Nos últimos anos, criadores de conteúdos online têm ganhado visibilidade como mercado de atuação profissional. Para um criador de conteúdo de um território periférico, influenciar e usar as redes sociais como seu espaço de trabalho passa por lugares diferentes, como conta Glaydson Nunes, morador do Jardim Aracati, bairro localizado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo e que produz conteúdos para a internet há mais de 10 anos.
“Meu conteúdo é tudo e qualquer coisa que me torne real, que mostre meus sentimentos e a verdade de quem eu sou”, conta Glaydson, que começou a trabalhar com as redes a partir do Snapchat, onde postava seu dia a dia.
As publicações de Glaydson estão concentradas em redes como Instagram, Youtube e TikTok. Ele conta que o intuito dos seus conteúdos é mostrar sua rotina de forma dinâmica e animada. Além disso, ele também se dedica à escrita de músicas, e inclusive irá lançar sua primeira faixa, chamada Recºmeço, ainda este mês. “Tudo e qualquer coisa que mostre meus sentimentos e a verdade de quem eu sou e de tudo que eu vivo é um conteúdo”, coloca Glaydson.
Glaydson (na foto de regata preta), além de trabalhar com a internet. possui o sonho de viver da música, que é uma, senão a maior de suas paixões. (Foto: Acervo Pessoal)
Ygonna Amaro, mulher trans de 22 anos, trancista, moradora do bairro Jardim Elisa Maria, região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, teve seu primeiro contato com a criação de conteúdos online no início de 2020, quando foi convidada para participar de um ensaio fotográfico.
“Meu público me dá bastante retorno, o que é muito difícil para uma mulher na minha condição. As pessoas se inspiram, eu sinto que sou uma motivação para quem está atrás da tela”, comenta.
Ygonna publica conteúdos sobre beleza, moda, lifestyle e cabelo. Ela conta que a partir dos conteúdos que produz, busca falar sobre o que gosta e não o que as pessoas querem ouvir. “é muito difícil encontrar uma mulher trans, que trabalhe com o que gosta e bem sucedida hoje em dia”, relatou.
Ygonna é influenciadora e atualmente trabalha com as redes sociais, fazendo divulgações, parcerias como modelo e também atua como trancista. (Foto: Acervo Pessoal)
Para Larissa Look, 23 anos, psicóloga, moradora do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a internet é um espaço de troca e ensinamentos para os criadores de conteúdo.
“Quando iniciei com o Instagram eu não me reconhecia como uma mulher gorda, eles [seguidores] viram todo o processo, pois eu tentava seguir um padrão inalcançável, e foi lindo me libertar, foi o que eu precisei”, contou a psicóloga sobre como sua presença nas redes sociais também contribui na sua vida pessoal.
Larissa Look contou suas perspectivas em trabalhar com a internet, e conta que apesar do grande desafio, existem também muitos seguidores que a apoaim. (Foto: Acervo Pessoal)
Influenciador de quebrada
Glaydson conta que utiliza as redes sociais para criar também uma comunidade de trocas. Ygonna entende que mulheres são seu maior público, e Larissa busca abordar pautas sobre a autoestima de mulheres gordas e cabelo. Cada um com sua característica, mas todos com uma meta: serem reconhecidos por serem de onde são.
“A diferença de um influenciador rico e um pobre são as possibilidades. É poder ganhar 1 mil reais com publicidade e guardar, investir, ao invés de pagar conta. Isso nos atravessa. E quanto aos ricos, não há problema, porque eles têm dinheiro”
Larissa Look.
As vivências do cotidiano fazem parte dos conteúdos de Glaydson, que já usou suas redes para compartilhar como criar uma luz elétrica com cano PVC. “O periférico não pode pensar em investir num cenário, equipamento e um ambiente adequado de trabalho por falta de oportunidades. A dificuldade é dar conta, por ter que pensar em tudo: no antes, no depois e no que pode vir”, conta o influenciador.
O fato de ser periférico não é o único fator que impacta na busca de relevância online, segundo Ygonna, que costuma publicar suas produções principalmente no Instagram, a própria plataforma costuma ser um impasse no processo de criação e distribuição.
“Ser periférica e ser influenciadora é uma via de mão dupla. É legal a gente ver que as pessoas se inspiram, mas por outro lado é muito julgamento. Querendo ou não existe muito preconceito com isso”
coloca Ygonna, que além de criadora de conteúdo é trancista.
Larissa, que além de criadora de conteúdo é psicóloga, conta que tem a meta de viver somente do retorno que as redes sociais possibilitam e usufruir das mesmas coisas que grandes blogueiras podem, mesmo sendo da quebrada.
“Se não tem oportunidade, como você é olhada? Sei que meu trabalho é bom, sei que sou boa no que faço, mas eu não sou vista. Para ser influenciador basta ser você”, diz Larissa.
A busca de Glaydson, Ygonna e Larissa, se cruzam: trabalhar com o que gosta tendo renda suficiente para viver, e fazer com que o mercado de influenciadores periféricos seja de fato possível.
“Tem muita marca grande que poderia olhar para a periferia como um lugar de potência. Tem muita gente incrível que quer criar, quer espaço para falar, expressar sua arte e viver do que gosta”, finaliza Glaydson.
É consenso em toda sociedade que a educação é um direito. A maioria da população brasileira acredita que o acesso ao ensino superior, em especial para os pobres, é uma forma de ascensão social, cultural e econômica. A procura de jovens por cursinhos pré-vestibulares é um grande indicador de que a população quer acessar o ensino superior.
Entretanto, o acesso à universidade ainda é um direito negado a muitos, sobretudo a classe trabalhadora periférica. O número de vagas em universidades públicas é MUITO menor que o número de interessados.
A título de exemplo: em 2022, a USP (Universidade de São Paulo), principal universidade pública do Brasil, ofereceu 8.211 vagas em seu vestibular, a FUVEST, que teve mais de 110 mil inscritos. O ENEM, principal porta de acesso ao ensino superior no Brasil, teve em 2022, o total de 3,4 milhões de inscritos que disputaram apenas 228 mil vagas pelo ProUni* e 226 mil vagas pelo SISU**.
Aos moradores das periferias do Brasil o acesso ao ensino superior tem ainda mais um obstáculo: à mobilidade. As universidades em sua maioria, para não dizer todas, estão distantes das periferias, de modo que aqueles periféricos que ousam cursar o ensino superior precisam gastar horas se deslocando, em um transporte público precário e no trânsito caótico como o de São Paulo. Algo que desanima ou mesmo impede que eles consigam permanecer no curso.
Para além da universidade enquanto um direito à educação, já é provado que uma universidade contribuiu em muito com desenvolvimento econômico, social, cultural, local e regional, portanto é também um instrumento de melhoria de vida da população da região onde é instalada e funciona.
Portanto, a existência de universidades em diferentes lugares por esse Brasil afora é essencial, mas sobretudo nas periferias, onde se encontra a maior massa da população brasileira.
