“Portando os docs”: projeto fortalece articuladores periféricos com apoio de políticas públicas

Edição:
Evelyn Vilhena

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Criado pela produtora Wiki Cultural, o projeto busca compartilhar ferramentas para que artistas e agentes culturais possam aprimorar seus trabalhos e acessar políticas públicas.

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Oficina Criação Audiovisual Pela Lente da Favela, com Rafaela Araujo e  Julia Araújo (Foto: Gael DK)

Portando os Docs, é um projeto da produtora cultural Wiki Cultural, criada por Natália Freires, Rafaela Leão e Rafaela Alves. A produtora nasceu e foi colocada no mundo por meio da política pública Jovem Monitor Cultural, e teve continuidade nos projetos através do Programa Criatividades, gerido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Tendo como principal público artistas e agentes culturais das periferias, o projeto realiza encontros formativos com foco em produção, administração e demandas burocráticas, pontos fundamentais nas contratações de agentes culturais, principalmente através de editais. A Casa de Cultura São Rafael, localizada na região leste de São Paulo, é o espaço que abriga os encontros do projeto.

“Fizemos a primeira semana do Democratizando a Cultura para tratar de produção artística. Teve encontro para falar sobre identidade visual, documentação de pessoa jurídica e física. Isso tudo no meio da pandemia, pessoas pedindo documentação no zap, material de apoio, e foi aí que entendemos a grandiosidade do que estávamos fazendo”, conta Natália, e complementa contando que no meio desse processo foi aprovada no Programa Criatividades para continuidade do projeto.

“O Portando os Docs também vem em um lugar de trabalhar a autoestima, de conseguir ver outra pessoa que veio do mesmo lugar que você, da periferia, conseguindo se sustentar da arte. O segundo [ponto] é mostrar caminhos para isso de uma forma até prática mesmo”

Natália Freires

Encontro produção teatral por trás das cortinas (Foto: Vitorr Barbosa)
Encontro audiovisual pela lente da favela (Foto: Gael DK)
Feira de livros e Slam da Ponta (Foto: Naomi Brian)
Encontro a encruzilhada do circo de rua (Foto: Naomi Brian)
Encontro produção na dança
Encontro a escrita como profissão (Foto: Naomi Brian)

A produtora e articuladora cultural, Natália Freires, uma das criadoras da produtora Wiki Cultural, explica que o nome da produtora é em referência ao Wikipedia, como uma possibilidade de um registro digital dos fazeres periféricos. Ela conta que além do Portando os Docs, já realizaram outros projetos também com foco em documentação e demandas jurídicas dos artistas da quebrada.

“O nome [do Portando os Docs] vem desse lugar dos malotes, porque primeiro para portar o dinheiro, precisamos portar a informação, a documentação para ele chegar. Vem nesse espaço de ‘vamos conseguir o dinheiro'”, conta Freires. Ela afirma que mesmo tendo sido idealizado por ela, a realização é feita com muitas outras mãos, além da articulação com os jovens do Programa Criatividades. 

Território: aprendizado e movimento

Natália relata que percebe uma mudança no público desde a primeira atividade. “No primeiro, a maioria que veio não era exatamente do território de São Rafael, e no último a maior parte era da região. Esse pertencimento tem crescido, e elas têm se apropriado mais dessa temática”, aponta. 

“Cada encontro é muito diferente um do outro, até pela temática. O público que aparece é muito diferente, do teatro eram pessoas que conversavam sobre si. Foi incrível ver que todo mundo colocou a própria vivência e saiu sabendo como escrever um projeto para Secretaria Municipal de Cultura”

Natália Freires

A produtora cultural ressalta a importância de políticas públicas para apoiar esse conhecimento e arte produzida por quem vive nos territórios. “O tempo todo eu pauto a importância de ser remunerado pelo nosso trabalho, então o programa Jovem Monitor Cultural e Criatividades vem nesse lugar”, afirma.

Natália reforça também a necessidade de potencializar a quebrada para produzir. “Ninguém melhor do que a gente que vive no nosso território, vivendo nossas ausências e potencialidades, conhece nossas ruas para falar sobre elas, para tentar suprir e modificar as estruturas”.

A produtora coloca que os programas têm impactos que vão além do mensurável, reforçando a busca pela continuidade dos apoios para atender mais jovens e moradores das quebradas.

“O meu projeto foi 1 de 98 que estão acontecendo. Existem outros 97 projetos que mudaram e impactaram seus territórios. 98 jovens que tiveram a oportunidade de se aprofundar em produção cultural e não passar por uma situação de desamparo financeiro”, aponta. 

Autoafirmação 

Oficina Portando os Docs – Foto: Gael DK

“A cultura, a arte, é uma promoção de cidadania, dignidade, educação, então levantar esses artistas para enfrentar a trajetória artística é potente, ainda mais porque consumir arte é muito bom, mas consumir arte de alguém que é semelhante a você é uma outra coisa”

Leandro Reinaldo

Leandro Reinaldo, 19 anos, é integrante do grupo de teatro Ponto de Ser e morador do Parque São Rafael, nas redondezas da Casa de Cultura. O artista esteve presente em quase todas as formações do projeto. “Como artista independente e de periferia, é muito difícil a gente ter acesso a pessoas que ensinam, que estão dispostas a te incluir nesse meio, traçar essas rotas para além de ter uma referência de alguém de quebrada que conseguiu chegar em tal lugar e monetizar aquilo que ela faz”, compartilha.

Era possibilidade distante de Leandro se enxergar ganhando dinheiro no seu trabalho artístico. “Impactou no sentido de ver aquilo como possível, de ver que eu estou próximo de conseguir monetização com meu trabalho, de me ajudar a encontrar essas rotas, que editais existem, que documentos são importantes ter, que não necessariamente eu preciso ter uma faculdade para ser valorizado”, pontua o artista. 

“Quando você é de periferia tem muitos dialetos e formas que não são próximas, e ao mesmo tempo que se usa um dialeto simples nas formações, também oferece as armas da oralitura, para que você converse com os editais e contratantes”

A produtora cultural Natalia Freires aponta que o projeto também dialoga muito sobre a autoestima, tanto em se enxergar como artista, quanto em ser contratado para falar sobre um corre artístico.

“Algumas pessoas que eu contratei, quando liguei e falei ‘oi, tenho um projeto, estou com a tal ideia, você quer dar uma palestra?’, a pessoa leva um choque”, relata Natália sobre fortalecer a visão do artista da quebrada também o remunerando para falar sobre sua vivência e trajetória.

Algo muito parecido aconteceu com Leandro, enquanto artista que estava participando das formações. “Foi a primeira vez que alguém do meu território me enxergou como artistas também e está disposto a sentar comigo e trocar sobre caminhos e vivências. Consegui falar e me ver como artista de verdade”, afirma Leandro.

A produtora aponta que o projeto continua sendo realizado na Casa de Cultural São Rafael e que segue estudando formas de chegar em outros espaços. “Esse trabalho de não produzir pra favela, mas chamar a favela para produzir, é um movimento que dá certo”, finaliza Natália. 

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