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Coletivo incentiva uso da bicicleta como opção de mobilidade e lazer nas periferias

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Segundo dados da pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade, realizada pela Rede Nossa São Paulo junto com o Instituto Cidades Sustentáveis e o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), em 2023, o tempo médio gasto diariamente para fazer todos os deslocamentos na cidade, através do transporte público, era de 2h26.

Esse é um dado vivenciado por muitas pessoas, principalmente em territórios periféricos, como é o caso da Josivete Pereira, conhecida como Jô, que passou a considerar o uso da bicicleta para se locomover, a princípio por uma questão financeira, mas também pelo tempo de locomoção na cidade.

Jô Pereira, moradora do Rio Pequeno, é presidenta da União de Ciclistas do Brasil e cofundadora do coletivo Pedal na Quebrada. (foto: Yuri Vasquez)

“A gente precisa ter tempo pra gente, só [temos] tempo para o trabalho. A gente se desloca, trabalha e volta. Não pode ser só isso”, coloca Jô Pereira, que é educadora física, moradora do bairro Jardim Ester, no distrito do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, presidenta da União de Ciclistas do Brasil, atuante na Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, e uma das fundadoras do coletivo Pedal na Quebrada. 

A ciclista aponta que qualidade de vida e lazer se relacionam com as questões de mobilidade urbana. Ela coloca que o uso da bicicleta nas periferias não se dá apenas no aspecto da obrigação ou escassez, que pode ser usada para brincar e em exercícios físicos.

“A mobilidade ativa, tanto a pé quanto de bicicleta, e o transporte público dependendo dos horários, são maneiras com as quais a gente pode estar somando ganhos nessa mobilidade. Isso é importante para repensar as cidades”, diz Jô. 

Pedal na Quebrada

O Pedal na Quebrada é uma iniciativa criada em 2018, pela Jô Pereira, junto da Jezz Rodrigues e Angela Maris, que moram em Itaquera, e pela Tati Souza, que é de Guaianazes, ambos territórios localizados na zona leste de São Paulo. 

Coletivo incentiva uso da bicicleta como opção de mobilidade e lazer nas periferias
Angela Maris, Jô Pereira, Tati Souza e Jezz Rodrigues formam o coletivo Pedal na Quebrada. (foto: arquivo pessoal).

Formado por três educadoras físicas e uma educadora infantil, as ações do coletivo circulam por diferentes regiões. A principal atividade tem sido retomar as reais histórias dos territórios, a partir do conhecimento de quem veio antes e de quem o habita no momento, isso se dá através da poesia e do ciclismo na atividade que Jô se refere como Pedalada Política, proposta pelo coletivo. Ela explica que o objetivo é “falar da nossa historicidade, dos corpos negros e indígenas na cidade, só que no olhar do pedal”.

“Não é um passeio ciclístico, é uma pedalada política, artística e principalmente afetiva, porque é para a gente se colocar na história e se colocar no presente”. A ciclista conta que essas pedaladas são realizadas com alguém do território, e previamente é feito um mapeamento do percurso que tem entre 10 e 20 km. 

Pedalada noturna no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo. (foto: Jezz Rodrigues)
Pedal no distrito de Belém, com o projeto ‘Poesia urbana sobre rodas’. (foto: Yuri Vasquez)

O coletivo também promove oficinas de mecânica e de pedal, que além do aprendizado prático estimulam o desenvolvimento da autonomia, da construção coletiva e provocam questões de identidade e subjetividade das pessoas que participam.

Como exemplo, Jô cita um grupo de pedal formado por incentivo das ações do coletivo, após uma oficina que realizaram na Casa Anastácia, um Centro de Defesa e Convivência da Mulher que atende mulheres vítimas de violência doméstica. 

Participar de discussões acadêmicas é mais uma das movimentações da iniciativa. “Entrar dentro das estruturas de educação para decolonizar esse assunto [da mobilidade urbana], porque ele é bem colonizado”. Classe, raça e gênero são temas presentes quando se trata da viabilidade do uso de bicicletas e o Pedal na Quebrada também desenvolve suas atividades a partir dessas abordagens ao abrir espaço para rodas de conversas antes das oficinas práticas.

Políticas públicas

A regulamentação do uso das bicicletas e dos demais veículos, como bicicletas elétricas, ciclomotores, entre outros, para que eles utilizem as vias ao invés das calçadas, por exemplo, é apontada por Jô como uma forma para evitar acidentes.

“A gente está lutando por mais espaço dentro das vias, da ‘carrocracia’ e para isso a gente tem que ganhar mais espaço também para o pedestre”.

Jô Pereira, Presidenta da União de Ciclistas do Brasil, integrante da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo e cofundadora do coletivo Pedal na Quebrada.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, a bicicleta é considerada um veículo de propulsão humana, e por isso pode ser usada na via, tendo direitos e deveres resguardados pela lei.

Jô afirma que a diminuição da velocidade dos veículos motorizados é uma das providências a serem tomadas para viabilizar não só a locomoção com bicicleta nas cidades, mas para diminuir os sinistros com veículos de modo geral. Ampliar a malha cicloviária na cidade, tendo como foco as periferias, também é uma das prioridades reivindicadas.

“Pensar a cidade e as políticas públicas também nessa visibilidade de como respeitar a pluralidade das pessoas estarem nos mesmos espaços com seus direitos garantidos. [Precisamos] de olhares [na] construção política para periferias e falar: ‘Opa, precisamos aumentar a malha cicloviária nas periferias’. Tem aumentado? Tem. Com tanta pressão tem funcionado, mas ainda está muito lento”, coloca a cofundadora do Pedal na Quebrada. 

