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Coalizão reúne mídias periféricas, faveladas, quilombolas e indígenas

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Em um momento de grandes discussões sobre o futuro do jornalismo e o aumento de fake news nas mídias e plataformas digitais, as mídias que integram a Coalizão apontam sobre a necessidade de se debater um desafio anterior que é o combate ao racismo digital, que afeta prioritariamente a população negra e indígena. Juntes reunimos soluções tecnológicas ancestrais para produzir e distribuir informação de interesse público para a população quilombola, indígena, periférica e favelada, em contextos sociais em que a internet é precária ou inexistente. Mitigamos o impacto da desinformação, polarização política e discursos de ódio por meio dos conteúdos jornalísticos e da educação midiática, prática comum a todas as iniciativas que compõem a Coalizão.

“O nosso jornalismo tem como princípio a ética, porque falar do outro do nosso território é falar de nós mesmos. A notícia para nós não é mais importante que a segurança de uma pessoa entrevistada por nós. Além disso, nosso jornalismo precisa deixar de ser visto como jornalismo ativista ou militante, pois acreditamos que nós somos o jornalismo do futuro. É este jornalismo que precisa ser cada vez mais ensinado na academia, é esse jornalismo que precisa ganhar o país e o mundo. É um jornalismo feito de dentro, por quem sofre o racismo cotidiano e a ausência de direitos”

define Gizele Martins, da Frente de Mobilização da Maré e que há 20 anos faz comunicação comunitária no Rio de Janeiro.
Encontro da Coalizão realizado entre março e abril de 2023, na periferia de São Paulo. Foto: Flavia Lopes
Encontro da Coalizão realizado entre março e abril de 2023, na periferia de São Paulo. Foto: Flavia Lopes

Temos o objetivo de transversalizar nossas pautas e ações de forma multimídia, multiplataforma, online e offline, com abordagens que valorizem e registrem as memórias, narrativas e identidades desses territórios, mas que também apresentem as complexidades e particularidades atravessadas pelo machismo, racismo, LGBTQIAPN+fobia, capacitismo, etarismo.

Atuamos em coletividade há alguns anos e agora de forma oficial em três dimensões de trabalho: incidência política de articulação local e nacional, trocas de saberes de tecnologias ancestrais de comunicação e jornalismo e um consórcio de produções de conteúdos jornalísticos. 

Toda essa proposta de atuação deve ser viabilizada por meio da democratização de recursos financeiros e de infraestrutura destinados a veículos de imprensa comprometidos com o aprimoramento da democracia e a efetivação da garantia de direitos.

“Nos reunimos para participar das conversas que existem, mas também para propor as nossas. Queremos trocar sobre as questões editoriais, mas também a respeito de financiamento. Se os nossos pontos de partida são diferentes e a desigualdade estrutura os nossos acessos, a gente precisa falar sobre isso. E para que esses sujeitos historicamente à margem dos espaços de poder possam estar nesse debate precisamos garantir o acesso, mas também as condições de permanência e de influência dos espaços”

diz Tony Marlon, educador e comunicador popular do Campo Limpo, periferia da cidade de São Paulo.

Quem compõe a Coalizão

“Se o nosso jornalismo acabar amanhã, a gente morre, muita gente morre e de várias formas. Planos, sonhos e morte mesmo. A gente faz um jornalismo necessário, essencial como forma de proteção de território, proteção de vida”

alerta Raimundo Quilombo, idealizador da TV e Rádio Quilombo que atua a partir do Quilombo Rampa, Maranhão.

São aquelus que durante os últimos três anos atuaram combatendo fake news dentro dos locais empobrecidos do país com linguagem e práticas de comunicação e educação locais, mas com contextualização da estrutura sociocultural e econômica brasileira. São também aquelus fruto da atuação de mídias negras que há décadas atuam por meio de um jornalismo antirracista e que tem o povo como protagonista da sua própria história e memória, pautando as históricas ausências de direitos.

A Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas é criada por Periferia em Movimento, Desenrola e Não Me Enrola e A Terceira Margem da Rua (SP), Frente de Mobilização da Maré e Fala Roça (RJ), Rede Tumulto (PE), Mojubá Mídias e Conexões (BA), TV Comunidades e TV Quilombo (MA), Coletivo Jovem Tapajônico (PA) e Coletivo de Comunicação da CONAQ (BR).

Elize Mayara Oliveira no encontro da Coalizão realizado entre março e abril de 2023, durante curso sobre racismo ambiental no SESC Interlagos, periferia da zona sul de São Paulo. Foto: Flavia Lopes
Elize Mayara Oliveira no encontro da Coalizão realizado entre março e abril de 2023, durante curso sobre racismo ambiental no SESC Interlagos, periferia da zona sul de São Paulo. Foto: Flavia Lopes

“Vemos que não estamos sozinhos, que a luta por comunicar nossas demandas está cada vez mais fortalecida, poder mostrar e falar das narrativas do nosso território, sem distorções, principalmente colocar o que nos afeta, enquanto território indígena, denunciar os abusos para com nosso povo, em um contexto indígena, quilombola, favelado e periférico”

reconhece Elize Mayara Oliveira, indígena comunicadora popular do Coletivo Jovem Tapajônico, no Pará.

As ações da Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas serão anunciadas ao longo de 2023, assim como mais informações sobre suas diretrizes, cronograma de atuação e etapas de expansão de integrantes da Coalizão.

Yandê por Yandê! Nós por nós!

Samara Sosthenes destaca os direitos das mulheres trans e travestis

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Segundo o “Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais brasileiras”, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil é o país com mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo pelo 14º ano consecutivo.

