de fraldas que eu fiquei a noite inteira pensando para quem seria, para a mãe que estaria em outro lugar, para uma irmã, não sei, mas os cidadãos que se consideravam os verdadeiros donos do espaço pareciam não estar confortáveis com aquela sujeira na farmácia limpa, nada de moedas para o que nem é considerado gente, era assim que eu acompanhava quieta aquela cena digna de um filme triste, mas não era sobre isso, era sobre a realidade.

Os trabalhadores daquele local embora também um pouco incomodados olhavam com compadecimento. A pobreza tem várias nuances, mas nós aprendemos, mesmo que de maneira errônea, a nos importarmos. Nós pobres gostamos de dar comida, são heranças ancestrais, apesar disso eles não podiam fazer muito já que ali era seu local de trabalho, assim eu saio de mais uma história, massacrada pela riqueza de São Paulo.

Agora enquanto espero um uber uma senhora passa me avisando para tomar cuidado pois estavam roubando: “acabei de ver uma menininha ser roubada, guarda o celular, eles tão roubando, ela tá chorando lá em cima”. Como em poucas horas eu poderia estar vivenciando tantos tipos de violência? E por que eu era uma cidadã digna até de aviso, mas aquelas crianças não mereciam um olhar?

Pensando nessas coisas eu entro no uber, o motorista era um rapaz jovem, boliviano que morava no Brasil há sete anos e durante aquela viagem nós vamos conversar sobre as condições horríveis de trabalho na uber e na informalidade.

Ele me conta as dificuldades que estavam aumentando, eu vou dialogando com o que sei sobre trabalho e renda, ele me pergunta sobre algumas coisas do Brasil acerca de educação e eu tento sair das minhas caixinhas de linguagens e utilizar formas simples de expressão para falar de temas grandes e complexos, dialogamos e vamos fazendo comparações de educação na Bolívia e no Brasil, eu estava mesmo em São Paulo.

Ser empresário não dá, estudar nem pensar.
Tem que trampar ou ripar para os irmãos sustentar

A Vida é Desafio, música do Racionais Mc’s

Foto: Marcelo Renda @rendaphoto

Mas Agnes, eu não entendi. O que informalidade tem a ver com gente morando na rua? 

Todos esses acontecimentos pautam trabalho, educação, renda e acesso, todos dependem de políticas públicas que visem realmente construir um Estado com um foco para o povo e não para beneficiar o bolso de empresários brancos.

As pessoas estão na rua só por estarem? Uma vida decente garantida com inúmeros outros fatores atuantes não as fariam poder ter um teto? Nosso Estado tem deveres e eles estão e são garantidos pela constituição, mas o que vejo é somente um Estado de direitos para ele mesmo. Ele pode nos matar, nos violentar, permitir trabalhos análogos a escravidão e ainda assim ser exaltado. A nós resta a submissão, o desespero se amanhã teremos o que comer ou seremos tratados como o fedor da cidade e a sujeira da rua.

Tudo isso ocorrendo em meio a uma pandemia que já matou mais de 500 mil pessoas, mas infelizmente nossa população não parará de morrer após o controle da pandemia, pois não morreu somente por isso, nosso país negligenciou diversas políticas possíveis em um país desigual e o governo de São Paulo também.

Para ouvir precisamos primeiro trabalhar nosso olhar, ele precisa se distanciar do que acreditamos e enxergar a crueldade da realidade, onde estamos nela? Serei como o lixo no chão? 

Bruna Bandeira cria outro imaginário sobre a população preta no Instagram

Com mais de 500 mil seguidores, a criadora do perfil ‘Imagine e Desenhe’ desenvolveu uma rede de apoio e representatividade que transcende as barreiras digitais das redes sociais, dando vida a ilustrações que representam ancestralidade, subjetividade e as desigualdades sociais que afetam a população preta e o cotidiano periférico.

A pedagoga e ilustradora Bruna Aparecida Bandeira da Silva, 29, fez da sua paixão pela arte de desenhar um símbolo de representatividade e afeto para a população preta e periférica que a segue nas redes sociais.

Bruna é cria do Cidade Ipava, bairro pertencente à região do M’ Boi Mirim, onde se entendeu como mulher preta e periférica e ambiente no qual colocou em prática os objetivos e projetos que idealizou por tanto tempo.

Ela é a criadora da “Imagine e Desenhe”, um perfil no Instagram que que já se tornou referência de arte digital para internautas negros e negras, justamente por sempre ter como inspiração, manos e manas pretas para protagonizar suas ilustrações.

A página foi idealizada e criada em 2012, quando Bruna ainda estava no processo de formação acadêmica. No corre da faculdade e do trabalho, ela colocou em prática um sonho que a acompanhou pela infância, de trabalhar com arte e poder frutificar a essência da quebrada em que viveu.

Sua família se mudou para o Cidade Ipava quando ela ainda tinha apenas 4 anos de idade, portanto passou sua infância e adolescência morando na periferia. Bruna nos conta que sempre se sentiu bem no lugar onde cresceu. “Gosto de como a gente se sente confortável na periferia. Na periferia ‘cê’ se sente protegido, se sente em casa. A periferia tem aquele aconchego”, afirma.

Dentre muitas metas que a ilustradora conquistou e ainda sonha em conquistar, ela nos contou que tem o intuito de fundar uma instituição para disponibilizar mais oportunidades aos moradores da quebrada.

“Um dos meus maiores sonhos é fundar uma instituição, projeto, informação, cursos, de uma forma que seja de fácil acesso para todo mundo. Porque acho que o que a periferia precisa é de orientação e oportunidade”, ressalta.

Bruna começou a sonhar desde pequena, e foi justamente na sua infância que descobriu sua paixão por lecionar, levar informação e conhecimento ao próximo, mas ainda criança foi diagnosticada com Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDH), onde começou a desenhar como uma forma de válvula de escape, não desenhar por si só, mas criar histórias e raízes através dessa arte.

Foi a partir deste momento que ela decidiu cursar pedagogia, para levar toda sua criatividade para a educação infantil. Tanto que essa se tornou uma das maiores essências da Imagine e Desenhe, onde o nome já diz por si só, suas vivências no ensino médio, na faculdade e já formada, levou a se expressar através de suas ilustrações.

