Home Blog Page 4

Meninas e a solidão durante a adolescência

0

Na rua em que eu morava havia uma mulher com idade entre 35 e 40 anos, lindíssima! Ela era famosa por ser casada com o único pedreiro do bairro e também por ter muito ciúme de seu marido. 

Me lembro que quando eu e minhas amigas éramos crianças, essa mulher nos tratava muito bem. Era gentil, sorridente e sempre nos elogiava pela nossa gentileza ao ajudá-la com sacolas de mercado, mas depois de alguns anos seu comportamento com relação a nós, mudou completamente.

Ela passou a nos tratar com rispidez, e se ela estivesse passando na rua e nos ouvisse rir, imediatamente nos xingava de coisas terríveis.

Quando eu tinha 14 anos, houve um episódio muito triste envolvendo essa mulher e seu marido. Era um domingo de muito sol, minhas amigas e eu estávamos sentadas na calçada conversando e tomando sorvete. E você já deve ter visto adolescentes conversando, né? Falávamos e ríamos tão alto que certamente toda a vizinhança podia nos ouvir de longe.

Foi nesse cenário que a vizinha e seu marido passaram de mãos dadas na rua. Ela estava belíssima, elegante e arrumada como sempre, já ele – que não era nada atraente – parecia ter vestido a primeira roupa que encontrou no armário. 

O casal passa por nós. Ele cumprimenta: “Boa tarde, meninas”

Nós sequer tivemos tempo de responder. A vizinha gritou para o marido: “Por que você está dando ousadia para essas putinhas?”

Ela puxava o marido pelo braço enquanto gritava que “menininhas novinhas” ficam sentadas na calçada só para se exibir para homens casados.

“Eu não sou otária, não. Eu arranco os cabelos de vocês”.

O marido sorria e dizia em tom jocoso: “Você está doida, mulher?”

Conto essa história porque para mim ela ilustra o que acontece com muitas meninas quando atingem a idade adolescente. Passam a ser vistas por muitos homens como objetos de assédio e por muitas mulheres como rivais ou predadoras em busca de “homem casado”.

Assim, sozinhas, as meninas passam a criar estratégias para lidar com as violências sofridas. Algumas passam a revidar os assédios e xingam os homens na rua, ficando em risco, já que podem sofrer violências físicas por parte desses senhores (sim, muitos são senhores). 

Outras se isolam em casa com medo da violência na rua. Há aquelas que mudam a forma de se vestir para que seu corpo não seja notado. E também existem as meninas que passam a acreditar no que esses adultos dizem e sentem que os assédios dos homens são elogios e que o afastamento das mulheres mais velhas é inveja. Sentem-se então no poder, quando, na verdade, estão vivendo violências que as deixam cada vez mais solitárias e vulneráveis.

O que podemos fazer diante disso?

Nós, pessoas adultas, precisamos fazer algo para que as meninas sintam que podem contar conosco durante seu processo de desenvolvimento. 

Precisamos urgentemente perceber as meninas adolescentes como pessoas em fase peculiar de desenvolvimento e não como objetos do desejo ou sedutoras-perigosas. São meninas!

Os homens que não concordam com os assédios contra meninas precisam dialogar com outros homens sobre isso, precisam se posicionar contra o assédio.

Mulheres, acolhamos as meninas, estejamos com elas nessa travessia tão intensa que é a adolescência, não sejamos mais um ponto de abandono e culpabilização. 

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica o conteúdo de seus colaboradores colunistas.

“Desenrola Aí” estreia 4ª temporada debatendo autismo nas periferias

0

A quarta temporada do programa “Desenrola Aí”, exibido no canal do YouTube do “Desenrola e Não me Enrola”, estreia nesta quarta-feira, 2 de abril — Dia Internacional de Conscientização do Autismo (TEA) — com o tema “Por dentro do Espectro: uma conversa sobre Autismo, Inclusão e Direitos”.

No primeiro de seis episódios, Rebeca Motta bate um papo com Janaina Cunha, psicóloga e especialista em TEA, com aprimoramentos em psicologia escolar e orientação parental, para explicar o que é o Transtorno do Espectro Autista, como os primeiros sinais se manifestam na infância, o que são e quais são as diferenças entre os graus de suporte e como a falta de informação impacta a rotina de pessoas portadoras do transtorno — seja na busca pelo diagnóstico e terapias adequadas ou em seus espaços de convivência. 

Segundo o IBGE, estima-se que o Brasil possua 2 milhões de pessoas portadoras do TEA, mas, apesar do número expressivo, ainda há barreiras que impedem a oferta de terapias adequadas, como o baixo número de profissionais especializados para lidar com o transtorno nas áreas da saúde e da educação, fake news, informações desencontradas e autodiagnóstico — situações que se relacionam diretamente com casos de diagnóstico tardio. 

Janaina Cunha, psicóloga especialista em TEA – Foto: Geovanna Santana março/ 2025

Existem dados científicos que comprovam que, quanto antes uma criança for diagnosticada, melhor para o desenvolvimento e aquisição de novas habilidades. Quando as famílias são impedidas de terem acesso a uma informação que pode mudar a qualidade de vida delas, isso também é uma forma de violência. Por isso, é tão importante que os profissionais se capacitem e a sociedade se informe para acolher essas pessoas e apoiar a busca delas pela garantia dos direitos da pessoa autista”, defende Janaina.

Um passo importante para superar esses obstáculos foi dado recentemente, com a inclusão de perguntas específicas sobre o TEA no censo de 2022. Por meio da reivindicação e articulação da própria comunidade autista brasileira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estipulou uma pergunta para determinar a quantidade e em quais condições vivem os autistas no Brasil. 

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola, Fluxo Imagens e Portal Kintê Notícias, fomentado pela LEI de Fomento a Cultura da Periferia, da cidade de São Paulo. 

Vocês ainda estão aí? Pois bem, nós também, apesar dos pesares

0

Certa vez na minha adolescência perguntei para minha avó o que ela lembrava do período da ditadura, ela me disse com olhar reflexivo: “Naquele tempo as escolas eram melhores…”. Sabendo de outra perspectiva, pelo olhar de minha mãe, entendi que aquela era uma resposta evasiva ou até tendenciosa.

Minha avó como muitas outras pessoas, passou os anos 60 mantendo o país em pé enquanto os milicos destruíram o Brasil e os brasileiros.

Migrante mineira, ela chegou muito nova a São Paulo e não teve tempo de ser criança. Com 13 era babá e servente numa mansão nos jardins e morou no “quartinho de empregada” por anos. Teve seu primeiro aborto com 15, e anos depois, ao conhecer meu avô, logo engravidou. Mudou de emprego e foram para Piraporinha, periferia da zona sul de São Paulo, na conquista da casa própria. 

Era passadeira numa loja de roupas de rico na Oscar Freire, quando aconteceu o golpe militar. Viveu o Ai5 e outras arbitrariedades quase ilesa, se matando de trabalhar, como era comum a qualquer pessoa de quebrada naquele contexto. 

É importante dizer, minha avó não era uma mulher conservadora, católica fervorosa, que por força moral fez vista grossa às aberrações que ocorriam embaixo do seu nariz. 

Minha avó era macumbeira, no começo dos anos 80 tornou-se desquitada e mãe solteira de duas filhas, uma de cada cor. Sua casa vivia cheia de jovens hippies e suas filhas eram ligadas à cena cultural e política da época. 

Logo essa resposta soou mais intrigante pra mim. Ocorre que certa vez em uma conversa com meu tio avô, na cozinha da minha vó, uma bomba caiu no meu colo. Sei lá porque motivo falávamos da luta armada e alguém falou do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Tio Chico gritou: “Eu fiz parte disso aí”.

