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Sou mãe, mas não só.

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Ser mãe e continuar sonhando, mesmo com as demandas da maternidade, é uma resistência diária. Na quebrada, onde as políticas públicas muitas vezes não chegam, há pouquíssima rede de apoio, mulheres enfrentam batalhas que vão muito além de alimentar, educar e proteger seus filhos. 

Elas lutam também para não desaparecer dentro do papel da maternidade. São mulheres que sonham em estudar, empreender, dançar, cantar, fazer atividades físicas, escrever, criar e ocupar espaços. Isso é uma sobrevivência emocional, porque ninguém deveria abrir mão de si mesma para ser uma boa mãe.

Para além de serem mães, são elas que constroem diariamente uma economia que gera um futuro melhor para seus filhos. São essas mulheres que lideram iniciativas que contribuem para a evolução de uma comunidade. 

Quantas mulheres você conhece que superaram fases tão difíceis na maternidade? 

Aposto que ao menos dois nomes surgiram na sua cabeça. De fato, depois da maternidade muita coisa muda, e a pergunta que fica não é quem você era antes do seu filho, mas sim, quem você pode ser agora, também sendo mãe.

Faço dessas minhas palavras uma forma de abraçá-las. Lembrar de que ser mãe é parte da identidade de muitas mulheres, mas não o todo. Que elas tenham o direito de ter vontades, metas e descanso. 

A quebrada floresce quando essas mulheres podem existir por inteiro. Resistir, insistir e construir um futuro onde caibam todos os seus sonhos.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Mais de 1 milhão de histórias: os números e impactos da Lei de Cotas

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A Lei de Cotas 12.711/12 é uma política pública fundamental para a equidade social de segmentos minoritários da sociedade. Criada e implementada em 2012, a legislação define a reserva de um percentual de vagas em universidades públicas e institutos federais de educação para estudantes de escolas públicas, negros, indígenas e pessoas com deficiência. A fim de reparar os danos causados por anos de escravidão no Brasil, como a desigualdade racial e social e o racismo estrutural que atinge diretamente pessoas negras e indígenas.

Confira o resultado dessa conversa no quarto episódio da quarta temporada do Desenrola Aí


O impacto positivo da Lei de Cotas vai além da reserva de vagas. Ela representa um reconhecimento do Estado de que a sociedade brasileira é marcada pela falta da garantia de direitos para esses grupos. Além de promover a diversidade em contribuição acadêmica como na pesquisa, na tecnologia e nas mais variadas profissões antes elitizadas e embranquecidas.  Desde a criação, mais de 1 milhão e 100 mil estudantes ingressaram no ensino superior por meio da Lei de Cotas. 

Especialista em Direitos Humanos, Alessandra Garcia já participou de bancas de heteroidentificação na USP. Foto: Geovanna Santana.

Alessandra Garcia Nogueira Lúcio é advogada, especialista em Direitos Humanos, relações raciais e práticas antidiscriminatórias e é a entrevistada do 4 episódio do Desenrola Aí. Para ela, a Lei de Cotas ajuda a romper o ciclo de pobreza e exclusão que afeta essas comunidades. Garcia elenca algumas mudanças que ainda são necessárias para que essa Política seja mais abrangente, como, por exemplo, a criação de políticas de permanência e a inclusão de pessoas trans como público-alvo da legislação.

Em 2023, a Lei de Cotas passou por atualizações, os cotistas passam a ter  prioridade no recebimento do auxílio-estudantil, estudantes de famílias que recebem um salário mínimo podem ingressar via cotas, que passam a valer também para a pós-graduação.

O primeiro país do mundo a adotar um sistema de cotas foi a Índia, na década de 1950, para promover ações afirmativas que integrassem a população, tradicionalmente pertencente às castas excluídas nos sistemas educativos, na administração pública e nos cargos políticos.

No Brasil, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira instituição pública de ensino a adotar um sistema de ações afirmativas, em 2003. A primeira instituição pública federal a adotar um sistema de cotas foi a Universidade de Brasília (UnB), em 2004.

Lei de Cotas tem sido um divisor de águas para muitos jovens negros e periféricos que antes não tinham acesso à educação superior – a taxa de permanência e de conclusão do curso entre cotistas chega a ser 10% superior à taxa de estudantes que ingressam pela ampla concorrência, assim como têm desempenho acadêmico igual ou superior ao mesmo grupo, o que contrapõe a máxima de que quem ingressa pelo sistema de Cotas retira a vaga de outro estudante da chamada regular. 

Saberes da Mata: editora evidencia diversidade de conhecimento dos povos indígenas

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Fomentar a diversidade de saberes ancestrais dos povos indígenas é um dos objetivos da Editora Saberes da Mata. Criada pela educadora Martha de Lima, a editora surgiu do desejo de romper com a lógica dominante que reduz intelectualidade aos padrões ocidentais. 

A iniciativa, que surgiu em 2018, também tem como propósito descolonizar o conhecimento, é o que conta a educadora. “Precisamos regenerar a história e trazer uma nova forma de entender os padrões linguísticos, porque ignorar os conhecimentos dos povos indígenas também é uma forma de depreciação da nossa cultura.”

Escritora, pedagoga, pesquisadora e radialista, Martha, fundadora da Saberes da Mata é nascida e criada em Manaus, no Estado do Amazonas, mas migrou para o sul do país, onde vive atualmente, em Florianópolis, Santa Catarina. Martha, que aponta estar em retomada, conta que seu pai é de Rondônia e a mãe do Rio Grande do Norte, ambos têm raízes indígenas. 

“Estamos em um momento de retomada, pois até então todo mundo dizia que povos indígenas tinham só oralidade, mas não, tudo é linguagem: signos, grafismos, pintura corporal. O mundo branco entende que literatura são apenas letras.” Martha de Lima, fundadora da editora Saberes da Mata.