Percebendo que aquilo era muito mais que um dom, em 2012, logo quando o Instagram era novidade para muitos moradores da quebrada, ela criou um perfil pessoal e uma página para a Imagine e Desenhe, que no início era alimentado apenas com desenhos baseados em situações que aconteciam em seu cotidiano, segundo ela, até então nem considerava uma página oficialmente profissional.

“Depois de um fim de relacionamento, aquela coisa adolescente, jovem, vou postar aqui! Aí eu desenhava uma personagem, desenhava todo dia. Pegava frases de música, ai que coisa sofrida”, conta ela, relembrando o processo de criação das primeiras ilustrações de sua autoria.

O processo da página passar a ilustrar personagens negros foi bem intenso, como nos relatou a ilustradora. Ela nos trouxe que no início desenhava meninos e meninas com a pele branca, e que não tinha o entendimento de que aquilo poderia sim ser discutido e repensado.

Foi preciso muitos passos serem dados para a página se tornar fonte de representatividade racial no universo das ilustrações. “Depois de um tempo, entrei para uma casa de dança de pole dance, onde a líder falava sobre aceitação de seus corpos, falava sobre respeito, com seus corpos, seus cabelos e suas raízes. Mas isso era só a base de tudo, comecei a estudar, ir atrás de referências mulheres pretas, para poder ilustrar. E nessa transição, minha personagem mudou. Não conseguia ilustrar só personagens brancas”, relata Bruna.

Nesse meio tempo, a ilustradora passou a receber algumas mensagens de seus seguidores pedindo para que ela ilustrasse também mulheres e homens negros. E todos esses fatores colaboraram para a construção da essência da Imagine e Desenhe, que é levar aos que acompanham, a oportunidade de poder se identificar com as mensagens das publicações.

Oficina e pintura de muros no CRAS Pilar do Sul com as crianças da instituição. Fotos: Bruna Bandeira.

De 2012 até 2017 seus trabalhos e ações foram sem fins lucrativos, apenas atuando voluntariamente em prol de jovens da quebrada. Mas em 2018, foram abertas outras portas para a Imagine, seu nome foi levado até empresas e grandes marcas. Até então, a página era apenas uma rede de apoio e atualmente, possui projetos e parcerias com alguns nomes conhecidos, como a Google, Amazon, TeleCine, Sesc, Instituto Avon, entre outros.

Em 2019, depois de muito esforço e trabalho tanto com a Imagine, onde realizou alguns projetos significativos, quanto como educadora, ela comprou o seu primeiro iPad para profissionalizar ainda mais o seu trabalho, melhorando a qualidade na produção e da entrega.

Mas infelizmente, essas conquistas foram pausadas em 2020, quando Bruna e sua página sofreram muitos ataques e linchamentos virtuais onde a acusaram de plágio. Mas como toda a origem de suas criações sempre foram produzidas com inspiração em alguém ou algum momento marcante, isso confortou a pedagoga em meio a tantas agressões verbais que sofreu na época.

“Meu psicológico ficou bem afetado. Foi quando eu vi que nem todo mundo está lá com você. Achei muito importante esse momento, que foi um divisor de águas e onde resgatei meu propósito, o que me salvou foi minha jornada, foi saber que eu sempre fiz feira, pintei instituição, fazia coisa de graça. Então, sabia que meu trabalho não era virtual, meu trabalho era presencial”, argumenta.

Foi preciso muito discernimento e cuidado psicológico para que toda aquela trajetória não acabasse, mas Bruna se reestabeleceu, relembrou a essência da Imagine e Desenhe e continua até hoje levando sua arte para os corações da quebrada.

Com base nisso, ela estruturou ainda mais o propósito da Imagine e Desenhe, segue subindo nas redes conteúdos que representem as famílias periféricas, mas sempre reforçando que ter o contato com essas vidas e as levando para potencializar as ações é o combustível maior para que toda essa luta se evidencie cada vez mais.

“A Imagine é uma empresa registrada, bonitinho, como uma empresa, pago MEI, faço prestação de serviço e vivo hoje, há 2 anos, da minha arte, em pandemia e no Brasil. E é isso!”, conta ela, orgulhosa do seu trabalho construído com tanta dedicação.

Atualmente, Bruna Bandeira além de viver da sua arte, seja dentro ou fora das redes sociais, faz parte do grupo Mulheres do Brasil, onde apoia as meninas jovens e periféricas em seus trabalhos e projetos de vida.

Solidariedade digital: produtor utiliza redes para mobilizar público e distribuir seu trabalho

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Vamos contar a história de JotaPê, rapper, produtor e vendedor ambulante que aprendeu com seu pai a “fazer dinheiro” e a lidar com o trabalho informal, acreditando nesse como um meio de ser valorizado pelo o que faz e seguir construindo seus sonhos.

“Eu acho que eu sempre tive próximo do trabalho informal, desde pequeno, meu pai sempre vendeu pastel, sempre vendeu hot dog”, assim Jefferson Portugal, 27, começa relembrando sobre seus primeiros contatos no mercado de trabalho informal. Jefferson Portugal, mais conhecido como JotaPê, é morador do bairro Jardim Planalto, localizado no distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, é rapper, produtor e vendedor ambulante e um dos seus maiores sonhos é viver da música.

Quando mais novo, sem muitas oportunidades no mercado formal que ele se identificasse, pela necessidade, aprendeu a construir suas próprias oportunidades, ou como ele mesmo afirma, formas de “fazer dinheiro”. “Quando pequeno eu dava uns pulinho, já juntei latinha, trabalhava em um samba que tinha próximo de casa que na época era muito consumido garrafa de cerveja, então eu recolhia a garrafa”, conta.

Ele ainda complementa: “Meu pai ganhou um pisca-pisca, que ele ganhou no evento que trabalhava e eu fui vender esse pisca-pisca na feira para pagar minha formatura, então sempre teve próximo, acho que na de precisar fazer dinheiro, na falta de um trabalho formal eu sempre fui em outro”.

JotaPe conta que em todas suas experiências de trabalho no mercado tradicional sentiu que seu trabalho não foi valorizado e na busca de esperar um reconhecimento, recebeu uma demissão. “O que mais me motivou a tomar essa decisão é questão de se valorizar, acho que ninguém é melhor para valorizar mais meu trabalho que eu”, afirma.

