“A gambiarra é a maior sustentabilidade que eu já vi”: educadora ambiental explica o impacto da permacultura nas periferias

Evellyn Correia, integrante da Coletiva Rizoma, iniciativa atuante nas quebradas da zona sul de São Paulo, demonstra como a permacultura está presente e se relaciona com os territórios periféricos.
Por:
Viviane Lima
Edição:
Ronaldo Matos

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A sede da Coletiva Rizoma está localizada no Vila Calu, bairro da zona sul de São Paulo. Esse espaço comporta um estúdio de música, que foi construído através da mistura de tecnologias sustentáveis, tendo como base a bioconstrução, que também é uma ferramenta da permacultura. Esse local demonstra também como a permacultura pode estar presente nos territórios periféricos.

A proposta da sede da coletiva Rizoma é ser um local que além de ser um estúdio de música, também é um lugar de disseminação de arte e de cultura. Há uma rede de músicos e artistas vinculados ao Rizoma e foi da dificuldade de acessar um estúdio de música, que surgiu essa vontade de ter um estúdio.

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Evellyn Correia, 25, moradora do Campo Limpo, que integra o coletivo Rizoma, explica que a proposta do local é viabilizar o acesso de artistas independentes e periféricos, potencializando a arte que é produzida nesses territórios. “[Tem] esse lance da partilha justa também que a permacultura traz”, sinaliza.

Além de educadora ambiental, Evellyn é permacultora e bioconstrutora com vivências em diversos projetos de permacultura nas periferias. Nessa trajetória, a palavra sustentabilidade tão conhecida no debate socioambiental ganhou outro significado. “A famosa palavra gambiarra é a maior sustentabilidade que eu já vi, tá ligado? A gente está a todo momento reciclando coisas que se transformam”, afirma. 

Transformação da vida no território

Apesar do termo permacultura e o seu desenvolvimento como ciência e ferramenta, ter sido elaborado na década de 70, na Austrália, por dois professores, o Bill Mollison e o David Holmgren, esse distanciamento de tempo, espaço e cultura presente na criação do termo não impede a sua forte relação com as demandas que há em muitas quebradas.

“Em uma casa na quebrada, você pode fazer instalações de diversos tipos. Pra que eu vou gastar a água da Sabesp, que já não está tão barata, se eu consigo instalar um sistema de captação de água, de chuva, de baixo custo na minha casa? A gente tenta trazer todos esses conceitos da permacultura com esse viés da periferia.”

Evellyn Correia, permacultora e educadora ambiental
Integrantes da Coletiva Rizoma: Heloisa David, Evellyn, Alexys Àgosto, Wagner Mazzini, Armr'ore Erormray (foto: Viviane Lima)
Integrantes da Coletiva Rizoma: Heloisa David, Evellyn, Alexys Àgosto, Wagner Mazzini, Armr’ore Erormray (foto: Viviane Lima)

A partir das suas experiências no Coletivo Rizoma, atuando como educadora ambiental, permacultora e bioconstrutora, Evellyn afirma que “a permacultura deveria ter vindo, principalmente, para a periferia, porque ela gera soluções que melhoram a nossa qualidade de vida e melhoram as nossas relações.”

“A permacultura traz toda uma maneira de se relacionar com a vida. Os princípios da permacultura são: cuidar da terra, cuidar das pessoas e compartilhar os excedentes, ou partilha justa. E é exatamente o que a gente faz aqui [na coletiva Rizoma]”, explica Evellyn Ingrid Nascimento Correia, moradora do Campo Limpo.

Projeto de cisterna efetuado pela Evellyn (foto: arquivo pessoal)
Projeto de cisterna efetuado pela Evellyn (foto: arquivo pessoal)

ANCESTRALIDADE

A ancestralidade está diretamente ligada à permacultura. Evellyn destaca que uma das formas de acessar a permacultura é através da observação dos saberes dos “nossos mais velhos”.

“A permacultura na verdade é um nome que se deu a um conjunto de saberes ancestrais, porque o que a gente fala hoje na permacultura é muito do que já existe. Aquele termo africano, sankofa, ele é muito sobre isso de você sempre retornar ao seu passado, para você construir o seu futuro.”.

Evellyn Ingrid Nascimento Correia, 25, educadora ambiental, permacultora e bioconstrutora. Moradora do Campo

Ela também pontua que a primeira coisa a se fazer para explorar as possibilidades que há na permacultura é “ir atrás de quem pode te ensinar”. E que nesse processo é importante “começar a viabilizar os nossos e valorizar os conhecimentos da quebrada”, destaca a educadora ambiental.

Conforme o relato de Evellyn, as políticas públicas para a implementação da permacultura em espaços educacionais e culturais são providências essenciais, para que as pessoas tenham acesso a essas ferramentas e às possibilidades de melhorias que elas podem proporcionar. 

Machismo e questões de classe

Apesar de todos os aspectos positivos que há na permacultura, esse universo não está livre de problemas sociais. “O machismo está aí. Eu já sofri muito preconceito, principalmente, na bioconstrução”, conta Evellyn, desmistificando a possível ideia de que o movimento da permacultura seja algo perfeito: “quando você entra no movimento é que você vai conhecendo as violências estruturais, elas estão presentes em todos os nichos sociais e aí é outra luta ali dentro pra você conseguir conquistar o seu espaço”.

Primeiro dia do Curso de Permacultura Popular, no Espaço Cultural Cita (Foto: Arquivo Pessoal)
Primeiro dia do Curso de Permacultura Popular, no Espaço Cultural Cita (Foto: Arquivo Pessoal)

A questão de classe é outro fator que na prática interfere diretamente no acesso aos conhecimentos que a permacultura engloba. Evellyn aponta que “a galera que tem grana se apropriou [da permacultura]. A primeira vez que eu vi um curso de permacultura, o curso custava 4.000 reais. Como que eu ia pagar [esse valor]?”.

No entanto, hoje na periferia há movimentos para que a permacultura se torne mais difundida e uma dessas iniciativas ocorre no Espaço Cultural Cita, gratuitamente. O Curso de Permacultura Popular é uma iniciativa do projeto Ecoa Sampa em parceria com a Associação ProBrasil, está em sua primeira edição e tem a Evellyn como membro da equipe de educadores.

“A gente está desenvolvendo encontros todos os sábados, com uma turma de mais ou menos 30 pessoas, onde a gente fala sobre os conceitos da permacultura, a gente fala sobre saúde e bem-estar social, que eu acho que é isso o que a permacultura traz. Esse estado onde você ganha qualidade de vida e aqui na quebrada, na verdade, é basicamente o que a gente não tem”, conclui Evellyn.

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