Vivência Bike Trial, projeto do Dia do Desafio pelo Sesc 14 Bis. (foto: arquivo pessoal).

As necessidades para viabilizar a locomoção com bicicleta nas periferias ainda são muitas, e Jô coloca que a organização em coletivos para elaborar projetos políticos tem sido a estratégia adotada para alcançar melhorias. 

“Quem mais pedala é a periferia, isso é muito bom e positivo, só que a gente precisa de segurança para todo mundo [com] qualidade, não é só pintar [uma faixa]”, compartilha Jô, que também afirma sobre a facilidade do uso de bicicletas em bairros centralizados ocorrer por conta do investimento destinado para esses locais.

A educadora coloca que as discussões sobre políticas públicas de mobilidade urbana precisam acontecer também nas periferias para que moradores desses territórios possam ter a possibilidade de participar.

“[Precisamos de] mais de nós falando, não pode ter tão poucas representações assim, porque somos muitos, tem que ampliar mais essa discussão, porque não é uma discussão só da bicicleta, é uma discussão da cidade”, menciona Jô, que ressalta sobre o voto nas eleições interferir diretamente nesse planejamento urbano.

Será que sabemos o quê a juventude quer? 

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Bom, não é de hoje que o tema juventude acumula local de pauta em diversos grupos, instituições ou em falas governamentais, porém é perigoso o movimento de definição sobre o que as juventudes esperam sem um devido olhar acerca das vivências, territórios e outras questões primordiais pro debate.

Quando pensamos “jovem” o que ecoa em nossa mente? Que vamos ensiná-lo a viver? 

A ideia do jovem como um indivíduo para ser simplesmente ensinado é preocupante e carrega consigo inúmeras limitações, espera-se aqui que o jovem corresponda a quem irá conduzir ou ensinar, e na maioria das vezes não é esse o movimento que irá ocorrer.

Muitas vezes falamos sobre acolhimento e empatia, mas esse exercício não é fácil e o local de escuta também é um local de esforço, inclusive para lidar com os conflitos de ideias. E que bom que as ideias não são iguais! Que bom que existem conflitos geracionais, isso enriquece os debates. O aprendizado também nos exige que possamos aprender a conflitar.

Trago aqui o respeito pelo passar dos anos, pelas mudanças geracionais que precisam ser levadas em conta, as demandas mudam ou às vezes são reivindicadas de outras formas. Eu não dou local de fala a ninguém, assim como ninguém deu ele a mim. Eu posso e devo falar quando sinto que me convém! A voz do jovem não é doada, é dele. 

O protagonismo não pode ser podado, me entristece quando vejo que o debate ainda está focado no que definimos que seria bom para a juventude e não em criar meios da própria juventude elaborar o que deseja (inclusive porque existem diversas juventudes). Para existirem ambientes verdadeiramente acolhedores, primeiro precisamos repensar sob quais prismas nos constituímos, como tocamos as instituições, pesquisas e associações.

Esse texto começou a ser escrito ano passado, após inúmeros desconfortos e confrontos que me levaram a questionar se realmente queremos locais de diálogo ou não. Parece que ainda é turva a ideia de que o diálogo traz consigo um certo desconforto, de certo, o outro não é aquilo que esperamos, e que bom para nós…que sorte amadurecer! Nós também estamos nesse lugar, o tempo inteiro.

Compreendi a partir das observações que fiz, que precisamos conversar sobre o por quê trazemos jovens para alguns ambientes e se estamos dispostos a comportar a presença deles, com suas diferentes trajetórias, vivências, olhares, opiniões e vulnerabilidades. Não basta eles estarem lá, é necessário que haja troca.

Talvez ao esperar que as respostas das juventudes sejam padronizadas ou que há um só caminho, nos limitamos. 

E quando falamos da atuação institucional, por vezes criamos ambientes onde os jovens estão sempre como atores secundários, mesmo que digamos que são eles que desenvolvem os projetos, não são eles a ganharem voz, poder de escolha e reconhecimento.

Não sabemos o que a juventude quer!

Se partirmos da ideia de que existem diversas juventudes, não sabemos o que a “juventude” quer, não existe uma resposta pronta (aqui não estou falando sobre pesquisas já feitas, dados já coletados, entre outros), nesse texto estou discorrendo sobre a nossa ausência de auto reflexão quando nos colocamos num lugar de definição, já que sabemos que as pautas mudam e as urgências mudam para cada território e cada juventude.

Toda a minha escrita é focada em repensar caminhos, e ao meu ver não existe a construção e continuidade dos caminhos sem a participação ampla e ativa das juventudes.

Não acredito na obrigatoriedade dos papéis, ou seja, você é jovem, logo é obrigado a buscar protagonismo, a se movimentar etc. Ao meu ver, existem múltiplos fatores que levam uma pessoa aos lugares onde ela se afiniza, mas especificamente, eu afirmo que não é papel meu transferir minha identidade para o outro para que ele seja o que eu desejo.

Contudo, vejo uma responsabilidade em permitir que esses ambientes sejam confortáveis para todas as pessoas, que estejam abertos ao protagonismo jovem e que aprendam a construir novos olhares. 

Vladimir Maiakóvski
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

“Generalizar todos como bandidos é criar fábrica de monstros”, diz ex-detento e empreendedor social

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Assista a entrevista completa em nosso canal no YouTube.