A editora já publicou quatro livros, são eles: “Contos da Vovó Marta”, escrito pela educadora; “Imuê’en: Por um estar no mundo originário”, escrito por Porakê Munduruku; a coletânea “O Ressoar das Vozes”, de Ariane Landa, Elias de Lima, Escaley Alves Gisely, Moura Argôlo, Jade Bustos, Julia Schardong Veiga, Letícia Couto, Maria Eduarda Corrêa, Martha de Lima, Thayssa Rodrigues e Saile Moura, que reúne contos e retomadas de memórias ancestrais. E também “Oboré: Quando a terra fala”, assinado por Martha Batista de Lima, Célia Xacriabá, Hugo Fulni-ô, Kaká Werá, Daiara Tukano, Walderes Cocta Priprá, Joziléia Kaingang e Kerexu Yxapyry.

A partir da editora, Martha circula por espaços educacionais, feiras e eventos culturais, onde leva as obras e promove contação de histórias, aproximando adultos e crianças da história indígena.

Os livros podem ser adquiridos em contato direto com Martha nas redes sociais da editora.

Para a educadora, a maneira de ver o mundo, de aprender com ele e com a vida passa por muitos caminhos e não pode se limitar às formas tradicionalmente estabelecidas. Ela reforça que os povos indígenas possuem conhecimentos que possibilitam a construção de imaginários de emancipação, através, principalmente, da valorização dos territórios e das relações humanas.

Martha ressalta que a literatura vai além de escrever livros, que trata-se de construir um pensamento contracolonial de existência. Ela também pontua que as dificuldades que editoras independentes enfrentam diariamente para sobreviver já escancara as contradições e limitações do academismo, que frequentemente invisibiliza os saberes e vozes indígenas. Confira o bate-papo na íntegra.

Desenrola e Não Me Enrola: Como nasceu a Editora Saberes da Mata?

Martha de Lima: Nasceu da necessidade. Eu não sabia nada, fui aprendendo fazendo, errando, acertando. Começou quando participei como mediadora do 3º Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, em 2020-2021. Daí nasceu o livro Oboré. Fiz mil cópias, saí vendendo pelo mundo. Foi nesse caminho que me reconheci como mulher indígena, originária do bioma amazônico.

O selo Saberes da Mata nasceu de um grupo de leitura do Oboré. Depois veio a obra “O Ressoar das Vozes”. Quando procuramos editoras para publicar, elas queriam mudar tudo: capa, revisor, até autor. Aí eu disse não. Foi aí que nasceu a editora. 

Eu nem sabia o que era ter um selo independente, mas fui lá, criei nome, fiz logo, abri MEI e coloquei como editora, depois de três pessoas me incentivarem a começar. 

No trabalho, opto por selecionar revisores que conhecem da cultura indígena, senão acabam por corrigir o que não é erro. Tenho alguém que trabalha com aquarela digital e já me entrega a capa diagramada. Agora busco alguém que traduza para o Guarani. 

De modo geral, a editora sou eu. Crio, vendo, envio, carrego as caixas no carro, levo nos eventos, etc. Meu marketing é artesanal. Agora, quero investir um pouco mais na divulgação, estou entendendo o melhor caminho.

Além da Editora, como a literatura chegou na sua vida?

A literatura sempre esteve comigo. Cresci em Manaus, criada como mulher parda. Depois vim para o sul e estudei pedagogia. A poesia me chamou nas escolas. Sempre li para os meus filhos, mas foi em 2018, com o Congresso, que entendi que queria escrever com sentido coletivo, para partilhar. 

A minha formação em pedagogia já foi toda voltada para projetos. A gente estudou Paulo Freire, fez trabalhos junto a aldeias indígenas, então meu caminho já foi sendo direcionado para isso. 

Além disso, o meu pai era contador de histórias. Ele teve 6 filhos, costumava se deitar no chão depois do almoço, sábado e domingo, e contava para a gente histórias do Boitata, espíritos defensores da Floresta, histórias de Iara, espíritos das águas, etc. Essas histórias ficaram marcadas em mim. Quando o congresso aconteceu, isso me atravessou com uma força que não consegui conter. Foi ali que aflorou algo em mim e comecei a escrever organicamente, até então não estudei para isso. Depois que o livro estava pronto é que fui me aperfeiçoando.

De 2018 pra cá, quis escrever, publicar pelo ímpeto. Preparei um livreto com três histórias. Assim, quando eu fosse contar, poderia também vender. Mandei revisar e assim a obra aconteceu. Ou seja, não sou aquela pesquisadora acadêmica. Pesquiso para mim. Só agora entendi que aquilo que eu estava fazendo para mim, também serviria para outras pessoas. 

Quando tentei apresentar minha ideia para as editoras tradicionais, foi bem difícil. Não sabiam onde me encaixar. Então, durante o congresso, nasceu o Aboré – o livro pai de todas as coisas. Um dos responsáveis me disse: “Faz você, eu te apoio.” Achei que era a hora. Um congresso mundial, transmitido na internet, com todo mês uma palestra, eu eu pensei: é o momento de começar a falar sobre isso para o mundo. 

As falas durante o Congresso não seriam registradas. Resolvi fazer por conta própria um livreto, como um presente. Algo que quem participou pudesse guardar como referência. Entendi que o que era dito no congresso precisava ficar registrado em algum lugar. 

Você acredita que esse desconhecimento sobre os povos indígenas e a dificuldade de fomentar a literatura indígena diz muito sobre uma visão colonizada que o Brasil ainda tem?