Deveria ser política de Estado a criação e manutenção de universidades por todas as periferias existentes, especialmente nas periferias que têm a dimensão de uma cidade ou ainda maior, como é o caso da zona sul de São Paulo.
Considerando apenas uma parte da zona sul de São Paulo, a saber, os distritos da zona sul conhecidos como da “ponte pra cá” (Campo Limpo, Capão Redondo, Vila Andrade, Jardim Ângela, Jardim São Luís, Grajaú, Socorro, Cidade Dutra, Parelheiros e Marsilac), têm mais de 2 milhões de pessoas, cerca de 2,4 milhões de habitantes. A Zona Sul inteira tem cerca de 3,4 milhões de habitantes e o município de São Paulo tem cerca de 11,4 milhões de habitantes, de acordo com os dados mais recentes do IBGE.
Se essa periferia fosse considerada um município, seria a quarta cidade mais populosa do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, tendo essa última cerca de 2,8 milhões de habitantes. Seria do tamanho de duas capitais brasileiras, Fortaleza e Salvador, ambas com 2,4 milhões de habitantes.
Portanto, essa periferia da “ponte pra cá” é maior que a maioria das capitais brasileiras, como Belo Horizonte (2,3 milhões), Manaus (2 milhões), Curitiba (1,7 milhão), Recife ((1,5 milhão), e maior que importantes municípios do estado de São Paulo, como Guarulhos (1,3 milhão), Campinas (1,1 milhão), e de todo região do ABC (1,7 milhão).
Em todos os municípios citados acima temos universidades públicas, na maioria deles mais de uma, aliás, além de uma pública federal, uma pública estadual, algumas contam também com instituto federal.
Assim, cabem algumas perguntas: por que nessa periferia de São Paulo não temos uma universidade pública ou um instituto federal? Para essa parcela da população o ensino superior não é um direito? A população periférica existe apenas para ser mão de obra braçal ou técnica para o restante da cidade de São Paulo?
Na verdade, não sabemos bem ao certo qual é a resposta. O que sabemos é que os movimentos populares dessa região estão se organizando para conseguir uma universidade pública popular para essa enorme periferia.
Vários movimentos sociais e coletivos estão se organizando em torno do Fórum em Defesa da Vida para cobrar dos órgãos públicos a instalação de uma universidade ou um instituto público na região. E quem conhece as lutas e mobilizações deste fórum sabe que essa luta só vai parar com a vitória.
A reivindicação é que a universidade seja construída próximo ao terminal de ônibus do Jardim Ângela e da futura estação de metrô, um local de fácil acesso na região, para que os futuros estudantes não tenham que ficar horas dentro de um transporte coletivo, como é a realidade hoje. Os movimentos também advogam que nessa universidade seja oferecido cursos que contribuam com desenvolvimento local e de interesse da população jovem.
Alguns passos dessa luta já foram dados, como a coleta milhares de assinaturas, visitas às escolas públicas, rodas de conversa com cursinhos populares, além da adesão e apoio de dezenas de movimentos, associações e coletivos.
No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da zona sul de São Paulo. Foto: Alan Francisco.
No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da região. O evento contou com a presença de diversos movimentos sociais, coletivos culturais e políticos, cursinhos populares (Carolina de Jesus e Cursinho Popular do Capão), parlamentares do campo progressista e com o frei Davi, um dos grandes lutadores pela educação superior, criador do movimento Educafro.
Os próximos passos são: aumentar o número de assinaturas do abaixo assinado chegando a 10 mil, e uma AUDIÊNCIA PÚBLICA POPULAR, que será realizada no dia 21 de outubro de 2023, no Jardim Ângela.
Para essa audiência os movimentos estão convocando o prefeito de São Paulo, o ministro da Educação, o ministro dos Direitos Humanos e outras autoridades, e esperam mobilizar centenas de moradores da região, em especial aqueles que acreditam na educação como instrumento de transformação da vida e da sociedade.
Vale dizer que essa luta nasce também dos sonhos e do legado do padre Jaime. Há anos ele manifestava publicamente a necessidade de termos aqui em nossa periferia, uma universidade pública que formasse os profissionais da educação, da assistência e da saúde, mais consciente e sensíveis a nossas demandas, porque como ele sempre dizia “a cabeça pensa onde os pés pisam”.
*ProUni (Programa Universidade Para Todos promove o acesso às universidades particulares brasileiras para estudantes de baixa renda)
**SISU (Sistema de Seleção Unificada para universidades públicas)
Este é um conteúdo opinativo e não é produzido pelo Desenrola e Não Me Enrola.
Em entrevista a Rebeca Ramos, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, Bruno Maranho, relata como o projeto “Bora Jogar Perus” desenvolvido em parceria com a sua esposa Fernanda Maranho, ocorre mensalmente na Biblioteca Padre José de Anchieta, em Perus, zona noroeste de São Paulo, proporcionando para os moradores do território, experiências enriquecedoras e interações saudáveis por meio de jogos de tabuleiro modernos.
Para Bruno, os jogos de tabuleiro, representam uma ferramenta importante para estimular habilidades como o raciocínio lógico, comunicação, atenção e a concentração. Com um olhar voltado para o bairro, ele acredita que a maneira como os jogos são desenvolvidos pode ter um impacto significativo na vida dos moradores de Perus, priorizando um ambiente livre de competitividade, onde os participantes dos jogos de tabuleiro possam estabelecer relações positivas.
Moradores durante a competição do projeto “Bora Jogar Perus” na Biblioteca Padre José de Anchieta. Foto: Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia/Setembro 2023.
Bruno também compartilha sua trajetória na criação de seu próprio jogo de tabuleiro, batizado de “Orgânica”. Esse jogo coloca os participantes no papel de cultivadores de hortaliças orgânicas, desafiando-os a cultivar e colher suas hortaliças no menor tempo possível. Ele explica que a inspiração do jogo surgiu a partir de um momento especial, compartilhado com suas filhas, e reflete sua profunda vontade de contribuir ativamente para o desenvolvimento do território de Perus.
Bruno Maranho do projeto “Bora Jogar Perus” e Rebeca Ramos durante a entrevista na Biblioteca Padre José de Anchieta. Foto: Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia/Setembro 2023.
Você Repórter da Periferia: Por que o território de Perus?
Bruno: Sou morador de Perus e os jogos de tabuleiros modernos, tem a ideia de trazer essa vivência de jogos que não é tão difundida nessa região, da zona noroeste, oeste, aqui de São Paulo. Então a ideia é trazer acesso pra essa região, para as pessoas poderem ter essa vivência nesse mundo de jogos de tabuleiros modernos, com o intuito de trazer uma interação, um convívio entre as pessoas, uma interação entre as pessoas de uma forma saudável e proporcionar uma forma de divertimento saudável para as pessoas dessa nossa região aqui.
Você Repórter da Periferia: O que você acha que o jogo pode desenvolver nas pessoas?