O vendedor conta que trabalhava em uma empresa onde estava sendo elogiado, entregava mais do que precisava e ainda assim foi mandado embora, então decidiu trabalhar para si. “Então eu falei: ‘não, vou focar em mim’, então vou trabalhar pra mim, não vou ficar trabalhando pra ninguém mais, eu vou dar meu esforço pra mim e se der certo, o bagulho estourar, vai ser meu e vai me deixar mais estruturado, vai proporcionar minhas realizações”.

Além do trabalho como vendedor ambulante, JotaPê também cuida da construção e desenvolvimento da sua carreira como rapper. Para divulgar seus trabalhos artísticos e seus correntes do dia-a-dia, ele utiliza as redes sociais como vitrine, buscando construir vínculos com a sua comunidade virtual, tendo como sua maior estratégia digital a de ser ele mesmo.

“Na hora de tratar qualquer assunto, de falar com qualquer pessoa, eu tô sempre fazendo contato, tanto no dia a dia ou na internet, de diferentes âmbitos, a gente vai criando vínculo com as pessoas, e ai através do que eu posto, das coisas que eu faço, eu vou colocando nas redes do facebook e as pessoas vão me conhecendo, criando credibilidade em cima de mim e do que eu falo, vendo o meu dia-a-dia, vendo as coisas que eu faço”, conta JotaPê.

“Quando eu preciso trabalhar alguma ação, seja ela coletiva ou pessoal, eu geralmente uso essas redes, eu posto lá esperando que isso tenha um retorno positivo”.

Solidariedade digital 

 “Só um relato triste ou frustrante, sei lá”. Assim começou o depoimento que Portugal compartilhou em sua rede no facebook contando sobre o final de um dia de trabalho vendendo tripés dentro do ônibus que perdeu em torno de R$200 de mercadoria. Essa foi uma das ocasiões que o vendedor utilizou a internet em seu benefício, e como resposta encontrou pessoas que o fortaleceram.

JotaPê estava vendendo tripés para celular pelas linhas de ônibus em São Paulo, e distraído, ao descer do veículo, percebeu que havia deixado a sacola com as mercadorias dentro do ônibus. “Quando desci, fui pro outro ônibus e percebi que estava sem a sacola, só que nisso que percebi o busão da frente já foi saindo”, descreve JotaPe sobre o ocorrido.

Na esperança de resgatar sua mercadoria, tentou alcançar o ônibus e descobriu que alguém já tinha levado sua mercadoria. “Aquilo tinha me deixado bem bravo, eu fiquei um tempo sentado, sem fazer nada, ali pensando, aí eu olhei no relógio, falei ‘acho que tenho um pouquinho de dinheiro ainda, dá pra gente repor as mercadorias, comprar uma coisinha e tentar’, pra não parar, né”, relembra.

Nessa situação, ele recorreu a sua rede na internet. “Fiz um relato na internet sobre o que tinha acontecido e pedindo pras pessoas compartilharem, pra ver se chegava pra quem achou, pensando se ela ta na região, pode chegar a devolver se chegar via postagem”, conta JotaPe, que através dessa postagem as pessoas de sua comunidade virtual começaram a se mobilizar pelos comentários pedindo o número do seu pix.

“O pessoal foi mandado, foi chamando no chat, foi contribuindo, 5, 10 reais, e de um dia pro outro a gente levantou, eu lembrava que entre 150 a 200, ai eu lembro que eu levantei 185 reais, ai peguei, tirei o pix dos comentários, depois eu fui agradecer o pessoal na internet.”

“E literalmente salvaram a minha semana, que eu estava contando com uma prioridade bem grande pra dentro de casa e o pessoal ajudou legal, e ajudou a dar continuidade para o dia seguinte. No caso foi uma coisa bem espontânea, eu estava lá no intuito de tentar reaver as coisas que tinha perdido e no fim das contas as pessoas reaveram o valor que eu tinha perdido”, conta JotaPe sobre a mobilização que gerou nas redes.

“De fato eu não tava esperando, eu fiquei muito grato tá ligado, surpreso, porque às vezes quando é uma campanha que você já ta correndo atras, já é complicado né, aí você vê essa mobilização partindo para te ajudar, do nada, pra mim foi fantástico, eu realmente não tava esperando, fiquei muito surpreso e feliz”, afirma. 

 O corre não pode parar

Jotape acamado depois de fraturar a perna durante o trabalho (creditos: Kimberli Basto)

Pouco menos de dois meses do ocorrido com a perda da mercadoria no ônibus, em junho deste ano, JotaPê sofreu um acidente enquanto trabalhava e quebrou a perna. “Eu tava descendo do ônibus, aí o ônibus começou a andar, eu fui descendo, quando eu desci, apoiei o pé no chão, meu corpo girou e eu quebrei a perna, ai eu to com uma fratura na tíbia, de repouso desde então”, conta o produtor sobre o acidente que sofreu no final do dia de trabalho, um mês e meio depois de perder sua mercadoria.

As recomendações médicas foram de imobilização da perna por no mínimo dois meses, o impedindo de fazer qualquer atividade com esforço físico. “Cada hora vem alguém aqui em casa visitar, vê se precisa de alguma coisa, pra eu tentar ajudar em alguma coisa, e coisa que é difícil até pra mim lidar, porque eu sou a pessoa que tem que fazer algo, vai lá e faz, agita rápido, sem ficar esperando outras”, compartilha. 

Com os boletos chegando, ainda em repouso e fazendo fisioterapia, o produtor pensou em também usar as redes sociais e contar com a mobilização da sua comunidade para conseguir se manter durante esse período, criando uma vaquinha online.

“Vou ver se o pessoal me dá uma força aí, na internet, pra me manter até esse período que eu precisar ficar de recuperação, pagar o aluguel, água, luz, eu já ia ficar mais tranquilo”, afirma Portugal.

“Pedi essa força pra galera, porque de fato atualmente eu nao tenho o que fazer, coisas que vendia online, eu dependia de mim pra ir buscar mercadoria, para enviar mercadoria, então eu to sem muito o que fazer, eu vou contando com a ajuda das pessoas que estão mais proxima e da internet ai

Mesmo com todas as situações que afetam sua saúde mental e física, ele reflete sobre o mercado formal e sobre outras pessoas que também estão tentando conseguir um dinheiro e analisa que, para ele, as possibilidade do mercado formal são tão escassas como informal.

