Como combater uma pandemia com doação de cestas básicas e kits de higiene? Em busca de uma resposta, entrevistamos atores sociais que fazem parte de 14 iniciativas de base comunitária nas periferias de São Paulo e cidades vizinhas, como Osasco e Taboão da Serra. Essa é a primeira reportagem da série “Gestão da Ausência”, na qual o Desenrola, por meio do Info Território, programa de pesquisa que investiga as invisibilidades sociais das periferias, vai apresentar dados sobre as ações solidárias que tem se espalhado rapidamente pelas bolsões populacionais, como resposta a ausência programada do poder público nesses territórios.
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Através de um levantamento realizado pelo Info Território, programa de produção de dados do Desenrola e Não Me Enrola, entre 1 a 10 de maio de 2020, acompanhamos o trabalho de 14 ações solidárias promovidas por organizações sociais, coletivos, times de futebol e movimentos sociais, que atuam em territórios periféricos localizados nas quatro regiões da cidade de São Paulo, apoiando famílias que enfrentam inúmeras dificuldades, principalmente em meio a pandemia da covid-19.
Das 14 ações analisadas, 7 não possuem nenhum tipo de apoio de empresas ou do poder público, mas ao menos 3 dessas contam com a ajuda do comércio local.
O levantamento também mostra que somando os resultados das 14 ações que estão espalhadas nas regiões da cidade, já alcançaram mais de 7 mil moradores das periferias, com a distribuição de quase 6 mil cestas básicas, que em sua maioria contam com itens como: arroz, feijão, macarrão, açúcar e óleo. A média de integrantes do núcleo familiar apontada pelo estudo é de quatro pessoas.
Apoiar famílias e moradores de regiões periféricas não é algo novo para diversos grupos, organizações, coletivos, movimentos culturais e sociais, que há muito tempo realizam o trabalho de assistência básica que deveria ser obrigação do Estado. A mobilização coletiva faz parte do dia a dia das periferias muito antes da chegada da pandemia do coronavírus. A diferença é que nesse momento, os esforços precisaram ser triplicados.
Com o aumento no número de casos de covid-19 nos distritos localizados nas periferias, uma das maiores preocupações dos moradores dessas regiões está ligada a urgência de suprir necessidades básicas do cotidiano, como acesso à itens básico de higiene pessoal e alimentação. Na falta de ações propositivas de gestores públicos, muitas redes de apoio humanitário foram criadas para amenizar a situação de diversas famílias.
Zona Leste: agentes culturais fazem a gestão do bairro
É possível encontrar exemplos de redes de apoio coletivo em todos os cantos da cidade. Em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, a Ocupação Cultural Mateus Santos que tem como foco de atuação lutar pela garantia do direito à cultura, reforçou seu trabalho na região.
“Dado o contexto atravessado pelas comunidades do bairro, tornou-se imperativo que os grupos que fazem articulação comunitária no bairro pudessem também dar conta e desenvolver ações para atender as pessoas neste momento”, relata Gil Douglas, integrante da Movimento Cultural Ermelino Matarazzo, que organiza a ocupação. Gil ainda compartilha que além da ocupação, outros grupos locais também se movimentaram neste sentido, como o grupo Batakerê.
Através das ações dos grupos locais e da Ocupação Cultural Mateus Santos, que acontecem sem apoio do poder público ou de empresas, já distribuíram em média 175 cestas básicas.
“Cada cesta vai acompanhada do kit de higiene, contendo: Cândida, detergente, pasta de dente, sabonete, absorvente, papel higiênico. E também, itens adicionais, que chamamos de Kit Afeto: Uma bijuteria, um gibi e um zine informativo”, finaliza Gil.
Distante cerca de 15 quilômetros da Ocupação Cultural Mateus Santos, a rede de coletivos São Mateus Em Movimento organiza e cadastra moradores para receberem cestas básicas e kits de higiene. O trabalho que mobilizou artistas da Vila Flavia e de outros bairros localizados no distrito de São Mateus já atingiu mais de 400 famílias.
O trabalho na rede São Mateus Em Movimento começou logo no início do período de isolamento social na cidade de São Paulo.
“Começamos as doações no início da quarentena, onde os locais de trabalho estavam fechados, muitos sem pagamento de salário ou qualquer direito trabalhista garantido. Nós pensamos nessas pessoas e principalmente nas mães que encontram ainda mais barreiras nesse sentido”.
conta Rafaela Santos, uma das organizadoras das ações solidárias promovidas pela rede de coletivos culturais.
Zona Norte: Rede de apoio humanitário mapeia 20 mil famílias afetadas pela pandemia
Na zona norte de São Paulo, a Rede Apoio Humanitário nas e das Periferias, tem realizado entrega de cestas básicas, e conta com o apoio uma empresa local que fornece um caminhão com combustível para realizarem as entregas. A ação é coordenada pelas organizações: Periferia é o Centro, Frente Favela Brasil, Nova Frente Negra Brasileira, Rede Quilombação, Rede Geração Solidária, INTECAB-SP, Cristãos contra o fascismo e FUNANI.
“Essa é uma ação que na verdade já desempenhamos há muito tempo. As ações de cada organização que compõem a rede ou até mesmo dos pólos de arrecadação já tem um histórico de luta no que tange a superação das desigualdades raciais, gênero e sociais em nossa sociedade. É nós por nós desde sempre. A questão é que com a crise do coronavírus escancarou de vez essa problemática”, afirma Jesus dos Santos, integrante da Rede.
Uma das soluções elaboradas pela Rede de Apoio Humanitário foi a criação de um aplicativo que aproxima doadores de iniciativas que estão realizando a distribuição de alimentos nos territórios.
“Temos uma responsabilidade com o nosso povo. Somos que nem as mais de 20 mil famílias afetadas, identificadas em nosso mapa georreferenciado. Nós enxergamos nessas famílias. O horizonte é atender o máximo de famílias possíveis, entendendo inclusive que o mapa georreferenciado (o qual nesse momento desenvolvemos um aplicativo) tem por objetivo aproximar doadores e receptores através de articulações comunitárias, e torcendo que outras iniciativas apareçam para que juntas possamos fortalecer essa corrente da solidariedade”.
conclui Jesus dos Santos.
As soluções criadas a partir e para as periferias, por seus próprios moradores, não se limitam a distribuição de alimentos. A movimentação acontece através de diversas frentes, de formas variadas, mas com objetivos em comum: fortalecer aqueles que são os primeiros a sentirem os impactos da falta de suporte do Estado.