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E o meu teto?

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Deveria ser um direito nosso o acesso à compra de um lar decente, que conseguíssemos pagar e viver tranquilos.

Foto do dia 20/07/22 da ocupação na Cohab Paulistano em Taipas, zona noroeste de São Paulo. Foto: Juh na Várzea

Se você mora numa periferia deve ter percebido o quanto as ocupações de moradia cresceram na quebrada. Não é pra menos, com a loucura que estamos vivendo, os trabalhadores não conseguem comprar o básico para comer e uma hora de trabalho vale menos que um litro de leite. Já era de se imaginar isso acontecer.

A galera na quebrada tem que optar em pagar aluguel ou comer. 

Se paga, passa fome. Se não paga, é despejado. Tudo pra nós é mais foda, são várias lutas.

Enquanto pessoas criticam tais ocupações, dizendo que são loucos, desocupados, que estão fazendo maluquice e que tem que sair fora, eu costumo olhar de outra forma.

O desespero faz você correr, tentar se virar. Pensa só: a galera que paga um aluguel de 700 reais na quebrada (chutando), aparece uma ocupação, ela cai pra dentro, monta seu barraco pra tentar “livrar” esse dinheiro para poder sobreviver.

Não é o certo, sabemos. Mas na nossa atual situação, que sabemos o quanto está difícil em todos os termos possíveis, o pobre é o que mais sofre e sempre tenta procurar uma alternativa.

Cohab Paulistano – Taipas, zona noroeste de São Paulo – Foto Juh na Várzea
Foto do dia 20/07/22 da ocupação Cohab Paulistano – Taipas, zona noroeste de São Paulo – Foto Juh na Várzea

Deixei duas fotos de como era o morro aqui na quebrada que da laje de casa vejo e uma foto de agora. O tanto de casas que cresceu. Imagino o sacrifício do pessoal, que arriscou o que tinha guardado para poder comprar alguns tijolos e telhas para poder sair do aluguel.

Tinha que ser um direito nosso o acesso à compra de um lar decente, que conseguíssemos pagar e viver tranquilos. Mas se não estamos conseguindo nem comer, quando é que vamos conseguir comprar um teto?

Confira quatro espetáculos gratuitos promovidos por grupos de teatro das periferias de SP

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Com temáticas que envolvem histórias de mulheres migrantes do nordeste à saúde mental, as apresentações acontecem entre o fim de julho e vão até setembro.

Grupo Fanfarrosas – Foto: arquivo pessoal

Entre os meses de julho a setembro, as companhias Cia. de Achadouros, Pia Produções Artísticas, Fanfarrosas e Companhia de Teatro Heliópolis apresentam espetáculos gratuitos em diferentes espaços públicos em São Paulo.

As peças abordam temas como imaginação e memória de infância, saúde mental da população periférica, histórias de mulheres migrantes do nordeste e violência cotidiana. Confira: 

Os Lavadores de Histórias

Inspirado na poesia de Manoel de Barros, o espetáculo infantil “Os Lavadores de Histórias”, da Cia. de Achadouros, terá sessão gratuita no Teatro Municipal de Botucatu Camillo Fernandez Dinucci, no sábado, dia 30 de julho, às 16h.

Por meio de cenas cômicas e circenses, teatro de sombras e objetos, o espetáculo faz uma reflexão sobre a relação da criança com o mundo real e o da imaginação, lançando um olhar lúdico sobre a infância.

Além de espetáculos e pesquisa teatral, a Cia. de Achadouros também desenvolve um trabalho pedagógico na região de São Mateus, zona leste de São Paulo, com ações na Casa de Cultura São Mateus e Casa de Cultura Pq. São Rafael.

Data: Sábado, 30 de julho, às 16h.
Local: Teatro Municipal de Botucatu Camillo Fernandez Dinucci
Endereço: Praça Coronel Rafael de Moura Campos, 27 – Centro, Botucatu/SP.
Grátis / Classificação: Livre (recomendação 4 anos).

Ouvindo Vozes: da marginalização à loucura

O espetáculo Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura, é uma montagem da Pião Produções Artísticas, inspirada no livro Ouvindo Vozes, de Edmar Oliveira. As apresentações são gratuitas e acontecem nos dias 03 e 04 de agosto, às 20h, na E. E. Prof. Aroldo de Azevedo, e no dia 10 de agosto, às 20h, no SASF Iguatemi II, ambos espaços públicos estão localizados na zona leste de São Paulo.

Através do livro “Ouvindo Vozes” que inspira a peça, o espetáculo explora as vivências dos artistas junto às suas memórias sobre saúde mental em seus territórios: os distritos de Iguatemi e Sapopemba, em São Paulo. A peça revela corpos aprisionados que não cumprem um papel esperado na sociedade, acompanhada por rodas de conversas sobre saúde mental na periferia com participação de psicólogas e arteterapeutas.

A Pia Produções Artísticas é uma produtora cultural periférica formada por artistas e educadores da região leste de São Paulo, e buscam criar peças que dialoguem com suas histórias e também oferecem atendimentos de gestão e produção para artistas, grupos e coletivos periféricos.

Data: Quarta (03/08), às 20h e Quinta (04/08), às 20h.
Local: E. E. Prof. Aroldo de Azevedo
Endereço: Rua Filipa Álvares, s/n – Jardim Planalto, Sapopemba, SP/SP.
Grátis / Classificação: 16 anos / Acessível em libras / Roda de conversa: Saúde Mental na Periferia – com Cristina Melo, Monica Soares, Marta Baião e elenco.

Data: Quarta (10/08), às 20h.
Local: SASF Iguatemi II – Serviço de Assistência Social à Família
Endereço: Rua João Crispiniano Soares, 98 – Parque Boa Esperança – SP
Grátis / Classificação: 16 anos / Acessível em libras / Roda de conversa: Saúde Mental na Periferia – com Cristina Melo e Monica Soares.

As Presepadas de Gitirana no Terreiro de Dona Dindinha

Até o dia 07 de agosto de 2022, o coletivo Fanfarrosas apresenta a temporada de estreia do espetáculo “As Presepadas de Gitirana no Terreiro de Dona Dindinha”, com apresentações em Itaquera e Artur Alvim, zona leste de São Paulo. A ação faz parte do projeto “Mamulengas: memórias de fulô” contemplado no VAI – Programa de Valorização de Iniciativas Culturais do Município de São Paulo.