Mulheres trans e travestis têm a menor estimativa de vida, aponta o documento. Diante desse cenário, a jornalista Thais Siqueira conversa com a covereadora, Samara Sosthenes para aprofundar o entendimento sobre políticas públicas na luta por direitos das mulheres trans e travestis. O segundo episódio está disponível no canal do Youtube do Desenrola e Não Me Enrola. 

O Brasil também é o país que mais consome pornografia de pessoas trans e travestis, a mesma pessoa que mata, que ofende esse corpo, é a mesma pessoa que além de procurar na internet esse tipo de conteúdo, também procura nas ruas (…) então, pensar em políticas públicas, a gente precisa pensar primeiramente do por que desse ódio? Por que os nossos corpos durante anos foram tão demonizados? A gente tem algumas políticas efetivas como o projeto Transcidadania, hoje a gente tem a Rede Sampa Trans, a gente tem as portarias que garantem o nome social, a retificação de nome, mas garantia de vida e de direito o Brasil ainda não tem, o Brasil ainda não oferece.

Samara Shosthenes, covereadora.
A direita a covereadora, Samara Sosthenes, à esquerda a jornalista, Thais Siqueira durante o programa Desenrola Aí. Foto: Pedro Oliveira (maio/2023)
A direita a covereadora, Samara Sosthenes, à esquerda a jornalista, Thais Siqueira durante o programa Desenrola Aí. Foto: Pedro Oliveira (maio/2023)

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

“A gambiarra é a maior sustentabilidade que eu já vi”: educadora ambiental explica o impacto da permacultura nas periferias

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A sede da Coletiva Rizoma está localizada no Vila Calu, bairro da zona sul de São Paulo. Esse espaço comporta um estúdio de música, que foi construído através da mistura de tecnologias sustentáveis, tendo como base a bioconstrução, que também é uma ferramenta da permacultura. Esse local demonstra também como a permacultura pode estar presente nos territórios periféricos.

A proposta da sede da coletiva Rizoma é ser um local que além de ser um estúdio de música, também é um lugar de disseminação de arte e de cultura. Há uma rede de músicos e artistas vinculados ao Rizoma e foi da dificuldade de acessar um estúdio de música, que surgiu essa vontade de ter um estúdio.

Evellyn Correia, 25, moradora do Campo Limpo, que integra o coletivo Rizoma, explica que a proposta do local é viabilizar o acesso de artistas independentes e periféricos, potencializando a arte que é produzida nesses territórios. “[Tem] esse lance da partilha justa também que a permacultura traz”, sinaliza.

Além de educadora ambiental, Evellyn é permacultora e bioconstrutora com vivências em diversos projetos de permacultura nas periferias. Nessa trajetória, a palavra sustentabilidade tão conhecida no debate socioambiental ganhou outro significado. “A famosa palavra gambiarra é a maior sustentabilidade que eu já vi, tá ligado? A gente está a todo momento reciclando coisas que se transformam”, afirma. 

Transformação da vida no território

Apesar do termo permacultura e o seu desenvolvimento como ciência e ferramenta, ter sido elaborado na década de 70, na Austrália, por dois professores, o Bill Mollison e o David Holmgren, esse distanciamento de tempo, espaço e cultura presente na criação do termo não impede a sua forte relação com as demandas que há em muitas quebradas.

“Em uma casa na quebrada, você pode fazer instalações de diversos tipos. Pra que eu vou gastar a água da Sabesp, que já não está tão barata, se eu consigo instalar um sistema de captação de água, de chuva, de baixo custo na minha casa? A gente tenta trazer todos esses conceitos da permacultura com esse viés da periferia.”

Evellyn Correia, permacultora e educadora ambiental
Integrantes da Coletiva Rizoma: Heloisa David, Evellyn, Alexys Àgosto, Wagner Mazzini, Armr'ore Erormray (foto: Viviane Lima)
Integrantes da Coletiva Rizoma: Heloisa David, Evellyn, Alexys Àgosto, Wagner Mazzini, Armr’ore Erormray (foto: Viviane Lima)

A partir das suas experiências no Coletivo Rizoma, atuando como educadora ambiental, permacultora e bioconstrutora, Evellyn afirma que “a permacultura deveria ter vindo, principalmente, para a periferia, porque ela gera soluções que melhoram a nossa qualidade de vida e melhoram as nossas relações.”

“A permacultura traz toda uma maneira de se relacionar com a vida. Os princípios da permacultura são: cuidar da terra, cuidar das pessoas e compartilhar os excedentes, ou partilha justa. E é exatamente o que a gente faz aqui [na coletiva Rizoma]”, explica Evellyn Ingrid Nascimento Correia, moradora do Campo Limpo.

Projeto de cisterna efetuado pela Evellyn (foto: arquivo pessoal)
Projeto de cisterna efetuado pela Evellyn (foto: arquivo pessoal)

ANCESTRALIDADE

A ancestralidade está diretamente ligada à permacultura. Evellyn destaca que uma das formas de acessar a permacultura é através da observação dos saberes dos “nossos mais velhos”.

“A permacultura na verdade é um nome que se deu a um conjunto de saberes ancestrais, porque o que a gente fala hoje na permacultura é muito do que já existe. Aquele termo africano, sankofa, ele é muito sobre isso de você sempre retornar ao seu passado, para você construir o seu futuro.”.