Com certeza. Não quero carregar sozinha toda a responsabilidade, mas penso que estamos em um momento que as pessoas estão vendo uma furada de bolha, inclusive na literatura, então é uma retomada de território, de fala e de poder que ainda não está organizado, pois ninguém sabe quem foi o primeiro escritor indígena. Quem define isso? Não há uma Academia Brasileira Indígena. 

É um caminho solidário e que dá medo, claro, de entrar por um terreno que eu sozinha não dê conta. No modelo colonizado, quem escolhe é um editor. Uma pessoa só. Aqui eu sou essa pessoa. Tentei montar uma banca, mas só encontrei gente branca: antropólogos, historiadores, e eu não quero necessariamente só isso. 

Não tenho ainda escritores indígenas para formar essa banca comigo. Mas quem chancela isso? Quem diz que a autodeclaração é válida? Estamos num momento de transição. Me sinto insegura por muitas vezes, tentando saber o que é coerente com o que mundo, com aquilo que os brancos aceitam, pois o problema não são os indígenas. O problema é com os brancos.

Considerando que, estatisticamente, a população brasileira não tem o hábito de leitura, você percebe que esse cenário se agrava quando falamos da leitura de obras de povos tradicionais? E como essa realidade se entrelaça na região onde você atua, o sul do Brasil?

Aqui no sul, ao mesmo tempo que tem mais acesso à cultura, em razão de maior poder aquisitivo, há mais facilidade na compra de livros, também cresce o academicismo e a retomada indígena dentro das universidades. Isso cria uma necessidade de publicações que citem os povos indígenas e não apenas que citem as pessoas brancas. 

A verdade é que não há grande oferta de autores indígenas nas universidades que sejam, de fato, reconhecidos como autores pelas universidades. No entanto, cataloguei mais de 200 escritores e 390 publicações feitas por pessoas pertencentes a organizações internacionais, estatais ou ONGs, mas que não têm indígenas como protagonistas da produção. 

Muitos livros tem como autor somente um branco, falando sobre vivências indígenas e lucrando com isso.

Andando pelos territórios, como você tem percebido o impacto do trabalho da Saberes da Mata?

Nas aldeias os professores comentam que querem produzir um livro, mas ninguém vai às aldeias para conversar. A ideia de publicar sempre passa pela ideia de ir para São Paulo, mas não é assim. Muitos livros não dialogam com a cosmovisão dos povos indígenas e apresentam só a opção de um livro branco, sem considerar as diversas características culturais.

Reforço que estamos em um momento de retomada, pois até então todo mundo dizia que povos indígenas tinham só oralidade, mas não, tudo é linguagem: signos, grafismos, pintura corporal. O mundo branco entende que literatura são apenas letras.

Precisamos regenerar a história e trazer uma nova forma de entender os padrões linguísticos, porque ignorar os conhecimentos dos povos indígenas também é uma forma de depreciação da nossa cultura. Pensam que a arte é apenas europeia, que língua apenas é inglês, desconsiderando, por exemplo, as 305 etnias que falam 179 idiomas, mas não são valorizadas como uma policonstrução trans-humana, pois o idioma eleito como mais importante é a língua do colonizador.

O que pesa mais: a falta de financiamento para publicar ou a visão estereotipada acerca dos povos tradicionais? E qual o papel do leitor não indígena nessa luta?

Recentemente fiz essa mesma pergunta. Subi em um palco e comecei a falar um pouco sobre o que é o movimento indígena. No final da fala, fiquei pensando: “O que será que eles vão fazer com isso?”. Então devolvi a pergunta para quem estava ali: “Quero saber qual o papel de vocês nesse processo. Como vocês observam tudo isso que estou dizendo? Os povos indígenas já conhecem os temas que abordo. Mas e a população de modo geral? Isso fica no ar: como é que a gente vai construir uma conversa sobre isso?”

Uma pessoa me respondeu que estamos diante de um impasse. Um encontro entre algo muito novo — a literatura indígena — e algo muito antigo — o academicismo. Então digo que o papel é criar um caminho para seguir daqui em diante, a partir de alguns questionamentos: A cultura indígena existe só pela oralidade ou existem outras formas de comunicação que ainda não foram reconhecidas? Quem modifica isso? Somos nós, os povos indígenas, ou são os pesquisadores e acadêmicos não indígenas? Quando a gente finalmente se encontrar nesse ponto de entendimento mútuo, como vamos chamar isso? Que pedagogia é essa? Que argumento novo será esse?

Digo que, na minha visão, estamos vivendo uma crise de paradigma de modelo educacional. Tem pedagogia do encontro, da presença, da escuta, mas e essa, de agora, não há nome. E para que esse encontro aconteça de verdade, precisamos nos reconhecer como sujeitos, vocês – não indígenas, reconhecendo os indígenas como comunicadores, e nós, voltando a confiar em vocês depois de tudo o que nos foi feito historicamente.

O que você espera para o futuro da literatura, da população indígena no Brasil e como se blinda, considerando os ataques em massa à diversidade, aos direitos indígenas, aos direitos humanos e à democracia?

Pensando numa literatura onde possam falar por si mesmas, com autonomia. Fora das aldeias, fico pensando como eu, uma única mulher, posso criar redes, plataformas de comunicação.

Quando o mundo, o conhecimento, a comunicação e os saberes seguem essa lógica do lucro, é porque a engrenagem ainda é a do mercantilismo.

Esse é o desafio: não cair no mercantilismo, não produzir apenas por dinheiro. Minha ideia é manter a reciprocidade com as aldeias. Quando publico um livro, por exemplo, levo a obra para dentro das comunidades e tentamos criar algo juntos, para que também participem, falem, contem suas histórias e escrevam essas histórias.

Adolescência é uma panela de pressão prestes a explodir?