A Lei de Execução Penal brasileira determina que ao longo da pena, para pessoas privadas de liberdade, deve-se proporcionar condições para a reintegração social. No entanto, em entrevista ao Desenrola Aí, Erick Soares, egresso do sistema prisional, enfatiza a ausência dessas condições, durante e após o cumprimento da pena, dificultando o retorno dos ex-detentos à sociedade e acentuando os desafios e preconceitos enfrentados no processo de ressocialização.

“Um dos maiores obstáculos que encontrei foi o preconceito da sociedade. O preconceito está em todos os lugares e torna extremamente difícil se reintegrar no mercado de trabalho. Uma passagem pela justiça limita você. Não consegue um empréstimo, não consegue um financiamento, e ao procurar emprego, pedem atestado de antecedentes criminais, o que complica ainda mais.” Destaca Erik.

O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de países com a maior população carcerária, com mais de 832 mil pessoas privadas de liberdade. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2016, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, revelou que 57% da população brasileira acredita que “bandido bom é bandido morto”, 34% discordam da afirmação, 6% neutros e 3% não souberam responder.

“O preconceito está estampado em todos os lugares. Muitas pessoas que passaram pelo sistema prisional querem uma oportunidade, mas não conseguem. Você colocar todo mundo na mesma caixinha, todo mundo como bandido, você vai criar uma fábrica de monstros”. Conclui Erik.

Longe do sistema carcerário, Erik Soares encontrou recomeço como empreendedor social, palestrante em escolas públicas, Fundação Casa e como ator, contracenando em séries como “Sintonia” e “DNA do crime”, da plataforma de streaming da Netflix.

Sobre o Desenrola Aí

Empreendedor Social, Erick Soares e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. (Maio 2024). Foto: Pedro Oliveira. 

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Cofundador da Juventude Negra Política aponta invisibilidade de homens negros na política

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Ivan Santos, conhecido como Dú Pente, cofundador da Juventude Negra Política (JNP), afirma que articulações políticas e institucionais para lidar com os desdobramentos do racismo, quando prioriza apenas o gênero, acaba invisibilizando os homens negros. Para ele, “homens negros no Brasil são colocados, quando conveniente, como homens apenas”.

Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.
Dú Pente é cofundador da Juventude Negra Política e foi candidato a vereador em 2016 e 2020. (Foto: arquivo pessoal)

Dú Pente é do bairro Bonsucesso, localizado no distrito de Barreiro, periferia de Belo Horizonte, e é pós-graduado em Ciência Política, com MBA em Gestão de Projetos. O articulador coloca que as barreiras que existem desde a sobrevivência de homens negros nas periferias até as dificuldades que a população negra têm de acesso à educação, são circunstâncias que interferem na presença dessas pessoas na política.

Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.

A colocação de Dú Pente dialoga com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que indica sobre 83% dos mortos pela polícia em 2022, no Brasil, serem negros, pobres e periféricos, 76% deles eram jovens entre 12 e 29 anos.

Gênero e raça

Dú Pente aponta que é necessário a articulação entre pessoas negras para além do gênero, com o objetivo de lidar com as manifestações de racismo que também estão presentes nas esferas institucionais e políticas.  

“Há uma estratégia da branquitude que é sugerir que se homens pretos ocuparem ou estiverem nesses espaços [políticos de poder] estarão tirando o lugar das mulheres negras”, coloca Dú Pente, que menciona não existir essa intenção entre os homens negros. “É importante que nós, homens pretos e mulheres pretas também dialoguem e não caiam nessa cilada”, pontua.  

Ele comenta que essa estratégia da branquitude se dá pela forma que as questões de gênero foram inseridas através do feminismo europeu, a partir de uma origem eurocêntrica, em uma lógica em que homens e mulheres brancas se priorizam quando se trata de questões raciais. 

“[O feminismo] é importado para um continente que foi colonizado, multirracial, com outras origens e esse parâmetro acaba contaminando algumas percepções. Então, esse entendimento de que homens pretos e mulheres pretas acabam tendo certa rivalidade nesses espaços é mais uma estratégia da branquitude, por que ao fim quem se beneficia? Quem continua recebendo os maiores recursos? Não são as mulheres negras”, coloca Dú Pente, que já teve duas experiências como candidato a vereador.

“O mulherismo africana é a quebrada”, afirma pesquisadora sobre a presença do movimento nas periferias.

“O mulherismo africana é a quebrada”, afirma pesquisadora sobre a presença do movimento nas periferias

Os projetos da instituição Juventude Negra Política têm foco jovens negros e periféricos. (Foto: arquivo pessoal)

Conforme o Censo de 2022, quase 56% dos brasileiros são negros. Diante disso, Dú Pente coloca que é necessário que a população negra no Brasil esteja nos espaços de tomada de decisão, e que isso não deve ocorrer pela presença de mulheres negras em detrimento de homens negros, ou vice-versa, mas pela lógica de que as pessoas negras representam a maioria da população brasileira. 

Dú Pente, articulador político e cofundador da Juventude Negra Política.

Dú Pente coloca que homens negros têm as suas próprias particularidades, e que por isso, não deveria ser categorizados como um homem branco, pois não têm os mesmos privilégios. Ele ressalta que as desigualdades entre homens negros e brancos existem e devem ser consideradas.

“Os maiores índices de assassinados por arma de fogo [e] de pessoas que morrem por não ter acesso à saúde básica preventiva são homens negros. Os que mais têm câncer de próstata e morrem por [isso] são homens negros, os mais encarcerados são homens negros”, exemplifica.

Ele também aponta que a discussão sobre organização política de homens negros no Brasil é tida como uma manifestação de machismo, e destaca que não se opõe ao feminismo, mas que a discussão feminista branca e eurocêntrica colocada para tratar questões raciais é problemática.

