Com um salário de R$ 900 por mês, trabalhando em uma cachaçaria sertaneja, em 2017, Leonardo Santos, co-fundador do projeto Vegano Periférico, conta que a ida até o mercado era econômica, para comprar verduras, legumes e produtos vegetais, quebrando toda a ideia de que para ser vegano ou comer bem, precisa ser rico.
Essa experiência pessoal reflete no crescimento do projeto Vegano Periférico, iniciativa criada pelos irmãos Eduardo Santos e Leonardo Santos, moradores da periferia de Campinas, para inspirar usuários das redes sociais a adotar hábitos alimentares saudáveis com base na cultura vegana. Em 2021, o perfil de Instagram Vegano Periférico alcançou a marca de 334 mil seguidores.
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O projeto surgiu a partir da inquietação dos irmãos com a indústria de abate de animais e de alimentos ultraprocessados, que fornece carne e produtos de origem animal como principal referência alimentícia nas mesas de famílias periféricas.
“Em 2015 me deparei com uma matéria de centenas de porcos que caíram em uma estrada, aquilo me deixou muito chocado, a forma como as pessoas pegavam aqueles animais, os carros passando por cima de suas patas, toda aquela tortura, me fez pensar: como eu posso ser tão empático com os animais, salvar cachorros de rua, pássaros e continuar colocando origem animal no meu prato? Isso não está certo”, relembra Eduardo.
“Demorei até para me tornar vegano, não queria encarar essa realidade, mas depois de dois anos, decidi lidar com os fatos”
Eduardo dos Santos, co-fundador do Vegano Periférico
A partir deste momento, Eduardo passou a inspirar a mudança de hábitos alimentares de seu irmão gêmeo, Leonardo, que levou dois anos até decidir se tornar vegano. “Em 2017 eu decidi me tornar vegano do dia para noite. Então, em uma noite eu comi meu último prato de origem animal e no dia seguinte eu mudei de vez meus hábitos alimentares”, relembra Leonardo.
Juntos, Leonardo e Eduardo perceberam que a decisão de adotar uma alimentação vegana ia muito além do hábito de mudar o consumo de alimentos, mas sim de uma questão social, econômica e política. Essa visão crítica sobre a forma como a sociedade se relaciona com os alimentos resultou na criação do projeto de conteúdo digital Vegano Periférico.
Enquanto Eduardo se aprofundava mais no tema do veganismo e exploração animal, Leonardo trabalhava em um restaurante de fast food, como forma de auxiliar em casa e ajudar a reformar o lugar que, até então, sua tia oferecia para que sua família morasse.
Sendo assim, a mudança alimentar de Leonardo surpreendeu os familiares, já que o rapaz, nunca consumia vegetais e já tinha uma alimentação baseada em ultra processados, um grupo de alimentos que passam por processos industriais e laboratoriais, para fabricação de produtos à base de substâncias perigosas para a saúde humana, como gorduras, corantes, conservantes, entre outros.
“Você conseguir fazer um churrasco com uma picanha é como se tivesse ganhado um prêmio”
Leonardo dos Santos, co-fundador do projeto
“Primeiro, é possível notar através das diversas músicas que enfatizam a geladeira cheia de carne como um prêmio ou conquista, já o segundo ponto, é notável através de comerciais, a partir do momento que usam aquela imagem de família reunida em um almoço de domingo e um refrigerante na mesa ou um determinado tempero que é industrializado, mas considerado o “segredo de família” na hora do preparo de alguma comida típica”, explica.
Diante deste cenário, Leonardo conta o por que negar a carne ou comida de origem animal, impacta tanto no ciclo social de pessoas pobres. “Na periferia, nós já temos essa vontade intrínseca de consumir produtos ultra processados, nós queremos nos sentir parte da sociedade. Você conseguir fazer um churrasco com uma picanha é como se tivesse ganhado um prêmio e a partir do momento que você opta por não consumir isso, é como se você estivesse negando esse prêmio”, analisa.
O co-fundador do Vegano Periférico enfatiza que a periferia se encontra engessada nessa ideia de ultraprocessados exatamente por falta de políticas públicas que consigam dialogar com a população. “A indústria já produz esses alimentos pensando em um determinado nicho de público, bem-estar pessoal ou até mesmo em um hype, fazendo com que essa comunicação dos produtos, não dialoguem com a gente”.
Pensando em tudo isso, os irmãos, perceberam que de fato a parte mais difícil de se tornar vegano ou vegetariano, não é a alimentação, mas sim o ciclo social. “Um dia eu fui em um restaurante em uma região privilegiada de Campinas e quando cheguei, só consegui me identificar com os funcionários, o ambiente fez eu me sentir excluído automaticamente. Cogitei até mesmo deixar de ser vegano. Foi quando eu saí do restaurante, peguei um busão e escrevi como me senti naquele lugar”, conta Eduardo.
Leonardo e Eduardo, perceberam que para eles não era suficiente parar de comer carne, mas sim, mostrar através de suas vivências, que era possível ser vegano dentro da periferia. Deste então, produzir vídeos, receitas, dicas de alimentos veganos e tirar dúvidas de seguidores no Instagram tem sido uma forma de engajar as pessoas a experimentar uma nova cultura alimentar.