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Eu, que gosto muito de metáforas, resolvi fazer uma comparação entre panelas de pressão e adolescência nesse texto. Justamente porque muitas pessoas gostam de dizer que a adolescência é uma panela de pressão prestes a explodir, mas o que não dizem é como cuidar para que a panela não exploda. 

Então, pensei em dar algumas possibilidades de cuidado com adolescentes que se baseiam nos cuidados com a panela de pressão.

Só para contextualizar: Quando eu era criança (lá pelos 10 ou 11 anos de idade), a panela de pressão da minha casa explodiu, literalmente! 

A telha brasilit que cobria o único cômodo em que minha família e eu morávamos, se estilhaçou em vários pedaços e fez um buracão no teto. Ninguém se machucou, por sorte estávamos perto da porta que dava para o quintal, mas voou comida e telha para todos os lados. 

Desde esse dia, eu passei a ter cuidado e respeito pela potência da panela de pressão. Fui aprendendo a me aproximar dela com respeito e sem duvidar de uma possível explosão. 

Eu não deixei de conviver com a panela de pressão em casa, afinal adoro um feijãozinho fresco e uma carne cozida com legumes.

Ah pois… Assim como panelas de pressão que para se abrir precisam de tempo para chiar e esfriar, adolescentes precisam de espaços para o desabafo. Adolescentes precisam de espaço para reclamar. 

Re-clamar. 

Clamar por escuta, clamar por acolhimento, clamar, clamar e re-clamar… quantas vezes for preciso. É importante termos paciência para dar suporte ao chiado da panela-de-pressão-adolescência. E mesmo com medo da possível explosão, você precisa estar por perto até que a panela esfrie. 

Não precisa ficar em cima do adolescente ou da panela, você pode dar um espacinho, mas não saia e a deixe sozinha (nem a panela, nem a adolescência).

Atenção! Não se pode jogar água no chiado da panela, nem da adolescência, porque o perigo de explosão é alto. É fundamental ficar perto, mas fique perto escutando. Fique ali e escute!

É importante perceber que o chiado diminui com o tempo e se transforma em possibilidades de abertura. A panela se abre quando não há mais pressão interna e externa. A adolescência também é assim: sem pressão e com paciência, é possível se abrir.

Não deixe que o medo da explosão te afaste da convivência com adolescentes. Não deixe que o medo da panela te afaste da possibilidade de uma alimentação saudável.

Tente usar o medo como um parceiro e não um limitador. É difícil fazer feijão quando o medo da panela é maior que o desejo do alimento. É difícil construir uma relação quando o medo da adolescência é maior que o desejo de uma boa convivência.

Sou educadora em sexualidade e uma das coisas que faço é escutar os chiados da adolescência por dias, semanas, meses. E só depois, bem depois, é que adolescentes se abrem para acrescentar novos temperos à vida.

Como diz a canção de Luli e João Ricardo: “Se eu não entender, não vou responder, então escuto… Fala!”.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

“Educar a Niara é me reeducar”, diz Amanda Porto sobre as provocações da maternidade solo

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Nascida e criada no Jardim Novo Santo Amaro, bairro localizado no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, Amanda Porto, 28, busca construir novos imaginários sobre o que é ser uma mãe preta desenrolada, ao lidar com a maternidade não apenas pelo lado das dores, desafios e sacrifícios, mas também através das alegrias, descobertas e reinvenções. Mãe da pequena Niara, de 4 anos, Amanda é profissional da área de relações públicas, e é uma das fundadoras do Coletivo Siriricas.

A comunicadora conta que a descoberta da gestação influenciou diretamente na forma que passou a enxergar o mundo. “Eu era uma pessoa extremamente egocêntrica dentro dos meus relacionamentos. Somente a minha opinião importava. Sempre fui uma pessoa crítica, que pensou muito nos direitos, e isso é até conflitante, pois me importava com a minha vida sempre em primeiro lugar, o que pode ser autoestima para algumas pessoas, mas acho que às vezes ultrapassa para algo doentio, dependendo do quanto você foca em si mesma e para de olhar ao seu redor”, coloca.

Essa mudança de percepção, fez com que a maternidade se tornasse um divisor de águas em sua vida. “Fui jogada ali nos primeiros meses para esquecer completamente quem eu era e passar a me dedicar 100% a uma pessoa que dependia totalmente de mim. Não arrumava mais o cabelo, não tomava banho direito, não fazia mais nada. Era assim: bebê chorando, e peito, peito, peito. Eu nem me reconhecia mais. Daí então vem meu processo de paciência. Tudo era para ontem, se não fosse do meu jeito, não era de jeito nenhum, mas Niara veio me mostrar que a vida não é assim”, afirma Amanda sobre os aprendizados.

“Educar uma criança é um ensinamento diário. Você educa uma criança educando [a si mesmo]”.  

Amanda Porto, uma das fundadoras do Coletivo Siriricas e mãe da Niara de 4 anos.


Quatro anos após a chegada da sua filha, ela relembra os primeiros meses com mais tranquilidade. “Educar a Niara é me reeducar ou me educar pela primeira vez, dependendo da situação que estou vivendo com ela naquele determinado momento. E isso eu tenho feito todos os dias, afinal todo dia é uma novidade para ela e para mim também.”

Criar Niara também expandiu seu olhar sobre o cuidado enquanto mulher e mãe de uma menina negra. “Isso me fez e ainda me faz rever várias coisas do meu passado e não querer replicar. Me faz construir uma relação em que eu e ela estejamos de acordo e, se a gente não tiver, está tudo bem também. Que ela aponte [o que pensa] e que [a gente chegue] a um consenso. Inclusive, é um trabalho que se faz agora, mas é ela quem vai dizer lá na frente se aquilo, de fato, fez sentido ou não. E aí você como mãe também vai ter que aprender a lidar com a frustração”, pontua Amanda. 