Estratégias

O articulador comenta que criou um grupo com outros homens pretos, em Belo Horizonte, para dialogarem sobre masculinidades negras e nesse processo percebeu como os papéis sociais que são atribuídos aos homens negros são limitantes e estereotipados, inclusive dentro dos partidos políticos. “Tem umas limitações sobre os nossos corpos, nossa identidade, como a gente deveria ser e quando a gente não corresponde as pessoas se chocam”, pontua.

Criar uma organização do terceiro setor foi a alternativa que Dú Pente encontrou para atuar na política fortalecendo a democracia. Isso se deu através de projetos que promovem a educação de jovens negros, para que eles possam ter mais autonomia na construção da cidadania e para que também estejam preparados para liderar. “Racismo a gente vai deixar para quem criou focar mais nele”, diz o articulador político.

Equipe e participantes da Juventude Negra Política (Foto: arquivo pessoal)

A Juventude Negra Política (JNP), organização que é cofundador, foi criada em 2019, com o objetivo de promover a educação cívica e democrática no fortalecimento da democracia na América Latina, através de uma perspectiva antirracista, tendo como foco jovens negros e periféricos.

Dú Pente ressalta que não dá para existir racismo com democracia, e que o trabalho da JNP não é assistencialista, e sim um trabalho que busca a emancipação estratégica do povo preto. “Os manos pretos e as manas pretas têm que caminhar lado a lado, e tem que estar os dois dentro desses lugares, porque nós fazemos parte um do outro, nós somos uma comunidade”, finaliza.

Prefeitura fechou serviço de aborto legal no Cachoeirinha: o que a gente tem a ver com isso?

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Juro que queria começar essa coluna com um texto divertido, mas não vai ser dessa vez. Vamos dar partida com um assunto chato mesmo: em dezembro de 2023, a Prefeitura de São Paulo fechou o serviço de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.

Todo mundo deve saber que o aborto é criminalizado no Brasil, exceto nos casos de risco de vida à gestante, anencefalia (quando o feto não tem cérebro) e em caso de estupro. Vale dizer que qualquer ato sexual com menores de 14 anos é estupro, e isso significa que TODAS as meninas que engravidam antes dos 14 anos têm direito ao aborto legal. 

Uma centena de hospitais no país são cadastrados para realizar aborto legal, o que já é muito pouco, considerando o tamanho do país e o número de violências sexuais. Contudo, segundo o Projeto Vivas, organização que acolhe quem precisa abortar, apenas cerca de 40 hospitais seguem realizando abortos no país e somente 5 hospitais oferecem o serviço na capital.

Para dar uma ideia do problema

Foram mais de 67 mil estupros registrados em 2022, ou seja, um a cada 8 minutos, enquanto, no país inteiro, são realizados em média 1800 abortos legais por ano. Hoje, 96% dos municípios não possuem um serviço de aborto legal e alguns estados têm apenas um ou mesmo nenhum.

Ainda assim, a Secretaria Municipal de Saúde não apenas fechou o serviço em São Paulo, que não tinha denúncias de irregularidades, como também copiou o prontuário de mais de 200 pacientes. O prontuário é protegido por sigilo e só poderia ter sido acessado com autorização judicial ou expressa da própria paciente, o que não foi o caso. Esse acesso pode configurar crime de quebra de sigilo médico e está sendo investigado pela Polícia Civil. 

Enquanto isso, duas médicas estão sofrendo sanções disciplinares no Cremesp, por terem realizado o seu trabalho como pede a lei: garantindo o direito ao aborto. Um cenário de terror.

O primeiro argumento da Prefeitura era de que o fechamento seria para zerar a fila de endometriose, sem nunca apresentar esses dados. Em 2023, o Hospital Cachoeirinha realizou uma média de 9 procedimentos de aborto por mês, 119 no total, e foi o hospital que mais realizou abortos na capital. 

Que fila é essa que vai ser zerada com 9 procedimentos mensais, em uma cidade de 12 milhões de habitantes? Se está faltando leito para cirurgias, não é descobrindo um direito que não pode esperar, para supostamente cobrir o outro, que se resolve o problema.

Há mais um agravante no caso do Cachoeirinha: este era um dos poucos hospitais no país que acolhia interrupções acima de 20 semanas. 

Você pode querer saber quem são as pessoas que precisam de um aborto de semanas avançadas no Brasil, né? Pois são todas aquelas que tiveram vários direitos violados antes: crianças e adolescentes vítimas de abuso (em que a violência e a gravidez só vão ser descobertas quando a barriga já cresceu); mulheres em situação de violência doméstica, cárcere privado e/ou precariedade extrema; pessoas com pouco acesso a informação, que nem sabiam da existência do aborto legal; quem teve o acesso negado em outro hospital e quem mora em cidades/estados que não têm serviços de aborto legal e precisou peregrinar por semanas até achar um hospital que a acolhesse.

As pessoas precisam de abortos em semanas avançadas porque o Estado foi negligente ao não garantir o acesso nas semanas iniciais. 

São os direitos de mulheres e meninas negras, pobres e periféricas que estão sendo atacados pela Prefeitura de São Paulo e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo com o fechamento do serviço de aborto legal do Hospital Cachoeirinha e a perseguição às medicas.

Para concluir, é importante dizer que o aborto é sempre um procedimento médico com menos risco que um parto e que qualquer hospital com estrutura de maternidade poderia realizar. 

Cerca de 90% dos abortos (legais ou não) são realizados no primeiro trimestre de gestação e, se a pessoa tiver em boa saúde, com acesso a saneamento, orientação e a quantidade de medicamentos corretas, pode ser feito com medicamentos em casa.