Falou e deu uma lapada no copo de cachaça como quem tomava um café. Minha avó retrucou: “Eu lembro, foi quando você chegou todo quebrado aqui em casa pra eu cuidar né?”.

Espantado eu falei: – Como assim tio? Você foi do MR8, você que hoje defende o Maluf? 

Ele me disse que uma coisa não tinha nada a ver com a outra e falou que conheceu a esposa do Lamarca, uma tal de Iara. Falou que não gostava muito da punhetagem intelectual dos integrantes do grupo, gostava mesmo era de dar tiro, extravasar a raiva. 

Meu tio avô era um homem negro e conhecia, já antes do golpe, o ódio, o desrespeito e a vida dura. Conheceu a pobreza antes de ler Marx. Bem diferente de muitos de seus companheiros de MR8. 

No meu batizado, no ano em que se “encerrava” a ditadura, uma foto conformou uma das imagens que mais me marcou ao longo da vida. Eu no colo de minha avó ao lado deste meu tio avô, meus pais, e amigos na frente da igreja Nossa Sra de Piraporinha. 

Um destes amigos, um homem negro retinto de black power altivo, Jimmy, um fanzineiro, sindicalista, um artista militante. Essa foi uma das últimas fotos que tiraram dele. Simplesmente ninguém nunca mais o viu. 

Eu nasci com a redemocratização, mas essa imagem me diz que para pessoas pretas e periféricas, a redemocratização de verdade nunca aconteceu totalmente. E essa não é só uma chaga da ditadura, é resquício muito mais antigo de algo que pouca gente põe na conta quando faz análise política do nosso país, a perpetuação das mazelas da escravidão.

Nós, o povo negro, indígena e periférico desta nação, que sempre estivemos a margem de tudo, ainda estamos aqui, apesar do estupro colonial, apesar da falta de políticas de reparação, apesar do subemprego, da fome, da moradia precária, da falta de acesso à direitos, apesar da ditadura, apesar das moléstias, apesar da PM, apesar do Bolsonarismo. 

Aí refaço a pergunta que o mestre Edson Cardoso, histórico pensador e militante do movimento negro faz há anos: “Como ainda estamos aqui apesar de tanta coisa?”. Em suas próprias análises há um caminho, “eles não contavam com nossa profunda capacidade de resistência”. 

Ou como bem diz a mestra Conceição Evaristo, “eles combinaram de nos matar, e nós combinamos de não morrer”. E resistimos de muitas formas viu. Não só pegando em armas, ou nas greves, nos movimentos estudantis, mas também simplesmente trabalhando e mantendo os filhos vivos, como fez minha vó.

Mas o que tudo isso tem a ver com o filme “Ainda estou aqui” de Walter Salles?

O filme e o olhar de quem o fez

Antes de fazer minha análise, vi as inúmeras críticas de vários outros pensadores, principalmente das pessoas negras e periféricas que respeito, atento a seu ponto de vista e ao que de novo minha contribuição poderia somar no debate. 

O fato é que para além da importante crítica, a falta de representatividade da perspectiva periférica acerca da luta contra a ditadura e suas consequências atuais, achei quase tudo contraproducente e por vezes até um tanto maniqueísta, muito característico do momento da esquerda atual, confusa quanto ao real inimigo.

Digo isso porque o ponto mais importante pra mim não é sobre o quão é válido que tenhamos um novo filme sobre a ditadura num contexto de ascensão global das extremas direitas, ainda que isso também seja válido. Um filme, no limite, é só um filme e muitas vezes as pessoas se esquecem disso. E ainda que as provocações e as ideias possam nos levar a ação, não é um filme que vai para a rua, que muda estruturalmente o país, ainda que este em questão tenha motivado coisas importantes, principalmente junto a comissão da verdade. 

O ponto em que quero me concentrar é no porque as políticas públicas e privadas de financiamento estão concentradas nas produtoras e diretores da burguesia brasileira? Porque nós que vivemos outras histórias da ditadura não temos recursos para produzir nossos filmes com nosso ponto de vista? 

O filme de Walter Salles é muito bom, como foram seus filmes anteriores “Diários de motocicleta”, “Abril despedaçado”, “Central do Brasil”. 

É o mínimo que se espera de alguém que desde cedo teve tudo ao seu favor.

O que também não diminui o mérito do diretor, mas sim confirma a importância da grana na consolidação das carreiras de diretores e seus filmes. Um bom exemplo é que o filme “Marte Um”, de Gabriel Martins (Filmes de Plástico), em 2023, estava sendo cogitado para representar o Brasil no Oscar, mas Gabito, homem negro da periferia de Minas Gerais, não tinha recursos como Walter, para injetar na campanha do filme a nível internacional. 

Em si, “Ainda estou aqui” tem muitas qualidades, uma fotografia sensível, que amplifica a atuação, além do magnífico trabalho de CGI (imagens geradas por computador) na pós, para recriar a paisagem do Rio de Janeiro da época.

Uma narrativa construída com primazia, um controle incrível do tempo das cenas, o que dá profundidade e reflexividade a personagem de Eunice Paiva. Uma montagem primorosa que te põe dentro do estado de alerta e de tensão da época.

Uma atuação imensa da Fernanda Torres e das personagens secundárias, contando inclusive com atores periféricos, como é o caso de Aguida Aguiar, de Itaquera e de Fagundes Emanuel Ferreira, de Perus, com pequenas participações, mas um importante dado de construção de carreira. 

Algo que muitos críticos importantes falaram foi da construção da personagem Zezé, vivida pela atriz Pri Helena. Um importante elo da relação dos protagonistas com os filhos. Zezé, apesar de poucas falas, vive situações emblemáticas, como quando fica com os filhos mais novos de Eunice e Rubens, enquanto ela, o marido e uma das filhas mais velhas estavam presas sendo interrogadas.

O que se levantou muito foi o fato de a única personagem negra não ter tido grandes falas e ter sua subjetividade pouco evidente mesmo nas pequenas participações, o que é fato, mas também não é uma especificidade deste filme, mas sim uma característica geral do cinema e da televisão brasileira. O mestre Joel Zito Araújo já denunciava isso no final dos anos 90, vale a pena assistir ao filme “A negação do Brasil” (2000).

O que me deixa cansado com essas análises de modo geral é que qualquer ponderação feita nesse sentido me parece uma construção minha dentro do filme do Salles ou da história escrita no livro de Marcelo Rubens Paiva. No livro, aliás, a personagem Zezé sequer existe.

Toda vez que algo me incomodava na narrativa (e essa personagem Zezé me incomodou muito), eu pensava que isso também dizia sobre mim, sobre minha história e não sobre o filme do bilionário. Aí me lembrava que se quisesse que algumas perspectivas fossem aprofundadas teria que eu mesmo fazer o trabalho e que essa não seria mesmo a abordagem de Walter Salles. 

O fato é que a Zezé lembrou muito a minha avó, principalmente na cena onde ela questiona Eunice sobre o salário e sua suposta naturalidade com a presença dos milicos observando a casa. Pois nesse momento estabeleci um vínculo entre a história da família Paiva com a minha, ainda que um abismo social nos separasse. 

Nesse momento refleti um pouco sobre o fato de que ser uma pessoa “quase da família”, nesses contextos, não imprime densidade de relação suficiente para que pessoas como a Zezé ou minha vó, tivessem compreensão geral do que significava a ditadura. Podiam bem passar alheias já que o que importa para pessoas nessa posição de subserviência é que cuidem dos filhos, limpem a casa, lavem a roupa.

Mas no fim, o salário é o limite. Como anda a família de Zezé? Como ela ficará com a demissão? Não está em questão.

A dor da família Paiva não é menor que a de ninguém, pois ainda que abastados, a classe média alta representada estava e está muito mais perto de mim enquanto condição social, do que dos bilionários que cortejam, do que da própria família do bilionário que dirigiu o filme.