O espetáculo é inspirado em memórias de mulheres migrantes do nordeste, e também histórias das famílias das atrizes do elenco, que protagonizam brincadeiras para além do gênero.

O grupo Fanfarrosas se desenvolve a partir do encontro de quatro mulheres que partilham da vontade de discutir temas que atravessam suas existências e juntas utilizam a manipulação de bonecos mamulengos, além de instrumentos de materiais recicláveis, para contar e cantar histórias.

Data: 06 de agosto de 2022 (sábado), às 15h.
Local: Oficina Cultural Alfredo Volpi
Endereço: Rua Américo Salvador Novelli, 416 – Itaquera – São Paulo
Grátis / Classificação Livre

Data: 07 de agosto de 2022 (domingo), às 16h.
Local: Espaço Cultural Adebankê
Endereço: Rua Durande, 175 – Artur Alvim – Zona Leste – São Paulo
Grátis / Classificação Livre

Sutil Violento

O espetáculo Sutil Violento, da Companhia de Teatro Heliópolis, reestreia nesta quinta (28), às 20h, na Casa de Teatro Maria José de Carvalho, no Ipiranga, região sul de São Paulo. A temporada fica em cartaz até o dia 4 de setembro, de quinta a domingo, com ingressos gratuitos.

A peça discute sobre sutis violências do cotidiano, que de tão sutis se tornam invisíveis e naturalizadas. Com um olhar para o entorno que revela abusos, agressões, confrontos e opressões diárias em formas de coerção privadas e públicas.

A Companhia de Teatro Heliópolis nasceu em 2000, reunindo jovens da comunidade sob orientação de Miguel Rocha, com apoio da UNAS (União de Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e Região), e apresenta espetáculos que dialogam com as vivências e aprendizados do coletivo.

Data: 28/07/22 a 04/09/22, de quinta a domingo, sendo quinta, sexta e sábado às 20h e domingo às 19h00.
Local: Casa de Teatro Maria José de Carvalho
Endereço: Rua Silva Bueno 1533, Ipiranga, São Paulo.
Grátis – reserva de ingressos aqui / Classificação: 14 anos

VAI TEC abre inscrições para apoiar iniciativas de criação de jogos nas periferias

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Com inscrições abertas até o dia 31 de julho, o edital irá apoiar 12 coletivos ou empresas que atuam na criação de jogos nas periferias de São Paulo.  

Coletivos ou empreendedores da quebrada podem se increver no edital VAI TEC GAMES. (Foto: Freepik)

Promovido pela ADE SAMPA – Agência São Paulo de Desenvolvimento e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, o VAI TEC realiza pela primeira vez uma edição do edital de fomento a empreendedores focado em apoiar coletivos e pequenos negócios que atuam na produção de jogos eletrônicos nas periferias de São Paulo.

As 12 iniciativas contempladas pelo VAI TEC Games receberão um recurso financeiro de R$ 39.600,00, além disso, elas terão acesso a formações, mentorias e consultorias individuais, por meio de encontros presenciais ou remotos, para alavancar a infraestrutura de desenvolvimento e gestão dos seus projetos.

O VAI TEC GAMES, nome dado a essa edição especial focada na comunidade de desenvolvedores de jogos nas periferias também irá promover encontros de relacionamento entre as iniciativas apoiadas, visando criar espaço para fomentar redes de contato e possibilidade de novos negócios.

Ao longo do programa, os projetos apoiados irão se preparar para aprimorar ou desenvolver narrativas para conquistar novos apoios, por meio da criação de uma apresentação focada em atrair novos investimentos. O VAI TEC se compromete em conectar as iniciativas com potenciais investidores. 

“Ela inspira nossa luta”: o pensamento de mulheres pretas sobre Tereza de Benguela

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Mulheres pretas e periféricas relatam a importância de preservar a memória e reconhecer o legado de Tereza de Benguela.

Projeção realizada pelo Coletivo Coletores homenageia a líder quilombola Tereza de Benguela. (Foto: Coletivo Coletores)

 Em 25 de julho, é celebrado o Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha. Nesta data, a trajetória da líder quilombola Tereza de Benguela também passou a ser homenageada em âmbito nacional, após a aprovação da Lei 12.987, sancionada em dois de junho de 2014 pela presidenta Dilma Rousseff (PT).

A líder quilombola ficou conhecida por sua trajetória de vida dedicada a lutar pela liberdade das populações pretas e indígenas, que eram escravizadas pelos povos europeus no século 18, no Brasil. Ainda hoje, essa atuação serve de inspiração para mulheres pretas que continuam lutando por igualdade de direitos.

Por suas habilidades de liderança e estratégias de combate militar, ela era chamada de “Rainha Tereza”, a líder do Quilombo do Quariterê, localizado na fronteira do estado de Mato Grosso com a Bolívia.

“Tereza de Benguela é símbolo de representatividade para nós mulheres negras. Ela inspira na continuidade da nossa luta diária por igualdade, autonomia, respeito e dignidade” 

Rita Maria é produtora cultural e co-fundadora da Coletiva Tear & Poesia.

Rita Maria atua nas periferias da zona sul de São Paulo resgatando a cultura ancestral do bordado. (Foto: Reprodução Facebook)

A trajetória de Rita se conecta com o legado de  Tereza de Benguela pelo fato dela atuar na Coletiva Tear&Poesia de Arte Têxtil, uma iniciativa composta por mulheres pretas que atuam e residem há cerca de 20 anos nas periferias da zona sul da cidade de São Paulo,.

As ações da coletiva tem com foco em dialogar com a mulher em diáspora, tanto imigrantes africanas quanto latino-americanas e caribenhas, mostrando também semelhanças entre grafismos nativos brasileiros, indígenas, e africanos e buscando identificar semelhanças pouco estudadas e menos difundidas entre culturas originárias das Américas e da África.

Para Rita, que é engajada em  resgatar a memória e cultura do bordado praticado por mulheres pretas, indígenas e latino americanas, a trajetória de Teresa de Benguela tem uma forte semelhança com as lutas das mulheres pretas que moram nas periferias.

“As lutas da mulheres negras são constantes enquanto sujeitas históricas e de direitos. Lutam cotidianamente no combate ao racismo, à violência doméstica, o genocídio da população negra e LGBTQIA+”, afirma a co-fundadora da Tear & Poesia. 