Evellyn Ingrid Nascimento Correia, 25, educadora ambiental, permacultora e bioconstrutora. Moradora do Campo

Ela também pontua que a primeira coisa a se fazer para explorar as possibilidades que há na permacultura é “ir atrás de quem pode te ensinar”. E que nesse processo é importante “começar a viabilizar os nossos e valorizar os conhecimentos da quebrada”, destaca a educadora ambiental.

Conforme o relato de Evellyn, as políticas públicas para a implementação da permacultura em espaços educacionais e culturais são providências essenciais, para que as pessoas tenham acesso a essas ferramentas e às possibilidades de melhorias que elas podem proporcionar. 

Machismo e questões de classe

Apesar de todos os aspectos positivos que há na permacultura, esse universo não está livre de problemas sociais. “O machismo está aí. Eu já sofri muito preconceito, principalmente, na bioconstrução”, conta Evellyn, desmistificando a possível ideia de que o movimento da permacultura seja algo perfeito: “quando você entra no movimento é que você vai conhecendo as violências estruturais, elas estão presentes em todos os nichos sociais e aí é outra luta ali dentro pra você conseguir conquistar o seu espaço”.

Primeiro dia do Curso de Permacultura Popular, no Espaço Cultural Cita (Foto: Arquivo Pessoal)
Primeiro dia do Curso de Permacultura Popular, no Espaço Cultural Cita (Foto: Arquivo Pessoal)

A questão de classe é outro fator que na prática interfere diretamente no acesso aos conhecimentos que a permacultura engloba. Evellyn aponta que “a galera que tem grana se apropriou [da permacultura]. A primeira vez que eu vi um curso de permacultura, o curso custava 4.000 reais. Como que eu ia pagar [esse valor]?”.

No entanto, hoje na periferia há movimentos para que a permacultura se torne mais difundida e uma dessas iniciativas ocorre no Espaço Cultural Cita, gratuitamente. O Curso de Permacultura Popular é uma iniciativa do projeto Ecoa Sampa em parceria com a Associação ProBrasil, está em sua primeira edição e tem a Evellyn como membro da equipe de educadores.

“A gente está desenvolvendo encontros todos os sábados, com uma turma de mais ou menos 30 pessoas, onde a gente fala sobre os conceitos da permacultura, a gente fala sobre saúde e bem-estar social, que eu acho que é isso o que a permacultura traz. Esse estado onde você ganha qualidade de vida e aqui na quebrada, na verdade, é basicamente o que a gente não tem”, conclui Evellyn.

O conhecimento a serviço da periferia: repensando o papel da ciência

Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a canseira da existência humana.

Bertold Brecht

A periferia sempre foi objeto de estudos das universidades. Muitos intelectuais e pesquisadores que olham esse lugar como local de estudo, muitas vezes com olhares de especialistas em pobreza, geralmente com interesses acadêmicos, mas raramente conhecem de fato os desafios e problemas da periferia.

É preciso repensar essa lógica, é necessário inverter os interesses!

As pesquisas precisam estar a serviço da classe trabalhadora, ou como diz Bertold Brecht, devem aliviar a canseira da existência humana.

Foi justamente o que vi no último primeiro de abril de 2023 no I Encontro de Jovens Pesquisadoras(es) de M’Boi Mirim e Campo Limpo, organizado pelo Fórum de Pesquisadores de M’Boi Mirim.

Reunidos no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP), dezenas de pesquisadores (estudantes da graduação, pós-graduandos, professores da rede pública de ensino e professores universitários) partilham suas pesquisas e reflexões sobre tantas questões que afligem o povo periférico, em especial os da zona sul.

O encontro foi promovido pelo Fórum de Pesquisadoras(es) de M’Boi Mirim em parceria com o (CEDHEP) e a Sociedade Santos Mártires.

A riqueza do evento se deu pelo protagonismo de pesquisadores periféricos, agindo como sujeitos periféricos para usar o conceito do sociólogo Tiarajú D’Andrea, apropriando dos conhecimentos e colocando-os a serviço da periferia.

Foi muito potente e esperançoso ver que muitos jovens periféricos estão atravessando a ponte para estudar, mas não abandonam a periferia, muito mais que isso, estão estudando as periferias por suas lentes e subjetividades periféricas e, construindo assim, narrativas sobre suas vidas, seus lugares, seus fazeres, e desta forma, construindo conhecimentos engajados, que são instrumentos de mudança e podem servir de bases para políticas públicas.

Os trabalhos apresentados no encontro trataram de uma grande diversidade de temas que afetam e são relevantes para as periferias, como cultura e equipamentos culturais, acesso à saúde, assistência social e as famílias, habitação e moradias em áreas de risco, gênero e as lutas e dores das mulheres, memória e resistência, meio ambiente e racismo.

Alguns trabalhos me chamaram a atenção, mas por conta dos limites do espaço cito apenas alguns.

A pesquisa apresentada pela Cláudia de Souza Vieira dos Santos, mulher, negra, mãe e educadora social, apresentou um trabalho sobre as mães de filhos com deficiências, com objetivo de mostrar a luta e as dores dessas mulheres, que não são fortes o tempo todo, ao contrário estão “sempre exaustas e cansadas”.

Na mesma linha, a jovem Ingryd Boyek, trouxe reflexões de uma pesquisa sobre a escuta ativa como uma estratégia de intervenção e fortalecimento de vínculos com famílias de crianças e adolescentes atendidos em equipamentos de assistência social do território, que mostrou as potencialidades da escuta ativa para enfrentamento de conflitos cotidianos de muitos indivíduos periféricos.