“Dificilmente me enquadro no mercado atual, ainda mais com o salário atual, a falta de benefício, às vezes eu converso muito com o pessoal. Poxa, vou sair da rua e ganhar um salário mínimo? não vou, tá ligado!? Porque eu sei que na rua eu faço mais que isso, na falta de apoio atualmente, você tem o que de apoio para o trabalhador atualmente? dos mais novos aos mais velhos”, reflete JotaPê.

Ele também analisa as vantagens e desvantagens de todo cenário que envolve o mercado de trabalho.”As pessoas elas sabem das dificuldades, mas muitas estão satisfeitas de estar ali, é trampando pra si, porque querendo ou não tem uma certa liberdade de horário, querendo ou não, tem uma certa liberdade de dia, tem a sua responsabilidade sobre o que você faz, você não fica tanto a mercê dos outros, a não ser dos clientes”, relata. 

“Tem pessoas que trabalham na rua comprando e revendendo mercadoria, que é o meu caso, tem pessoas que trabalham na rua com matéria prima própria, tem umas minas que conheço que elas vendem caldo no ponto de ônibus, vende cocada e são coisas que eles mesmo preparam em casa”

Um dos doadores da vaquinha online online do JotaPê é seu ex-colega de classe, que preferiu não se identificar, e conta que mesmo com a distância observa o produtor pelas redes sociais.

“Eu vejo quando ele lança as músicas, escrevo lá no canal, mas assim, eu não uso muito mais o facebook, aí vira e mexe quando aparece uma coisinha lá eu tento interagir, seguir o spotify, essas coisas”, conta o colega de JotaPê.

O ex-colega de turma conta que se solidarizou diante da história do JotaPe por lembrar de parte da sua família, que também trabalha como autônoma. “Vendo o acidente acabei me identificando por causa do histórico da minha família, de pessoas da minha família, o pessoal é tudo autônomo, eu sei como é complicado. Meu avô, meu pai, minha mãe, a gente tudo tem comércio próprio, trabalho saindo na rua, meu avô ele era vendedor também, e é complicado, né”, afirma. 

“Foi mais uma identificação de saber como é difícil a vida de autônomo, sem ter muitas opções, tem a pandemia também que dificulta tudo, já dificulta só pelo fato de trabalhar em ônibus e tudo com risco de infecção. Machucar a perna para se locomover durante um tempo é complicado, então foi mais isso de se colocar no lugar”

Ele diz que sempre fica na torcida para que JotaPê consiga realizar seus sonhos. “São pessoas que a gente cresceu junto em um período da nossa vida, a gente acaba torcendo pra pessoa conseguir alcançar o sonho dela”, coloca.

O colega de JotaPê conta que não é com muita frequência, mas que pelo menos algumas vezes durante o ano acaba ajudando alguma campanha. “Alguma causa que eu encontro assim na internet, alguma coisa que acaba surgindo pra ajudar e é muita daquela questão né, as vezes é só 10, 20 reais, você só tem que deixar de pedir um ifood, deixar de comprar uma coca, e você ajuda pra caramba ali numa causa”, finaliza.

JotaPê segue fazendo fisioterapia e buscando novas possibilidades, investindo na sua atuação como rapper e produtor e segue com a vaquinha online aberta. 

Arte educadora utiliza o grafite como forma de expressão e apoio a maternidade solo

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 A arte educadora Mariana Salomão, encontra no grafite o matriarcado de quebrada e conta as tretas de ocupar os espaços públicos com a sua arte.

 Mariana Salomão, 41, é grafiteira, arte educadora, mãe solo e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ela se formou em educação artística e começou a dar aulas na rede estadual, trabalho que desenvolve há vinte anos. Através da pós-graduação na Unesp, voltada para a promoção da igualdade racial nas escolas, a arte educadora começou a pesquisar e trabalhar a linguagem do grafite em sala de aula.

“Mais ou menos em 2013, peguei um spray e começou minha jornada de ir pra rua, de sentir o que é o grafite, de me encontrar, encontrar uma forma de expressão que me representasse mais, eu já era mãe e comecei assim”, conta Mariana Salomão.

Ela afirma que o grafite foi o encontro com a sua identidade como artista, e a partir daí começou a se questionar e entender o seu lugar dentro da sua comunidade.

“Encontrei no grafite o matriarcado de quebrada, que chamo de estar dentro da comunidade, junto com as mães, com as avós, com essa rede de mulheres que movimentam a quebrada mesmo. Essa rede de apoio”, reflete a arte educadora sobre ser mãe e artista na quebrada.

Mariana afirma que o grafite foi uma forma de criar redes e fazer conexões, compartilhando as vozes das mães correrias, a mãe solo periférica: “Dentro desse patriarcado que oprime muito a gente e sobre a culpa, né. Dizem que nasce uma mãe, nasce uma culpa, tento representar mesmo o que a gente passa”, diz.

Ao longo da sua trajetória como grafiteira, Mariana encontrou muitos desafios e relata momentos em que seu trabalho sofreu apagamentos. “Uma mulher na rua é sempre um corpo vulnerável”. afirma.

Ela compartilha que quando teve a oportunidade de ser artista convidada de um encontro de estencialistas, modalidade do grafite, teve seu trabalho barrado por envolver questões políticas.

“Coloquei Marielle Presente, gerou uma discussão, eu vi que meu trabalho estava sendo censurado. O organizador não se posicionou, não tive suporte e vi que ia ser apagada, e isso foi um evento, tá tudo registrado”, relata.

“Como sou mãe solo, comecei a assinar como mãe correria e usar o grafite como forma de expressão disso mesmo, de falar sobre o peso e a responsabilidade que a gente carrega dentro da quebrada”.

Mariana Salomão, arte educadora e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo.

Ao conversar com a artista visual, antropóloga e grafiteira Carolina Itzá, que desenvolveu uma pesquisa chamada ÚTERO URB, uma residência artística autônoma pela América Latina, ela explica que essa dinâmica de apagamento de trabalhos no espaço público é comum e atinge com frequência alguns grupos específicos de artistas.