Legado 

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), 27% da população brasileira é composta por mulheres pretas. Atenta a esse contexto histórico e demográfico,  a socióloga e professora Ale Tavares atua há mais de 15 anos com projetos de impacto educativo, social e político nas periferias da zona sul de São Paulo, que visam promover debates, reflexões e senso crítico sobre a importância dos saberes das mulheres pretas e periféricas para construir sociedades mais justas.

De acordo com as vivências e pesquisas no campo do feminismo periférico, Ale considera o resgate de memória uma estratégia importante para transformar positivamente o imaginário das mulheres pretas.

“Pensar e resgatar a memória de mulheres negras como Tereza de Benguela e tantas outras é construir um imaginário de que mulheres negras foram, são e serão importantes para a construção do nosso país”

Ale Tavares, socióloga e pesquisadora de movimentos feministas nas periferias

A socióloga Ale Tavares atua com a produção de conhecimento enraizado no movimento de mulheres pretas que desenvolvem espaços de reflexão, diálogo e estratégias de combate contra as desigualdades sociais nas periferias da zona sul de São Paulo. (Foto: Reprodução Facebook)

Ela explica que esse resgate de memoraria também mobiliza aspectos positivos em torno da identidade coletiva de mulheres negras, e isso é importante para que meninas e mulheres reconheçam essas virtudes presentes em suas ancestrais.

A partir desta percepção, Ale argumenta que a preservação desta memória também impacta na construção do futuro das mulheres pretas, pois ela considera, que os conhecimento e conquistas registrados pela história ajudam a inspirar outras mulheres a pensar melhor sobre o presente e o que será do seu futuro individual e coletivo.

“Quando a gente tem essas referências, isso ilumina a percepção de atuação de milhares de mulheres negras que estão chefiando e conduzindo famílias, escolas, postos de saúde, territórios e diversos ativismos. Eu vejo essa relação muito forte na ancestralidade de mulheres negras, para projetar outros futuros”, conclui. 

Futebol de várzea: mídias comunitárias investem em transmissões de jogos ao vivo

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 Representatividade de times de futebol de várzea nas periferias é um diferencial que impacta a audiência nas redes sociais durante as transmissões de jogos.

Lives realizadas por mídias comunitárias aumentam a visibilidade do futebol de várzea nas redes sociais. (Foto: Thais Siqueira)

Com campeonatos cada vez mais organizados e bem competitivos, o futebol de várzea é reconhecido historicamente por fomentar a revelação de jogadores para equipes de futebol profissional, além de promover lazer e incentivar o convívio comunitário entre os moradores das periferias e favelas.

No entanto, a presença do esporte em canais de mídias tradicionais ainda é tímido, fato que gera oportunidades para o surgimento de iniciativas de comunicação nas redes sociais que apostam em plataformas digitais para ganhar relevância e virar referência na transmissão de jogos ao vivo de futebol de várzea.

O esporte que é um pilar da cultura das periferias só tinha a beira do campo como arquibancada para torcedores. Agora, as mídias comunitárias nativas digitais enraizadas na cultura do futebol de várzea estão transformando o esporte que faz parte cultura dos moradores das periferias em um novo produto de streaming esportivo.

Neste contexto, essas iniciativas também estão dando um pontapé para formar um público consumidor de conteúdo esportivo ligado ao futebol de várzea nas redes sociais, uma mudança radical da cultura do futebol de várzea, que antes desta era digital, só poderia ser consumida pelos torcedores e torcedoras que fossem para a abeira dos campos aos finais de semana. 

Em 2017, o Desenrola em parceria com a Rede Doladodecá produziu o documentário 39 anos de Tradição do Jardim Elba, tradicional equipe da várzea da zona leste de São Paulo.

A Tvila Sports é um bom exemplo de iniciativa que está protagonizando esse cenário de transmissões ao vivo no futebol de várzea nas periferias de São Paulo, promovendo a produção de conteúdo de streaming sobre a cena do futebol de várzea na região do ABC paulista, onde a iniciativa nasceu.

A mídia possui um Kombi com um estúdio móvel, equipada com roteador wi-fi, switcher para controle de câmeras, monitores para cortes e edição de vídeos e um sistema de captação de áudio para dar suporte para os comentaristas e narradores das partidas interagir com o público que está na beira do campo e quem está acompanhando os jogos pelas redes sociais.

Com mais de 100 mil seguidores no Facebook e 30 mil no YouTube, a Tvila é reconhecida também por promover representatividade entre os jogadores e torcedores do futebol de várzea, que comentam e compartilham os jogos transmitidos pelo canal digital de conteúdo esportivo, pelo fato de se reconhecerem positivamente na cobertura das partidas.

O sucesso da TVila Sports já chama a atenção dos organizadores de campeonatos de futebol de várzea nas periferias, que promovem parcerias para a mídia comunitária produzir a transmissão ao vivo dos jogos.

A partir de programas de entrevistas com jogadores, técnicos de equipes e organizadores de campeonatos, o canal Mundo da Várzea é outra iniciativa que vem fortalecendo a formação de público consumidor de conteúdo digital sobre futebol de várzea nas redes sociais.

A qualidade das transmissões ao vivo e principalmente dos programas produzidos para apresentar o lançamento de novas competições é uma das principais apostas nas transmissões ao vivo da iniciativa.

Com mais de 60 mil seguidores no Facebook e 8 mil no YouTube, o canal Mundo da Várzea é reconhecido no universo do futebol de várzea nas periferias, e esse reconhecimento chama a atenção até de patrocinadores, como fornecedoras de materiais esportivos para times da várzea, que apoiam e incentivam a produção dos programas de entrevista com representantes das equipes.

Atuando na região de Osasco, município da região metropolitana de São Paulo, a TV Fut Várzea vem ganhando a atenção dos torcedores e equipes que fomentam a cultura do futebol de várzea na cidade.

Com narrador e comentarista na beira de campo, o principal foco de trabalho da TV Fut Várzea é promover a transmissão ao vivo de jogos, e para isso, a iniciativa faz parceria com dirigentes de competições para garantir a produção de conteúdo digital de diversas ligas, campeonatos e festivais que ocorrem nas periferias de Osasco.

Atualmente, a TV Fut Várzea conta com 16 mil seguidores e segue crescendo cada dia mais, por manter uma cobertura semanal e contínua de jogos.