A ditadura tornou-se essa mácula tão pesada na história brasileira porque talvez tenha sido a primeira vez que pessoas brancas de classe média tenham sido tratadas como a maioria negra, indígena e pobre desse país foi e é tratada historicamente. 

A primeira vez que filhos brancos e bem nascidos da aristocracia nacional foram presos e torturados, a primeira vez que alguém da família é sequestrado e some, a primeira vez que seus amigos e parentes são assassinados apenas por pensarem de forma dissidente. 

Muita gente boa acordou da vida de segurança e privilégio após o pesadelo da longa noite ditatorial brasileira e passou a se entender como povo, como campo artístico, de esquerda, progressista, etc. Outros já entenderam esse período como um sinal de que se quisessem manter o status quo, precisavam caminhar na linha do sistema sem tomar partido. 

Eunice Paiva foi talvez essa pessoa, aliás, toda a família Paiva, gente que mesmo já flertando com o pensamento progressista, teve de acordar de um sonho difícil para se posicionar definitivamente enquanto povo. Não há demérito nisso (antes tarde do que nunca). Eunice foi uma importantíssima batalhadora das causas sociais junto dos movimentos indígenas, na luta por direitos humanos e da comissão nacional da verdade, os filhos também se engajaram e lutam por diferentes pautas de esquerda até hoje. 

Um momento pouco comentado do filme mostra esse choque de realidade. Na cena com a professora da escola dos filhos que também havia sido presa e torturada, Eunice pede que ela diga que esteve com seu marido na polícia, pois ela foi a única que o viu, diz que ele pode estar em perigo, a professora responde “todos estamos em perigo”. É como se o despertar viesse na melodia e nos versos de Erasmo: “não vou ficar calado, no conforto acomodado, como muitos por aí”. 

O cineasta Walter Salles, na história real, estava entre os amigos de Marcelo Rubens Paiva, brincava quando criança na casa onde tudo ocorreu. Seu pai, o banqueiro Walther Moreira Salles, foi Ministro da Fazenda do governo João Goulart, quando o então deputado Rubens Paiva exercia seu mandato pelo PTB. 

Estaria então o Waltinho, a partir de seu lugar de classe, produzindo um cinema com um viés de transformação social? 

Os bilionários e nós (os outros) 

Muita calma nessa hora, não é tão simples assim, a família Salles está entre as famílias banqueiras mais antigas do país, são os donos da rede Itaú – Unibanco e tem quatro membros na lista da Forbes dos 10 mais ricos do Brasil. Walter Salles é o 3° cineasta mais rico do mundo. Perdendo apenas para o Steven Spielberg e o George Lucas.

É importante dizer que estes 10 multi bilionários representam 1% da pirâmide social e estão a anos luz da classe média alta e das demais faixas empobrecidas do país. 

A minha tese é que o filme, e talvez toda a trajetória artística dos irmãos cineastas João e Walter Salles, tenha sido calcada na superação da história errônea de seu pai, que apesar de ministro de Jango, foi um dos articuladores internacionais do golpe, cedendo documentação privilegiada para o governo norte americano, por meio do embaixador dos EUA Lincoln Gordon, sabendo que as reformas de Goulart gerariam prejuízos aos seus negócios no Brasil e no estrangeiro (dados da UERJ). 

Por um lado é interessante saber que a fortuna herdada com o fim da democracia nos anos de chumbo esteja retornando como uma reflexão, que no momento atual denuncia as arbitrariedades da ditadura e suas consequências na contemporaneidade. 

Por outro lado, revela o quanto a concentração de riqueza torna simples o acesso à produção cinematográfica no país, ainda que sua grana seja fruto da supressão de direitos dos mais pobres. 

Essa é a grande questão, não quero que Walter ou João deixem de fazer seus filmes, até porque são bons no que fazem (há muitos outros, muito piores e mais perigosos), mas deveriam os mesmos mais do que fazer grandes mausoléus de concentração da memória do país, como o IMS, incentivar de forma contundente a produção de cinema popular periférico. Injetando, de forma desburocratizada, recurso nas iniciativas realmente independentes. 

O filme ganhou o Oscar como uma produção “independente”, mesmo que do próprio bolso dos Salles tenha sido injetado 45 milhões de reais, e recentemente ainda recebeu do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) um investimento de R$ 32 milhões para a Conspiração Filmes que co-produziu o longa, na perspectiva de internacionalização da obra. 

Com 1% dessa grana manteríamos nossa escola de cinema na quebrada Ibira Lab, por mais de 1 ano. Estruturaríamos dezenas de cineclubes ou bancaríamos a produção de muitos filmes de diversos coletivos que produzem seus trabalhos com zero de investimento. 

Como classe artística eu não vou pixar o filme para ganhar aplauso como fizeram alguns críticos, até porque isso favorece a extrema direita que odeia a arte e os artistas, mesmo que não odeiem o fato de serem bilionários. 

Mas como classe social, independente do filme, não posso deixar de questionar o quanto as consequências dessa burguesia vampira, herdeira dos nossos piores algozes, segue limitando nosso avanço social e artístico. 

E nesse sentido, é importante que o investimento público e privado comprometido, tenha coragem de colocar recursos de forma real na produção de filmes que contem a história da ditadura pelo olhar da periferia. Temos muito ainda por falar, da vala de Perus à Santo Dias, das comunidades eclesiais de base à luta operária, um universo todo ainda deve ser explorado e revelado em sua complexidade. 

Que nestes 61 anos do golpe militar possamos vislumbrar um futuro onde a história seja retomada pelas mãos dos trabalhadores, que tenhamos um olhar nítido e diverso sobre as mazelas que acometem desde sempre nosso povo. Que estejamos fortalecidos para não sermos reféns das fake news das indústrias corporativas de comunicação. 

No mais é luta, afinal, ninguém tá puro e precisamos ser estratégicos para tomar o que é nosso de assalto. Pois nós não somos do tipo que é exilado, não estamos nas listas de desaparecidos, não temos direito a julgamento e sabemos o porquê.

Clóvis Moura, em ‘Brasil: raízes do protesto negro’, diz: “Todo preso é um preso político”, a miséria amplificada pela ditadura criou o cenário favorável para a violência e a barbárie que se prolifera como cultura nas quebradas ainda hoje. 

Sabemos quem nos apoiará quando a corda arrebentar do lado mais perseguido. A academia do Oscar, por exemplo, se recusou a demonstrar solidariedade ao cineasta palestino Hamdan Ballal, depois de ser agredido por colonos israelenses e ser sequestrado e torturado pelo estado sionista, fruto de uma guerra alimentada pelo mesmo país que lhe deu a estatueta de melhor documentário por “No Other Land”. 

Não lutaremos sozinhos e desvalidos contra os monstros do capital, precisamos de gente alinhada, teórica e fisicamente. Na disputa pelas mentes precisaremos de acadêmicos e cineastas, pedreiros e cozinheiras, tudo que nos direcione para além de nossas raivas particulares e das humilhações sistêmicas, revelando os verdadeiros algozes e nos impregnando de dignidade. Jessé Souza falou recentemente em uma entrevista, articulando o filme “Ainda estou aqui” ao seu mais recente livro:

“Imagina um mês com os melhores jornalistas desse país, explicando para o povo da periferia e dos interiores do país quem são seus inimigos de verdade, quem está roubando você, o Itaú, o BTG pactual, o Bradesco. Tenho certeza que em um mês teríamos coisas revolucionárias acontecendo. Mas esse cara está acostumado a ver Fernanda Torres e mãe nos comerciais dizendo o como são lindos esses bancos.” 

Penso que cada vez mais é melhor que as famílias Montenegro e Salles façam filmes como “Ainda estou aqui” e menos propagandas de banco, isso é o mínimo da parte deles. Do nosso lado, os cães ladram e a caravana não para!