Ou seja, seguindo as orientações da OMS e da FIGO, não há justificativa plausível para que apenas alguns poucos hospitais possam realizar abortos e a maior parte deles poderia ser oferecido por uma UBS, sem a necessidade de ocupar leito hospitalar. 

Existe inclusive uma excelente cartilha Aborto legal via telessaúde que explica tudo direitinho, criada pela Anis – Instituto de Bioética, a Rede Médica Pelo Direito de Decidir e o Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.

Aborto é uma questão de saúde pública, não de direito criminal. Deveria ser livre, legal e gratuito para todas que dele necessitam.

A restrição do acesso ao aborto é um projeto político reacionário, que coloca em risco a vida e a saúde de meninas, mulheres e pessoas que gestam pobres, pretas e periféricas e diante do qual até governos supostamente progressistas – como o atual Governo Federal – têm feito a egípcia.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Serviços de saneamento básico na onda das privatizações #27

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Na onda do “privatiza que melhora”, o episódio aponta a relação entre saneamento básico com a saúde e habitação. Abordamos os reflexos da privatização dos serviços de água e esgoto na qualidade de vida da população, e também falamos como a lógica do saneamento enquanto negócio afeta o bolso do trabalhador.

Chegam com a gente nesse episódio Helena Maria, do Sindicato dos trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do estado de São Paulo (Sintaema), e também a Renata Furigo, coordenadora geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS).

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Baba Egbe Felipe Brito aponta relação entre tradições de matrizes africanas e a preservação ambiental

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Devido ao racismo direcionado às tradições de matrizes africanas, ainda existe dificuldade em reconhecer como esse conjunto de costumes e tradições ancestrais estão vinculadas à natureza e prezam pela preservação do meio ambiente, inclusive nos terreiros em regiões periféricas. 

“Essa relação se dá exatamente porque nós cultuamos divindades que representam aspectos vinculados aos recursos naturais, aos biomas e à diversidade que o meio ambiente nos oferece”, comenta Felipe Brito.

Felipe Brito é Baba Ẹgbẹ do Ilé Odẹ Maroketu Àṣẹ Ọba (Foto: arquivo pessoal)

Felipe é Baba Ẹgbẹ, que significa pai da comunidade e da sociedade, do Ilé Odẹ Maroketu Àṣẹ Ọba, localizado no bairro Chácara Mafalda, distrito de Água Rasa, na zona leste de São Paulo. Felipe mora no bairro Jardim Nova Poá, em Poá, município de São Paulo, é jornalista, mestre em políticas públicas e fundador do coletivo Ocupação Cultural Jeholu.  

“Quando tem um terreiro numa região periférica, essa é uma região petrificada, em que o córrego foi canalizado, está sujo, poluído ou o esgoto está a céu aberto. É um lugar que não tem rio, não tem cachoeira, as poucas árvores que existem são preservadas pela própria comunidade.”

Felipe Brito, Baba Ẹgbẹ do Ilé Odẹ Maroketu Àṣẹ Ọba.

Ele comenta que é nesse contexto, com a privação de áreas verdes e dos recursos naturais, que os povos de terreiro são afetados pelo racismo ambiental e pela falta da justiça climática, pois isso interfere diretamente nas práticas e nos hábitos das tradições de matrizes africanas. 

“As lideranças negras que estão nos conjuntos habitacionais, nesses bairros mais afastados têm que repensar como organizar suas tradições nesses espaços”, diz Felipe. Além disso, também há os alagamentos, racionamento de água, erosão, entre outros problemas relacionados ao racismo ambiental, que impactam na vida de todos que vivem nas periferias, inclusive os povos de terreiro.

Terreiros e periferias

“Você vai morar na periferia porque o metro quadrado é mais barato para você montar o seu terreiro e organizar a sua comunidade. Mas ao mesmo tempo você vai ter que se deslocar muito para fazer os seus ritos”, comenta Felipe. O Baba Ẹgbẹ conta que muitas áreas verdes próximas aos terreiros são propriedades privadas ou rodeadas por grupos violentos e intolerantes às tradições africanas.

“[Estamos falando] também de uma reinvenção na urbanidade. Quando você chega em uma casa de candomblé na cidade de São Paulo, você vai ver que parece uma pequena reserva de Mata Atlântica. Por menor que seja a casa, tem que ter a folha, porque senão a gente não tem o culto do Orixá e a presença dele.”

Felipe Brito, Baba Ẹgbẹ do Ilé Odẹ Maroketu Àṣẹ Ọba.

Preservação ambiental

Felipe ressalta que as tradições de matrizes africanas têm responsabilidade com o sagrado das folhas, pois representam a cura, a sacralização dos rituais que são vinculadas às divindades. Ele também destaca alguns exemplos de como essas tradições estão conectadas e dependem da preservação da natureza para a manutenção da própria existência.  

Felipe Brito no Ibece Alaketu Asè Ogun Mejeje, no bairro do Portão, em Governador Mangabeira -BA, com Mãe Bem de Oxoguiã. (Foto: arquivo pessoal)

“Dentro da tradição de Iorubá, muitas orixás como Iemanjá, Iansã e Oxum são veiculadas a rios. [No Brasil elas] são vinculadas ao oceano, mar, rios, lagoas, cachoeiras. Não preservar, não ter consciência, não utilizar os recursos naturais de maneira racional faz com que inevitavelmente nós tenhamos a inexistência da energia vital dessas divindades no culto delas”, ressalta.

