Dos anos 90 ao século XXI: o acesso da juventude periférica ao mercado de trabalho

Edição:
Redação

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Das agências de emprego aos portais de recrutamento e seleção. O que mudou, melhorou e regrediu no cotidiano do jovem periférico que está em busca da primeira oportunidade no mercado de trabalho? A reportagem do Desenrola apresenta olhares de personagens que viveram esse processo em épocas diferentes, mas enfrentaram desafios semelhantes. 

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Vila das Belezas – zona sul, São Paulo 2019 (Foto: Dicampana FotoColetivo)

Na década de 90, a taxa de desemprego na grande São Paulo chegou a 19,3%, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), acarretando numa crise que afetou milhões de trabalhadores na época.

Essa instabilidade econômica impactou principalmente a população que procurava a primeira oportunidade de atuação profissional entre os anos de 94 a 99. Neste contexto, os jovens moradores das periferias vivenciaram uma série de situações constrangedoras para entrar no mercado de trabalho.

Assista a vídeo-reportagem.

Casos de racismo e discriminações devido ao tipo de vestimenta, porte físico e estético, além do rótulo negativo pela região de moradia representam histórias de moradores que participaram de processos seletivos numa época, na qual a agência de emprego era o principal elo entre candidato e empresa. Além disso, nos anos 90 os jovens das periferias conviviam com a inexistência de políticas públicas de acesso as universidades, o que dificultava ainda mais a conquista do primeiro emprego.

Quanto tinha 20 anos, Fabiana Alves, pedagoga e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo, sonhava com o primeiro emprego, mas as exigências e a forma como as agências procediam em relação ao atendimento dos jovens na época, era segundo ela um completo desrespeito e muito preconceito. Hoje, com 44 anos e mãe de dois filhos, a pedagoga se emociona ao recordar as situações de conflito racial que a sua geração enfrentou na década de 90.

“Naquela época você tinha que ser impecável, porque se você não fosse uma pessoa impecável, você não tinha valor, você não conseguia entrar no mercado de trabalho. Pelo fato de você ser negra, tudo se tornava mais difícil, então assim, você tinha que sair de social, tinha que estar com o cabelo impecável e arrumado”, descreve ela, detalhando as exigências e critérios estéticos que ficavam expostas na porta das agências de recrutamento.

“Tinha uma placa gigante ensinando como o homem deveria se vestir para procurar emprego e como a mulher deveria se vestir. O preconceito por causa da sua cor era muito grande. Eu derramei muitas lágrimas principalmente por causa de preconceito, porque assim, você acha que isso ainda não acontece, mas isso acontece hoje, e os jovens não percebem isso às vezes, mas hoje está diferente: você pode falar da sua cor, do seu cabelo, pode usar o que você quer, mas naquela época não”.

lembra Fabiana Alves.

Fabiana ainda ressalta que a geração de jovens de hoje possui acesso a informação com a era da internet, bem como às políticas públicas que auxiliam os jovens a ingressar na universidade e o jovem aprendiz, que é um grande passo para colocar a juventude em contato com o primeiro trabalho, coisa que não existia em sua época.

“Você não tinha as informações que você tem hoje, antigamente você tinha que sair de agência em agência e de porta em porta, hoje não. Hoje os jovens têm a internet pra você procurar emprego, você tem o programa de jovem aprendiz, coisa que não existia naquela época. Não existia o PROUNE, FIES e ENEM. Minha meta era entrar na faculdade para conseguir emprego, essa era a meta de muitas pessoas naquela época. Você entrava na universidade e ficava no mínimo seis meses pra conseguir emprego. Você passou na experiência dos 90 dias? Pronto. Pode sair da faculdade agora, e seja o que Deus quiser”, explica.

19 anos após o final da década de 90, a juventude periférica ainda continua enfrentando grandes desafios para acessar o mercado de trabalho. Entre 2013 e 2018, a taxa de desemprego se manteve acima de 10% no estado de São Paulo. Em 2017, o Dieese registrou uma alta de 18%, um cenário de crise bem próximo do que foi vivenciado pela moradora do Grajaú, nos anos 90.

Segundo o economista e também morador da periferia Alex Barcellos, a era da tecnologia possibilitou aos jovens terem um maior acesso ao primeiro emprego. Ele também ressalta a importância de fazer a distinção entre trabalho e emprego. “O trabalho é uma profissão em si, o jovem tem uma perspectiva em cima de uma profissão, já o emprego é emergencial, estamos numa conjuntura que não favorece.”