Bruno: Os jogos conseguem desenvolver várias áreas nas pessoas e na sociedade em como um todo. O jogo de tabuleiro moderno, vai desde a matemática, os jogos podem ter vários temas. Inclusive, nós estamos crescendo cada vez mais na parte de designers de jogos nacionais, onde o Brasil está começando a aumentar cada vez mais o número de designers e cada vez mais desenvolvedores nacionais e com projetos de iniciativas com temáticas nacionais, temáticas até culturais. Então você desenvolve a comunicação, a interpretação, o convívio, ajuda inclusive na interação para os tímidos, também ajuda bastante na interação.
Você Repórter da Periferia: Você pretende expandir assim esse projeto?
Bruno: Inicialmente a ideia do projeto é de ser itinerante em Perus. A gente ainda está estudando essa possibilidade. Então a biblioteca foi o primeiro lugar que a gente conseguiu essa parceria, que abriu as portas para nós. Isso foi bem legal, porque mostra o quanto o público não é só para a gente “usar”, mas a gente pode ajudar de forma ativa ao que é público. É nosso não sopra gente utilizar, mas para que a gente também possa desenvolver projetos, desenvolver iniciativas pessoais, particulares, que afetam outras pessoas de forma positiva. A ideia também é de conversar com outros locais de cultura de Perus, como a Ocupação Canhoba, Quilombaque, e outras localidades culturais de Perus.
Você Repórter da Periferia: Por que você escolheu a biblioteca?
Pela admiração que eu e a Fernanda temos pela biblioteca, a gente participa sempre pegando livros para nossas filhas, a gente vê que a biblioteca não é um lugar somente para leitura, abriga muitos outros projetos e muitas outras iniciativas e ações. E a gente sentiu que podia ter essa abertura e ela foi dada, a gente agradece também a toda administração da biblioteca de Perus por nos permitir executar esse projeto e assim a gente está tocando aqui.
Nesse episódio falamos sobre o brincar como um direito das infâncias, mas também a relação com outras instâncias para além dos cuidadores das crianças.
O papo é com a Minéia Oliveira, pedagoga, arte educadora e integrante do Brincando na Kebrada, e também com a Bianca Pereira, que é psicóloga, educadora popular e atua com as infâncias e o brincar nas periferias a partir do Brincantes Urbanas.
O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.
Ficha técnica: Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira Produção audiovisual – Pedro Oliveira Identidade visual – Flávia Lopes Vinheta e edição – Jonnas Rosa
As tardes de terças-feiras são animadas para um grupo de comunicadores populares que se reúne semanalmente em um casarão antigo na região central de Porto Alegre (RS). É lá que ocorrem as reuniões de pauta do Boca de Rua, jornal que é produzido e vendido por pessoas em situação de rua da capital gaúcha desde 2001. Com periodicidade trimestral, o jornal conta com entrevistas e reportagens realizadas pelos próprios comunicadores, por meio da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE).
No meio da pandemia de Covid-19, quando a população de rua ainda não era considerada como grupo prioritário para a vacinação, os Bocas, como são chamados os comunicadores do jornal, utilizaram as páginas do impresso para questionar as autoridades, como um espaço para exercer a cidadania e buscar seus direitos.
Léster (nome fictício), há 10 anos no Boca, recorda: “numa lista de uma escala de quem ia ser vacinado, a gente nem aparecia. Depois da gente reivindicar e protestar contra eles, liberaram uma verba, para uma cota dessas vacinas, só para a população de rua”. A pressão jornalística foi direcionada aos governantes, conta Léster, “pra mostrar que a gente, da rua, não era um povo invisível”.
Comunicadores transformam cotidiano da população de rua de Porto Alegre em narrativas jornalísticas. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
De máscara e tentando cumprir as recomendações da Organização Mundial de Saúde como podiam, eles publicaram logo no início da pandemia de Covid-19, em abril de 2020, uma edição que alertava sobre as dificuldades do grupo para se proteger da doença: “Mesmo não tendo casa nem água para fazerem o que mandam os médicos, muitos moradores de rua estão tentando colaborar e se engajando na campanha para conscientizar a galera. O poder público, ao contrário, reduziu o atendimento e até fechou o abrigo Bom Jesus. O coronavírus serve como máscara para fazerem o que já queriam fazer”, cobrava o texto de apresentação da edição nº75 do Boca de Rua.
Oito meses depois, em dezembro, o governo Federal anunciou seu Plano Nacional de Imunização. O relatório “Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil, publicado em novembro de 2022 pela Oxfam Brasil, lembra que diversos especialistas criticaram, ainda em 2020, a ausência de determinados grupos sociais nas primeiras versões do plano de vacinação, como os quilombolas, indígenas não aldeados e a população de rua.
Em entrevista ao relatório, Fernando Pigatto, Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), lembra da resolução nº 73 do CNS, que propôs a inclusão de pessoas em condição de rua, com deficiência, cuidadores de pessoas idosas e indígenas não aldeados no plano. “Se as recomendações do CNS tivessem sido seguidas, a pandemia jamais teria alcançado a dimensão que teve no Brasil. Não ter levado em conta as recomendações existentes só agrava a responsabilidade das autoridades”, avaliou.
Durante a pandemia de Covid-19, moradores de rua se informaram sobre a vacina contra a Covid-19, por meio das matérias publicadas no jornal Boca de Rua. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Foi apenas em julho de 2021, após pressão dos movimentos sociais e dos especialistas, que as pessoas em situação de rua, junto com outros grupos, foram incluídas como prioritárias na vacinação. A essa altura, o negacionismo e a falta de informações corretas sobre a vacina já pairavam em diversas parcelas da população, inclusive entre as pessoas em situação de rua.
Felipe Rodrigues, que passou a integrar o Boca de Rua este ano, conta que tomou apenas uma dose da vacina da Covid-19. O restante? “Não tomei, primeiro porque não fui encontrado. Não vi essas campanhas, não tenho televisão, estou em situação de rua. E quando eu passava nos lugares, era uma fila enorme de gente, e geralmente não me interessei, não achei necessário tomar”.
Outro obstáculo passa pelo modo como eles são vistos e atendidos pelo sistema de saúde. “A população de rua é discriminada e estigmatizada. Eu vejo há muitos anos, muito antes da Covid”, diz Felipe. “E quando a gente chega a gente é mal atendido, porque a gente tá mal vestido, porque algumas vezes a gente não tem acesso a banho, não tá cheirando bem, tá despenteado, porque não pode dormir no albergue ou foi expulso”.
O Jornal Boca de Rua também é uma ferramenta de fiscalização de políticas públicas para a população em situação de rua na cidade de Porto Alegre. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Anderson Joaquim Corrêa, conhecido como Tutti, integrante do Boca há quase 20 anos, tomou cinco doses da vacina da Covid-19. Acredita na eficácia da imunização, mas reforça que se vacinou por recomendação médica, pois faz tratamento de saúde. “A doutora que me trata pediu as vacinas e eu tive que fazer. Eu tenho a minha carteirinha de vacina completa, bem dizer. Mas o problema é que o seguinte: tem várias portas que te fecham, se eu já não fizesse as vacinas, o médico também já não ia querer me atender mais, entendeu?”, reflete. “As pessoas vão pensar que tu não tá nem te interessando mais pela tua vida, né?”.
