Em meio à crise educacional causada pelo descaso do governo com a segurança e saúde da população das periferias, problemas que antes eram escondidos por trás de um discurso onde os professores eram vilões, que iriam ensinar o comunismo começaram a mostrar sua verdadeira face, talvez só um prédio não seja uma escola.
A educação de qualidade tem um preço e poucos podem comprar, com o ensino remoto podemos observar melhor o que já era realidade a muito tempo, os alunos da rede pública vivem em descaso constante e não possuem ferramentas de estudo, assim como os professores que trabalham sem parar e não recebem nem um salário que possa pagar as próprias contas, muito pelo contrário, a realidade são professores exaustos com depressão, ansiedade e morrendo aos poucos na frente de seus alunos.
Enquanto o governo mostra alunos com notebooks de 12 mil reais, brancos e com quartos individuais, a realidade mostra alunos precisando trabalhar no meio de uma pandemia, vivendo em condições precárias ou de constante sobrevivência e sem recursos para acompanhar as aulas.
O governo mostra professores do Estado ora como pessoas que trabalham por amor, ora pessoas que são demoníacas e vão levar seu filho para o comunismo! A realidade mostra professores adoecendo mais a cada ano, sacrificando seu salário para comprar material para aula, sem perspectiva de futuro, pois a cada ano as categorias aumentam e nada de concursos, o salário é baixo e a exaustão é alta para lidar com várias salas de 40 alunos cada. Parece que o amor acaba mais cedo ou mais tarde sob essas condições.
Então as pessoas deveriam lutar mais? Cobrar mais? Ora vamos lá perder o olho, levar bomba na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) ! O buraco é muito mais fundo, embora professores permaneçam lutando e resistindo, o Estado retribui sempre com gás de pimenta, tiro de bala de borracha e depois diz que não sabia, diz que os professores eram baderneiros! Nossa que baderneiros horríveis!
Numa realidade onde a escola não tem papel higiênico, nem sabão, uma realidade onde existem meses que eu no ensino médio só comia biscoito de água e sal, uma realidade onde nosso governador quis dar ração para as crianças, somos animais para este governo, um lote inteiro que só não precisa morrer todos juntos!
Essa escrita parece ácida e triste, mas eu não gosto de escrever com rodeios, de um lado temos uma pressão para esses professores permanecerem na luta, de outro um estado que não se importa em colocar sua polícia para espancar professores, a exaustão aumenta, o estresse aumenta, o amor acaba, o amor tá tentando continuar…
Mas então tudo o que é público é ruim? Não. É necessário reafirmar que a educação pública é necessária, mas além de universal deve ter qualidade e estar aliada a outras políticas públicas, a educação vive e reflete a sociedade então a mudança deve ser muito mais profunda.
Além do problema dentro da escola temos a realidade cruel onde o maior fator para abandono escolar é trabalho. Segundo o IBGE 10,1 milhões de jovens não completaram sequer a educação básica, pesquisas nos mostram também que a maior parte dos jovens de periferia tem o primeiro contato com um trabalho precário.
A culpa não é deles!
Tive o privilégio de terminar o ensino médio e entrar numa universidade, mas acompanhei muitas histórias ao meu lado diferentes, muitos jovens indo do trabalho para a escola, muitos jovens sem acesso a contraceptivos e engravidando na adolescência, muitos que se viam como “burros”, quando eu entrei nas salas de aula como estagiária vi a mesma história, era como reviver meus anos de ensino médio.
A maior parte dos alunos não se sente capaz, muitos trabalham desde os 14 anos, desde infância, se tornaram adultos enquanto eram crianças, e de que vale a pena continuar estudando? Essa pergunta ronda muitas cabeças onde a prioridade é não passar fome.
Tudo isso acontece pelo descaso com a educação e com a juventude que ao longo dos anos vem aumentando, a realidade é cruel. Alunos passando fome por dependerem da merenda escolar, e segundo dados da Fundação Abrinq, em 2019 60,3 milhões de pessoas declaram viver com renda per capita de meio salário-mínimo, R$, 499 e 26,3 milhões declararam viver com metade disto, apenas R$ 249,50.
Esse cenário fica mais triste quando os dados mostram que 18,8 milhões de crianças até 14 anos vivem em condição de baixa renda, destes 5,3 milhões estão em São Paulo.
Como querer estudar se eu não comi nada hoje?
Se alguém souber como, por favor, explique, pois eu acho impossível, além disso, o governo não faz nenhuma política concreta de permanência escolar, ou seja, esses alunos vivem num constante limbo.
Nem a pandemia, nem a vida são iguais para todos e a educação de qualidade passa a ser algo que poucos podem comprar, nessa sociedade onde te ensinam que existe mérito e se você não conquistou algo é culpa sua. A educação é uma mercadoria para se vender, mas sabemos que tudo isso é conversa para boi dormir!
Contudo, eu ainda sigo afirmando que Paulo Freire não errou, devemos esperançar para não desistir e lutar, assim já tomamos nossos espaços e devemos continuar para que possamos um dia mudar os dados onde apenas 36% dos alunos de ensino superior vieram de escola pública, não somos números, nem saco de pancada, somos histórias e potencial. Todavia o projeto continua sendo ter sempre uma crise na educação, cortar asas para que pássaros não possam voar.
Apesar de ver tudo isso, eu também noto nos jovens uma esperança, o acesso lhes deu a oportunidade de se reconhecer, eles questionam muito mais do que eu vivenciei há três anos atrás quando eu estava no ensino médio. Todos os dados tristes que trouxe nesse texto foi a fim de propor uma reflexão sobre a realidade ao redor e sobre os nossos, relembrar é preciso, transformar é uma necessidade.
A periferia segue sendo uma potência, um lugar do qual eu tenho orgulho de viver e que me inspira a partir das pessoas que vivem e resistem nela, e com certeza se fomos perguntar a nossos pais eles diriam que as coisas melhoraram, a partir de muita luta.
Nós não fracassamos, nós na realidade estamos levantando a nós mesmos e aos nossos por meio de redes de apoio, cursinhos populares, iniciativas de bairro, um jornal da própria quebrada. Agora somos nós que vamos escrever nossas histórias.
“Pobreza não quero mais
A caneta é meu troféu
Borda as palavras no papel
É tudo o que quero dizer…”
-Tula Pilar, Sou uma Carolina.