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica a narrativa dos conteúdos de seus colaboradores colunistas.


Casa de Cultura Hip Hop Leste recebe a 1ª Feira Cultural LGBTQIAPN+ da Cidade Tiradentes

0

Celebrar a diversidade e fomentar o debate sobre temas cruciais para a comunidade LGBTQIAPN+ são alguns dos enfoques do evento que é organizado pela iniciativa Identidade Periférica, com histórico de atuação na promoção dos direitos humanos e na inclusão sociocultural da população periférica. A programação começa no dia 01 de abril e segue até o final do mês na Casa de Cultura Municipal Hip Hop Leste, localizada na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo.

O projeto busca destacar intersecções entre as diferentes formas de opressão que impactam a população LGBTQIAPN+, para isso, a programação aborda temas relacionados a gênero, raça e classe.

“Queremos proporcionar um ambiente de acolhimento, no qual a comunidade LGBTQIA+ possa se reconhecer e se fortalecer. Ao mesmo tempo, buscamos sensibilizar a sociedade sobre a importância da inclusão e do respeito à diversidade”

Paulo de Almeida Rodrigues, um dos responsáveis pela iniciativa Identidade Periférica.

Durante os 30 dias de programação, haverá uma série de encontros culturais e educativos, incluindo performances artísticas, exposições, oficina de fotografia e projeto cultural também são algumas das atividades. A iniciativa destaca a participação de artistas como Lia Clark, Valeska Popozuda e MC Xuxu. 

Segundo a organização, a feira também tem como objetivo oferecer um espaço seguro para reflexão e conscientização sobre os direitos da comunidade LGBTQIAPN+. As atividades educativas incluem discussões sobre história e políticas públicas, assim como debates sobre o impacto da interseccionalidade nas questões de gênero e sexualidade.

“Pensamos cada detalhe para garantir que todes possam viver essa experiência com segurança e respeito, desde a estrutura do evento até a equipe multidisciplinar preparada para atender o público. Além disso, a feira celebra a arte e a cultura LGBTQIA+, dando visibilidade a artistas e expressões que fortalecem a identidade e a luta por direitos. Mais do que um evento, é um manifesto vivo pela diversidade e pela inclusão”, diz Jal Moreno, produtor executivo do evento.

A feira também contempla uma infraestrutura com banheiros acessíveis para pessoas com deficiência, intérpretes de libras e audiodescrição em vídeos. A programação completa será divulgada ao longo do mês na página da Identidade Periférica.

Serviço

Feira Cultural Promovendo a Diversidade: Um Enfoque Interseccional nas Causas LGBTQIAPN+
Período: 01 a 30 de abril de 2025
Local: Casa de Cultura Municipal Hip Hop Leste
Endereço: R. Sara Kubitscheck, n° 165 A, CEP 08474-000, Cidade Tiradentes – São Paulo – SP
Entrada gratuita

Jogo desenvolvido por articuladoras locais fortalece memória coletiva 

0

A valorização dos saberes de povos e territórios é uma das demandas que atravessam o trabalho de agentes locais que atuam a partir das periferias. A criação do jogo “Perus no tabuleiro da memória”, formulado pelo Centro de Memória Queixadas – Sebastião Silva de Souza (CMQ), é um exemplo dessa movimentação.

Viabilizado por meio da 7ª edição do edital Fomento à Cultura da Periferia, “Perus no tabuleiro da memória”, propõe atividades lúdicas e educativas para o público infanto-juvenil. A partir da memória coletiva, narrativas locais e o vínculo com o bairro de Perus, território localizado na zona noroeste da cidade de São Paulo, o jogo busca registrar a história local. Desse modo, a iniciativa procura contribuir na difusão e valorização do patrimônio cultural e histórico periférico.

O tabuleiro leva os participantes por uma jornada que retrata as transformações do bairro e estimula reflexões sobre as relações pessoais com o território, reforçando os vínculos afetivos e identitários. “Foi todo desenvolvido em cima de um mapeamento afetivo realizado com a comunidade. Além do mapa do bairro em si, toda a divisão do território tem como base também a memória. O tabuleiro é cheio de pins de lugares que foram citados de alguma forma nesse mapeamento”, explica Sheila Moreira, uma das gestoras do Centro de Memória Queixadas.

Durante as rodadas, os jogadores precisam localizar pins no tabuleiro. Alguns deles são nomeados, como a biblioteca da região. Outros são pins que remetem à memória das pessoas que participaram do mapeamento.

“A memória é um fenômeno coletivo e social que, embora sujeito a transformações, possui marcos que constituem o imaginário social. Esses marcos, presentes no jogo, são ferramentas para fortalecer a conscientização e o protagonismo periférico, gerando identificação e pertencimento”

Angélica Müller, responsável pelo núcleo Educativo do Centro de Memória Queixadas.

Desenvolvido pelo Centro de Memória Queixadas, espaço criado para ser um centro comunitário dedicado à preservação e valorização da memória coletiva de Perus, o jogo foi lançado em fevereiro de 2025, e a ideia não é ser distribuído, mas que circule por diversas escolas. 

“Todas as escolas da região poderão receber a iniciativa mediante agendamento prévio com a equipe do Centro de Memória Queixadas, que oferecerá suporte para integrar o jogo às dinâmicas pedagógicas de cada instituição”, explica Erika Barbosa, gestora no núcleo de Articulação Territorial do CMQ. 

O tabuleiro foi desenvolvido com base em um mapeamento afetivo realizado com moradores de Perus. Foto: Divulgação.

O público geral interessado em conhecer o tabuleiro também pode agendar uma visita ao Centro de Memória Queixadas, via email ou instagram, e assim ter acesso ao jogo. A equipe ressalta que por ser uma atividade colaborativa, se a ida ao espaço for sem agendamento, é preciso ir com mais pessoas, até seis jogadores. 

No caso das escolas, o núcleo do CMQ vai até os alunos, ou as escolas também podem combinar uma visita ao espaço. Para entrar em contato e agendar uma atividade com a equipe é preciso enviar um email para contato@cmqueixadas.com.br ou mensagem no instagram.

O que o fim da escala 6×1 revela de oculto na sociedade brasileira

0

No dia 25 de fevereiro de 2025, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), protocolou e apresentou oficialmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25) que refere-se ao projeto que objetiva reduzir a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais e 4 dias por semana, cuja finalidade maior é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 dia de descanso, conhecida por escala 6×1, que envolve trabalhadores formais e informais.

Esse projeto é uma iniciativa que nasceu da mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), desde 2023. Liderado pelo influenciador digital Ricardo Azevedo, vereador eleito pelo PSOL com maior votação do partido na cidade do Rio de Janeiro, o movimento ganhou visibilidade e força nas redes sociais e conseguiu reunir mais de 1,5 milhão de assinaturas via abaixo-assinado entregue à Câmara dos Deputados e que pede a revisão desse tipo de jornada, algo que se tornou padrão em diversos setores econômicos do comércio, da indústria e dos serviços.

A proposta do fim da escala 6×1, ganhou projeção nacional e mobilizou agentes em campos políticos e ideológicos distintos, tanto à esquerda como à direita. Isso ao trazer a tona uma problemática latente e oculta de superexploração do trabalho, com base em baixos salários que sustentam esse tipo de jornada, algo característico de uma formação social dependente como a brasileira que se constituiu baseada na herança colonial e escravocrata, além da subordinação ao imperialismo estadunidense e ampliação da precarização do trabalho como extração de mais-valor permanente.

Enquanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que representa uma conquista do movimento trabalhista no país, não especifica escalas e permite o trabalho de até 44 horas semanais divididas em oito horas diárias, com a garantia de um dia de descanso a cada seis trabalhados, o VAT não só propõe a revisão desta legislação, mas conseguiu conquistar corações e mentes de grande parte dos trabalhadores e parlamentares para essa pauta, ao dialogar concretamente com a vida cotidiana e os dilemas da classe trabalhadora no país. Algo que determinadas organizações partidárias tanto à esquerda como à direita não conseguem fazer no dia a dia.