Na luta pela sobrevivência diária, muitas pessoas com vivência de rua acabam deixando o cuidado com a saúde em segundo plano. “Pra tu querer os teus bens, tu já procura te proteger, né? E a pessoa que tá morando na rua já não tem muito esse interesse de não pegar [o vírus] para proteger alguém. Se pegou, pegou, se não pegou…”, pensa Tutti.
Apagão de dados dificulta criação de políticas
Dados do relatório da Oxfam Brasil apontam que, no Rio Grande do Sul, foram vacinadas 82,7% das pessoas do gênero masculino e 86,5%, do feminino, entre janeiro de 2021 e outubro de 2022. Quanto à raça/cor da pele, a pesquisa revela que o percentual de vacinados no estado foi de 0,19% para a população indígena, 1,82% amarela, 3,11% parda e 74,83% branca, no mesmo período.
No entanto, a proporção está incompleta, já que o dado de 15,82% da população vacinada no estado não foi informado, tornando indefinida a análise da desigualdade racial no acesso à vacina contra a covid-19. Mesmo sendo obrigatória a inserção racial nos formulários dos Sistemas de Informação em Saúde, ainda há percalços para que esses dados sejam recolhidos e divulgados em sua completude.
No Brasil, país considerado o quarto do mundo com o maior número de vacinas do vírus aplicadas, também é o país que tem significativo apagamento sistemático de dados das pessoas que vivem nas ruas – mais de 281,4 mil indivíduos – que, por não terem acesso a vários direitos, sofrem mais com os impactos da ausência de políticas públicas eficientes na saúde.
Capa do Jornal Boca de Rua. (Reprodução Internet)
Em Porto Alegre, são subestimados os dados sobre a quantidade de pessoas que estão nas ruas, mais ainda quantos casos e óbitos da Covid-19 e quantas doses de imunizantes foram distribuídas para esse grupo. “Historicamente, existe uma sistemática de organização de serviços de saúde e uma logística de distribuição de insumos, que é o caso da vacina, que desconsidera determinados grupos populacionais”, afirma Alcides Miranda, pesquisador e professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O professor lembra que a população de rua, por ser itinerante, não tem um endereço fixo e, por isso, não é identificada nos serviços de vacina. A desigualdade em saúde esbarra logo na insuficiência de dados para que sejam elaboradas políticas públicas. “Nós não dispomos de informações de registros que nos dê conta para dimensionar realmente o alcance e a abrangência desse problema”, preocupa-se, e relaciona a menor cobertura vacinal com a ausência de condições para monitorar a situação de vulnerabilidade populacional.
Para Alcides, os Consultórios na Rua – política federal da atenção básica em saúde a partir da busca ativa à população em situação de rua, visando ampliar o acesso aos serviços de saúde – são insuficientes, pois na maioria das vezes não cobrem as áreas de abrangência e circulação dessas populações. “Se essas pessoas têm mais vulnerabilidade e maior risco, elas precisam de linhas de cuidados específicos, e isso não foi encaminhado”, aponta.
Durante a pandemia, o Jornal mobilizou debates importantes para a população em situação de rua ser enxergada como público para receber a vacina contra a Covid-19. Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Essa negligência reforça o desmonte de políticas públicas e violações de direitos ocasionadas durante a gestão da pandemia no Governo de Jair Bolsonaro (2019 – 2022), com ações e omissões governamentais que envolviam planejamento, compra e distribuição de vacinas contra o coronavírus. “No caso do Governo Federal, a gente pode falar até de necropolítica, uma intencionalidade letal”, denuncia Alcides.
O desafio para atenuar as dificuldades do acesso à saúde, pondera Alcides, passa por investir cada vez mais na atenção primária. “Essa cobertura tem que aumentar consideravelmente, e as equipes não podem ficar sendo gerenciadas pela lógica da iniciativa privada, de terceiros”.
Ao ser questionado se sentiu medo durante a pandemia, Tutti reconhece: “o medo, ele sempre tá com a gente, né? Eu pelo menos tenho. [Ao] sair para trabalhar a gente já sai pensando, ‘será que vai voltar?’ Ninguém sabe”. Léster completa: “Na pandemia, uma coisa que eu aprendi foi a trabalhar os meus medos, na verdade, porque todo dia era um desafio”.
Hoje, já sem a necessidade de usar máscara, os Bocas seguem cobrando pelo acesso à saúde, educação, moradia e cultura. Eles acabam de lançar sua campanha de financiamento coletivo, para que essa história que já dura 22 anos continue.
Conhecida no cenário cultural, principalmente na zona sul de São Paulo, como a Suzi do Sarau do Binho ou da Felizs, para quem convive com ela de perto, Suzi Soares, 57, é conhecida também por ser uma boa cozinheira. “Eu tenho essa preocupação de estar alimentando as pessoas”, comenta a produtora ao contar que herdou esse hábito dos pais.
Suzi é produtora cultural e co-fundadora, junto com seu companheiro Binho, do Sarau do Binho. O coletivo literário foi um dos primeiros movimentos culturais do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, e existe oficialmente desde 2004. Território que faz parte da história do sarau e também da Suzi.
“Eu nasci, cresci eestudei aqui [Campo Limpo]. A gente já fez sarau na escola onde eu estudei, eu e o Binho estudamos na mesma escola. A gente se conhece há 40 anos [e desde então] a gente está junto“
Suzi Soares, moradora do Campo Limpo, produtora cultural e cofundadora do Sarau do Binho.
Suzi e Binho, na Praça do campo Limpo com o grupo Candearte. (foto Sheila Signário)
As primeiras articulações em que Suzi passou a atuar começaram em 1993, ano no qual ela e o companheiro Binho montaram o primeiro bar, que funcionou por 10 anos, em frente à Escola Presidente Kennedy, onde os dois estudavam, no bairro Vila Pirajussara, distrito do Campo Limpo, São Paulo.
Depois, eles abriram outro bar, no bairro Jd. Campo Limpo, também no Campo Limpo. “Ficamos ali mais nove anos, e a gente começou a fazer o sarau. Começamos esse movimento na zona sul, conhecemos muita gente da literatura e de outras artes através do bar”, conta Suzi.
“O bar não tinha nome, mas como o Binho era a pessoa do bar, ficou o Bar do Binho, aí por ser o bar do Binho, ficou Sarau do Binho”, relata Suzi sobre a criação do nome do coletivo que tem origem da época em que realizavam atividades no bar. Desde 2012, o Sarau do Binho acontece sempre às segundas-feiras, na segunda semana do mês, no espaço Clariô, em Taboão da Serra.