Já Erika Alves Bueno, apresentou questões relacionadas às políticas de enfrentamento a violência contra a mulher em Taboão da Serra e Itapecerica da Serra. Aqui as pesquisas mostram um compromisso e a preocupação com as mulheres, que como bem sabemos, são arrimos de muitas famílias periféricas.

O povo preto também apareceu nas pesquisas da Tatiane de Matos Araújo e do Lucas Santos Pereira, a primeira trouxe uma pesquisa sobre a baixa circulação de idosos pretos e pardos em espaços de lazer e cultura, resultantes das condições precárias de trabalho e da extensão da idade no mundo do trabalho, ou do ofício de avó/avô, bem como pela falta de estrutura desses espaços públicos para idosos, ou seja, pela falta de políticas públicas nas periferias para idosos. Já o Lucas trouxe à baila reflexões sobre saúde e masculinidade Preta. Ambas as pesquisas falaram de racismo e de direitos negados ao povo preto.

A cultura periférica também foi discutida em alguns dos trabalhos apresentados no encontro. 

Thiago Andrade Gonçalves está estudando a apropriação e os usos do território periférico pela Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), com objetivo de “contribuir com subsídios para a elaboração de políticas públicas e para as ações dos próprios coletivos reunidos na FELIZS”, nas palavras do jovem, que percorre 2 horas para chegar na universidade (UNIFESP), que fica na zona leste.

Enquanto Ana Clara da Silva, estuda as (des)continuidade das políticas públicas culturais da Casa de Cultura do M’Boi Mirim, frente às mudanças/transição de gestão do espaço, a fim de compreender como as ações políticas-administrativas impactam na dinâmica e manutenção do espaço.

Essas são algumas das pesquisas apresentadas neste I Encontro de Jovens Pesquisadoras(es) de M’Boi Mirim e Campo Limpo. Outros trabalhos que também foram discutidos, vale a pena buscar os anais do encontro ou mesmo participar dos próximos encontros do Fórum de Pesquisadoras(es) de M’Boi Mirim, que estão sendo realizados de maneira remota.

Acreditamos que encontros como esses precisam ser intensificados, que a ciência deve ser instrumento da classe trabalhadora e que contribua para acabar com as dores que atingem o povo periférico, mas que também coloquem em relevo as lutas e relações culturais e políticas que emergem nas periferias.

Com certeza padre Jaime Crowe, que fez a passagem em fevereiro de 2023, estaria feliz com essa iniciativa. Ele foi um grande entusiasta de uma universidade aqui na zona sul e um grande defensor de pesquisas que contribuíssem para mudar a vida do povo periférico e não apenas para aumentar o currículo de pesquisadores do outro lado da ponte. 

Confira os jovens selecionados para a 7ª edição do Você Repórter da Periferia

A 7° edição do Você Repórter da Periferia recebeu inscrições de jovens que moram em diversas regiões periféricas, sendo que 55% das incrições foram de jovens que se autodeclaram pardos ou negros. Entre os 20 jovens selecionados, 10 são estudantes do 1° ano do Ensino Superior (até 2° semestre) e 10 são estudantes ou concluíram o ensino médio.

A seleção foi realizada levando em consideração idade, raça, gênero, escolaridade e regiões da cidade, buscando abranger um grupo diversificado.

Aos Selecionados: Entre os dias 03/05 a 05/05, entraremos em contato por e-mail e whatsapp para passar as informações sobre o início das atividades e tirar todas as dúvidas que possam surgir.

Aos que não foram selecionados: Desejamos muito progresso em seus próximos passos! Fiquem ligados que em 2024 teremos novas oportunidades no Você Repórter da Periferia.

Confira a lista dos selecionados 

  • Andreza Costa Vieira
  • Caroline Pina
  • Cláudio de Tarso Avelar Oliveira
  • Elaine Castanho da Silva
  • Emerson Rodrigues Couto David
  • Evellyn Santana Nascimento Rodrigues
  • Franciele Silva Ladislau
  • Gustavo Henrique da Silva Alves
  • Hellen Novais de Oliveira
  • Jéssica Batista da Silva
  • Jéssica Calheiros de Siqueira
  • Josiel do Espirito Santos
  • Julia Lima Oliveira dos Santos
  • Maria Clara Lima
  • Nayara Almeida de Oliveira
  • Richard Jefferson Ferreira Alves
  • Rebeca Ramos dos Santos
  • Thayná de Souza Campos
  • Vanessa Andrade Magaroti
  • Vitória Rosendo da Silva

Vegano Periférico: projeto aproxima moradores das periferias da alimentação vegana

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Com um salário de R$ 900 por mês, trabalhando em uma cachaçaria sertaneja, em 2017, Leonardo Santos, co-fundador do projeto Vegano Periférico, conta que a ida até o mercado era econômica, para comprar verduras, legumes e produtos vegetais, quebrando toda a ideia de que para ser vegano ou comer bem, precisa ser rico.

Essa experiência pessoal reflete no crescimento do projeto Vegano Periférico, iniciativa criada pelos irmãos Eduardo Santos e Leonardo Santos, moradores da periferia de Campinas, para inspirar usuários das redes sociais a adotar hábitos alimentares saudáveis com base na cultura vegana. Em 2021, o perfil de Instagram Vegano Periférico alcançou a marca de 334 mil seguidores.

O projeto surgiu a partir da inquietação dos irmãos com a indústria de abate de animais e de alimentos ultraprocessados, que fornece carne e produtos de origem animal como principal referência alimentícia nas mesas de famílias periféricas.