Com uma personalidade forte, Niara já demonstra seu lugar no mundo. “Ela é geniosíssima, é doce, muito afetuosa, mas cheia de opinião. Argumenta muito e é muito ligada ao próprio cabelo. Nós conversamos muito sobre negritude, sobre beleza, cabelo, sobre música, etc. Ela contou que já ouviu de outras crianças que o cabelo dela não é bonito, o que me preocupa, mas ao ver como ela já lida com isso de uma forma bem diferente de como eu lidava [nessa idade], me sinto aliviada”, compartilha a comunicadora.

Reflexos coletivos da maternidade

Antes mesmo da maternidade, Amanda conta que já era movida por muitos sonhos e desejo de transformação. Dessa vontade de mudar o mundo coletivamente, surgiu, em 2018, o Coletivo Siriricas, iniciativa formada por sete mulheres negras que dialogam sobre autoestima e negritude. 

“É um espaço que construí, junto com minhas amigas, para ampliar as nossas discussões de bar. Pensamos que se algo acontecia entre sete mulheres negras, com certeza acontecia com muitas outras pelo Brasil afora. E foi aí que demos vida ao coletivo, que é essa agência de notícias que trata de vários assuntos. De dores, sim, mas de muitas alegrias também”, conta. 

O coletivo promove debates através de podcast, lives, rodas de conversa, dentre outras ações. Em 2021, integrou o projeto Adidas Runners, criando uma comunidade de corrida voltada a estimular o autocuidado e a prática de atividades físicas entre mulheres negras.

Para Amanda, a criação do Sirricas reflete uma de suas buscas, que é pensar um mundo melhor para mulheres negras, para pessoas periféricas e criar estratégias para alcançar isso. “Tenho muitas felicidades, uma delas é o coletivo.. O que já conseguimos construir, juntas, para a população de mulheres negras no Brasil. Tudo isso me devolveu [a mim mesma] até no meu processo de maternidade”, compartilha. 

Amanda coloca que durante os primeiros meses da maternidade, estar entre mulheres fazia ela se reencontrar consigo. “No começo da maternidade, minhas primeiras saídas eram para a casa de algumas amigas do coletivo. Elas chegavam com pizza, vinho. Já não dava mais para ir a um bar na rua com uma criança pequena. Elas passaram a ser essa rede de apoio, não para cuidar da Niara, mas para me lembrar de quem eu sou além da maternidade”, relembra.

“Ter minhas amigas nesse processo foi essencial, porque a maternidade pode ser solitária para muitas mulheres.”  

Amanda Porto, uma das fundadoras do Coletivo Siriricas e mãe da Niara de 4 anos.

Ela ainda reforça que teve uma rede de apoio, fato que contribuiu para que se sentisse mais preparada, mas ainda assim ressalta que não deixa de ser desgastante.  

‘‘Ninguém vai dar para a gente o caminho. Quando pensar o que vai fazer [tem que] levar [a criança]; quando pensar que precisa ir em algum lugar e não tem com quem deixar, não deixe de ir. Leva [a criança junto]. Vai ser desafiador ficar com a criança aí do lado, ter ela puxando, chamando, chorando, mas não deixa de ir. Pode ser que ali você encontre espaço e conheça alguém que vai gerar essa oportunidade que você tanto espera”, compartilha.

Com o crescimento da Niara, o Dia das Mães ganhou um novo significado para Amanda. “Quero olhar para ela com orgulho do que a gente está construindo juntas e me sentir grata, porque até aqui tem dado certo”, finaliza.

Obá Elekô: A força ancestral que nos une

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Nesta nova sessão, inicio um mergulho nos mitos Iorubás para resgatar o poder do sagrado e das divindades femininas, com destaque para a trajetória de Obá, rainha guerreira da sociedade Elekô.

Esse mito narra a história da líder da sociedade Elekô, a caçadora e guerreira Obá, que vivia em uma estrutura social fundamentada no matriarcado. Uma sociedade comandada por mulheres amazonas, que protegiam seu povo de invasões e preservavam a relação entre o feminino e a terra.

O mito também menciona outras divindades femininas de grande importância nas religiões de matriz africana, como Nanã, Oyá, Oxum, entre outras.

Só um homem podia participar do culto: Oxóssi, pois também era um grande caçador, guerreiro e feiticeiro. Ele se tornou um companheiro inseparável de Obá.

No culto Elekô, as mulheres sabiam lutar, caçar e trabalhar; eram independentes. A sociedade se sustentava no princípio do respeito ao feminino.

Obá foi a primeira esposa de Xangô. Os mitos dizem que ela simboliza o amor, a força e as vitórias nas batalhas. Ela fazia tudo por amor ao Rei de Oyó.

A reverenciamos no Candomblé por sua força e determinação na luta por justiça e proteção às mulheres, com a cantiga: “Obá Elekò a já osí” – Obá, senhora do poder de Elekô, do poder feminino.

Hoje, faço alusão ao que nós mulheres buscamos, dentro da fé nas religiões afro-brasileiras: a conexão com nossas ancestrais.

Vejo isso como um resgate e uma união que impulsionam mulheres a crescerem e curarem as marcas de uma mente ocidental pautada no patriarcado, na violência, no abuso e nas agressões.

Precisamos curar a visão eurocêntrica e machista que ainda subjuga tantas mulheres à obediência e ao serviço aos homens.

O renascemos do feminino 

Renascemos com um olhar mais respeitoso sobre nosso feminino. Hoje, mulheres são protagonistas e líderes em várias camadas sociais.

Como em Elekô, fortalecemo-nos com a magia da força feminina, que nos empodera e sustenta nossa estrutura mental e emocional. Tornamo-nos mais equilibradas e fortes para mudar e transformar a organização social vigente.