Um diferencial é que os seus comentarista e narrador já são inseridos no futebol de várzea e conhecem profundamente as equipes, competições e as periferias da cidade, reforçando a importância da representatividade nesse universo das transmissões ao vivo de conteúdo esportivo.

Sem integração gratuita moradores de Taboão da Serra e região pagam mais caro no transporte

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Dos cinco moradores entrevistados na reportagem, três deles recebem até um salário mínimo, sendo que o valor gasto com passagens compromete mensalmente mais de 10% da renda familiar.

Ônibus da linha 300 Jd. São Judas, Taboão da Serra com destino ao metrô Vila Sônia | Foto: Rebeca Motta

Desde maio de 2022, os moradores que utilizam ônibus intermunicipais que circulam nas cidades de Taboão da Serra, Embu das Artes, Itapecerica, Juquitiba e São Lourenço tiveram seu trajeto alterado. Com a inauguração da estação Vila Sônia da ViaQuatro amarela, os passageiros perderam o direito de desembarcar em Pinheiros e reclamam que o novo terminal não aderiu ao sistema de integração gratuita como acontece em outras linhas da rede metropolitana de São Paulo.

Antes da inauguração os moradores podiam embarcar nessas cidades e ir até Pinheiros pagando uma única passagem, depois da mudança, as linhas passaram a finalizar as viagens na Estação Vila Sônia, não deixando outra opção senão concluir o trajeto de metrô.

Elisabete Barbosa, é moradora do bairro Jd. Saporito, em Taboão da Serra, Região Metropolitana de São Paulo e conta que foi pega de surpresa ao ter que desembolsar mais uma passagem para chegar ao médico, na região da Faria Lima. “Se eu fiquei irritada, imagina a população que passa por isso todo dia. Eu acho que se o trabalhador parar pra analisar o quanto tá saindo do bolso ele vai se manifestar”, afirma a cuidadora de idosos.

Com a alteração na região, o transporte coletivo deixou de atender os quase 4 km que correspondem a oito pontos de ônibus das avenidas Eliseu de Almeida e Professor Francisco Morato. Atualmente quem tem compromisso nesta região vai a pé ou paga mais uma passagem para chegar ao destino final.

Situação parecida com a de Elisabete aconteceu com Wesley Melo, que precisou levar a filha para fazer exames no Hospital Infantil Darcy Vargas, que fica na região do Morumbi. O morador do bairro Barnabé, em Juquitiba, relata que fez o trajeto de 2 km a pé com a filha pequena, pois naquele dia não tinha como desembolsar o valor de mais uma condução.

Para quem mora na Região Metropolitana de Juquitiba e São Lourenço a situação é ainda mais complicada. O valor para acessar a cidade pode chegar a R$ 30 reais por dia. Com a falta de uma linha direta para o centro, os trabalhadores precisam desembarcar no município vizinho, Itapecerica da Serra, e de lá pegar outro ônibus para o metrô. 

“Por isso que estou indo para o Campo Limpo. É horrível pagar duas ou três conduções, sendo que lá só pago uma; o trajeto é bem mais longo, comecei a sair de casa 50 minutos mais cedo, mas é o que consigo fazer no momento”. 

conta Pedro Henrique, morador do bairro Jd. Salete, em Taboão da Serra

Pedro Henrique trabalha na Faria Lima e conta que antes das alterações nas linhas pegava um ônibus só, mas agora precisou mudar toda a rotina para chegar ao trabalho, pois a empresa não arcou com o valor de mais uma condução. O jovem conta que chegou a pedir transferência para Santo Amaro para facilitar o percurso.

A prefeitura de Taboão da Serra em parceria com a ViaQuatro, concessionária que administra o metrô, colocou em circulação nove ônibus do tipo “Vai-Vem” que faz o percurso do Largo do Taboão até o Metrô Vila Sônia gratuitamente. Segundo os próprios passageiros, essa medida só beneficia quem mora no centro, pois quem vive em bairros periféricos ou em cidades vizinhas continua pagando mais caro, porque ainda precisa pegar um ônibus para chegar até o largo do Taboão.

“Eu trabalho mais pro lado de Pinheiros, o único ônibus que está passando por aqui é o 459 – Itaim Bibi. Chego na estação Vila Sônia às 06h30, do ônibus até o metrô são quase 10 minutos andando, acho muito longe. Caso tenha trânsito é impossível não chegar atrasada”.

relata a moradora do Jd. Santa Tereza, em Embu das Artes, Giovanna Ambrosio, que também teve sua rotina alterada

Ônibus vai-vem realiza viagens gratuitas do Largo do Taboão até o metrô Vila Sônia | Imagem: Eduardo Toledo
Muitos moradores desses municípios trabalham em outras regiões de São Paulo, passam o dia fora e só voltam para casa para dormir. Vários destes também procuram atividades culturais e de lazer em outras regiões, mas com o valor da tarifa esse direito também é violado. 


“Esses dias fiquei indignada ao ir no shopping Butantã e descobrir que agora necessito pagar duas conduções para chegar lá. Uma família que tem 4 filhos, por exemplo, chega a pagar quase R$100 só com passagem. É um absurdo”,  reclama Cleia Oliveira, moradora do bairro Jd. Trianon, em Taboão da Serra.

Mobilização popular 

A professora Márcia Regina é ex-vice Prefeita de Taboão da Serra, ativista do movimento pela integração gratuita e conta que a chegada do metrô é uma promessa antiga e muito usada como pano de fundo para campanhas eleitorais na região. Para ela é importante que o metrô chegue nos municípios da Grande São Paulo, mas isso não pode afetar negativamente a vida e a rotina da população.

“Faltou planejamento entre as prefeituras e a EMTU. Tem gente sendo despedida ou com dificuldades de conseguir emprego porque as empresas não querem pagar todo esse valor com passagem. O trabalhador tem pagado de R$90 a R$180 reais a mais por mês. A soma disso é praticamente o valor do décimo terceiro indo pelo ralo”.

afirma Márcia Regina.

Ativistas, moradores e movimentos sociais dos cinco municípios afetados pelas alterações do transporte coletivo, se uniram e criaram o Fórum Regional pelo Transporte Digno, com objetivo de levantar discussões e estratégias de pressão contra o poder público para solucionar essa demanda da população.