“Em 2015 me deparei com uma matéria de centenas de porcos que caíram em uma estrada, aquilo me deixou muito chocado, a forma como as pessoas pegavam aqueles animais, os carros passando por cima de suas patas, toda aquela tortura, me fez pensar: como eu posso ser tão empático com os animais, salvar cachorros de rua, pássaros e continuar colocando origem animal no meu prato? Isso não está certo”, relembra Eduardo.

“Demorei até para me tornar vegano, não queria encarar essa realidade, mas depois de dois anos, decidi lidar com os fatos”

Eduardo dos Santos, co-fundador do Vegano Periférico
Eduardo dos Santos. Créditos: Arquivo Pessoal
Eduardo dos Santos. Créditos: Arquivo Pessoal

A partir deste momento, Eduardo passou a inspirar a mudança de hábitos alimentares de seu irmão gêmeo, Leonardo, que levou dois anos até decidir se tornar vegano. “Em 2017 eu decidi me tornar vegano do dia para noite. Então, em uma noite eu comi meu último prato de origem animal e no dia seguinte eu mudei de vez meus hábitos alimentares”, relembra Leonardo.

Juntos, Leonardo e Eduardo perceberam que a decisão de adotar uma alimentação vegana ia muito além do hábito de mudar o consumo de alimentos, mas sim de uma questão social, econômica e política. Essa visão crítica sobre a forma como a sociedade se relaciona com os alimentos resultou na criação do projeto de conteúdo digital Vegano Periférico.

Enquanto Eduardo se aprofundava mais no tema do veganismo e exploração animal, Leonardo trabalhava em um restaurante de fast food, como forma de auxiliar em casa e ajudar a reformar o lugar que, até então, sua tia oferecia para que sua família morasse.

Sendo assim, a mudança alimentar de Leonardo surpreendeu os familiares, já que o rapaz, nunca consumia vegetais e já tinha uma alimentação baseada em ultra processados, um grupo de alimentos que passam por processos industriais e laboratoriais, para fabricação de produtos à base de substâncias perigosas para a saúde humana, como gorduras, corantes, conservantes, entre outros. 

Leonardo dos Santos. Créditos: reprodução
Leonardo dos Santos. Créditos: reprodução

“Você conseguir fazer um churrasco com uma picanha é como se tivesse ganhado um prêmio”

Leonardo dos Santos, co-fundador do projeto

“Primeiro, é possível notar através das diversas músicas que enfatizam a geladeira cheia de carne como um prêmio ou conquista, já o segundo ponto, é notável através de comerciais, a partir do momento que usam aquela imagem de família reunida em um almoço de domingo e um refrigerante na mesa ou um determinado tempero que é industrializado, mas considerado o “segredo de família” na hora do preparo de alguma comida típica”, explica.

Diante deste cenário, Leonardo conta o por que negar a carne ou comida de origem animal, impacta tanto no ciclo social de pessoas pobres. “Na periferia, nós já temos essa vontade intrínseca de consumir produtos ultra processados, nós queremos nos sentir parte da sociedade. Você conseguir fazer um churrasco com uma picanha é como se tivesse ganhado um prêmio e a partir do momento que você opta por não consumir isso, é como se você estivesse negando esse prêmio”, analisa. 

Post do Instagram mostrando uma dica de alimentação à base de frutas para o café da manhã. Créditos: reprodução
Post do Instagram mostrando uma dica de alimentação à base de frutas para o café da manhã. Créditos: reprodução

O co-fundador do Vegano Periférico enfatiza que a periferia se encontra engessada nessa ideia de ultraprocessados exatamente por falta de políticas públicas que consigam dialogar com a população. “A indústria já produz esses alimentos pensando em um determinado nicho de público, bem-estar pessoal ou até mesmo em um hype, fazendo com que essa comunicação dos produtos, não dialoguem com a gente”.

Pensando em tudo isso, os irmãos, perceberam que de fato a parte mais difícil de se tornar vegano ou vegetariano, não é a alimentação, mas sim o ciclo social. “Um dia eu fui em um restaurante em uma região privilegiada de Campinas e quando cheguei, só consegui me identificar com os funcionários, o ambiente fez eu me sentir excluído automaticamente. Cogitei até mesmo deixar de ser vegano. Foi quando eu saí do restaurante, peguei um busão e escrevi como me senti naquele lugar”, conta Eduardo.

Leonardo e Eduardo, perceberam que para eles não era suficiente parar de comer carne, mas sim, mostrar através de suas vivências, que era possível ser vegano dentro da periferia. Deste então, produzir vídeos, receitas, dicas de alimentos veganos e tirar dúvidas de seguidores no Instagram tem sido uma forma de engajar as pessoas a experimentar uma nova cultura alimentar. 

Desenrola Aí: Raphaella Gomez explica o significado da sigla LGBTQIAPN+ para além das letras

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Nesta quinta-feira (27), estreia a primeira temporada do programa de entrevistas, Desenrola Aí, no primeiro episódio, a jornalista Thais Siqueira entrevista a artista plástica, Raphaella Gomez, que traduz de forma didática, a relevância de cada letra que compõe a sigla LGBTQIAPN+, que representa uma população negra e periférica que tem enfrentado uma série de desigualdades sociais que comprometem o direito à vida.

Com anos de atuação, o movimento LGBTQIAPN+ é extremamente importante, e sua luta está ligada a garantias de direitos à vida, a combater o preconceito e discurso do ódio, para que seja possível chegar a uma sociedade mais justa, diversa e humana.