Suzi com a equipe do Sarau do Binho, durante a Felizs de 2022, no espaço Clariô (foto: Viviane Lima)
Mesmo sendo uma das responsáveis pela construção do sarau, que se tornou inspiração no cenário da literatura, Suzi não se identificava como uma referência.“Quando o sarau começou a ficar um pouco conhecido, às vezes as pessoas queriam me entrevistar, e eu sempre passava para o Binho, né!? Não considerava o meu lugar de fala”, menciona Suzi.
“De um tempo para cá algumas pessoas têm falado isso: Sarau do Binho, Sarau da Suzi. Eu passei a tomar a frente também, porque quando algumas pessoas me ligavam para saber do Sarau, às vezes o Binho não podia atender. Então, as pessoas acabam vindo falar comigo. Aí eu pensei: ‘isso tudo que você está perguntando eu sei, porque que eu não vou responder, né?’. E aí eu comecei a protagonizar um pouco mais.”
Antes de ser produtora cultural, Suzi trabalhou 20 anos como cozinheira e também já foi professora de inglês na rede estadual de São Paulo.
Foi com o fechamento do segundo bar, em 2010, que Suzi passou a se reconhecer como produtora cultural. “Quando o bar fechou eu tive que me mexer para ganhar algum dinheiro, porque a gente não tinha outra fonte de renda. Então, a partir disso eu me tornei uma produtora cultural. Não fiz cursos, fui aprendendo na raça, mal sabia mexer no computador. Eu tive que aprender por necessidade”, conta.
Ela menciona que a rede de profissionais que trabalham com arte e cultura, que se formou através dos encontros que aconteciam no bar, foi fundamental no desenvolvimento de sua profissão como produtora cultural. Suzi também conta que as dificuldades para viver de arte na periferia, era e ainda é uma questão para grande parte dos artistas.
“Eu via que as pessoas que frequentavam o sarau não conseguiam vender os seus trabalhos. Não conseguiam chegar nos espaços culturais e serem remunerados. Não conseguiam acessar os editais. A gente não tinha muito acesso a essas informações. Eu acho importante que o sarau conectou pessoas que foram trocando informações para que conseguissem chegar nesses lugares”, comenta Suzi sobre algumas das conquistas nesses anos de coletividade.
Entre as conquistas, nesses anos de vivência e atuação no cenário cultural, está a articulação com novas gerações que passam a atuar no meio cultural, principalmente entre mulheres.
“A Nicole estudava numa escola que a gente fazia sarau. Hoje, ela trabalha com a gente na produção da Felizs. E as meninas das escolas [em que nos apresentamos] são tietes da Nicole”, comenta Suzi com um exemplo de jovens que passaram a vivenciar o cenário cultural a partir do encontro com o Sarau do Binho.
Suzi também aponta que a participação de mulheres em saraus cresceu nos últimos anos, apesar de ainda não haver uma equivalência. “É importante ter as mulheres [em saraus], principalmente essas meninas mais novas, para tentar influenciar positivamente as outras”, destaca.
Suzi não se considera uma artista, mas gosta de fazer trabalhos manuais em seu tempo livre. (foto: arquivo pessoal)
Sobre os planos atuais e futuros, Suzi conta que deseja ter mais tempo livre para aproveitar a vida, viajar, cozinhar, cuidar de suas plantas, fazer e presentear pessoas com cachecóis, que é o que ela gosta de fazer. Profissionalmente, a meta é manter a qualidade dos projetos que já realiza.
Entre esses projetos está a Feira Literária da Zona Sul (Felizs), realizada pelo Sarau do Binho, que, em 2023, acontecerá entre os dias 18 a 23 de setembro. Este ano a temática da feira é Arte, Educação, Travessias e Outras Margens. “A gente vai homenagear duas mulheres educadoras aqui do nosso território que é a Solange Amorim e a Marilu Cardoso”, conta Suzi.
Suzi durante a Felizs de 2022, na Praça do Campo Limpo (foto: arquivo pessoal)
Durante a Felizs o coletivo circula em espaços culturais e educacionais com atividades, conversas, encontros com autores, contação de histórias e encerra com um evento na Praça do Campo Limpo. “Um evento grande com shows, espetáculos e venda de livros”, finaliza Suzi, deixando o convite para a próxima Felizs.
Entre os dias 18 e 23 de setembro, São Paulo receberá a 9ª edição da Feira Literária da Zona Sul (FELIZS). As atividades serão realizadas em espaços educacionais e culturais nas regiões de Campo Limpo, Jardim São Luís e Capão Redondo. A entrada é gratuita. Este ano, o evento tem como tema “Arte e educação – travessias e outras margens”.
“Nosso objetivo é evidenciar a potência do encontro entre expressões artísticas e a educação escolar, para além da visão tradicional de formação de público. Reconhecer as subjetividades que estão lá, no cotidiano, pode ser uma via para transformar a escola em lugar de encontro com a diversidade ”
Thania Rocha, atriz, terapeuta e integrante da produção da FELIZS.
Feira Literária da Zona Sul na Praça do Campo Limpo. Foto: Will/Setembro 2022.
Entre os princípios que a feira pretende debater, está a necessidade de as escolas e outros espaços educativos periféricos abrirem portões e quebrarem muros (literal ou metaforicamente) para seu entorno, e considerar os fazedores de cultura como parceiros e aliados na promoção de uma escuta dos sujeitos que lá estão presentes. “Isso envolve conhecer o território e suas expressões, investigar as mestras e mestres presentes na comunidade escolar, incentivar as manifestações de crianças, jovens e adultos e posicionar-se contra o racismo, o machismo, a LGBTQIA+fobia e outras opressões estruturais que aparecem na escola por estarem difundidas na sociedade”, ressalta Thania.
Feira Literária da Zona Sul na Praça do Campo Limpo. Foto: Will/Setembro 2022.
Entre os destaques da programação está a feira literária que reunirá mais de 60 editoras independentes de todo o Brasil no dia 23 de setembro, na Praça do Campo Limpo, em um dia com várias atrações para todos os públicos, da música ao teatro, distribuição e troca de livros, e participação das escolas.
As escolas que levarem seus estudantes à Praça receberão a “moeda literária”, um crédito para que os alunos comprem livros dos autores que estarão na Feira. Além disso, as atrações da FELIZS acontecerão durante toda a semana, em espaços culturais e educacionais, como escolas, Centros de Educação Infantil, bibliotecas comunitárias etc. A expectativa da organização é receber um público de 10 mil pessoas durante a semana.
Em sua 9ª edição, a FELIZS é uma das feiras pioneiras na valorização de autores da periferia. Para Silvia Tavares, que integra a equipe de produção e também é educadora na Zona Sul, a aposta nas linguagens artísticas, e especialmente na literatura periférica, acena com a possibilidade de transformação do currículo escolar em direção à consideração da diversidade.
