“Acredito que é pela educação que a gente pode transformar, pelo menos, uma parte da nossa vida social”, é assim que João Nakacima descreve sua vivência na educação pública. Professor de Artes no EJA (Educação de Jovens e Adultos), no CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, ele começou a carreira na rede estadual, deu aulas a alunos do ensino fundamental e médio e, desde 2019, atua exclusivamente com jovens e adultos que desejam retomar os estudos.
Seu exemplo vem de casa. João é filho de uma educadora da rede pública, Emiko Nakacima Amendola, que o levava para algumas aulas quando não tinha com quem deixar o filho. Ainda criança, ele ficava ali, sentado, absorvendo as atividades. Antes, enquanto ela cursava a faculdade de história, grávida, ele também já a acompanhava ainda na barriga. “Desde muito cedo, tive esse contato com a vida acadêmica e com o ambiente da educação pública”, divide.
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O grupo para o qual o professor dedica sua vida profissional, possui 2,4 milhões de estudantes no Brasil, de acordo com o Censo Escolar 2024.
Diante de vários contextos, histórias, e de diferentes motivos que fizeram muitas pessoas interromperem o ciclo dos estudos, o professor destaca que acompanhar os alunos do EJA expõe camadas que dão ainda mais sentido ao seu trabalho.
“O que me motiva e me mantém na EJA é ver como, apesar de todas as dificuldades, essas pessoas voltam à escola com vontade de aprender, de recuperar o tempo perdido. Muitos têm o sonho de concluir os estudos, outros querem simplesmente aprender a ler e escrever.” João Nakacima é professor de Artes no CIEJA Campo Limpo, zona sul de São Paulo.
Retornar aos estudos, segundo ele, é como um ato de coragem. “Há também estudantes com deficiências múltiplas — físicas, intelectuais — que, por muito tempo, foram tratados como invisíveis [pela educação formal]. Ver essas pessoas hoje incluídas, aprendendo coletivamente, sendo respeitadas, é muito bonito”, conta.
João lembra que os professores enfrentam inúmeros motivos para desacreditar do ensino, já que os índices educacionais revelam grandes desafios, somados ao adoecimento psíquico, à sobrecarga e às precárias condições de trabalho. Mas mantêm o otimismo diante dos desafios.
“Eu acredito que, enquanto docentes, existe um lugar de otimismo moral que precisamos preservar. Não é um otimismo cego, descontextualizado, mas um otimismo que reconhece os desafios e, mesmo assim, escolhe enfrentá-los.” João Nakacima é professor de Artes no CIEJA Campo Limpo, zona sul de São Paulo.
A base que sustenta essa sua esperança na educação pública de qualidade é, sobretudo, a potência humana. “É sobre o quanto nós, enquanto indivíduos, somos ricos nas nossas nuances, nas nossas particularidades. A educação é justamente essa ponte, essa troca constante entre quem ensina e quem aprende”, compartilha.
O aprendizado construído de forma conjunta é uma das descobertas desse caminho. “Quando a gente se permite enxergar o outro, e também a nós mesmos, dentro desse processo, percebemos o quanto há de potência em cada pessoa: a capacidade de aprender, de se experimentar, de se transformar”, reflete.
Esperançar o futuro
Na Escola Estadual Júlia de Castro Carneiro, localizada em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, a professora de história, Joelma Moraes, também tem apostado na educação como ferramenta de transformação de sujeitos e contextos.
Nascida em São Roque e criada em Mairinque, ambas cidades localizadas no interior de São Paulo, ela conta que foi lá que nasceu a paixão e admiração pelos seus próprios professores. “Sempre estudei em escola pública, e como minha cidade era pequena, todo mundo se conhecia, inclusive os professores, que moravam perto das nossas casas. Para mim, isso fez toda a diferença”, lembra.
Antes de se tornar professora, Joelma trabalhou no comércio. A maternidade e o desejo de ficar mais próxima do filho a levaram a mudar para a região metropolitana de São Paulo, onde encontrou oportunidades na educação. Desde 2020, leciona História para alunos do ensino médio e diz: “Ser professora é uma responsabilidade enorme, pois sempre respeitei meus próprios professores, que mostraram que a educação transforma e abre portas e janelas, muito além [daquilo que já conhecemos].”
“Atuar na educação pública é você saber que ensinar não é apenas conteúdo escolar. A gente se envolve profundamente com histórias de vida, [exerce] cuidado, atenção. Muitas vezes, o professor acaba sendo um psicólogo e até visto como uma figura materna/paterna para muitos.” Joelma Moraes é professora de história na E.E. Júlia de Castro Carneiro, em Itapecerica da Serra, SP.
Essa realidade relatada pela educadora reflete o panorama educacional do país. O Brasil registra hoje a maior população jovem da sua história, com cerca de 51 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos (IBGE 2022), muitas delas em situação de vulnerabilidade e com menos acesso à educação e ao trabalho formal.
Segundo o Censo Escolar da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2024, o Brasil tinha 47,1 milhões de matrículas na educação básica, uma leve queda de 0,5% em relação a 2023. A rede pública caiu para 37,6 milhões de matrículas, enquanto a privada cresceu para 9,5 milhões. No ensino fundamental, foram 26 milhões de matrículas, com maior queda nos anos finais (3,6%) do que nos iniciais (2%). No ensino médio, 7,8 milhões de alunos estavam matriculados, com 83,1% na rede estadual e 13,2% na privada, representando um aumento de 1,5% em relação a 2023.
Outro levantamento do Inep mostra que, na educação superior, 33% dos concluintes do ensino médio em 2023 se matricularam em 2024. Por tipo de rede, a proporção foi de 64% na federal, 27% na estadual e 60% na privada. No total, o Brasil contabilizou 10 milhões de estudantes no ensino superior.
A professora conta que muitos de seus alunos vivem em contextos marcados por violência e vulnerabilidade social, o que afeta a autoestima e a crença no próprio potencial. “Quando chegam à sala de aula, procuro mostrar a eles que [mesmo o caminho não sendo igual para todos] podem transformar essa realidade. […] Podem se tornar bons profissionais e com isso garantir uma vida digna, criar uma família, conquistar sua casa. Nem todo mundo vai ficar rico, mas podem se orgulhar de ser bom naquilo que fazem.”
Ela reforça que sua própria história se entrelaça com a de muitos de seus alunos. “A gente que vem do interior, não tem essa ideia de projetar a vida para o futuro. Cresci em uma realidade mais prática, fazia o que era possível. Minha mãe, empregada doméstica, dizia que eu não poderia seguir o mesmo caminho. Então, o máximo com que sonhava era em ser uma secretária administrativa. Só depois descobri minha verdadeira vocação: ensinar”, diz.
“Eu poderia ter seguido outro caminho, mas escolhi e sigo escolhendo ser professora. Acreditei que, por meio da educação, poderia transformar vidas e ajudar a construir uma comunidade melhor”, finaliza Joelma.