” A sigla LGBTQIAPN+ é algo que a gente consegue abraçar uma grande comunidade. Precisamos pautar a importância de cada uma e uma intersexualidade de cada uma também, porque é importante sairmos desse discurso raso em relação a nossa comunidade. Não somos só LGBTQIA+, a gente é preta, periférica, é pobre, PCDs, várias coisas que também agregam com esses tipos de vulnerabilidade que afetam nossos corpos”.

Raphaella Gomez, artista plástica
Raphaella Gomez, artista plástica, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí, em Abril/2023. Foto: Pedro Oliveira
Raphaella Gomez, artista plástica, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí, em Abril/2023. Foto: Pedro Oliveira

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Esse ano, o programa será dividido em duas temporadas. Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias.

O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

“Eu já não sou mais a mesma”: trabalhadoras domésticas relatam desgastes em jornadas de trabalho

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Em 2023, a emenda constitucional criada para “estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais”, completa 10 anos. Ao longo desse tempo e com a criação de leis complementares, como a de nº 150 de 2015, trabalhadores domésticos passaram a ter direito a benefícios básicos como FGTS e seguro desemprego. Ainda assim, na prática, a rotina de muitas trabalhadoras domésticas ainda demonstra a necessidade de mudanças.

“Eu era cozinheira, babá, arrumadeira, era tudo, isso me sobrecarregou. Aí eu comecei a sentir dor no joelho e descobri que estava com tendinite”, conta a trabalhadora doméstica, de 50 anos, moradora de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. A entrevistada, que preferiu não se identificar, trabalha como empregada doméstica há mais de 30 anos. 

“Fiz fisioterapia [e] tratamento, ainda trabalhando, e hoje meu joelho está com desgaste total. Meu caso é cirúrgico, tenho risco de pôr uma prótese e tudo isso foi pelo esforço em casa de família”

Trabalhadora doméstica que preferiu não se identificar, tem 50 anos, mora em Osasco e trabalha como doméstica há mais de 30 anos.

Além do impacto na saúde, a moradora de Osasco conta que possui uma jornada diária de trabalho inconstante, onde começa a trabalhar às 7:40 da manhã, mas não tem horário definido para ir embora. Ela conta que trabalha de segunda a sexta e que seu registro na carteira de trabalho aconteceu em 2018, momento no qual passou a receber vale transporte, férias e 13º salário.

Segundo a cartilha “Trabalhadores domésticos: direitos e deveres”, que conta com as alterações da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, produzida pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, considera-se empregado doméstico aquele maior de 18 anos, que presta serviços de natureza contínua, subordinada, onerosa, pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 dias por semana.

Confira aqui a cartilha completa

Outro contexto que atravessa a realidade de trabalhadoras domésticas, principalmente moradoras das periferias, é o fato de se sentirem desamparadas e desvalorizadas. Além de situações de abuso psicológico que são silenciadas pela necessidade da continuidade no emprego.

“Eu tinha deixado a louça por último e não lavei porque tinha passado do meu horário. O apartamento era muito grande, nesse dia eu limpei toda a casa e as geladeiras. Me chamaram a atenção por não ter lavado a louça, logo depois de ter ficado um dia inteiro na casa dela que media mais de 150 metros quadrados”, conta a trabalhadora doméstica, de 28 anos, que preferiu não ser identificada.

Atualmente a profissional trabalha como faxineira para pagar os estudos no ensino superior. Ela conta que devido ao fato de ter começado a trabalhar há um pouco mais de 1 ano nessa residência, mesmo com a frequência de cinco vezes por semana, até o momento ainda não foi registrada e não possui nenhum tipo de benefício trabalhista.

“Eu sempre quis trabalhar na área de enfermagem, mas não tive a oportunidade. Só estudei até a 8ª série por ter começado na casa de família cedo e não tive mais como estudar. Hoje não sei se tenho mais saúde e cabeça, mas quem sabe. Nunca é tarde para recomeçar”, compartilhou a trabalhadora, de 28 anos, que não quis se identificar.

Alguns dos relatos trazidos pelas trabalhadoras são semelhantes, como a ausência de benefícios trabalhistas que possibilitem uma jornada condizente com seus direitos, evitando problemas físicos e mentais a longo prazo.

“Todos meus problemas de saúde nasceram a partir do trabalho pesado como doméstica. Minha vida mudou e eu já não sou mais a mesma”

Trabalhadora doméstica que preferiu não se identificar, tem 50 anos, mora em Osasco e trabalha como doméstica há mais de 30 anos.

Outra profissional que também preferiu não se identificar, conta que passou a apresentar problemas de saúde aos 35 anos, quando já atuava como trabalhadora doméstica.

“Hoje eu tenho 47 [anos], trabalhei mais de 10 anos [como doméstica] mesmo com as dores. Eu pago INSS, dei entrada para tentar o benefício, não consegui. Fui recusada e eles disseram que eu sou nova e posso muito bem trabalhar. Agora estou sem benefício e sem trabalhar”, relata a trabalhadora, de 47 anos, que mora no distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo.

A morada do Jardim Ângela precisou se afastar do trabalho em 2022, devido complicações na saúde causadas pela fibromialgia e ansiedade. Ela conta que foi registrada pela primeira vez há mais de 18 anos, onde naquele tempo recebia em torno de R$ 400,00 trabalhando todos os dias na semana e em uma época onde as trabalhadoras domésticas não possuíam direitos trabalhistas. Antes de ser afastada ela não trabalhava de carteira assinada, pois já sentia sua saúde frágil e imaginava ter que parar em breve.