“Quando começamos a trazer os saraus, slams e literaturas periféricas para as vivências com crianças e jovens, vemos os cabelos mais livres, os corpos mais altivos e o interesse por leitura e escrita se torna voraz, pois é da vida delas e deles que passamos a falar. Isso provoca inclusive os educadores e educadoras a também terem contato com a expressão poética, e muda a qualidade da experiência de ser educador/a”.
Silvia Tavares, produtora da feira e educadora na Zona Sul
“Mulheragem” homenagem às educadoras Marilu Cardoso e Solange Amorim
Marilu Carsoso e Solange Amorim. Foto: Arquivo Pessoal
Este ano, a FELIZS irá homenagear duas personalidades da Zona Sul, as educadoras Marilu Cardoso e Solange Amorim. As educadoras farão parte de um mini-documentário sobre suas vidas e conduzirão uma conversa literária no encerramento da Feira, na Praça do Campo Limpo, dia 23 de setembro.
A Feira contará ainda com a participação de educadores em todas as conversas literárias e de convidados como o ativista e influenciador digital Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, falando sobre arte e saúde mental na educação no SESC Campo Limpo (dia 19, às 19h).
Outros temas, como a linguagem poética, a pedagogia dos saraus e slams e a literatura para bebês e crianças farão parte do roteiro temático da semana, com a presença de autores e projetos premiados em eventos como o Prêmio Jabuti e Prêmio Paulo Freire. No dia 22, a líder guarani Jerá e o pesquisador e professor Salloma Salomão debaterão no CEU Feitiço da Vila o papel da arte periférica nos vinte anos da lei que instituiu o ensino de história e cultura africana, afrobrasileira e indígena no currículo.
Nesta quinta-feira (14), estreia a segunda temporada do programa de entrevistas, Desenrola Aí, no canal de YouTube do Desenrola e Não Me Enrola Desta vez. O programa irá abordar o tema: ‘Descontruir Tabus: corpo e sexualidade’. No primeiro episódio, a entrevistada da vez é a antropóloga, Simony dos Anjos, que explica sobre os tabus da descriminalização do aborto, um tema polêmico que envolve política, religião, e interfere diretamente nos direitos à saúde, corpo e bem estar das mulheres.
No Brasil, uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já abortaram, é o que aponta a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2021. Na última terça-feira, 12 de setembro, a Ministra e Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, liberou para julgamento a ação que propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Embora a liberação do caso tenha sido encaminhada para análise, a data do julgamento não foi determinada. Vale ressaltar que Rosa Weber, relatora do caso, está prestes a se aposentar este mês, ao completar 75 anos, o que adiciona maior atenção a este debate em andamento.
“Para que o Congresso Nacional vai comprar uma pauta que é polêmica e se indispor com os líderes religiosos que são capazes de influenciar grandemente a vida das pessoas? Então, essa relação: religião, política e aborto tem muito a ver com o nosso sistema econômico”
analisa a antropóloga, Simony dos Anjos.
Para a antropóloga, Simony dos Anjos, a questão do aborto é uma pauta econômica e política que mexe com o tabu religioso e com o controle do corpo da mulher numa sociedade extremamente machista. Este cenário, por sua vez, impõe riscos à vida das mulheres, particularmente às mulheres negras, que, em sua maioria, enfrentam desafios financeiros que as tornam mais propensas a recorrer a abortos inseguros. Essa realidade contrapõe com a realidade das mulheres ricas, que têm maior acesso a serviços seguros de interrupção da gravidez, agravando ainda mais as ameaças à saúde e à vida das mulheres.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade.
O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens
Manaus (AM) – Na comunidade Waikiru, onde vivem 150 pessoas do povo Sateré-Mawé, em um bairro da zona oeste de Manaus, todos foram contaminados pelo coronavírus durante a pandemia da Covid-19. A doença rapidamente se espalhou no local. Em resposta, como bilhões de outras pessoas amedrontadas pelo medo da morte, eles também optaram pelo isolamento. Foi nesse momento crítico que decidiram resgatar antigos conhecimentos medicinais ancestrais. Banhos de plantas da floresta e infusões de chás ajudaram a amenizar os sintomas da doença. Mas um mal maior, muito mais conhecido e devastador, chegou de forma implacável: a crise econômica. A comunidade cuja principal fonte de renda é a venda de artesanato e trabalhos informais teria enfrentado a fome não fossem as doações de alimentos vindas de organizações indígenas e de igrejas.
Waikiru é uma das mais de 50 comunidades indígenas localizadas em Manaus. Ela também é uma das mais antigas. Foi fundada na década de 1980 por Nândia Sateré, quando ela veio da Terra Indígena Andirá Marau, território originário dos Sateré-Mawé, localizado nos municípios de Barreirinha, Maués e Parintins, no Amazonas. Nândia voltou a morar na sua aldeia, em Maués, mas suas filhas decidiram permanecer em Manaus. Hoje, a comunidade é liderada por uma mulher, a cacica Geane Maria da Silva.
Leiliane Maria Sateré, professora da comunidade, é filha de Nândia e irmã da cacica Geane. Ela lembra do exato instante em que a Waikiru decidiu se fechar. Era abril de 2020, e as notícias da capital do Amazonas em calamidade pública repercutiam no mundo. Mas, naqueles primeiros meses da pandemia, as informações batiam de frente com a desinformação generalizada.
“Quando soubemos dessa doença, a gente não se assustou no primeiro momento. Foi mais como lidar com o desconhecido. A gente foi abrir os olhos quando viu que Manaus estava naquele desespero, naquela calamidade. Então, a comunidade se fechou. Na época, tinha muitos fakenews. Diziam que no Amazonas não ia chegar porque gripe só gosta de frio, essas coisas. Pelo contrário, depois vimos que Manaus foi a mais afetada”,
Leiliane Maria Sateré, professora da comunidade indígena Waikiru
Leiliane Maria Sateré, na Comunidade indígena Waikiru, no bairro Redenção, zona centro-oeste de Manaus. Onde vivem o povo Sarteré-Mawé (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).
Segundo mapeamento feito pela Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Manaus tem 66 aldeias, sendo 54 delas de contexto urbano e 12 à margem dos rios que cercam a capital amazonense; entre eles, o rio Negro, o rio Cuieiras e o rio Tarumã-Açu. É um mapeamento realizado em campo, durante as visitas das lideranças da Copime em atenção às demandas das populações indígenas.
De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, divulgado em agosto, Manaus possui a maior população indígena do País em contexto urbano: 71 mil pessoas. Antes da divulgação deste número, Marcivana Paiva, também Sateré-Mawé, coordenadora da Copime, já tinha expectativa de que a população chegaria a essa quantidade. Ela atribui o crescimento à conscientização étnica, ancestral e política das pessoas, que passaram se reconhecer e se identificar como indígena pertencente a um povo.
Mesmo com esta população tão expressiva atestada pelo IBGE, os indígenas de Manaus continuam apagados nos registros oficiais dos órgãos públicos do município e do Estado. Não existem documentos sobre quem são, onde vivem, quantos precisam de escolas ou de atendimento à saúde diferenciada. A subnotificação ocorre em todas as esferas.