“Os trabalhos de mulheres, feitos por mulheres e dissidentes de gênero, também são tratados na rua como os nossos corpas, isso porque existe uma solidariedade masculina que tenta fazer com que essas expressões voltem para o seu lugar de subalternidade”, analisa Itzá.

Carolina Itza é artista visual e antropóloga. (Foto: Carolina Carmo)
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“É uma aliança simbólica expressiva, quando um homem atropela um trabalho de uma mulher, que é uma coisa muito frequente, ele tá dizendo, além de danificando o nosso trabalho: ‘olha aqui eu sou solidário aos outros homens, vocês vão pra invisibilidade, vocês vão pra um lugar apagado na cidade'”, coloca a artista visual e antropóloga.

“E também quando tem imagens de mulheres, imagens que remetem a corpa feminina, também esse trabalho pode ser danificado”, analisa Itzá.

Marina reforça a importância da arte como forma de existência e representação de um lugar político. “Acredito que a arte é política e não vejo outra maneira de fazer minha arte”.

Para a arte educadora, o ato de estar na rua com o seu corpo e o seu filho, sempre nos corres, é uma afirmação do seu poder de questionar os espaços da arte e o machismo como uma mulher preta, sapatão e mãe solo.

“Estou falando de um apagamento, de um silenciamento, de uma referência a uma mulher que representa muita coisa, uma força muito grande”, ressalta.

Ela também aborda a arte como um lugar de representação e questiona as homenagens e monumentos espalhados pela cidade com referências a figuras como Borba Gato.

“E esse Borba Gato que representa um assassino? Monumentos também são arte de rua, o que a gente quer preservar dessa história? Mas é história, tem que preservar, mas você vai preservar uma homenagem? E a imagem da Marielle sempre sofre ataques. Até uma resposta a esse incêndio do Borba Gato foi ir lá e pixar a Mariele”, reflete Mariana.

A antropóloga Itzá, ressalta que a rua tem um alcance muito maior, e que as respostas das ruas são imprevisíveis, diferente do que acontece em um ambiente controlado como em um museu. Isso implica uma responsabilidade com o discurso e com a exposição do artista e da obra, já que é um ambiente de disputa de narrativas.

“O imaginário não é só algo abstrato que fica na nossa cabeça, a gente acha que uma pintura é só uma pintura, mas não é, uma pintura ela tem poder. Então essa ação do Borba Gato entra em sintonia com outras ações que têm sido feitas não só no Brasil, mas na América Latina inteira”, analisa Itzá.

Ela reforça que essas movimentações e questionamentos, são um movimento não apenas do Brasil, mas na América Latina.

“Muitas vezes as pessoas tentam neutralizar as tretas que vem acontecendo, desse genocidio, mas num país com o histórico de violência como o nosso, isso é difícil. Essas ações de insurgência têm sido feitas necessariamente em lugares que não são centrais, aí tem uma coisa nova, você começa a movimentar outros territórios”, coloca.

A rua sendo um espaço público, coloca os trabalhos que ali estão num estado de constante mudança e sujeito às interferências da população. Assim, a construção de monumentos e homenagens deveriam ser mediadas pelo poder público através de restaurações e debates abertos.

Nos últimos tempos, devido às ações em torno da estátua do Borba Gato, na zona sul de São Paulo, esse movimento se intensificou pela cidade, e como analisa Itzá, vários trabalhos entraram no “território de disputa de imaginários”, que coloca a rua como esse território de disputa imagética, com movimentos de insurgências e reavaliações históricas acontecendo por toda América Latina.

“Cabe a nós traçarmos as melhores estratégias para estar nessa guerra, para sobreviver e manter vivo o nosso imaginário”, conclui Carolina Itzá.

Biblioteca comunitária usa delivery para enviar livros às crianças moradoras de Perus

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Mais de 100 empréstimos de livros já foram realizados pela biblioteca comunitária que vem atuando em formato online, mostrando o interesse dos moradores de Perus pelo universo da leitura.

Emily é uma das crianças que tem recebido livros em casa. (Foto: Alessandra Cristina)

‘Muito obrigado Tia Carol por fazer voar minha imaginação’, foi um dos agradecimentos escritos em uma carta por uma criança de oito anos, enviada para a gestora cultural Carolina Araújo, uma das agentes culturais que organizam o projeto de delivery de livros na Ocupação Cultural Canhoba, um espaço comunitário de integração, criação, formação e fruição artística, localizado em Perus, bairro da zona noroeste de São Paulo.

Em 2019, os integrantes da ocupação cultural inauguraram uma biblioteca comunitária, para fomentar a leitura entre as crianças do território. Mas após o crescimento da pandemia de coronavírus determinar o encerramento das atividades presenciais do espaço comunitário de cultura, adultos e crianças do território foram diretamente afetadas pelo fechamento do equipamento cultural.

A gestora cultural Caroline Araújo, conta que a pandemia afetou a empolgação das crianças que estavam começando a descobrir a biblioteca comunitária. “As crianças estavam super empolgadas, a gente estava com um grande público infantil, mas em março de 2020 a gente fechou, por conta da covid-19”, relata.

Com a ocupação cultural fechada durante a pandemia, os agentes culturais que fazem a gestão do espaço começaram a receber algumas mensagens dos pais de crianças que frequentavam a biblioteca comunitária, perguntando quando o espaço iria reabrir e retomar as atividades.

A partir deste momento, os agentes culturais começaram a pensar em possibilidades para as crianças do bairro de Perus voltarem a ter acesso aos livros da biblioteca comunitária. E foi nesse processo que surgiu a proposta de criar um delivery para entregar livros.

Carol durante a organização dos formularios Créditos: Djair Silva

“A gente teve a ideia de montar um delivery pra gente suprir essa necessidade da falta de livros, as crianças precisam de leitura nessa pandemia”, diz a gestora cultural.

 Ela ressalta que o delivery de livros garante que os pais fiquem seguros em casa e não precisem sair para retirar livros para os filhos. “Muitos pais queriam ir ao espaço retirar livros, aí pra que todo mundo ficasse em casa seguro né, e a ideia é que todo mundo consiga pegar livro emprestado.”

A primeira ação do delivery de livros aconteceu em 2020 e se chamou: ‘Leia e devolva sem sair de casa’. No mesmo ano, a ocupação cultural foi contemplada com um edital de fomento ao teatro para a cidade de São Paulo, que chegou no momento certo para ajudar a financiar o projeto de entrega de livros.