Reunião do Fórum Regional pelo Transporte Digno realizada no Jd. Saporito, em Taboão da Serra | Foto: Arquivo

“Não é justo a população sofrer, ainda mais por algo que deveria facilitar e garantir seu direito de ir e vir sem ser penalizado com o custo maior de passagens que temos que tomar. Pedimos a real integração das linhas intermunicipais a estação Vila Sônia, com gratuidade aos seus passageiros ao entrar na estação, em vez de pagar a passagem do metrô”, defende o Fórum em um trecho da carta pública.

O movimento tem realizado ações para conscientizar os trabalhadores e moradores a reivindicar o direito à cidade que tem sido perdido. Até o momento criaram um abaixo-assinado, uma página no facebook e planejam uma manifestação como próximo passo.

Mudanças na bilhetagem 

Também recentemente, os moradores de Taboão da Serra e Região Metropolitana de São Paulo, se depararam com mais uma alteração nas linhas de ônibus, desta vez, no sistema de bilhetagem. Em abril de 2022, os ônibus intermunicipais administrados pela EMTU deixaram de aceitar o cartão BOM.

A confusão se dá porque os ônibus circulares que rodam dentro do município aceitam o BOM, mas os ônibus que vão para o metrô só aceitam o TOP, novo cartão que substitui o seu antecessor. Na cidade de Taboão da Serra não há postos de atendimento para o novo cartão, o que gera reclamação e transtornos, sendo mais uma das dificuldades que os moradores enfrentam para ir e vir todos os dias.

Desde o final de 2020, o Governo de São Paulo vem promovendo a modernização do sistema de bilhetagem em ônibus, trens e metrôs. A mudança, porém, tem deixado os usuários confusos.

Do outro lado 

Em resposta ao contato realizado para a produção desta reportagem, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU) afirmou que os usuários que se deslocavam de ônibus até a região de Pinheiros, agora devem desembarcar no Terminal Vila Sônia ou Butantã, e passaram a ter desconto de R$ 1,50 na integração ao sistema com o cartão TOP, pagando R$ 2,90 na passagem do metrô. 

A EMTU aponta que os passageiros que utilizam o formato Vale Transporte devem atualizar o percurso diretamente com suas empresas. Além disso, a empresa diz que três linhas que passam em Taboão da Serra com destino à capital seguem com itinerário mantido e são alternativas a depender do trajeto do passageiro.

Das três linhas citadas pela empresa que ainda têm destino à capital, existem diferentes questões sobre seu itinerário e custo, desde não atender a todos os bairros, até o valor da tarifa de uma delas, que chega a custar R$ 10,20.

As Secretarias de Transporte dos cinco municípios envolvidos – Taboão da Serra, Embu das Artes, Itapecerica, Juquitiba e São Lourenço – foram contatadas, mas até a finalização desta reportagem não deram nenhum retorno. 

Campanha apoia cineastas periféricos para estudar fora do país em renomado curso de cinema

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Fundadores da Maloka Filmes, Nay Mendl e Well Amorim organizam campanha financeira para estudar em uma das melhores escolas de cinema do mundo, a EICTV. 

Nay Mendl e Well Amorim, jovens de periferias da zona sul de São Paulo, foram aprovados para o curso regular da EICTV, Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV) de San Antonio de Los Baños, em Cuba. Eles são fundadores da Maloka Filmes, coletivo que trabalha com direção criativa, consultoria e curadoria/coordenação de festivais de cinema e cineclubes,

Os dois abriram uma campanha de financiamento coletivo para custear o transporte, despesas com a mudança para outro país e a anuidade da escola EICTV, fundada em 1986 por Gabriel García Márquez e Fernando Birri. A organização que é referência no ensino da produção audiovisual já contou com professores como Francis Ford Coppola, Robert Redford, Costa Gavras, George Lucas, Fernando Solanas, Ruy Guerra, Alex Cox, Gabriele Salvatores, Steven Spielberg e entre outros.

Durante o Festival de Cannes de 1993, a escola ganhou o Prêmio Rossellini pelo reconhecimento internacional de sua importância para o cinema mundial. A cada dois anos, apenas 5 alunos de todo o mundo são selecionados para cursar cada uma das especialidades que a escola oferece, ou seja, Nay e Well fazem parte dessa concorrida lista de alunos aprovados. 

Moradores dos bairros do Grajaú e Jardim Ângela, respectivamente, Nay e Well se conheceram no Instituto Criar de Tv e Cinema em 2013. De lá para cá trilharam um caminho dentro do audiovisual de grande relevância, com destaque para a produção do curta-metragem multipremiado Perifericu, do longa-metragem documental Raízes e do Perifericu – Festival Internacional de Cinema e Cultura de Quebrada.

Em 2021 estiveram na lista do Papel & Caneta como uma das iniciativas que geram transformações reais na indústria da comunicação. O trabalho que desenvolvem se baseia na coletividade entre pessoas dos bairros em que vivem, pessoas LGBT+ e familiares, o que chamam de Cinema Comunitário.

Para concretizar o sonho de estudar fora do país, eles abriram uma campanha de financiamento coletivo com a primeira meta em R$86.000, valor que custeia grande parte dos gastos com o primeiro ano do curso, que custa £ 6 mil libras anualmente por pessoa. Para apoiar basta acessar benfeitoria.com/projeto/apoiecineastasfavelados e contribuir doando ou compartilhando a campanha.

Série de entrevistas destaca artistas da teatralidade negra

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Lançado em julho de 2022, o projeto é realizado pela coletiva Carcaça de Poéticas Negras, com episódios disponibilizados gratuitamente na plataforma Wolo TV.

Bastidores das gravações das entrevistas no Teatro João Caetano

O programa de entrevistas Teatros Negros em Pauta, aborda aspectos das linguagens na cena teatral afrodiaspórica-brasileira e estreiou no dia 01 julho no streaming Wolo TV. No total, são nove episódios que reúnem artistas e produtores para refletir sobre o teatro negro em diferentes áreas, como iluminação, direção, dramaturgia, atuação, produção, entre outros.

Tricka Carvalho e Piu Guedes conduzem o programa abordando o futuro do teatro negro e as possibilidades de criar novas narrativas. Além disso, trazem para discussão questões mais especializadas, como a área de iluminação e o desafio de trabalhar com diferentes tons de peles no palco. 