Com grande satisfação digo que este é meu artigo de estreia na coluna do Portal Desenrola e Não Me Enrola. Sou filho e membro da classe trabalhadora, negro, proletário, periférico e corinthiano que há décadas vem atuando, militando e estudando a fim de contribuir com a transformação social. Busco refletir aqui as condições de trabalho com a aprovação da PEC 08/25.

Vida além do trabalho e emprego digno com direitos

Em tempos de políticas neoliberais de austeridade fiscal (privatizações, redução de gastos públicos, etc.), a proposta do fim da escala 6×1 para uma jornada de 36 horas semanais e 4 dias de trabalho permitirá aos trabalhadores maior tempo para viver a vida, já que despendem muito tempo no trabalho e nos deslocamentos. 

A luta pela diminuição da jornada de trabalho sem diminuição de salário é uma luta sindical histórica que conseguiu estabelecer alguns parâmetros legais e civilizatórios nos países centrais do capitalismo e, na periferia, especificamente no Brasil. Alguns desses direitos foram apenas para parte da classe trabalhadora, já que a informalidade sempre foi majoritária no país e a herança colonial e escravocrata sempre pesou sobre as condições de vida na inserção e desenvolvimento da população negra, pobre e periférica nas relações de trabalho. 

Por isso, quando se fala em emprego digno, um direito humano universal inalienável, refere-se aos empregos com direitos sociais (férias, 13º salário, previdência, etc.) e salários dignos correspondentes ao valor do trabalho, cuja situações de crise econômica não prejudiquem os trabalhadores. 

Não por acaso que o VAT tem esse nome: Vida Além do Trabalho, já que as grandes jornadas de trabalho existem apenas para manter a taxa média de lucro e a alta rentabilidade dos grandes capitalistas. 

Num país em que há ainda o mito do Estado ineficiente e do mercado virtuoso, tais agentes do mercado estabelecem longas jornadas de trabalho com trabalhos precários aos trabalhadores, restando a estes um dia de “descanso” na semana. Algo que contraria as condições do bem-viver, porque nesse dia precisam realizar diversas atividades de reprodução social. 

Superexploração do trabalho e longas jornadas de trabalho

A superexploração do trabalho advém da realidade de nossa formação social analisada por Ruy Mauro Marini em sua obra Dialética da dependência, e suas características fundamentam as economias dependentes, tal como a brasileira. 

Para Marini, a superexploração é um processo estruturante das relações de trabalho e corresponde a uma situação na qual os salários pagos aos trabalhadores são inferiores ao valor da força de trabalho. Nesse caso salários rebaixados, aspecto que impede com que a classe trabalhadora tenha condições de se reproduzir em condições “normais”. 

Por exemplo, um operário que trabalha na Volkswagen do Brasil recebe três vezes menos que um operário que trabalha na matriz na Alemanha para realizar a mesma função na atividade produtiva. Nesse sentido, a superexploração advém da condição de dependência econômica e subordinação política de países periféricos aos centros dinâmicos do capitalismo, ou mais precisamente ao fenômeno do imperialismo monopolista, uma fase superior do capitalismo.

Então, a escala 6×1 é oriunda da superexploração do trabalho e reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário permitirá ao trabalhador, que vive as condições precárias de trabalho, dispor de mais tempo e condições para realizar sua reprodução social (acompanhar e cuidar dos filhos, da casa, lavar a roupa, fazer comida, dispor de lazer, etc.) e valorizar o tempo de trabalho por receberem baixos salários. Além de exigir de diversos setores econômicos que operam na escala 6×1 ampliar o quadro de funcionários e gerar empregos para realizar suas atividades cotidianas.

Escala 6×1 versus escala 4×3 no contexto sindical frágil

O debate nacional e na Câmara dos Deputados possibilitado pela PEC, provocou diversos posicionamentos sobre a questão a favor e contra. O Ministério do Trabalho afirmou em nota à imprensa que tem “acompanhado de perto o debate”, ao indicar que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas enfatizou que a questão deveria ser tratada em convenções e acordos coletivos entre empresas e empregados. 

Ora, nas últimas décadas o movimento sindical foi enfraquecido em decorrência das políticas neoliberais, de governos de extrema direita, centro e mesmo esquerda e, com o fim da contribuição sindical obrigatória, muitos sindicatos vivem na UTI e desacreditados por parte da classe trabalhadora. Havendo parte expressiva na condição de informalidade e precariedade sem referência em sindicatos, ao passo que esse enfraquecimento fortaleceu o movimento patronal e as empresas que ditam as regras de contratações e demissões, pressionam pela retiradas de direitos por meio das reformas (ou contra reformas) trabalhista e previdenciária e assumiram a negociação direta com os trabalhadores individualizados sem a mediação sindical. O que colocou a classe trabalhadora na lona nesse ringue da luta de classes. 

Por isso, a proposta protocolada pela deputada Erika Hilton se apresenta enquanto uma esperança no fim do túnel dessa sociedade capitalista neoliberal, ao provocar a necessidade do debate e desvelar os interesses políticos em torno da questão. 

A PEC prevê o estabelecimento de uma jornada de trabalho “normal” a partir dos seguintes aspectos: 

1) não poderá ser superior a 8 horas diárias

2) não poderá ultrapassar 36 horas semanais

3) será de 4 dias por semana

Segundo o texto da PEC, as mudanças passariam a vigorar depois de 360 dias de sua eventual promulgação, o que permitiria aos empresários do capital se adequarem para cumprir a nova lei.

O trâmite passa agora a ocorrer na Câmara dos Deputados, cuja análise da PEC está nas mãos do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisa encaminhar para uma comissão que realizará o debate da viabilidade da proposta e de sua aprovação. 

Evidentemente que a aprovação só será possível com a mobilização da classe trabalhadora, dos movimentos populares e de sua fiscalização na Câmara e no Senado por meio de um controle social de quem apoia a PEC. 

Trabalhadores de todo o país: uni-vos pela PEC e Vida Além do Trabalho!

É possível traçar uma continuidade do Breque dos APP’s (paralisação de entregadores e motoristas de aplicativos) de 2020, o VAT em 2023-2025 e a PEC entregue em fevereiro deste ano. 

O Breque dos APP’s, no contexto da pandemia, representou a primeira organização nacional de entregadores e motoristas de aplicativos por melhores condições de trabalho e vida, ao chamar a atenção para suas condições de trabalho sem direitos e com diversas precariedades nas relações de trabalho. 

Desde o Breque, até a mobilização do VAT pelo fim da escala 6×1, o que vemos é o grito do precariado (trabalhador precarizado) diante de relações de trabalho sem direitos sociais básicos e com dificuldades de garantir as condições básicas de vida.

São os(as) trabalhadores(as) precarizados(as) no trabalho doméstico, no telemarketing, na construção civil, na entrega e viagens por aplicativo, etc, em suma trabalhadores periféricos, que mais sofrem com as condições de trabalho, sem organização sindical e com dificuldades de ação enquanto categoria.

Por isso, com a mobilização nacional pela PEC, diante da intensidade da exploração capitalista e a ampliação da precarização do trabalho no país nos últimos anos, o VAT conseguiu reunir em uma pauta comum, interesses de trabalhadores formais (com registro em carteira) e informais (sem registro e direitos sociais). 

Uma forte mobilização ocorre no país ao indicar que os trabalhadores “ainda estão aqui” e chamamos a atenção para algumas delas: a greve/paralisação de trabalhadores das fábricas da PepsiCo em Itaquera, zona leste de São Paulo, e Sorocaba, cidade do interior do estado, pela aprovação do fim da escala 6×1 no final de 2024. As manifestações de ruas no país em fevereiro de 2025, organizadas por sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais. A atuação da frente parlamentar de apoio da PEC 08/25, entre outras ações e mobilizações. 