Barcellos também compara os dias atuais com anos 90, enfatizando que à época não existia essa facilidade do acesso tecnológico. “Hoje existem avanços em acessos, mas ainda existem muitas dificuldades e desafios para esse jovem que está na periferia. Você consegue hoje ter condições mínimas de possibilidades e perspectivas para a juventude, mas pela conjuntura atual elas podem ser desconstruídas, talvez a gente regresse em um passado, que não foi trabalhado na perspectiva de juventude.”

Já para a jovem Vitória Guilhermina, 19 anos, moradora do Rio Pequeno, território periférico da zona oeste de São Paulo, a tecnologia possibilita o acesso da sua geração a se conectar com diversas vagas de emprego, porém, as exigências de experiência e formação profissional em diversos aspectos para a mesma vaga não favorece ao jovem disputar esses espaços.

“Esse fácil acesso facilita e desmotiva o jovem. Facilita porque você envia seu currículo online, mas desmotiva porque você não vai conseguir aquele emprego. Você faz inscrição para 30 sites e nenhum te chama pra fazer uma entrevista se quer e isso é deprimente”.

reconhece Vitória Guilhermina.

Vitória conseguiu seu primeiro emprego como Jovem Aprendiz no banco Itaú e atualmente trabalha como jovem monitora cultural, por meio do programa Jovem Monitor Cultural (PJMC), programa de formação e experimentação profissional em gestão cultural para as juventudes, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) da Prefeitura de São Paulo.

“Acho muito importante você dar essa oportunidade para um jovem que nunca entrou no mercado de trabalho, acho que a gente precisa ter essa oportunidade para poder ter essa experiência que eles exigem. E o jovem monitor é isso. O jovem monitor eu acho que é mais importante, por essa questão de envolver a cultura, a gente fica ligado à cultura do nosso bairro, a espaços culturais, você dá o espaço desse jovem produzir dentro do espaço dele, dentro de onde ele mora, do bairro dele”, argumenta Vitória.

Desafios que persistem

Mais de 20 anos após o final da década de 90, a juventude periférica ainda continua enfrentando grandes desafios para acessar o mercado de trabalho. Entre 2013 e 2018, a taxa de desemprego se manteve acima de 10% no estado de São Paulo. Em 2017, o Dieese registrou uma alta de 18%, um cenário de crise bem próximo do que foi vivenciado pela moradora do Grajaú, nos anos 90.

Segundo o economista e também morador da periferia Alex Barcellos, a era da tecnologia possibilitou aos jovens terem um maior acesso ao primeiro emprego. Ele também ressalta a importância de fazer a distinção entre trabalho e emprego. “O trabalho é uma profissão em si, o jovem tem uma perspectiva em cima de uma profissão, já o emprego é emergencial, estamos numa conjuntura que não favorece.”

Barcellos também compara os dias atuais com anos 90, enfatizando que à época não existia essa facilidade do acesso tecnológico. “Hoje existem avanços em acessos, mas ainda existem muitas dificuldades e desafios para esse jovem que está na periferia. Você consegue hoje ter condições mínimas de possibilidades e perspectivas para a juventude, mas pela conjuntura atual elas podem ser desconstruídas, talvez a gente regresse em um passado, que não foi trabalhado na perspectiva de juventude.”

Já para a jovem Vitória Guilhermina, 19 anos, moradora do Rio Pequeno, território periférico da zona oeste de São Paulo, a tecnologia possibilita o acesso da sua geração a se conectar com diversas vagas de emprego, porém, as exigências de experiência e formação profissional em diversos aspectos para a mesma vaga não favorece ao jovem disputar esses espaços.

“Esse fácil acesso facilita e desmotiva o jovem. Facilita porque você envia seu currículo online, mas desmotiva porque você não vai conseguir aquele emprego. Você faz inscrição para 30 sites e nenhum te chama pra fazer uma entrevista se quer e isso é deprimente”, reconhece Guilhermina.

Vitória conseguiu seu primeiro emprego como Jovem Aprendiz no banco Itaú e atualmente trabalha como jovem monitora cultural, por meio do programa Jovem Monitor Cultural (PJMC), programa de formação e experimentação profissional em gestão cultural para as juventudes, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) da Prefeitura de São Paulo.

“Acho muito importante você dar essa oportunidade para um jovem que nunca entrou no mercado de trabalho, acho que a gente precisa ter essa oportunidade para poder ter essa experiência que eles exigem. E o jovem monitor é isso. O jovem monitor eu acho que é mais importante, por essa questão de envolver a cultura, a gente fica ligado à cultura do nosso bairro, a espaços culturais, você dá o espaço desse jovem produzir dentro do espaço dele, dentro de onde ele mora, do bairro dele”, argumenta Vitória.

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta, Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento, TV Grajaú – SP, DiCampana Foto Coletivo e Nós, mulheres da periferia, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

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