“Tendo verba a gente consegue fazer os empréstimos de livros via delivery, e quem faz as entregas é o motoboy, que a gente contratou aqui da região de Perus. Ele faz as entregas pra gente, e o empréstimo é feito por meio de um formulário online, que a gente manda para as famílias”, explica a gestora cultural.

Ao acessar o formulário, as famílias têm acesso ao acervo de publicações para escolher os livros. A litsa conta com a imagem de capa do livro, uma sinopse, e indicação de faixa-etária adequada para leitura.

Para sistematizar esse processo de entrega e catálogo de biblioteca em um formato de biblioteca online, os agentes culturais da Ocupação Cultural Canhoba criaram um banco de dados utilizando a plataforma de planilhas do Google, um processo simples e inovadores, que vem garantindo acesso ao livro e a leitura na região.

“Eles escolhem até dois livros para pegar emprestado e devolvem depois de 15 dias. A gente vai até a casa da pessoa e retira o livro, que é embalado e entregue numa sacolinha de Craft, e nesse formulário eles também fazem o cadastro, inserindo nome do responsável, registro geral, nome da criança e tem uma data que a gente já agenda com ele, informando o dia que a gente vai entregar o livro na sua casa, no endereço que eles passaram”, conta Araújo.

Mais de 100 empréstimos de livros da biblioteca comunitária online já foram entregues aos moradores de Perus. O foco tem sido impactar as crianças do bairro, fomentando o acesso ao livro e a leitura.

“A nossa biblioteca comunitária tem um acervo adulto, mas só que a gente não conseguiu catalogar ainda, é um acervo grande de literatura, enfim tem todas as áreas, mas o foco que a gente tá tendo agora são as crianças, elas estão com um tempo muito ocioso em casa, algumas não tem indo pra escola, e é aquilo muitas não tem acesso à internet, pra elas não ficarem muito na rua, até para dar um sossego paras as mães que estão em casa, a gente sabe que as crianças também estão super estressadas, por conta da pandemia, e com a leitura ela dá uma acalmada, ela dá uma centrada “, avalia a gestora cultural.

De maneira mensal, o grupo já realizou 13 ações, e um dos principais impactos desse processo de incentivo à leitura é o aumento da procura de moradores de outros bairros nos arredores de Perus que vem procurando a biblioteca comunitária para ter acesso ao empréstimo de livros.

“Por enquanto a gente não consegue atender os outros bairros, mas já viram umas pessoas pedindo e solicitando, mas a gente não consegue”, relata Araújo, apontando que o projeto ainda não tem condições de atender demandas de outros bairros, além de Perus.

Vendedora de cachorro-quente em Osasco se reinventa na pandemia

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Ivone Silva e sua família trabalham vendendo cachorro-quente na cidade de Osasco há mais de 20 anos, mas diante da pandemia da covid-19, a ambulante precisou encontrar novas formas de continuar com seu ofício e gerando renda.

Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

“A pandemia trouxe muito desemprego, muita gente passando necessidade. Pra sair disso a gente tá precisando se reinventar de alguma forma, porque você precisa de um dinheiro.” 

Conta Ivone Silva, 55, moradora do Jardim São Pedro, em Osasco.

Se sustentar como ambulante sempre foi um caminho cheio de dificuldades, mesmo antes da pandemia da covid-19. Em Osasco, região metropolitana de São Paulo, os ambulantes mais famosos são os do carrinho de cachorro-quente. A cidade, inclusive, é considerada a capital brasileira do alimento.

Segundo dados oficiais da Prefeitura de Osasco, em 2019, ano anterior à pandemia, o município vendia por dia cerca de 40 mil cachorros-quentes em 600 barracas espalhadas pela cidade. Só na rua Antônio Agu, conhecida como calçadão de Osasco, haviam mais de 50 carrinhos.

Dona Ivone Silva, que nasceu e cresceu em Osasco, se incluía nesse grupo, porém, com a pandemia, passou a trabalhar de casa e não mais no centro da cidade de Osasco. 

Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

O trabalho com cachorro-quente vem de família, desde seu pai, hoje aposentado. Como a família toda é ligada ao negócio, a queda de vendas na pandemia consequentemente afetou a todos.

“Aqui em casa nós ficamos assim, todos dependendo do meu pai, que é aposentado. Porque ficou todo mundo parado. Renato, meu filho, não voltou a trabalhar até hoje. Ele trabalha no Ceasa, e lá o negócio tá mal, ein. A maioria da gente trabalha nisso. Só que meu pai parou devido a idade”, conta Ivone, que hoje é quem comanda o carrinho.

Foto: Mateus Fernandes

Com a queda no número de clientes, a solução foi vender de casa 

Segundo a Fecomercio-SP, o calçadão de Osasco recebia em média mais de 350 mil pessoas por dia, número que fica atrás apenas da rua 25 de março em São Paulo. Com a chegada da pandemia o número de pessoas visivelmente diminuiu.

“No começo da pandemia eu ainda estava lá (no centro de Osasco). Depois que foi avisado que ia fechar e que tava formando um circuito de pessoas infectadas, aí diminuiu uns 70% (o número de pessoas circulando). O calçadão ficou vazio. E conforme ia noticiando, foi diminuindo mais.”

analisa a vendedora ambulante.

Ivone conta que ainda assim encontrava muita gente circulando sem os cuidados necessários. “Mas mesmo assim tinha gente indo, até sem máscara no começo. Porque tem gente que não acredita na doença, cê entendeu!? Mesmo com os infectologistas falando eles não acreditam né”, diz.

“A gente geralmente colocava 100 pães no carrinho. A meta da gente é vender os 100 pães no dia. Se não vendesse, ficava pro próximo dia. Conforme a pandemia, sobrou muito pão”.

E a observação dessa diminuição do movimento no calçadão compartilhada por Ivone foi registrada também na pesquisa do Diário da Região, mostrando que a venda de cachorro-quente no calçadão de Osasco caiu 60% durante a pandemia.