Confira a cobertura do ato realizado no Dia do Trabalhador pelo fim da escala 6×1

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Fim das terceirizações em massa, revogação da reforma trabalhista, combate à precarização do trabalho, valorização do serviço público, mais tempo para o lazer, estudos e descanso foram alguns dos temas abordados no ato puxado pelo Movimento VAT, realizado no dia 01 de maio de 2025, que teve concentração na Praça Oswaldo Cruz e seguiu pela Avenida Paulista, no centro de São Paulo.

A iniciativa reuniu trabalhadores formais e informais, dentre jovens, aposentados, integrantes de movimentos sociais, sindicalistas e lideranças políticas. O ato também foi uma oportunidade para celebrar conquistas históricas da classe, mas principalmente para reivindicar melhores condições de trabalho.

A mobilização em torno do fim da jornada 6×1 foi o debate central da manifestação. O projeto que pauta a mudança na dinâmica de trabalho é conduzido pelo mandato da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), junto à mobilização do Movimento VAT – Vida Além do Trabalho, que tem Ricardo Azevedo (PSOL-RJ), como representante nacional e pauta a redução de 44 para 36 horas semanais de trabalho.

“O trabalhador está muito cansado. Muitos relatam a nós [do movimento VAT] que não veem a hora dessa escala acabar, pois não têm tempo para nada. Há trabalhador com ansiedade, depressão, em estado de pânico. Todos esses problemas estão diretamente ligados a essa rotina exaustiva”, afirma Alek Silva, morador de Itapecerica da Serra (SP), operador de telemarketing, fotógrafo, ativista e representante do VAT.

“A escala 6×1 não está apenas esgotando fisicamente o trabalhador brasileiro, mas também comprometendo sua saúde mental. Isso mostra que o problema não afeta só o indivíduo, mas prejudica também o sistema como um todo, inclusive [sobrecarregando] o SUS, que precisa lidar com as consequências. Essa pauta é do povo. É uma reivindicação real e urgente dos trabalhadores, especialmente os trabalhadores periféricos que já estão há muito tempo vivendo essa rotina pesada. Estamos lutando por algo básico: mais qualidade de vida e mais tempo para o trabalhador. Acreditamos que vamos avançar, mas é fundamental a gente cobrar nossos parlamentares.” —Alek Silva, morador de Itapecerica da Serra (SP), operador de telemarketing, fotógrafo, ativista e representante do VAT.

Geraldo de Jesus, 60, pintor e morador de São Mateus, distrito na zona leste de São Paulo, conta que costuma participar de atos no 1° de maio e tem a data como termômetro para acompanhar se as coisas estão melhorando. “Minha esposa trabalha sem parar na [escala] 6×1. Ela pega o busão todo dia, vai lá para Santo André, e quase não tem folga. A nossa vida fica bem apertada. Às vezes, a gente até quer sair, viajar, mas como? Não tem jeito, não tem como fazer nada. Inclusive, hoje eu estou aqui e ela não pode, justo no primeiro de maio”, pontua. 

“A gente corre, rala, trabalha duro para tentar conquistar algo a mais, mas com a situação que está e ainda mais com esse governo comandando São Paulo, não vejo nada de bom vindo por aí. A gente tem que manter a esperança, mas do jeito que as coisas estão, a vida fica difícil.”   — Geraldo de Jesus, 60, pintor e morador de São Mateus, distrito na zona leste de São Paulo

Para Lira Ale, professora de artes na rede municipal, a data representa a luta da classe trabalhadora. “A gente vive num sufoco entre não ter emprego ou ter que trabalhar demais e não ter vida, vivendo naquele limite: ou trabalha ou vive, e quando não trabalha, não tem dinheiro pra viver. A classe trabalhadora é quem produz tudo, então é ela quem deve ter as riquezas”, diz. 

“Normalmente, os patrões que impõem a jornada 6×1 são os que mais lucram em cima de trabalhadores mal pagos. E mesmo quem não trabalha em 6×1 vai se beneficiar, pois consome serviços de quem trabalha assim. Há milhões de pessoas nas ruas no mundo inteiro lutando por dignidade e por mais direitos. A classe trabalhadora é a maioria da população mundial. A gente tem força para mudar esse cenário, mas temos que romper com a solidão. A gente tem que lutar junto.”    — Lira Ale, 35, moradora de São Paulo, professora de artes na rede municipal.

Psicóloga Verônica Rosa fala sobre os impactos das apostas online nas periferias

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Confira o resultado dessa conversa no terceiro episódio da nova temporada do Desenrola Aí.

Engana-se quem pensa que os efeitos das apostas no Brasil se limitam aos impactos econômicos. Os jogos de azar também afetam o psicológico e as relações sociais de muitos brasileiros.

A facilidade de acesso, impulsionada pela ampla divulgação em espaços como novelas, filmes, transmissões de futebol e pelas redes sociais, transforma as apostas em um meio de interação para um novo grupo social: os apostadores das periferias.

Geralmente, as pessoas querem fazer parte desses grupos de jogos de azar para compensar aspectos da vida — como a falta de oportunidades de trabalho, a precarização desse ambiente ou mesmo como uma forma de lazer.

Quem nos ajuda a fazer uma análise profunda sobre esse assunto é a psicóloga e psicanalista Verônica Rosa da Silva, convidada do terceiro episódio da nova temporada do Desenrola Aí.

Para Verônica, que concentra seu trabalho na escuta e análise dos contextos periféricos, o hábito de apostar online se intensificou durante a pandemia, quando todas as interações migraram para o ambiente virtual. Esse novo modo de socialização abriu espaço para o crescimento de mercados como o das apostas.