Está prevista para o dia 1º de maio de 2025, dia histórico de luta da classe trabalhadora, uma mobilização nacional pela aprovação da PEC 08/25 como modo de expressar apoio popular ao projeto que irá amenizar a vida cotidiana da classe trabalhadora que vive as condições de trabalho precário, de mobilidade perversa e sem tempo livre para lazer, descanso e simplesmente viver a vida, já que dispõe de apenas um dia de “folga” para retornar ao trabalho no dia seguinte. 

A vida não pode ser apenas viver para trabalhar, estamos diante da necessidade de inversão dessa relação e lógica de dominação.

A classe trabalhadora quer apenas trabalhar para poder viver e gozar a vida um pouco mais do que tem sido permitido nessa relação de trabalho que beira a “servidão”, cujo tempo de vida foi roubado pela lógica de acumulação capitalista para poucos ricos e barões.

Por isso, informe-se, mobilize sua família, sua comunidade, seu bairro e sua categoria de trabalho para que possamos nos unir na luta pelo tempo de vida ao conjunto da classe trabalhadora, pois, como sabemos, “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. 

Sandro Barbosa é cientista social, professor e educador popular. Doutor em Sociologia pelo IFCH UNICAMP, é pesquisador do Centro de Estudos Periféricos (CEP) da UNIFESP ZL, do Grupo Problemática Ambiental e Urbana da UNICAMP e professor do Senac São Paulo.
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.



Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos

0

Dias de calor extremo, seguidos por períodos de forte chuva. Esse é um cenário cada vez mais comum ao se falar de mudanças climáticas. Entender as consequências dessa crise apenas como um desastre natural é um erro, é o que afirma Thaynah Gutierrez, especialista em transição energética, direitos humanos e integrante da Rede por Adaptação Antirracista, criada por organizações que se reuniram para pensar a agenda de adaptação climática com um viés antirracista centrado nas pessoas. 

Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos.
Thaynah Gutierrez cresceu no distrito de Ermelino Matarazzo e faz parte da Rede por Adaptação Antirracista. (foto: arquivo pessoal)

A desigualdade, o sistema capitalista – que se baseia no acúmulo de bens e lucros – e o neoextrativismo, modelo de desenvolvimento econômico que também promove a exploração da natureza e de seus recursos, são apontados por Thaynah como as principais causas da crise climática. 

“Todos esses desastres, seja por conta das grandes chuvas, das grandes ilhas de calor ou o grande inverno que algumas regiões vão passar, tudo isso decorre das ações humanas e com o passar do tempo vão modificando como o meio ambiente consegue equilibrar a temperatura do planeta”, aponta a especialista, que também faz parte da Rede por Adaptação Antirracista.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Thaynah explica que a crise ambiental tem elevado a temperatura do planeta, resultando em diversas alterações no meio ambiente, como a intensidade e frequência das chuvas, o aumento de enchentes e erosões em algumas regiões enquanto em outras há secas prolongadas, além do crescimento das queimadas, entre outros desastres.

Em 2023, uma nota técnica divulgada pelo governo federal, identificou 1.942 municípios mais suscetíveis a ocorrências de desastres associados a movimento de massa, alagamentos, enxurradas e inundações, o que representa 34,9% dos municípios brasileiros. Já uma pesquisa realizada pela Organização Meteorológica Mundial, a agência climática da ONU, aponta que 2024 foi o ano mais quente registrado, o primeiro ano a ultrapassar o limite de 1,5°C de aquecimento em relação ao período anterior à Segunda Revolução Industrial.

Embora Thaynah destaque as ações humanas como a origem da crise climática, a especialista coloca que a responsabilidade disso não é do cidadão comum. “Esse efeito, que é culpa dos países mais desenvolvidos, do desenvolvimento desenfreado, da emissão de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e da Europa, acomete principalmente os países mais pobres. E dentro dos países mais pobres, as comunidades mais pobres, que não têm resiliência para lidar com esses efeitos”, analisa ao também citar multinacionais e bilionários como responsáveis pela emergência do clima.

Ela relembra sobre diversas tragédias que acontecem e são chamadas de desastres naturais, mas na realidade são crimes ambientais, como no rompimento das barragens de responsabilidade da empresa Vale, nas cidades de Mariana, em 2015, e em Brumadinho, no ano de 2019, ambas em Minas Gerais. Além do gradativo afundamento de Maceió, em Alagoas, causado pela Braskem, através das atividades de mineração.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

“Essas empresas sabem o que estão fazendo. Para elas é mais lucrativo esperar o desastre acontecer e pagar a indenização do que reconstruir ou fazer uma obra decente para que isso não aconteça”, explica Thaynah.

Ao falar sobre prevenção, no Brasil, segundo a especialista, existe uma agenda pública mais voltada para lidar com as emergências do que com essa prevenção. Ela menciona que para o Estado, esperar que um crime ambiental aconteça é mais caro do que se houvesse políticas públicas para precaução.

“É muito custoso, porque qual é o valor de você perder tudo, inclusive o laço comunitário? Não tem como monetizar isso. Não tem como monetizar a vida de um ente querido. Então, quando chega nesse lugar já não tem reparação suficiente, o que você aceita é esmola comparada à destruição que aconteceu.”

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

Como exemplo, cita a enchente que aconteceu na primeira semana de fevereiro de 2025, no bairro Jardim Pantanal, localizado no distrito Jardim Helena, zona leste de São Paulo. “Estudos mostraram que remover as pessoas custaria quase 2 bilhões e construir o dique para prevenir e fazer as obras de contenção para garantir o escoamento da água custaria 1 bilhão”, comenta.

Territórios criminalizados

Thaynah cresceu na região de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, e tem parentes que moram no Jardim Pantanal, e ressalta que “ninguém escolhe morar num lugar que alaga”, ao falar sobre os julgamentos que surgem quando as pessoas, mesmo com alertas, permanecem em áreas de risco. “As pessoas moram lá porque elas não têm alternativas para morar em regiões mais seguras, com melhor infraestrutura”, pontua.

“O Estado não reconhece essas pessoas como merecedoras de uma agenda de prevenção. Porque no fundo se criminaliza essas pessoas só pelo direito delas de morar. O fato de morarem no Jardim Pantanal e não no Jardim Europa, faz com que elas sejam pouca coisa para o Estado. Se elas morrerem por causa do alagamento, por bala perdida ou por fome, tanto faz na agenda do Estado.” 

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

“O povo preto sabe que tem algo errado”: pesquisadora explica impacto do racismo ambiental nas periferias

A especulação imobiliária, que também faz parte do contexto de moradia nas periferias, é um dos fatores citados por Thaynah pelo qual não são realizadas políticas públicas de prevenção de desastres nesses territórios. “Toda vez que a gente escuta sobre a remoção, acende esse alerta: será que é remoção porque é uma zona de risco ou é remoção para especulação imobiliária? E todas as situações de remoção que a gente acompanhou foi para especulação imobiliária”, analisa.

“O que acontece é que essa população é removida de uma zona de risco para outra, porque com R$50.000 de indenização você vai morar onde? Se dentro da própria periferia o apartamento novo está custando R$ 200.000, com R$ 50.000 você faz o quê?, menciona Thaynah sobre o contexto de indenização que está sendo proposto para os moradores do Jardim Pantanal e que se assemelha a outras situações de remoção.