Além disso, para comercializar na principal rua da cidade é necessário uma licença paga diariamente. Sem condições de ficar pagando o aluguel, a solução encontrada por Ivone foi trabalhar dentro de casa. “Quando eu vi que deu um mês e nada, eu comecei a trabalhar lá na minha cozinha, com entrega. Aí eu entregava pelo iFood e aqui na porta mesmo”, relata.

Ivone conta que precisou do apoio dos filhos para inserir seu negócio nos aplicativos de delivery e se reinventar. “O pessoal tá usando tanto essa palavra, mas é verdade. Hoje o pessoal precisou se reinventar. Então meu filho fez uns combos no Ifood. Ele foi pesquisando e montou. Daí chamou a atenção das pessoas”, conta.

“A gente procura temperar bem o lanche pra pessoa gostar, aí a pessoa pede de novo. Porque assim, o cachorro-quente que faz o público. Esse público já existe mas é como qualquer comida: você vai num lugar, você gostou, você vai lá sempre. Assim vai formando a freguesia. Geralmente de sábado, de domingo, o pessoal prefere comprar lanche”, afirma Ivone.

Aumento nos preços dos alimentos 

Na contramão da baixa no número de clientes, houve o aumento no preço dos alimentos. Segundo os dados do IPCA sobre a inflação oficial do país, os preços das carnes subiram 2,24% em maio de 2021, acumulando 38% de variação nos últimos 12 meses. Por trabalhar com alimentos, Ivone sentiu esse peso não só na mesa dentro de casa, mas também diretamente em seu trabalho.

“O que aumentou pra gente mesmo foi a salsicha. Salsicha a gente não tá encontrando preço que precise comprar. A gente tinha dois fornecedores de salsicha antes. Hoje em dia não é mais. Um dos fornecedores foi vendido. A batata também aumentou bastante”, analisa.

Tal aumento, é claro, também refletiu no preço do cachorro quente.

“Tinha de 3, de 4, de 5 (reais). Dependendo do cachorro-quente, né. Agora não, já aumentou tudo. Eu tinha prato de 10, até prato de 8. Agora é prato de 12, de 15 (reais). O cachorro quente mesmo, o completo agora é 7 reais. Mas agora em Osasco (no centro) já é 8 o completo.”


Existe toda uma estrutura para manter a indústria do cachorro-quente. Os que se candidatam para trabalhar no centro de Osasco, precisam passar até por um curso em parceria com a prefeitura.

E é difícil trabalhar sozinha. Hoje, aos 55 anos, Ivone conta com a ajuda de Val, que a auxilia nas produções e vendas. “E vai aprendendo na prática, precisa de alguém que te ensine, porque não é fácil. Eu ensinei a Val, ela não sabia fazer lanche”.

Ao lado, Val brinca: “Mas eu tô aprendendo ein”.

“Já aprendeu bem. Já faz no prato, já faz tudo. E eu vejo como gerando emprego, né. Porque eu preciso dela, ela precisa de mim. Ela também tava parada, precisava ganhar dinheirinho. E assim uma ajuda a outra aqui. E vai indo”, afirma Ivone.

Preocupação com a saúde

A queda no número de clientes e vendas não foi a única razão de Ivone preferir trabalhar de casa. A preocupação com a saúde também foi determinante.

“O povo é desobediente, né. Porque tá sabendo e mesmo assim continua (sem usar máscara). Eu vou dizer uma coisa pra você, as pessoas, elas só vão se preocupar mesmo quando acontecer com alguém da família delas. Do contrário, se você olhar, olha na rua aqui mesmo, aí você já tem uma base”, analisa. 

“Eu cheguei a ver, amigo do meu filho que ficava aí nesse bar e agora tá na intubação, já faz 3 meses. O médico diz que o pulmão dele não reage”

 conta a ambulante.

Ela reforça a necessidade dos cuidados que toma ao trabalhar na rua. “Eu não peguei essa doença porque eu me cuido muito. Eu sou diabética então assim, em Osasco eu não tirava a máscara um minuto do rosto. E eu troco de máscara durante o dia. Mas houve uma necessidade de eu trabalhar lá no centro no começo, porque meu filho Renato não arrumou emprego”, compartilha.

“Nem tudo está perdido. Há coisas que a pessoa não quer dar um passo atrás. Tem que esperar surgir uma porta. Agora essa porta não tem. Mas se a gente for esperar, da onde vai vir dinheiro? Não vai vir do prefeito, do ministério. A doença continua aí. Na vida a gente tem que recomeçar.”

Apesar de tudo, Ivone conta que ainda olha para o futuro com esperança.

“É ter a mente aberta pro simples. Não adianta começar do grande, tem que começar do pequeno. Mesmo a gente querendo pra ontem, não é assim. A gente quem tem que pensar o que vai fazer, em como melhorar nossa vida, seja como for. E assim vai”, finaliza Ivone.

“Essa lesão mudou a minha vida”, conta Gizele Dias, paratleta da seleção brasileira e moradora de Mogi das Cruzes

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Foi através do vôlei sentado que Gizele realizou o maior sonho de sua vida: vestir a camisa da seleção brasileira e competir no esporte que ama desde criança.

Com a medalha de bronze conquistada pela seleção brasileira feminina de vôlei sentado nas Paralimpíadas do Rio 2016, em Tóquio 2020 as jogadoras almejam mais uma vitória. Entre as paratletas do time está Gizele Costa Dias, 43 anos, moradora de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Comemoração da equipe com a vitória contra a Ucrânia nas Paralímpiadas de 2016. Foto: Francisco Medeiros

O vôlei acompanha a trajetória de Gizele desde antes dela entrar para a seleção brasileira em 2009, e até mesmo antes da lesão que sofreu em 2007, que a fez entrar para a modalidade paralímpica. Incentivada pelo pai, seu João, 79 anos, que gostava de jogar bola com os colegas do trabalho, ela começou a criar uma paixão pelo esporte, mas diferente do pai, ela escolheu outra modalidade e começou a treinar com 9 anos.

Ainda criança, Gizele estudava na EMEF Coronel Almeida, em Mogi, e quis fazer parte do time de vôlei da escola.

“Desde o colégio eu venho praticando essa modalidade que eu escolhi pra minha vida. Eu queria ter 18 anos pra jogar com as meninas mais velhas e com 12 eu já jogava entre elas”

A partir daí, a prefeitura de Mogi das Cruzes decidiu montar um time para representar a cidade nos campeonatos regionais, e o desejo de se tornar jogadora profissional no esporte, virava realidade para Gizele.