A comunidade do Ilé Maroketu Àṣẹ Ọba adaptou as suas práticas para diminuir possíveis impactos ambientais. “A gente só utiliza alguidar, que é aquela vasilha de barro em que se deposita as oferendas no terreiro. Quando nós vamos depositar qualquer coisa fora, nós utilizamos a folha de bananeira, de mamona”. Felipe conta que as velas são acesas apenas no terreiro para evitar incêndios na mata e que instrumentos de plástico não são utilizados nos rituais.

“Existe uma perseguição em relação às tradições de matrizes africanas [que são apontadas] como poluentes do meio ambiente. [Em paralelo a isso] existem movimentos de conscientização dentro das matrizes africanas para que nós entendamos o nosso papel em relação ao meio ambiente”, afirma. 

O Baba Ẹgbẹ conta que é necessário considerar que o candomblé, assim como as demais tradições de matrizes africanas, passaram por processos de ocidentalização e embranquecimento, e que práticas que desconsideram e desrespeitam o meio ambiente são traços dessa colonização forçada.

Baba Egbe aponta relação entre tradições de matrizes africanas e a preservação ambiental
Celebração no Ilé Odẹ Maroketu Àṣẹ Ọba, que fica no bairro Chácara Mafalda. (Foto: arquivo pessoal)

Segundo ele, o que é posto como religiões de matrizes africanas é uma forma restrita e de apagamento das múltiplas tradições que existem, determinando apenas como religião as práticas e tradições que não dizem respeito somente à espiritualidade.

Além disso, as tradições de matrizes africanas englobam outras possibilidades de modo de vida e organização social, que têm como base visões de mundo fundamentadas na ancestralidade e nas culturas africanas, que destoam com o que é ocidental, branco e eurocêntrico. 

“Nós somos uma tradição infelizmente de resistência, [pois] se temos que resistir é porque algo nos oprime. Então essa interação de resistência diz respeito também a resistir preservando o meio ambiente, os recursos naturais que dão vida e forças às divindades nas quais nós acreditamos como herança cultural e ancestral africana no Brasil”, finaliza Felipe.

Autocuidado

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Dentre todos os problemas que o povo preto, periférico e trabalhador enfrenta, na minha perspectiva, o mais complicado de se perceber é o autoconhecimento e consequentemente, o autocuidado, porque se olhar e entender o quanto temos o direito de receber cuidado, e que não seja só o estético. Onde precisamos entender que podemos nos ver e gostar do que vemos não só no espelho, mas principalmente de se olhar num espelho interior e gostar do que se vê e o que sente sobre si. Curar demasiadas feridas, que podem ser cuidadas e tratadas de diversas formas. Ainda precisamos quebrar diversos paradigmas.

O autocuidado está sendo uma palavra emergente. Podemos perceber que muito se tem falado sobre esse tema, mas porque agora, vocês já se perguntaram? E ainda assim, percebo que não compreendemos o seu real sentido prático na rotina diária. 

O que é o cuidado?

Ao longo dos anos que venho me dedicando a cuidar de pessoas, a resposta parece simples. Sou cuidadora, ou melhor, sou mulher, só por este fator já nasci com essa tarefa. Isso já está dado numa sociedade patriarcal e machista, e ainda mais racista, onde as mulheres e ainda mais mulheres pretas, não tem escolha, e vamos ao longo da jornada somando tarefas. 

Ser cuidadora não é valorizado, não é muitas vezes nem remunerado se assumimos essa tarefa dentro da família, e se ainda somos provedora, ou mães solos, a carga fica ainda mais pesada, pois muitas vezes sem o apoio necessário para ter um tempinho para si e sustentar esse tempo como muito necessário para nós, só paramos em algumas situações urgentes. 

Temos triplas jornadas, é tão extenuante que simplesmente priorizamos o outro. 

Quando temos tantas tarefas para cumprir, pessoas para cuidar, exige um tempo tão grande que não sobra quase nada para si e seguimos muitas vezes uma vida inteira só cuidando do outro e esquecendo de si. Para entender o que é autocuidado, o grande desafio é romper com essa lógica.

Voltando à questão: o que é autocuidado? É um conjunto de práticas que o resultado seria um equilíbrio, não só momentâneo, mas uma forma de se conhecer, olhar no espelho interior e sorrir de prazer consigo mesmo, reservar momentos de análise, práticas que lhe garanta saúde, paz, energia suficiente para se manter de pé, realizar nossas tarefas e consequentemente sentir prazer consigo mesmo pelo bem estar gerado e poder relaxar, sair desse ciclo esgotante e de grande adrenalina e tensão para dar conta da rotina diária.


Aí você pode me dizer que realiza alguns cuidados semanais, como disse anteriormente ligado a estética, ou para manter a forma, e isso é muito bom, isso também é um cuidado com a saúde física e emocional, mas será que isso é o suficiente? 

E aí pergunto: como você entende o que é um cuidado mais profundo sobre si mesmo? Ou acha tudo isso uma grande bobagem, porque entende que é capaz de dar conta da sua própria vida?

As práticas de cuidados com saúde mental através das psicoterapias e com o corpo, com as terapias holísticas que são medicinas tradicionais, vem nos ensinar e complementar esses cuidados básicos. Mostrar que o cuidado com corpo não é o suficiente, temos muito a aprender sobre nós, temos outros corpos, temos uma mente emocional, psíquica, energética, somos muito complexos, e aí mora o grande desafio desse cuidado, pois é tão amplo que colocar isso na vida prática, parece impossível, e eu digo não é, acredite!