“Queremos olhar para diferentes tipos de teatralidades afrodiasporicas e indígenas e entender como elas se relacionam entre si nos dias atuais, desde conhecimentos construídos nos espaços acadêmicos às técnicas de cena em escolas livres de teatro e, sobretudo, a riqueza ancestral dos saberes e vivências tradicionais”

Piu Guedes

Piu Guedes, uma das pessoas que fazem a apresentação da série de entrevistas Teatro Negro em pauta. Foto: @noenajera_

Com acesso gratuito, o programa tem roteiro e idealização da coletiva Carcaça de Poéticas Negras, que desde 2015 constrói um trabalho de pesquisa em teatro colaborativo, cênico e étnico-racial, fundado por aprendizes da Escola Livre de Teatro de Santo André.

A websérie de entrevistas está disponível na plataforma Wolo TV, que é um streaming voltado para produções audiovisuais independentes produzidas por pessoas negras. Na plataforma, há conteúdo gratuito e também alugado. 

Serviço 

Teatros Negros em Pauta – Série de entrevistas com nove episódios e apresentação de Tricka Carvalho e Piu Guedes. Episódios disponíveis desde 1º de julho de 2022, sendo divulgado três episódios por semana, disponíveis na Wolo TV.

Episódio 1: Formação e pedagogia com Heraldo Firmino
Quem podemos chamar de mestre e a quem podemos chamar de professor, qual história vive dentro dessas palavras? O que entendemos como pedagogia e como fugir de moldes coloniais de ensino?

Episódio 2: Artista pesquisadora com Jéssica Nascimento
Quais são as maiores adversidades e alegrias para uma artista pesquisadora negra e as rupturas que surgem no caminho a partir disso?

Episódio 3: Dramaturgia com Daniel Veiga
Que significado tem uma dramaturgia negra no mundo e como podemos criar novas narrativas e imaginários na escrita?

Episódio 4: Direção com Ivy Souza e Lucélia Sérgio
A função da direção, sempre foi tida como uma figura de poder. Como lidar com isso nos trabalhos enquanto diretora e atriz?

Episódio 5: Atuação com Thais Dias e Raphael Garcia
Quais as sensações que acontecem em um corpo ao entrar em cena? Você acredita que seu trabalho está consolidado ou é necessário batalhar pelos espaços artísticos?

Episódio 6: Iluminação com Danielle Meireles
Quais os desafios de iluminar tantos tons de pele num país como o Brasil onde há diversas etnias presentes?

Episódio 7: Artes plásticas em cena com Cleydson Catarina
O que tem da trajetória do artista em seus adereços, cenário e figurino? Como o trabalho plástico ressalta a poética do trabalho cênico?

Episódio 8: Produção com Ulisses Dias
Qual é o principal desafio de ser produtor nos tempos atuais, em que editais públicos são a principal fonte de renda e sustento para diversos coletivos artísticos na cidade de São Paulo?
Convidado: Ulisses Dias

Episódio 9: Multiartista com Terra Queiroz
Em qual lugar acontecem os espaços acadêmicos para uma travesti negra e periférica e quais são os diálogos que acontecem a partir disso?

Rito das Ditas

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Impressões, lembranças e emoções que me atravessaram ao assistir o espetáculo “Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes” do Núcleo Teatral Filhas da Dita.

Peça Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes do Núcleo Teatral Filhas da Dita – Foto: Areta Padma

Oprê! Tudo bem contigo nesses dias de caos? Eu vou envergando sem quebrar aqui pela minha quebrada, que teima em também não se envergar e, cada vez mais, vai firmando e se enxergando nas suas. Você já vai entender o porquê…

O papo que vamos desenrolar por aqui esse mês é sobre teatro. Uma das coisas que vem me recolocando nos trilhos depois de tantos dias, semanas, meses, anos de isolamento na pandemia é o teatro, em especial montagens teatrais de luta.

Bem, já aviso que não sou crítico de teatro, mas tenho um amor especial por criações autorais e pela escrita dramatúrgica de teatro, música e cinema, então vez ou outra vou me arriscar a expor impressões sobre obras autorais. O texto desse mês está meio longo então pegue seu chá e tenha paciência porque não consegui resumir muito, mals… 

A peça que me fez escrever este texto aqui foi “Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes” do Núcleo Teatral Filhas da Dita. É uma peça muito forte, sensível e que ecoa muito da consciência coletiva das quebradas ao longo dos anos: consciências das vielas, quebradas, subúrbios e bolsões de pobreza da cidade de São Paulo, consciências deste e de outros tempos, deste e de outros planos, no caso dessa peça, consciências daqui do Aiyê e de lá do Orun.

Cidade Tiradentes, bairro de maioria negra na Paulicéia, é uma das principais personagens da peça, é uma gigante de língua banta-tupi-yorubana, uma cidade angoleira que merece demais essa montagem teatral. Não vou falar muito das cenas da peça (mas tem uns spoilers sim), falarei das minhas impressões e indico que não fiquem apenas aqui confiando em mim não viu… Vão assistir a peça! É feminina e sagrada!

Nosso tempo, nomes e memória 

É preciso lembrar que Éssepê é uma cidade que historicamente se quis branca e exclusiva para umas poucas pessoas mimadas, herdeiras de escravocratas que quiseram acumular poder a alguns elitistas pálidos, que ao longo de anos expulsaram nossas avós, avôs, pais e mães para as quebradas.

Nos quiseram longe e esperavam até que não sobrevivêssemos! Bem, aqui estamos nós não é mesmo?  

A peça “Canto das Ditas” se realiza num contexto histórico na qual ela se torna ainda mais urgente e potente. Vivemos num tempo em que alguns “homens” reivindicam-se o “direito” de violar direitos, em nome de uma “família” abstrata na qual seriam “chefes”, em nome de um “Cristo”, de uma cristandade não-bíblica e uma “prosperidade” agressiva, excludente, que opera sob a síndrome de vira-latas e que por isso vê na cultura estadunidense, no “american way of life”, um sonho idiotizado em terras “brazucas”.

Como se fosse possível servir ao Tio Sam, vivendo o “sonho americano”, mesmo morando na América Latina, em São Paulo, Paraná, Minas Gerais. Frantz Fanon explicaria? Percebe que as aspas desse parágrafo destacam falsidades? Que fique claro, e para o que quero ilustrar claro mesmo.