Durante todas as trocas de time a equipe não se separava. Se uma ia, todas iam, e foi com essa amizade que Gizele entendeu a missão mais valiosa do esporte.

“A minha relação continua igual como se nada tivesse acontecido, como se a gente não tivesse se separado. Eu tenho contato com todos até hoje, eu tô aqui e elas estão me mandando mensagem”, relata sobre as amizades que construiu ao longo do tempo com Fabi, Cilene, Cintia, Tânia e Márcia e outras jogadoras.

Gizele e as paratletas Nathalie Silva, Edwarda Dias e Laiana Rodrigues recebendo a medalha de prata nos jogos Parapan-Americanos de 2019, em Peru. Foto: Arquivo pessoal

Além das amigas, o pai e a mãe dona Judite, 81 anos, são os seus maiores apoiadores e vibram com cada conquista da filha como se fosse deles: “A minha melhor torcida são eles”, conta.

Gizele representou Mogi por um ano, mas o time que a adotou foi Ferraz de Vasconcelos, no qual a jogadora ficou por 12 anos. Depois representou a cidade de Campos de Jordão por um ano, e foi para o time de Poá, quando aconteceu a partida que mudou sua vida.

Representando Poá contra a equipe de Cruzeiro, nos jogos regionais de Ubatuba em 2007, Gizele sofreu uma lesão ao torcer o joelho esquerdo e se desequilibrou. Ao bater com o pé no chão, seu fêmur foi para dentro e a tíbia para fora. Na mesma hora ela sentiu que aquele era um ferimento grave e poderia comprometer a sua carreira.

Após o acidente, Gizele, na época com 30 anos, estava vivendo um início de depressão, pois a recuperação estava lenta e apesar da lesão não comprometer sua mobilidade na hora de caminhar, ela teria que desistir do vôlei em pé por conta dos impactos da movimentação do esporte em quadra. Foi quando a amiga, Fabi Teles, apresentou a modalidade sentada.

“Ela me encaminhou a essa modalidade que hoje é minha vida e eu sou dedicada 25 horas do meu dia. Ela falou: ‘Gi, por que você não conhece?’. Seja vôlei sentado ou vôlei em pé, eu tô indo!”

afirma Gizele.

 A amiga recomendou que Gizele procurasse pelo Sesi de Suzano, que oferece capacitação esportiva gratuitamente e ajuda a formar atletas de diversas modalidades para competições. O treinador do Sesi, Ronaldo Oliveira, era o mesmo que treinava a seleção brasileira de vôlei sentado na época.

A jogadora conta que nunca vai esquecer do misto de sensações que sentiu no instante em que entrou no ginásio: “Quando eu entrei na quadra eu vi aquele monte de próteses encostadas na parede, foi chocante, pelo lado positivo. Eu vi aquelas pessoas sem perna e felizes da vida correndo para lá e para cá com as mãos e pensei: é aqui que eu quero estar!”, relembra emocionada.

“O vôlei construiu meu caráter e me fez quem sou hoje”, relata Gizele sobre a modalidade. Foto: Washington Alves EXEMPLUS/CPB

Quando conheceu o treinador Ronaldo, ele a instruiu a fazer uma série de exames para uma classificação funcional do tipo de deficiência. O resultado dos exames foi de uma lesão neurológica periférica (lesão de nervo fibular na perna esquerda), sendo que a classificação era de deficiência mínima. Em uma equipe de vôlei sentado só é permitido duas atletas com deficiências mínimas, uma em quadra e outra no banco de reserva.

Com a equipe do Sesi Suzano completa, ela foi competir por Jacareí e logo foi convocada para a seleção brasileira em seu primeiro ano, em 2009. Desde então está há 12 anos como levantadora e carrega muito orgulho pela modalidade que transformou sua vida, já que até 2007, tentava entrar para a seleção, e conseguiu através do vôlei sentado ter esse sonho realizado.

A paratleta jogou por Jacareí até 2012, depois ficou oficialmente com Ronaldo no Sesi de Suzano, onde conquistou o título de octacampeã brasileira. “É pra ele que dedico todas as minhas conquistas”, diz carinhosamente sobre o treinador que acreditou em seu potencial desde o primeiro dia.

Instalada na Vila Paralímpica, em Tóquio, Gizele teve uma partida algumas horas depois da entrevista com o Desenrola. Empolgada antes de cada jogo, ela lamenta sobre os torcedores não poderem acompanhar a trajetória da seleção e vibrarem com ela, pois conta que o torneio não recebe a mesma cobertura midiática como as Olimpíadas.

“Nós ainda somos tratados como ‘os deficiente que chocam’. Salvo as exceções do atletismo e natação que são bem divulgados, o vôlei ainda tá bem precário a divulgação”, dispara. Além disso, Gizele comenta que os paratletas precisam ser tratados iguais aos atletas olímpicos, pois se dedicam na competição de alto rendimento de maneira igual.

Para Gizele, durante toda a trajetória na modalidade, o lado positivo está começando a superar o negativo, e a mídia está um pouco mais do lado das paratletas. No dia 31 de agosto de 2021, o jogo contra a Itália foi televisionado por um canal fechado e os familiares e amigos de Gizele conseguiram assisti-la representar o país.

Ainda assim, há muito o que conquistar nessa cobertura, pois apesar de alguns jogos paralímpicos serem transmitidos ao vivo na televisão, em sua grande maioria são exibidos em canais fechados, com acesso limitado a grande parte das pessoas.

Equipe técnica e paratletas da seleção brasileira feminina de vôlei sentado, nas Paralimpíadas de 2020, em Tóquio. Foto: Divulgação

No momento, Gizele é uma das paratletas mais velhas da seleção, mas segundo ela, isso não significa que pensa em se aposentar da modalidade, e quer continuar representando o país por mais alguns anos.

“Enquanto Deus me permitir ter saúde física, saúde mental e eu identificar na minha cabeça que estou ajudando a seleção brasileira, eu vou continuar. Vamos ver se dá, se não der, eu passo pra parte da comissão técnica, vamos ver como eu vou trabalhar, mas do vôlei sentado eu não vou sair”, finaliza a paratleta.



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