Chuvas intensas causam enchentes que impactam o cotidiano da população do bairro Jardim Pantanal. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Criar formas de garantia alimentar a partir de quintais produtivos, cultivar agroflorestas, garantir água limpa protegendo as nascentes que existem em partes das periferias e coletivizar esses acessos, são algumas possibilidades mencionadas por Thaynah para as pessoas que vivem em periferias conseguirem lidar com o cenário que está posto com autonomia, mas sem deixar de lado a importância de exigir políticas públicas. 

Fortalecer o senso de comunidade também é apontado por ela como essencial para a garantia da sobrevivência de quem vive em situação de vulnerabilidade. “O individualismo que as favelas verticais geram, em que você entra no seu apartamento e esquece o que está acontecendo ao seu redor, vai fazer com que a gente morra primeiro e rápido. A gente precisa da comunidade”, finaliza.

Realidade a céu aberto: um encontro entre a política e o cotidiano

0

O cotidiano é permeado por inúmeros conflitos. Este texto não tem um final, ele é a retomada de um dos primeiros textos desta coluna, onde eu analisei de forma breve e superficial a figura de diferentes políticos como Jair Messias Bolsonaro e Milton Leite. Na mesma época produzi uma série de texto onde trazia bordões para dialogar com a necropolítica presente em nossa sociedade. 

“Atrás de um ditador, existe um grande amor”: as emoções e seu uso na política: Realidade a céu aberto: um encontro entre a política e o cotidiano

Todos estes textos tinham algo em comum, eram uma análise pessoal com respingos de vivências minhas, porém, também norteados pelos conhecimentos que eu adquiri com o passar dos anos como estudante e pesquisadora. Por isso, o início desse texto é afirmando que cotidianamente enfrentamos conflitos, se não pessoais e direcionados a nós, ao menos assistimos eles acontecerem, incluindo os conflitos políticos.

A realidade parece fugir ao nosso olhar, que apegado a ideia egóica que somente com “nosso poder” venceríamos, perdemos muito do cotidiano. Quando falamos de internet hoje, não se pode negar o poder de influência dela em nossas vidas, estou me comunicando com vocês por algum aparelho com acesso à internet, sem isso, este texto talvez jamais seria público.

Quando entendemos o nível a que a comunicação chegou, também se abrem outras questões: será que estamos nos conectando com quem queremos? Ou somente nos isolando numa bolha de afirmação? A realidade é insistente, ela não para, ela nunca parou.

Ao relembrarmos os dados das eleições de 2020, onde Guilherme Boulos e Bruno Covas foram para o 2º turno, Covas foi eleito pelo PSDB com 5.337.230 votos, 59.38% dos votos totais, contra 2.168.109 votos, 40.62% de Boulos, do PSOL. Quando prestamos atenção aos dados, tem algo muito importante: 2.769.179 pessoas escolheram se abster do voto, 30.81%. Nulos somaram 607.062 (9,76%) e brancos 273.216 (4,39%).

Assim, a última eleição para a prefeitura deveria ter uma disputa bem pontual, já que um número bem expressivo de pessoas escolheram não optar por nenhum dos candidatos na eleição anterior. Novamente retorno aos outros textos, as pessoas demonstravam decepção com a política. A eleição de 2020, também foi uma eleição extremamente atípica, com uma pandemia que matou milhões de pessoas ao redor do mundo acontecendo.

Seguindo este raciocínio, a eleição de 2024 reservava muitas lições, levando em consideração o poder que aplicativos como Tik Tok e Kwai tiveram durante a pandemia e o uso das mídias que já havia sendo necessário nos últimos anos, seria possível realizar uma eleição em 2024 sem belos closes? 

Para a surpresa de muitos, a resposta é não. Durante a disputa eleitoral, após somente um debate e algumas entrevistas, Pablo Marçal ganhou as mídias, candidato pelo PRTB, com falas extremas, irreverentes e exageradas conseguiu um crescimento expressivo. Uma tática muito utilizada por Bolsonaro, que em 2009, ganhou as telas da Rede TV com suas posturas polêmicas em Brasília.

Este texto foi escrito antes dos resultados da eleição, todavia decidi publicá-lo somente após a disputa, pois não queria lidar com conflitos, assumo que nos últimos anos venho observando a realidade, porém expondo menos as minhas observações já que enfrentei muitos embates antes e após a pandemia. Expor isso é ser honesta com todos os que me lêem e confiam na minha escrita.

A realidade aparece a céu aberto e não podemos desviar o olhar, para quem estamos falando?

“Uns desistem, outros ficam
Alguns desistem e ficam
Só espaço físico ocupam e indicam
A tragicomédia de quem não tem, da própria existência, as rédeas
Cérebros de férias
Vários vagabundos festejando o fim do mundo
Enquanto isso, o cidadão comum se sente ridículo
Não encontra paz no versículo
Batendo de porta em porta, debaixo do braço, um currículo
Família inteira num cubículo”

Black Alien / From Hell do Céu

Para quem não se recorda, PRTB é o partido fundado por Levy Fidelix, este mesmo que rendeu muitos memes em sua última participação nas eleições após a exposição de suas propostas. Um partido que recebia chacotas, considerado pequeno e com um certo acúmulo de eleições perdidas.

Este é o movimento real, não estou aqui falando do poder do Tik Tok, estou relembrando que a vida se movimenta, assim como a informação. É possível que quando este texto for ao ar, ele já não seja mais candidato devido às medidas judiciais, porém conseguiu o que queria, assim como o partido. 

ELE CONTINUOU SENDO CANDIDATO…

Contudo, em fevereiro de 2025, Marçal se tornou inelegível por oito anos, por abuso de poder político, poder econômico, uso indevido de meios de comunicação e captação ilícita de recursos. Uma vitória, mas posterior a todo o caminho que ele construiu para quem irá vir. 

Quero deixar claro que este não é um texto com uma crítica genérica, é um texto de reflexão. Quando falamos algo, falamos para alguém, então para quem? 

Essa não é somente uma questão de manipulação midiática, tem um movimento acontecendo, inclusive entre as redes que se formaram nestes anos e se mostram dispostas a trabalhar para combater esses discursos, saber responder é necessário. 

Destaco que morando na periferia e vendo o movimento acontecendo nos últimos anos, partidos como Republicanos e União Brasil têm ganhado força, algo que também aparece nas pesquisas recentes na corrida eleitoral pelo Brasil. 

Na última eleição, os candidatos a Prefeitura de SP foram: Altino Prazeres (PSTU), Bebeto Haddad (DC), Datena (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Marina Helena (Novo), Ricardo Nunes (MDB), Ricardo Senese (UP) e Tábata Amaral (PSB). De quem mais ouvimos falar? 

Arruaça não faz campanha, mas se movimenta. 

Quem não se lembra do Enéas, eleito deputado federal por São Paulo em 2002? Filiado ao PRONA (Partido de Reedificação da Ordem Nacional) que ao se fundir com o PL (Partido Liberal) se tornou PR (Partido da República), o mesmo que em 2022 se tornou PL (Partido Liberal), pelo qual Jair Messias Bolsonaro foi eleito. 

Será que Enéas não falou para ninguém? Nada é acaso, nós nos tornamos inocentes ao não entender que a realidade acontece. Nós escolhemos nos enganar, nos esconder em vitórias do passado.

Tratar como insano um homem que realizou um movimento minucioso se unindo a grandes figuras famosas no mundo fitness, por exemplo, é ingenuidade. Marçal é a construção da urgência, seu exagero encanta quem adotou o conceito “todos que já estiveram lá roubam”. 

Além disso, temos um movimento massivo e publicitário em cima do livro “Café com Deus Pai” e do marketing sobre uma vida cristã sem renúncias, apenas com o acréscimo do devocional e da divulgação do livro. Porém, Junior Rostirola, pastor e escritor do livro, é um apoiador assumido de Jair Messias Bolsonaro e os influenciadores que vem divulgando uma “conversão” ao cristianismo, em parte, não parecem abandonar nenhuma prática, como divulgar jogos de apostas, por exemplo. 