Se ainda precisamos de mais, se sentimos que nosso emocional não anda bem, ando com raiva, me sinto sozinha, não saio do mesmo lugar, só corro, corro e nada anda, sou sempre perturbada em meus sonhos, durmo mal, tenho angústias e ansiedade, não consigo me sentir bem na presença de outras pessoas e quem dirá me abrir para que elas me ouçam.

Um dia desses ouvi uma pessoa no terreiro dizendo “nossa, antes de conhecer a terapia não sabia que seria tão importante, pois hoje não consigo mais viver sem”.
Outras participantes do Núcleo Obará sempre dizem “antes de conhecer as práticas integrativas não me conhecia, nem sabia o que era praticar uma meditação, falar de si mesmo era um grande desafio, pois não gostava de ser julgada, agora não sei mais viver sem este grupo.”

São diversas as formas de autocuidado que hoje podemos acessar, porém, temos que entender que o maior desafio é enfrentar nossos próprios medos e preconceitos. Entender que temos ferramentas internas para mudar a nossa conduta, comportamentos e avaliar melhor as escolhas e a forma que escolhemos para seguir em frente.

Ao ser convidada a fazer parte dessa coluna, ouvi a seguinte frase, você deve ter muito para falar”, ao afirmar que “nós não temos tempo para sermos nós mesmos, pois o sistema capitalista não nos permite nos conhecer”, e é sobre isso que estou falando aqui nessa coluna hoje.

Quando vamos ter tempo para nós, para respirar, para pensar, ser criativos, desenvolver nossos próprios projetos, escrever nossa própria história se estamos vivendo no automático, sem tempo e espaço para uma real auto descoberta, se conhecer realmente, ouvir sua própria história, saber como vai seu interior e saber de onde vem tanta pressa, tanta angústia, tanta dor e solidão. 

Temos que dar um primeiro passo. Um passo após o outro, sem perceber, já integramos vários cuidados e práticas que são naturais e não conseguimos mais viver sem, é maravilhoso.

Somos perseguidos por um processo externo que me parece tão adoecedor que nos separam em pedaços e depois nos dão pílulas mágicas para não sentirmos a dor, e assim seguimos, tomando muitas vezes doses altas de medicamentos para conseguir viver, porém, muitos de nós já estamos tão adoecidos, dependentes de algo para nos anestesiar, que deixamos quem somos para trás e seguimos sendo sombras do que um dia fomos, pois acreditamos tanto que temos que seguir em frente, sermos capazes de enfrentar tudo sozinhos, sermos tão fortes, que caímos nesse penhasco sem nos dar chance de sair desse buraco. 

Mas podemos e temos sim como reverter essas questões, darmos chances de sermos cuidados, de nos cuidar e a partir de práticas diárias, muitas delas pequenas, acessíveis e naturais, para que possamos sair do automático. 

Darmos chances de curar nossas feridas através do amor, do afeto e desenvolver nosso potencial, nos reservar uns minutinhos de descanso e criatividade, sermos mais felizes, pois temos direitos, temos desejos, mas quais são eles tão possíveis de serem vividos?

Deixo aqui uma questão para falarmos numa próxima sessão.

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Xenofobia no Brasil: Crime previsto por lei ainda atinge imigrantes refugiados e nordestinos

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No Brasil, a Xenofobia é crime previsto na Lei 9.459, de 1997, mesmo diante disso, esse tipo de violação atinge principalmente a população nordestina e imigrantes refugiados, que ao migrar para outras regiões sofrem os mesmos preconceitos.

Em entrevista ao Desenrola Aí, o jornalista venezuelano e imigrante refugiado, Carlos Escalona explica como a Xenofobia pode se manifestar de diversas formas, desde atitudes discriminatórias até violência física e verbal contra pessoas, nordestinas e imigrantes refugiadas.

“As pessoas associam a xenofobia apenas a quem vem de fora, mas esquecem que também existe uma xenofobia interna. Morando oito anos aqui em São Paulo, percebi que também existe uma xenofobia interna, com as pessoas que vem do nordeste, pelo jeito de falar, pelo jeito de vestir, são condutas que as pessoas vão normalizando e acham que é normal, mas não é normal, é xenofobia também”. Ressalta Carlos Escalona.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Articuladores políticos apontam impactos do racismo em candidaturas de pessoas negras

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Assim como o racismo permeia a sociedade como um todo, ele também está presente na política e reflete na candidatura de pessoas negras quando se trata do acesso a cargos institucionais de liderança, é o que afirma Nazaré Cruz. “O partido é a sociedade. Tudo que tu vivência aqui, tu vai vivenciar dentro do partido também, [inclusive] as desigualdades”.

Moradora do bairro Terra Firme, periferia localizada no distrito D’água, em Belém, no estado do Pará, Nazaré é militante do movimento negro e feminista, mãe, historiadora, de religião de matriz africana, e atualmente trabalha como diretora de assistência social.

Nazaré ressalta que a política não é um lugar pensado para as pessoas negras, o que influencia na pouca representatividade. “A dificuldade de pessoas negras e de mulheres negras, principalmente, se dá [porque] não somos as prioridades de investimento dos partidos”, menciona.

Articuladores políticos apontam impactos do racismo em candidaturas de pessoas negras.
Nazaré Cruz pretende disputar as eleições de 2024 como candidata a vereadora ou como vice-prefeita (Foto: arquivo pessoal)

Desde 2007, a diretora de assistência social é filiada ao PT e se candidatou duas vezes: a primeira para o cargo de vereadora em 2020, e em 2022 como titular de chapa em uma campanha coletiva para deputada estadual.