Garantia de direitos

Na cartilha “Trabalhadores domésticos: direitos e deveres”, produzida pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, consta alguns dos direitos dos trabalhadores domésticos, como: 13º salário, remuneração do trabalho noturno, jornada de trabalho, remuneração do serviço extraordinário, repouso semanal remunerado, feriados civis e religiosos, férias, licença à gestante, auxílio-doença, entre outros.

Segundo Nataly Ramos, pesquisadora do eixo Trabalho no CEP (Centro de Estudos Periféricos), a PEC das Domésticas foi e é importante para a garantia de direitos, mas aponta que ainda existem muitas dificuldades nas condições de trabalho de empregadas domésticas.

“No mundo, o trabalho doméstico nunca foi considerado trabalho. Mas aqui no Brasil tem essa particularidade histórica de ser um país colonial e escravagista”, aponta a pesquisadora.

Para Germânia Pinheiro, psicóloga e pós-graduada em psicologia junguiana, muitos sinais físicos que o corpo apresenta tem relação direta com a saúde emocional que precisa ser olhada.

“Muitas vezes até mesmo pela carga horária, pela pressão, pela necessidade, acabam não prestando atenção nos sinais que o corpo envia. Ou seja, dores de cabeça, nas pernas, no estômago, com frequência são compreendidas como normais, mas não são”, aponta a psicóloga, que afirma ser nesses momentos que a saúde mental está pedindo socorro.

A psicóloga também afirma que se, ao longo do ano, essas profissionais fossem acolhidas e orientadas com campanhas, projetos e iniciativas do próprio poder público, o cenário poderia ser outro.

“É uma iniciativa que deveria vir do poder público, de fazer conscientização e trazer essa responsabilidade para os patrões, até mesmo para que essas mulheres se sintam confortáveis para buscar esse suporte”, aponta a psicóloga.

Luiza Batista Pereira, que é trabalhadora doméstica já aposentada e Coordenadora Geral da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), coloca que a maior parte das trabalhadoras domésticas são mulheres negras, periféricas, de baixa renda e sem escolaridade. Fator que socialmente reforça a desvalorização dessa função.

“A desinformação contribui muito para que as trabalhadoras não tenham acesso aos seus direitos previstos em lei. Então a importância delas conseguirem esse acesso é terem a perspectiva de saber que estão sendo alcançadas. É uma luta gigante, mas é isso que nos dá força para continuar”, afirma Luiza.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, existe um total de 6 milhões de trabalhadoras domésticas, se tratando de mulheres. Apenas 1,5 milhões possuem carteira assinada, e as que trabalham sem formalidade trabalhista, ainda possuem renda média abaixo de 1 mil reais.

A pesquisadora do eixo Trabalho no CEP (Centro de Estudos Periféricos), Nataly Ramos, reforça que “as pessoas precisam entender que o trabalho de cuidado é essencial e que elas podem limpar a sua própria sujeira e fazer sua própria comida. Se o mundo capitalista não permite que a gente tenha horários disponíveis pra fazer isso, que a gente pense em formas de trabalhar menos e coletivizar esse trabalho”, concluiu. 

MORADORA DO GRAJAÚ ASSUME COORDENAÇÃO GERAL NO MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E DA CIDADANIA

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Nomeada Coordenadora Geral de Políticas Socioeducativas na Secretaria Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Mayara Silva de Souza, 30, cria do bairro Cocaia, distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, faz parte de um movimento de mulheres que buscam ocupar espaços de decisões, e a partir da sua atuação, contribuem através de políticas públicas, para melhoria na vida de jovens e crianças das periferias.

Formada em Direito, Mayara foi uma das mulheres selecionadas no programa de Lideranças Femininas Negras Marielle Franco pelo Fundo Baobá, em 2019. Programa que busca potencializar mulheres negras para alcançar espaços de poder e fazer a diferença onde elas quiserem estar.

“Eu sou de várias periferias de São Paulo. A minha mãe morava no Cocaia, a minha madrinha no Jardim Ângela, e a nossa relação era bem próxima, sempre passava as férias escolares lá. Atualmente moro em Brasília por conta da proposta de trabalho que recebi e gosto muito daqui”, conta Mayara, que assumiu o cargo de coordenadora geral em março deste ano e se mudou para Brasília, local que já frequentava desde 2018.

A partir das andanças pelas quebradas, Mayara já atuou com suas potências e também com as violências programadas nesses territórios. A perda de um amigo por overdose foi um dos motivos para que decidisse se tornar alguém que pudesse fazer a diferença na vida de jovens periféricos. 

“O sonho em relação à periferia seria justamente fazer com que a violência institucional seja interrompida. É uma pretensão bem ousada, mas precisamos dessa ousadia.” 

Mayara Silva, Coordenadora Geral de Políticas Socioeducativas no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A advogada é filha de mãe solo, nordestina e conta que desde os 14 anos entendia que o contexto em que vivia era diferente para pessoas como ela.

“Até os 9 anos eu morei no Campo Belo e depois fui morar no Grajaú. Aí começamos a morar em família e minha mãe passou a ir e voltar todos os dias do trabalho para dormir em casa. Até aquele momento, a minha vivência maior de vida foi dentro do quarto de empregada que a minha mãe trabalhava”, conta.

Atuação 

Desde pequena Mayara já sabia o que queria fazer: ser promotora de justiça. Ela conta que uma vez sua mãe a levou em uma audiência de pensão alimentícia em um fórum, e a partir disso passou a ter essa carreira como objetivo. “Na adolescência foi que eu entendi e fui estudar Direito”, compartilha.