“A pandemia transformou o celular no principal meio de socialização. Para muitas pessoas, o aparelho se tornou uma extensão do próprio corpo. Nesse contexto, os jogos — incluindo os de apostas — ganharam um novo significado, tornando-se um espaço onde a interação social, a busca por reconhecimento e a promessa de geração rápida de renda se misturam em um cenário de entretenimento e glamour”, disse.

Psicóloga e psicanalista Verônica Rosa durante a entrevista ao Desenrola Aí. Foto: Maxuael Melo | Fluxo Imagens.

De acordo com o Datahub, o segmento de apostas online cresceu 360% entre 2020 e 2022. Esse avanço incentivou o governo a criar formas de regulamentar o setor, que hoje movimenta bilhões para os cofres públicos.

O Ministério da Fazenda, por exemplo, arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão em 2024 e pretende arrecadar R$ 1,866 bilhão ao ano com a taxa de fiscalização sobre as apostas.

Perfil dos apostadores

É cada vez mais comum que homens, jovens e pessoas de baixa renda estejam entre os apostadores, segundo estudo da Panorama Mobile Time/Opinion Box. Cerca de 30% dos jogadores são das classes D e E.

A pesquisa também revela que 60% dos apostadores reconhecem ter perdido mais dinheiro do que ganharam — o que evidencia o risco de endividamento e prejuízo financeiro.

E os problemas não param por aí. De acordo com o relatório do Banco Central de 2024, as famílias de baixa renda são as mais afetadas pelas apostas, acumulando dívidas que comprometem o orçamento familiar.

Esse mesmo levantamento mostra que as apostas podem consumir até 5% da renda familiar, afetando diretamente necessidades básicas como a alimentação.

Os impactos negativos das apostas nas periferias somam-se a outras mazelas já existentes, como o desemprego, a baixa escolaridade, a falta de oportunidades de geração de renda e a escassez de opções de lazer.

Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que promove conversas com especialistas da quebrada, descomplicando temas relevantes que impactam o cotidiano da população negra e periférica, além dos direitos humanos — que são a base da nossa existência e convivência em sociedade. O programa é uma realização do Desenrola e Não Me Enrola, Fluxo Imagens e Portal Kintê Notícias, com fomento da Lei de Fomento à Cultura da Periferia, da cidade de São Paulo.

Descubra como usar a Lei de Acesso à Informação para saber mais sobre o que acontece na sua cidade

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No meu último artigo aqui na coluna Juventude Ativa, compartilhei algumas dicas de como acompanhar e participar das gestões municipais no Brasil. Nele, mencionei brevemente a Lei de Acesso à Informação — e hoje vou explicar um pouco mais sobre essa ferramenta.

Antes de tudo, é importante retomar um ponto fundamental: gestores públicos trabalham para a sociedade. Prefeitos e vereadores são eleitos pela população e têm como função trabalhar para ela. 

É a sociedade, inclusive, quem paga seus salários — e no Brasil, a população mais pobre é quem paga mais impostos. Ou seja, se elegemos os representantes e ainda arcamos com seus salários, é justo que saibamos o que está sendo feito pelas gestões públicas. 

Esse é o conceito de transparência: assim como em um aquário transparente conseguimos ver os peixes, os governos democráticos devem ser transparentes, permitindo que a sociedade veja como são usados os recursos públicos. E é aí que entra a Lei de Acesso à Informação, a chamada LAI.

O acesso à informação é um direito humano reconhecido internacionalmente; vários países possuem leis que garantem aos cidadãos a transparência por meio do acesso às informações públicas.

No Brasil, esse direito já constava na Constituição de 1988, mas foi regulamentado anos depois. A lei atual, que trouxe importantes avanços, é de 2011 e foi regulamentada pela presidenta Dilma Rousseff.

Publicidade como regra e o sigilo como exceção

Uma das principais inovações da LAI foi estabelecer a publicidade como regra e o sigilo como exceção. Isso significa que, embora algumas informações governamentais precisem ser sigilosas por questões de segurança, a maioria deve ser disponibilizada espontaneamente pelas prefeituras e órgãos públicos. 

Por exemplo: informações sobre licitações, salários de vereadores, orçamento da educação e outras devem ser publicadas de forma acessível, sem obstáculos — isso é a publicidade como regra.

Na prática, infelizmente, muitas prefeituras ainda não disponibilizam informações básicas. Quando isso acontece, o cidadão pode fazer um pedido de informação.

A transparência ativa ocorre quando a prefeitura publica as informações diretamente. Já a transparência passiva acontece quando o cidadão solicita uma informação e o órgão responde.

Em 2021, durante uma oficina com uma Conselheira Municipal de Saúde, fizemos um pedido ao Hospital do Servidor Público Municipal solicitando informações sobre contratações — e recebemos resposta!

Arquivo pessoal / Martha Gaudêncio da Silva

Qualquer pessoa pode fazer um pedido de informação. Não importa o motivo — estudar, acompanhar a gestão pública, fiscalizar. O direito de saber é garantido e não é necessário justificar o pedido.

Os pedidos podem ser feitos a todos os órgãos públicos — municipais, estaduais e federais. Câmaras de vereadores, prefeituras, governos estaduais, ministérios, universidades federais e o Congresso Nacional são alguns exemplos. Empresas públicas, fundações, autarquias e ONGs que recebem recursos públicos também devem responder.

Normalmente, os sites dos órgãos possuem um link chamado “e-SIC” (Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão), onde é possível fazer o pedido online e receber a resposta por e-mail ou pelo próprio sistema.


Dica: ao fazer um pedido, seja o mais específico possível em relação a tempo, local e tema. Exemplo: pergunte “quanto foi gasto em medicamentos na UPA Vera Cruz em 2024”, em vez de “quanto se gasta em saúde”.