“Não estamos falando de representatividade se tem uma pessoa negra e 300 parlamentares homens brancos e de meia idade. Se na população brasileira somos 56%, o mínimo que se esperava é que tivéssemos uma representação semelhante ou próxima a esse número nos espaços de tomadas de decisão e [isso] não acontece ainda.”

Dú Pente, co-fundador da Juventude Negra Política.

Ivan Santos, conhecido como Dú Pente, é do bairro Bonsucesso, no distrito de Barreiro, periferia de Belo Horizonte. Pós-graduado em Ciência Política, Dú Pente teve duas experiências como candidato a vereador: em 2016, em um mandato coletivo que elegeu Áurea Carolina, a primeira vereadora negra de Belo Horizonte, e em 2020, com uma candidatura convencional.

Dú Pente é do bairro Bonsucesso, na periferia de Belo Horizonte, onde fundou a organização Juventude Negra Política. (Foto: arquivo pessoal)

“Estas identidades, negro, periférico, gay, pobre trazem camadas de violências simbólicas, sistêmicas e físicas que estão para além do cotidiano e que se reproduzem no nosso espaço institucional político”, coloca Dú Pente, que atualmente não é filiado a nenhum partido.

Em busca de soluções para lidar com os entraves e demais vivências que acumulou em sua trajetória política, em 2019, Dú Pente co-criou a Juventude Negra Política (JNP), uma organização da sociedade civil que tem o objetivo de promover a educação cívica e democrática no fortalecimento da democracia na América Latina, numa perspectiva antirracista.

Representatividade

A falta de recursos é o principal obstáculo apontado por Nazaré e Dú Pente na consolidação das candidaturas de pessoas negras. “Candidaturas de homens e mulheres negras em todos os partidos são as que menos recebem recurso e apoio para poder se desenvolver”, aponta Dú Pente.

Equipe da Juventude Negra Política, uma organização da sociedade civil. (Foto: arquivo pessoal)

Ele comenta que os partidos políticos estão preocupados com a propaganda da representatividade e não investem os recursos necessários para que pessoas negras e periféricas sejam eleitas. “Pouco importava, na prática, as questões relacionadas à representação para além do discurso”, menciona Dú Pente sobre sua experiência quando candidato.

“Nós não temos os sobrenomes das famílias tradicionais da política, nós somos cidadãos comuns, pessoas do povo e queremos disputar esse espaço também por entender que esse é o espaço do povo e ele precisa ser representado, já que a gente diz que tá numa sociedade democrática, essa representação precisa ser democrática.”

Nazaré Cruz é historiadora e atua na política partidária desde 2007.

Tanto a Nazaré quanto Dú Pente colocam que o financiamento é necessário para fazer campanha e que isso é indispensável quando se trata de candidaturas de pessoas negras e periféricas. 

“A gente precisa de recurso para pensar na sobrevivência de um candidato que faz campanha o dia inteiro e não pode trabalhar. Como que a pessoa se mantém? Um cara da quebrada, periférico, sem herança, sem grana, ele precisa de uma remuneração mínima”, exemplifica Dú Pente.

Dú Pente foi candidato a vereador em 2016 e 2020. (Foto: arquivo pessoal)

Nazaré menciona que candidaturas de pessoas brancas geralmente recebem apoio até antes do período eleitoral, e mesmo quando não se elegem são projetadas para as próximas eleições ocupando espaços de decisão e poder. “A gente percebe isso nas composições dos governos nas pós-eleições. É só você verificar quem vira secretário, quem vira presidente”, comenta.

Transparência e autodeclaração

Atualmente, as campanhas eleitorais são feitas a partir do financiamento público. Segundo Nazaré, a situação melhorou se comparado ao contexto em que os financiamentos eram privados, feitos por empresas. No entanto, isso não acabou com as desigualdades existentes. Ela também comenta que o financiamento específico para candidaturas de pessoas negras viabilizou uma presença maior desses corpos na disputa das eleições. A historiadora conseguiu financiamento público através do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) quando se candidatou.

“É importante registrar que nem todo mundo consegue acessar esse recurso porque a distribuição fica por conta da direção do partido. Ele tem que dar um percentual, mas isso não obriga que dê para todos os candidatos. Então [nem] todas as candidaturas negras ou de mulheres vão acessar o recurso”, explica Nazaré.

Dú Pente comenta que não existem critérios objetivos de como internamente esses recursos serão distribuídos, o que contribui para que o racismo se faça presente nessa distribuição dos recursos. A autodeclaração de pessoas negras para obtenção de recursos é outro ponto que o cientista político coloca a necessidade de fiscalização e regulamentação para que não fique a critério da subjetividade de quem está no poder das instituições.

Nazaré faz parte da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN). (Foto: arquivo pessoal)

“Depois da luta organizada dos movimentos negros do Brasil para que houvesse uma distribuição equânime dessa cota do fundo eleitoral para candidaturas negras, teve esse fenômeno da autodeclaração de pessoas que nunca se identificaram como negros antes e têm um fenótipo [em que] o privilégio racial os acolheu a vida inteira [e] passaram a se beneficiar desse fundo”, coloca Dú Pente.

Apesar dos avanços, a permanência de pessoas negras na política é um processo por vezes solitário e atravessado por violências. Dú Pente cita como exemplo o crime político que assassinou Marielle Franco, em 2018.

Nazaré e Dú Pente apontam que se organizar em coletivo é uma estratégia indispensável para lidar com o racismo e seus desdobramentos dentro dos espaços políticos. “Uma das estratégias é permanecer na militância com os movimentos sociais. Ninguém consegue chegar a lugar nenhum sozinho e [nem] fazer esses enfrentamentos sozinho”, ressalta Nazaré.