Esse transe político, que por aqui é um traço cultural que aflora mais ou menos forte de tempos em tempos, aponta para um “país” de cultura colonial (o “Brasil”), machista, escravocrata e cínico sobre os reais problemas de seu povo e suas maiorias (negros e mulheres, negras mulheres).

Esse vírus, seita, agrupamento fascistóide ou o que o valha pode pegar vários de nós, especialmente nós homens pobres e mal escolarizados, que se vacilarmos podemos servir de bucha de canhão para uma classe de homens brankkkos mal-intencionados que através da alienação manipulam os corpos dos demais como marionetes, muitas vezes marionetes violentas e ensurdecidas. 

Peça Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes do Núcleo Teatral Filhas da Dita – Foto: Sheila Signário

Neste tempo em que vivemos, por conta de muitos falsos moderados e de alguns extremistas de direita, aumentam e se agravam os casos de feminicídio, homofobia, assédios morais/sexuais, transfobia e racismo.

É nesse tempo que as Filhas da Dita sacralizam sua montagem teatral, que não por acaso aqui repito pra não deixar dúvida, redundante que sou e serei neste texto: Essa é uma peça sagrada! Em sua dramaturgia, já avisa potente e consciente que é da sua própria força e urgência: “Presta atenção menino! Presta atenção menino!”

É importante lembrar que temos nomes e memória. A peça “Canto das Ditas” reverbera em canções, falas e burburinhos os nomes e memórias de afeto e da força fértil e nutridora das mulheres pretas.

Na peça fala-se especificamente de mulheres das várias vilas da Cidade Tiradentes, mas suas histórias e estórias refletem também a formação de vários lugares, demonstrando várias lutas por direitos que as mulheres encabeçam nas formações dos bairros das periferias do “Brasil”: lutas por escola, postos de saúde, creches, por dignidade, direitos reprodutivos plenos, luta contra a violência doméstica, luta por asfalto digno, luta por saneamento básico, por direito de existir a elas e a seus filhos, que seguem do século 20 até hoje sendo perseguidos e sem direito a subjetividade neste cínico “país do futuro”. 

Ritos, parentes e ancestrais  

A cenografia minimalista e afrikanizada com a qual Cidade Tiradentes é apresentada ao público é muito generosa por nos permitir imaginar, preencher o espaço com a memória e com a ancestralidade, não pela falta de algo, não pelo vazio, mas pelo fato da peça se apresentar de fato aberta, convidativa a imaginação coletiva e a interpretações diversas sobretudo de pessoas de quebrada.

O palco, o cenário, faz um círculo na terra e se coloca pra todes como uma gira aberta, uma festa das Yabás teatralizada e ritualística, na qual as próprias e suas tantas parentes podem desfilar suas memórias e histórias. Histórias de afeto nutridor para a criação de tudo: tudo que se vê, tudo que se viu, se anteviu e verá. Um tempo não linear, descontínuo, de perspectiva afrikanizada, matriarcal e matrilinear.

 “Canto das Ditas” é um teatro onde se ritualiza a história, a memória e a luta popular. É um manifesto dramatúrgico ligado fortemente às tradições afro-brasileiras, afrikanas e à oralidade de mulheres das periferias.

É possível detectar estes elementos em vários momentos da peça. Nela podemos ver e ouvir fortes influências da migração de povos afrikanos de todos os cantos e de povos migrantes do Norte, Sudeste e Nordeste do “Brasil”.

Ouvimos suas vozes e podemos supor, imaginar, fabular como esses povos trouxeram os seus cantos, toadas e cantigas que ajudaram a moldar o barro das fundações da Cidade Tiradentes.

Reverberam os sons e cantos dos autos negros, dos sambas de umbigada, do jongo, do bumba-boi, do congado, do congo do Espírito Santo, dos candomblés e até mesmo do blues, manifestações culturais que carregam em si não só musicalidade e dança, mas ação, sentido, dramaturgias ancestrais que em si trazem grandes significados e que aqui na peça ganham ainda mais contornos e forças dada a narrativa.

Sendo pessoa de periferia é impossível não se deixar tocar e comover com histórias que nos lembram nossas tantas mudanças de casa sob o cuidado de nossas mais velhas. Mulheres que lutaram e lutam por tanto do que vemos de estrutura em nossos bairros.  

Peça Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes do Núcleo Teatral Filhas da Dita – Foto: Areta Padma

Há uma cena particular que me fez marejar os olhos e dar um risinho de canto de boca. Em certo momento as personagens sobem num caminhão de mudança e partem para sua nova morada. É um momento comovente porque é muito significativo o sonho da casa própria em nosso imaginário. Esse é um dos grandes sonhos da classe preta trabalhadora. Como não sonhar com um lugar pra chamar de seu? Como não se comover com sonhos que muitas vezes são adiados e realizados apenas pela geração posterior? Não dá pra ficar inerte aqui.

O que se move no palco são corpas femininas, num rito de fundação da Cidade Tiradentes, esse bairro/país de 38 anos de idade localizado no extremo leste da cidade de São Paulo.

Representar mulheres no maior conjunto habitacional da América Latina não é pouco, mas mesmo essa grande dimensão fundadora, instauradora, esse nascedouro é ampliado e sacralizado com a dualidade escolhida para a representação das atrizes/personagens, que operam sobre duas personalidades ou duas facetas, uma das ancestrais terrenas, talvez as fundadoras do bairro, e a outra a face das ancestrais do Orun, as Yabás Yemonja, Obá, Oyá, Nanã e algumas encantadas.

Aliás, em se tratando de uma peça sobre o surgimento de um bairro e sobre lideranças femininas, muito adequado ser Nanã a instauradora do primeiro ato do espetáculo e nada mais potente que ter uma forte representação de Obá, orixá pouco representada em obras celebrativas aos Orixás e uma das Yabás mais centrais e mais determinadas na cosmo-sensibilidade afrikana do culto a estes. Escolhas de macumbeiras das boas!

 Permanência, consciência e reparação 

É muito bom poder assistir uma peça que abre debates importantes sobre permanência, consciência, luta e reparação. Uma peça teatral que deixa evidente que sua dramaturgia, apesar de ter uma autora única, tem em seus entremeios, em seus processos, vários depoimentos, relatos, escutas e frases que vem diretamente das mulheres do CDCM Casa Anastácia, espaço de referência para mulheres no extremo Leste da cidade de São Paulo.