Insegurança alimentar
Durante a pandemia da Covid-19, mesmo com a vulnerabilidade histórica dos povos originários e altas taxas de infecção e de mortalidade, Manaus, a cidade que colapsou e viveu sucessivas tragédias sanitárias, não documentou quantos indígenas foram contaminados, quantos morreram, quantos foram hospitalizados ou vacinados. Mura, Sateré-Mawé, Kokama, Apurinã, Tikuna, Tukano, Baré, entre outros povos que vivem na capital amazonense, tiveram seus dados de imunização pulverizados em “população em geral”, conforme a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), em resposta à reportagem.
No primeiro ano da pandemia, os indígenas de Manaus não tiveram acesso às alas de hospitais de campanha criadas pelo governo do Amazonas abertas aos povos indígenas. A alegação: o setor ficou restrito aos chamados “aldeados”, isto é, apenas aos que moravam em territórios indígenas e não na capital. Os que moravam Manaus encontraram dificuldade de se identificar como indígenas nos cadastros nos hospitais. Os funcionários insistiam em chamá-los de “pardos”.
Também em 2020 veio o temor da saúde se agravar devido a outras doenças e junto à constatação de que não bastava ser indígena para ter acesso a atendimento de saúde diferenciado.
“Foi um tempo de muitas negações de direitos. O hospital de campanha instalado em Manaus, que foi discutido em um Grupo de Trabalho e resultado de um pacto entre os entes federativos, foi fechado para nós da cidade”
Marcivana Paiva, também Sateré-Mawé, coordenadora da Copime
Marcivana Sateré-Mawé, a primeira mulher a assumir a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus (Copime) (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Naquele período, tem-se o registro da internação de apenas uma indígena da cidade de Manaus, Terezinha Ferreira de Souza, também do povo Sateré-Mawé, moradora de uma comunidade à margem do rio Tarumã-Açu. Mas isso ocorreu apenas porque houve uma grande manifestação do lado de fora do hospital, durante da pandemia. “Muitos parentes iam ao hospital e eram mandados de volta para casa. Muitos morriam em casa. Outros não eram compreendidos por causa da dificuldade de falar português. Não houve entendimento da gravidade dessa situação pelas autoridades de saúde”, diz Marcivana.
A Covid-19 também levou insegurança alimentar às comunidades, com aumento inesperado de desemprego, fim das atividades de turismo (uma das principais fontes de renda) e impossibilidade de realizar pesca e caça para a alimentação. O agravamento da situação dos indígenas obrigou a Copime a acionar uma rede de apoio que resultou em fundos destinados para a compra de cestas básicas e medicamentos.
“A gente ia nas comunidades, mas era um perigo. Ficamos muito expostos. Havia realmente o medo de sermos infectados, o que acabou acontecendo com todos nós. A gente pensava: ‘Vamos morrer lutando’. Mas conseguimos levar mais de 7 mil cestas básicas, com apoio da Igreja Católica, de organizações com projetos emergenciais, com parceiros de fora”, lembra Marcivana.
“O que era interessante é que os parentes pediam nas cestas sempre limão e alho. Eles queriam isso para fazer os chás junto com outras plantas. Nós, Sateré, tomamos muito banho de mucuracaá, de cipó alho. Naquele momento dramático de nossa história, resgatamos nosso conhecimento e aceitar que ele faz parte de nós”, diz.
Na comunidade Waikiru, enquanto serve o almoço do pai Marcos Lima, de 94 anos, com um peixe com caldo e farinha, Anita Lima lembra do período mais dramático na comunidade e diz que foi o conhecimento da medicina tradicional que ajudou a amenizar os sintomas. “Aqui em casa, todos pegaram. Mas usamos muitos remédios caseiros, muitos banhos com folhas. Meu pai, mesmo com essa idade, não ficou grave”, diz ela.
Vanda Ortega Witoto, durante atendimento na Unidade de Saúde feita pela própria comunidade do Parque das Tribos. Na foto, com agentes da Semsa (Foto: Fernando Crispim/La Xunga/Amazônia Real/2021).
Imunização excludente
No início de 2021, ainda sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando o governo federal iniciou a campanha de vacinação contra a Covid-19, os indígenas de Manaus tiveram uma nova experiência de exclusão. Eles não faziam parte dos grupos prioritários do Plano Nacional de Vacinação. Foi preciso iniciar outra batalha. As lideranças indígenas foram ao Ministério Público Federal no Amazonas. Uma decisão judicial, que veio em junho daquele ano, determinou que os indígenas de contexto urbano deveriam ser considerados prioritários. Na ocasião, a maioria dos indígenas já havia sido vacinada com a primeira dose, em outros grupos prioritários, como por idade e comorbidades.
“A gente dizia: ‘Olha, estamos aqui’. Quando estávamos brigando por vacina, as autoridades pediram que embasássemos nossas demandas com dados. Mas como vamos falar de indígenas da cidade se sempre fomos invisibilizados? Quais os dados? Nenhum”, relembra Marcivana.
Para ingressar com uma ação judicial e cobrar das autoridades do município, a Copime atualizou em fevereiro de 2021 seu mapeamento, e solicitou no primeiro momento 20 mil doses para indígenas da cidade. “Não tinha dados oficiais. De onde vamos tirar informação? As 20 mil doses foi um número que conseguimos identificar naquele momento, a partir das nossas informações. Foi difícil porque as comunidades estavam desarticuladas, muitas continuavam reclusas, com dificuldades financeiras. Depois, conseguimos uma recomendação legal do MPF, mas a morosidade é terrível”, lembra a coordenadora.
Segundo Marcivana, apesar de a Justiça Federal do Amazonas mandar o Estado brasileiro vacinar todos os indígenas apenas em junho de 2021, quando a maioria já estava ao menos imunizada com a primeira dose, a decisão continuou necessária e importante porque, a partir dali, ele serviria como referência para outras demandas.
“A decisão respalda a nossa luta. Ela garante e reconhece os direitos dos indígenas. A cidade não é isolada das nossas aldeias. Há uma grande quantidade de famílias em Manaus que recebem seus parentes de todo o Amazonas, das aldeias, para tratamento. São pequenas casas e malocas que recebem um grande contingente de pessoas doentes”, diz.
Todos queriam a vacina
Moy Sateré é uma liderança histórica. Ela pertence a uma família de mulheres Sateré-Mawé, que foram pioneiras do movimento no Amazonas; é neta da matriarca Tereza Ferreira, filha de Kutera e sobrinha de Baku e Zenilda, duas das lideranças indígenas de maior relevância na Amazônia. Ambas já são falecidas. Em junho de 2020, Moy liderou um protesto na frente do Hospital Nilton Lins para que uma de suas primas, Terezinha, fosse internada em um dos leitos destinados aos indígenas.