O prazo de resposta é de até 20 dias, podendo ser prorrogado por mais 10 dias mediante justificativa. Se a resposta for incompleta, é possível recorrer — e o recurso será analisado por uma autoridade superior à que respondeu inicialmente.

Deixo aqui alguns links úteis:

Para concluir, reforço que a LAI é uma ferramenta poderosa que ainda precisa ser mais divulgada e cobrada. A mudança só virá com mais pessoas informadas e ativas. Caso precise de ajuda para usar a LAI, estou à disposição! Me chame pelo e-mail (marthagaudencio@gmail.com) ou no Instagram.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

O que você anda lendo?

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Em 2024, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou que mais da metade das pessoas no país não lê livros.

Esse é um problema com diversas origens: desde a falta de cultivo do hábito da leitura, preço dos livros, bibliotecas públicas raras e desatualizadas.

O Itaim Paulista, por exemplo, onde moro, tem três bibliotecas públicas para 205 mil habitantes. Não trago nenhuma fórmula mágica; sinto decepcionar.

Pode realmente não ser nada fácil criar o hábito da leitura quando você tem que madrugar para trabalhar, estudar, cuidar de si e de outras pessoas, numa cidade que te consome um pedaço de vida todo dia em 3 ou 4 horas de transporte.

Podemos ainda colocar outro problema na mesa: o que as pessoas andam lendo?

Não vou comentar a lista de mais vendidos (você pode buscar online e tirar suas próprias conclusões), até porque comprar não é sinônimo de ler um livro.

Na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que citei no início do texto, os livros que mais marcaram as pessoas não são exatamente os que estão na lista, nem aqueles que ensinam a enriquecer.

E aqui, um parêntese: sem julgamentos da minha parte sobre a literatura de autoajuda. Tudo merece ser lido com olhos críticos, inclusive o que proponho aqui.

De todo modo, como uma feliz adepta de clubes de leitura, queria abrir esta coluna para 2025 sugerindo seis livros ótimos escritos por mulheres.

Assim, se o transporte te der um pouco de espaço ou se você tiver 10 minutos de paz todo dia, talvez na cama, antes de dormir, tem leitura boa para te acompanhar. No seu tempo, sem pressão.

Comecemos com três autoras periféricas

Jô Freitas teve seu último livro, Goela Seca, indicado ao Prêmio Jabuti de 2024 — uma das mais importantes premiações literárias do Brasil. Goela Seca é um livro com 23 contos autobiográficos que, com muita delicadeza, poesia e um bocado de dureza também, contam histórias desde sua infância, na Bahia, até a vida adulta, em São Paulo. Além de escritora, Jô é poeta e faz parte do coletivo Sarau Pretas Peri.

A segunda é Lilia Guerra. Em seu último livro, Céu para os Bastardos, Sá Narinha, uma empregada doméstica que podia ser nossas mães, vai nos levando pelos becos e vielas de Fim-do-Mundo, encontrando suas mais diversas personagens.

É um livro delicioso, capaz de fazer com que você se reconheça em alguma personagem — ou, quem sabe, também tenha um cachorro chamado Bob.

Por fim, recomendo Notas sobre a fome, de Helena Silvestre, também indicado ao Jabuti, em 2020. Notas é um livro com diferentes estilos de texto, misturando autoficção, conto e ensaio.

Narrando suas andanças pela cidade, entre empregos precários, escola, movimentos sociais e fome, Helena vai tecendo sua história num fluxo de pensamento crítico e apaixonado.

Depois de dar passagem a algumas escritoras dos nossos territórios, e diante das muitas polêmicas em torno dos filmes indicados ao Oscar, me parece oportuno também indicar Reze pelas mulheres roubadas, da mexicana-estadunidense Jennifer Clement.

Neste livro, vamos ao interior do estado de Guerrero, no México — uma região dominada pelo tráfico — onde meninas precisam se esconder conforme vão crescendo, sob o risco de desaparecer.

Minha próxima sugestão tem a ver com um movimento recente na literatura que tem rediscutido as experiências da maternidade, cheias de contradições.


Nessa direção, A Cachorra, da colombiana Pilar Quintana, desconcerta, comove e angustia, mostrando a complexidade de sentimentos que esse tipo de amor pode fazer florescer. O livro, escrito enquanto a autora amamentava sua filha recém-nascida, retrata a relação de uma mulher com uma cachorrinha, adotada ao nascer.

O penúltimo desta lista é Ventre do Atlântico, da escritora senegalesa Fatou Diome. Aqui, acompanhamos a história pela relação entre a jovem Salie — em sua dura adaptação como imigrante na Europa — e seu irmão mais novo, Madické, no Senegal, que sonha em se tornar um astro do futebol.

Um livro que não idealiza a imigração, nem romantiza a terra natal. Mostra as dificuldades na busca por um sonho entre fronteiras e desigualdades.

Por fim, mas não menos importante: se não há livrarias, sebos ou bibliotecas perto de você, saiba que na internet é possível encontrar sites como a Estante Virtual, em que livrarias do país inteiro vendem livros novos ou usados online, por preços mais acessíveis.

Tenho evitado investir meu dinheiro na Amazon — maior vendedora de livros do país e talvez do mundo — porque sufoca pequenas (e nem tão pequenas) editoras e livrarias, vende livros abaixo do preço de custo, está sempre envolvida em violações de direitos trabalhistas e seu dono tem uma tendência política muito à direita.
Se você puder, sugiro que também estimule os pequenos negócios, compre livros usados (com atenção ao estado do livro, não vale comprar livros se desintegrando) e leia mulheres.

E se você tem outras dicas de onde comprar livros de pequenas livrarias — e, sobretudo, de como desviar das grandes corporações — vou adorar saber também.

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