Todavia, a publicidade de um cristianismo estético está vendendo e essa venda também está parecendo ter um futuro político. 

No meu olhar, isso não é sobre igrejas evangélicas. A maior parte das igrejas nunca teria recursos para produzir um livro desse porte, vivem de assistencialismo e seus líderes possuem trabalhos fixos para se manterem na religião, não o oposto. Estamos aqui falando de um movimento publicitário, político e estrutural, é sobre lucros.

Vivemos em uma realidade onde as pessoas estão exaustas, essa é a verdade, a realidade não nos afaga em nenhum momento, discursos que generalizam a política ganham força. Este não é um texto com receita, é um texto sem finalização. Desejo que possamos refletir para encontrarmos novos caminhos, pois com certeza métodos antigos já não funcionam mais… e eles sabem! 

Abram seus olhos, não se ataquem, é urgente que possamos cuidar dos nossos, sem memes, sem piadas sobre “pobre de direita”, também não temos muito valor partidário para a esquerda sem poder, essa é a realidade, sejamos nós a sermos justos com os nossos! Sejamos nós a falarmos com as dores dos nossos, sejamos nós a olharmos incansavelmente para a profundidade do que estamos lidando cotidianamente, sejamos nós, antes que tudo nos escape. 

“Doa a quem doer, eu não acredito em você
Não acredito no sucesso, não acredito na TV
Não acredito no que me vem impresso
Acredito em ordem e progresso quando o povo tem acesso ao ingresso”

Black Alien / Umaextrapunkprumextrafunk
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.




Coalizão de Mídias lança podcast que debate a comunicação nas periferias, favelas, quilombos e aldeias

0

A Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas lançou os dois  primeiros episódios do seu podcast Escuta Quem Faz, que está disponível no Youtube e no Spotify. A produção é quinzenal e o terceiro episódio será lançado no dia 24 de março.

No formato de entrevistas, a cada episódio o podcast receberá integrantes da Coalizão de Mídias para compartilhar suas experiências e aprofundar debates sobre sustentabilidade financeira, impacto social, inovação e os caminhos para um jornalismo brasileiro comprometido com a realidade dos povos.

Composta por onze organizações jornalísticas espalhadas pelo país, a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas é um conjunto de soluções tecnológicas ancestrais e jornalísticas para produzir e distribuir informação de interesse público em contextos sociais em que a internet é precária ou inexistente. A iniciativa trabalha por uma comunicação antimachista, antirracista, anticapacitista, antiLGBTQIA+fóbica e antietarista.

Atualmente, a Coalizão de Mídias conta com 11 iniciativas, de 6 estados brasileiros, são elas: Periferia em Movimento (SP), Desenrola e Não Me Enrola (SP), A Terceira Margem da Rua (SP), Frente de Mobilização da Maré (RJ), Fala Roça (RJ), Rede Tumulto (PE), Mojubá Mídias e Conexões (BA), TV Comunidades (MA), TV Quilombo (MA), Coletivo Jovem Tapajônico (PA) e Coletivo de Comunicação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). O episódio de estreia do Escuta Quem Faz  é uma conversa com Thais Siqueira (Desenrola e Não Me Enrola, de São Paulo-SP) e Yane Mendes (Rede Tumulto, de Recife-PE), que compõem a direção executiva da Coalizão de Mídias. Thais e Yane falam sobre a origem e ações promovidas pela Coalizão.

“Com o programa, busca-se alimentar e enriquecer os debates que já acontecem entre os coletivos de comunicação, expandindo para um espaço de mais visibilidade. Especialmente para quem financia projetos desta natureza.”

Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola

Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola e coordenadora da Coalizão de Mídias.
Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola e Coordenadora da Coalizão de Mídias.

Já no segundo episódio, o Escuta Quem Faz recebe iniciativas da rede e dos campos da filantropia e investimento social para entender estratégias de apoio para o campo da comunicação, em uma conversa com Janaína Barbosa do Fundo Baobá, que atua no terceiro setor há mais de 10 anos e é Gerente de Comunicação e Mobilização de Recursos.

Serviço

Podcast: Escuta Quem Faz
Periodicidade: Quinzenal
Disponível em: Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e demais plataformas digitais 
Redes sociais:@coalizaodemidias

Tempestades

0

Sei que é muito desafiador para pessoas que estão iniciando este ano com tantas tempestades, intempéries, desastres, perdas e alagamentos intermináveis, o que nos faz perder não só questões materiais, mas a crença em algo maior. Com isso vamos nos perdendo e nos afastamos das possibilidades de nos mantermos equilibrados e tranquilos. 

Só me vem à cabeça, a partir de situações tão dolorosas, a ideia de não desistir. Precisamos nos fortalecer, segurar nossas mãos e não nos abandonar. São nesses processos mais dolorosos que dia após dia vamos construindo tudo novamente. Devagar, um degrau a cada dia, passamos a nos distanciar daquela situação e criando uma nova forma de entender melhor a vida.

Não é nada fácil recomeçar, porém, o fardo é mais leve se recomeçar a vida podendo contar com forças extras, que vem de pessoas físicas, mas também daqueles que nos seguem, nos abraçam, seguram e levam no colo. 

Reconhecer que somos finitos, mas nunca estamos sozinhos e que não temos certeza absoluta de nada, mas ao acreditar que não estamos sozinhos, o fardo fica mais leve e a fé fica mais fortalecida se pudermos contar e confiar em seres tão fortes e poderosos que não nos abandonam.  

São como mães, pais, irmãos, amigos e companheiros fiéis que podemos contar, e até como estranhos que chegam para ajudar em situações como estas. 

Pessoas surgem, nos socorrem e nos acalentam em momentos difíceis e desafiadores. Para mim não é sorte, como muitos dizem: “que sorte a nossa termos pessoas que nos ajudam e nos socorrem de forma inesperada”. Como diz a música do Emicida no álbum Amarelo “nunca foi sorte, sempre foi Exu”. 

Estar seguro dentro e fora de nós, manter a tranquilidade após grandes perdas talvez seja uma das situações mais desafiadoras da vida. 

Podemos ter culpados nas desgraças que nos acomete, porém, não temos um culpado em específico para direcionar a raiva, a dor e as frustrações. Nossa impotência diante da vida pode nos levar a reflexões profundas sobre quem somos, o propósito e o papel  que desejamos exercer. Vai além. Já nos perguntamos como estamos ligados a tudo que acontece ao nosso redor e como tudo pode nos afetar? 

Construir uma forma de viver mais desprendida do outro e das coisas, nos estabilizar e assegurar, permitindo nascer uma luz interna em algo maior, em coisas que não compreendemos, mas sentimos, e disso tomar consciência em viver de maneira simples e amorosa. De nos relacionarmos conosco, com tudo e todas as pessoas que nos circulam é um aprendizado para a vida.

Cuidar do que temos, da vida que habita dentro e fora de nós com afeto e desapego é um dos aprendizados mais profundos e libertadores que vejo acontecer com pessoas, e me incluo nisso.

Somos mais felizes quando estamos plenos de amor e alegria, quando podemos caminhar na areia da praia, realizar uma caminhada numa trilha, encontrar a natureza e lá nos sentimos leves e tranquilos. Se fizermos isso sozinhos, veremos o quão pequenos somos, mas nos conectamos com forças desconhecidas e poderosas, mesmo que não enxergamos com olhos físicos. A energia muda, isso é uma das práticas que trago como exemplo, pois explica o que gostaria de apresentar aqui, uma relação nova com a qual nomearia de Orixás, entidades e ou ancestrais. 

Quando nos relacionamos com a natureza estamos nos conectando para além do material.

Entendo que tempestades passam e limpam tudo, ou destroem para reerguermos o novo e nos curvar diante da sabedoria da vida e sobre quem somos.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.