Mobilizações como esta e muita pressão à atenção à saúde do município fizeram com que a comunidade Wairiku passasse a receber atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) próximo da comunidade. “Na cidade a gente vive a nossa cultura. Na época da vacinação, tivemos que pressionar, chamar o MPF, chamar atenção da mídia. Dizer que os indígenas de todo território brasileiro, incluindo os que estão na cidade, precisavam ser imunizados imediatamente. Nós fizemos uma mobilização própria e a UBS Santos Dumont passou a nos atender”, lembra Moy.
Por causa da necessidade de isolamento, de restrições de transporte e circulação, a comunidade se viu sem sustento e convivia com notícias permanentes de casos de óbitos. “Não morreram parentes na nossa comunidade, mas perdemos em outras. Somos artesãs, fazemos colares, pulseiras, brincos. Muitas sementes que recebemos são mandadas por outros parentes e muitos morreram”, conta Moy.
Filha de Moy e também liderança Sateré-Mawé, Inara Waty conta que as muitas negativas de atendimento aos indígenas nas unidades de saúde de Manaus serviram para mostrar a falta de transparência estatística dos grupos indígenas na pandemia.
“Fizeram um hospital para internar os indígenas, mas foi apenas marketing. Não receberam os que estavam na cidade. Se tinha hospital para atender, por que não nos atenderam? A vacina foi outra luta. Todo mundo queria se vacinar. Foi a segunda porrada que recebemos. Diziam que só os indígenas aldeados. A gente fica incrédula, porque diziam ‘os povos indígenas serão vacinados logo’. E a gente se inclui como indígena”, afirma Inara Waty, que é acadêmica de Geografia pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA).
Prefeitura não tem informações
Frequentemente, a Prefeitura de Manaus divulga vários informes institucionais (como este) falando das ações de atenção à saúde dos indígenas da cidade de combate à Covid-19 e outros atendimentos: testagem, atendimento e vacinas. No entanto, os dados essenciais para compreender a realidade e o impacto da doença nas comunidades inexistem. A Amazônia Real procurou a Semsa e o órgão enviou dados de imunização registrados pelo Distrito Especial Sanitário Indígena (Dsei) de Manaus, que atende 19 municípios, apenas a “indígenas aldeados”. No Amazonas, existem cinco Dseis, entre os 34 vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em todo o País, do Ministério da Saúde.
“A população de indígenas aldeados assistidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Manaus (Dsei) é de 538 pessoas. É importante salientar que os indígenas no contexto urbano são registrados como população em geral”, disse a Semsa, sem especificar onde vivem essas 538 pessoas “aldeadas”. Segundo o órgão municipal, a cobertura vacinal desse universo é de 84,8% para dose 1, 92,9 para dose 2 e 65,4% para dose de reforço.
No Vacinômetro Covid-19 Amazonas, do governo do Estado, não existem dados sobre indígenas de contexto urbano, incluindo a capital Manaus. No Vacinômetro da Sesai/Ministério da Saúde, o Dsei Manaus registra uma população de 29.124 pessoas. Destas, 97% tomaram a primeira dose e única, 91% a segunda dose e única. Esses dados, contudo, não se referem a indígenas que estão no contexto urbano.
Para Marcivana Paiva, a falta de documentação sobre o quadro de saúde dos indígenas impede a criação e instituição públicas para as comunidades indígenas de contexto urbano não apenas de Manaus, mas de todo o país.
Preconceito e racismo
Um estudo da organização Oxfam Brasil sobre a desigualdade da cobertura vacinal afirma que, durante a pandemia, ocorreu a invisibilização de grupos raciais. Como consequência, essa condição de vulnerabilidade não foi levada em conta na criação de políticas públicas. “Os efeitos do racismo estrutural e institucional comprometem a análise da desigualdade racial no acesso à vacina contra a Covid-19, tendo reflexos na investigação do impacto da vacinação entre pessoas racializadas, devido à baixa qualidade de informação.”
“A desigualdade no acesso e uso das vacinas contra a Covid-19, talvez seja a mais clara sinalização sobre o desprezo pela vida em escala planetária, em especial de pessoas e regiões menos desenvolvidas”, diz o estudo. O relatório da Oxfam é a prova da subnotificação e do apagamento de populações marginalizadas socialmente, como indígenas, quilombolas ou moradores de rua. O levantamento mostra apenas dados estaduais, por falta de dados mais específicos e por município.
O epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz Amazônia e referência em estudos sobre a pandemia da Covid-19, lembra que as subnotificações resultam em falta de dados. Isso pode ser observado no relatório da Oxfam sobre a desigualdade na cobertura vacinal.
“Mesmo se a equipe de pesquisa tivesse fôlego para avaliar dados na escala municipal ou até de subgrupos específicos como indígenas em contexto urbano ou ribeirinhos, essa análise seria desafiadora, pois as bases de dados sobre vacinação ou não permitem esse tipo de análise ou eventual análise dessa natureza seria temerária, devido à baixa completude e, principalmente, qualidade desses dados”, diz o pesquisador.
Para Orellana, essa lacuna é “outro legado da má gestão da epidemia no Brasil, um retrocesso em nossas coberturas vacinais e na qualidade do dado gerado, deixando subgrupos importantes da população, como indígenas vivendo em cidades, imigrantes, moradores de rua ou ribeirinhos, na mais velada invisibilidade”. Isso aconteceu, diz Orellana, pela exclusão dos mesmos do processo de vacinação ou até mesmo por sua tardia inclusão, sem qualquer consideração bioética e humanitária.
A população indígena, historicamente, sofre com várias doenças preexistentes e transmissíveis trazidas pelo invasor europeu, como malária e tuberculose. Também possuem comorbidades causadas pela imposição dos hábitos da colonização, como diabetes.
No interior do Amazonas, as terras indígenas não têm acesso à atenção à saúde, tanto que muitos precisaram ser transferidos para Manaus durante a pandemia; mas os casos de mortes nas aldeias até hoje são incalculáveis devido à subnotificação.
Em Manaus, a Covid-19 fez vítimas proeminentes, como o escritor e agente de saúde Aldevan Baniwa, o líder Eli Macuxi e o vice-cacique Aldenor Tikuna, que foi enterrado em uma vala comum. “Tudo nos foi negado. Foi negação nas unidades de saúde, negação no direito à vacina. Se houver uma próxima pandemia, ou mesmo em outras situações de saúde, temos que ter direito à imunização. Mas não só isso. Que deixemos de ser invisíveis. Nesta pandemia, até hoje não sabemos quantos, de fato, morreram em Manaus. Temos os nomes de 37 pessoas, mas sabemos que foram muito mais de 100. Só não foi mais por causa da nossa medicina tradicional”, diz Marcivana Paiva.
Confira a vídeorreportagem completa produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, durante as atividades do Circo de Québra no dia, 2, de setembro, no Jardim São Luis, zona Sul de São Paulo.
Há sete anos, a iniciativa do Circo de Québra promove brincadeiras e oficinas de arte circense para dialogar sobre a ocupação de espaços públicos e a importância da arte no dia a dia dos territórios periféricos.