O texto também considera e parece assumir as vivências do elenco da Cia (que é todo da própria Cidade Tiradentes), costurando uma malha sensível, afetuosa, forte, contundente e que acalanta, por não nos deixar sós, ao mesmo tempo que não nos deixa inertes, nos provocando ao longo de toda a duração do espetáculo e nos movendo para posicionamentos sobre. A coletiva inteira merece prêmios por essa peça e eu imagino que eles devem vir.

Ainda sobre as escritas, a influência da Afrografia, conceito da congadeira e mestra Leda Maria Martins, não poderia ser melhor integrada a temática geral, a escrita e a encenação de “Canto das Ditas”, que parece seguir a tradição negra da oralitura (oralidade + literatura + vivência, conceito também de Leda).

Partindo de tantas referências e com uma execução tão afetuosa, não há como a peça não sensibilizar e mover pessoas negras que a assistam, acredito inclusive que esse seja o público afetivo mais potente para esta montagem. 

É raro se ver uma escrita tão auto-consciente e que, sendo assim, em determinado momento da peça dá piscadelas de olhos para suas pares da plateia, dizendo com cumplicidade que sabe que nasceu ali e acolá, no público, mais uma membra da sociedade de Eleko.

Já ficou claro até aqui, né? Recomendo demais assistirem “Canto das Ditas”. É importante ver a força, a dança, os toques e o gestual preciso de Luara Iracema, a mulher búfalo, que protege seus filhos através da força e singeleza dos raios.

É comovente ver o afeto, as pausas motivadas e a malandragem de Thábata Wbalojá, que em seus 5 partos nos motiva a pensar, filho a filho, sobre a mestiçagem nada cordial “brasileira”.

É necessário ver, presenciar, sentir a voz rasgada, a forte presença e o deboche cênico de Lua Lucas, que levanta na nossa imaginação vários espelhos pra se ver e para nos vermos e para nos enfrentarmos, pra sabermos que apesar de tantas mortes veremos os nascimentos de mulheres plurais, mulheres reais.

É urgente prestigiar a atuação forte, as ironias, o humor e a sagacidade de Ellen Rio Branco, que nos faz rir e sonhar os sonhos de tantas mulheres. Sonhos que podem ser lidos como sonhos inocentes, básicos, necessários para meninas-mulheres. Ellen consegue ainda ser nossa vó, nossa mais velha, aquela que sabe, que sabe e não a toa corporifica a presença de Nega Zilda, personagem tão importante para a Cidade Tiradentes.

Peça Canto das Ditas – Fragmentos Afrografados de Cidade Tiradentes do Núcleo Teatral Filhas da Dita – Foto: Sheila Signário

É possível e preciso ver possibilidades, senso de coletividade, a graça, o moleque elegante Cláudio Pavão que se põe a disposição para compor uma obra tão potente pro seu bairro. É de ouro a dramaturgia de Antonia Mattos! Eu recomendo você seguir de perto outras obras da autora, e essa aqui é mais uma obra-prima dessa macumbeira boa.

E na música? O senso musical e a sensibilidade de Jonathan Silva são transpostas numa trilha sonora que não se limita a trilha, é uma trilha que é também estória, é dramaturgia, é ação.

Parabéns Fernando Alves! A concepção de luz e a execução dela, atuam em uma simbiose muito interessante em conjunto a uma sonoplastia precisa, pontual e bem pontuada. Palmas de pé para a direção de arte de Eliseu Weide! É minimalista e bem pensada, rica pelo que se vê e pelas frestas que deixa a imaginação de todes.

Eu como homem negro, afro-indígena, como pessoa pobre e preta, sinto calor no coração de poder assistir uma peça como “Canto das Ditas”. Foi muito importante pra mim devorar, refletir, sentir, anotar, ler a dramaturgia, deglutir tudo até chegar aqui.

Talvez apenas o que eu sinta falta é de ver homens pretos engajados neste tipo de produção, dentro das produções ou mesmo prestigiando, fazendo coro. Talvez caiba aqui mais um “presta atenção menino!” a todos nossos manos.

Gostei muito da peça, fazia tempo que não era mexido assim. Me emocionei, ri, chorei. Se você gosta de teatro e acredita em artes que coloquem o desafio e a responsabilidade de mover mudanças na sociedade siga essa trupe e “vão cantar com a Benedita!”.

Se você leu esse texto e ficou com curiosidade me deixa um comentário falando o que achou do texto. Se assistiu a peça diga nos comentários o que achou. Eu peço que acompanhe, leia e assista as Filhas da Dita. Saibam delas por elas mesmas. Deixo aqui dois vídeos para você que quer saber mais sobre a peça “Canto das Ditas”:

Neste vídeo de 2019, a atriz Ellen Rio Branco e a diretora e dramaturga Antonia de Mattos falam sobre a peça ao programa “Esquina da Cultura” do canal BCC International Television. Neste outro vídeo de 2022 elas nos camarins falam como e porque cantam o que cantam.

E aí, curtiu o texto desse mês? Escreve aqui um comentário pra eu saber o que achou pra eu seguir desenrolando por aqui na coluna “Instantes”. Não deixe de ler as outras colunistas aqui do Desenrola e Não Me Enrola. 

Mês que vem tem mais.

Saravá as mudanças!

No corre: projeto oferece aulas de música gratuita para jovens no Jardim Ângela

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As aulas de canto, violão, guitarra e produção musical serão realizadas de forma presencial no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

A produtora social e cultural A Banca, está com inscrições abertas para o projeto “No Corre”, que oferece aulas de música para jovens moradores da periferia. São aulas de violão, guitarra, canto e produção musical gratuitas, voltada para jovens de 10 a 18 anos, no formato presencial, que serão realizadas no espaço da produtora localizada no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. 

“Se você tem paixão pela sua arte, está na busca de melhorar seus conhecimentos sobre música e tem interesse e disponibilidade para participar das aulas, esse convite é para você”

afirma o grupo que atua há mais de 20 anos fomentando o empreendedorismo nas periferias.

As aulas acontecerão no espaço multimídia da A Banca, que tem uma sala de ensaio onde acontecerão as aulas e um estúdio para gravações. O espaço fica na Estrada da Baronesa, 75 – Jardim Ângela, zona sul da cidade de São Paulo.

As inscrições foram prorrogadas até o dia 17/07, e devem ser feitas neste link . A previsão para início das aulas é no final do mês de julho.