Foi ao longo desses anos de estudos que Mayara passou a observar as violências institucionais que atravessavam seus amigos e familiares. Ela conta que seu irmão, um jovem negro, sofria diversas abordagens policiais diárias e quase não via os colegas da escola por estarem cumprindo medida socioeducativa na Fundação Casa. Fatos que influenciaram na sua atuação.

“Quando eu entrei na faculdade e descobri que existe um campo no Direito que atua para garantir o reconhecimento dos adolescentes, das crianças e dos jovens como sujeitos de direitos. Através de iniciativas públicas entendi que era isso que eu queria”. 

Mayara Silva, Coordenadora Geral de Políticas Socioeducativas na Secretaria Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescente.

Ao longo de sua carreira, Mayara atuou em espaços de assistência como órgãos da Defensoria Pública, em audiências e atendimento a jovens de diferentes territórios.

“Eu sabia como funcionava, cresci lá [na periferia], sabia como atender essas famílias. Sei como eles viveram, sei o role que é, o tempo que levaram até chegar aqui, quantos ônibus pegaram”

Ao longo de sua carreira, Mayara atuou em espaços de assistência como órgãos da Defensoria Pública, em audiências e atendimento a jovens de diferentes territórios.

“Eu sabia como funcionava, cresci lá [na periferia], sabia como atender essas famílias. Sei como eles viveram, sei o role que é, o tempo que levaram até chegar aqui, quantos ônibus pegaram”, conta a advogada.

Mayara aponta que ter uma história de vida parecida com a de muitos jovens periféricos aproximou e possibilitou contribuir de uma maneira diferente. “Eu conseguia fazer um atendimento baseado na realidade, porque era a minha até pouco tempo”.

Durante sua passagem pela Prefeitura de São Paulo, a advogada trabalhou com a política e atendimento socioeducativo a nível municipal. Já no terceiro setor, envolvida na temática de direitos da juventude, atuava em nível nacional, e foi aí que percebeu que o trabalho realizado era bom, mas poderia ser ainda melhor com o setor voltando seu olhar para a base territorial.

Enquanto atuava na ONU, com foco em como o judiciário brasileiro trata a política socioeducativa para adolescentes, percebeu a distância de quem discutia a temática, para quem estava no território.

“Eu fazia formação para juízes, fazia manual de como avaliar o atendimento pensando sob a ótica desse adolescente e agora eu estou justamente a esse nível nacional que coordena toda a política de maneira específica hoje no Brasil”, pontua.

Atualmente Mayara tem o objetivo de contribuir na construção de políticas socioeducativas sob a perspectiva de garantia das políticas públicas. Como Coordenadora Geral do Atendimento Socioeducativo, busca o protagonismo jovem.

“A violência pode ser interrompida dando esse protagonismo para a juventude, sobretudo por meio de políticas públicas”, aponta Mayara.

Do Contra Egum à universidade, te conto as belezas que vi na juventude negra hoje

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Reprodução: Freepik
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Entre as distrações com tanta gente, eu te acho com o corpo encurvado, caderno e caneta na mão. O boné, a camisa de futebol vermelha dois números maiores, assim como a calça larga e lá pra baixo da cintura, daquelas que aparece parte (bem pouca) da bunda; me dão os sinais pra acreditar que tu vem de algum lugar semelhante de onde eu vim. Alí, de alguma quebrada.

Eu te reparo. Do nada você não levanta a cabeça, só os olhos, e tenta reparar se tem alguém te olhando: você reparou que o Contra Egum no braço está à mostra. Imediatamente tu ajusta a manga da blusa e esconde o trançado de palha que te dá proteção.

“Eu sigo te observando. Isso é raro porque, para não ser percebida, às vezes eu até prefiro não observar nada”

Simone Freire, jornalista e moradora da Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo.

A tua pele passa a me chamar a atenção. É bonita pra c*! Retinta! Tu é jovem e tem aquelas marcas nos braços, aquelas retas feitas pela lâmina afiada da vida nas fases em que o peso do mundo é demais, mesmo que a gente tente vencer ele.

Não tive dó, fiz reza, e fiquei feliz que você tá se cuidando. Do entrelaço no braço, às rezas de quem te ama (e olha), e letras que você põe no papel! Continue! Continuamos!

Reprodução: Freepik
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Existe caminho para a juventude negra, sabe. Existe! 

Esses dias, Yakíni, um jovem negro, estava quase perdendo o direito de estudar na universidade. Estudou, fez vestibular, passou. Fez matrícula. Mas a vida complexa enquanto jovem negro fez com que ele não conseguisse cumprir a última da última etapa do processo de matrícula. Coisa burocrática.

É incrível, pra não dizer absurdo, que a burocracia – pensada para lidar com as particularidades de alunos que não são da cor ou lugar social de Yakíni – tenha quase tirado a oportunidade dele estudar.

E digo quase porque ele conseguiu recuperar o seu direito. Sim, para isso foi preciso que sua mãe, familiares e toda uma rede de apoio preta, de militantes à pessoas não-militantes, usassem suas vozes e vezes nos lugares que ocupam. A USP, onde ele vai estudar, precisou voltar atrás e devolver a sua vaga. Basta saber se ela vai rever seu futuro para acolher quem precisa acolher.

Daqui a pouco você estará que nem Yakíni por aí voando. Não sei seu nome ou endereço, mas boto fé que vou ler seus escritos por aí um dia. Ou será que tu me lê aqui primeiro? Que se abram os caminhos!