Foi através do vôlei sentado que Gizele realizou o maior sonho de sua vida: vestir a camisa da seleção brasileira e competir no esporte que ama desde criança.
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Com a medalha de bronze conquistada pela seleção brasileira feminina de vôlei sentado nas Paralimpíadas do Rio 2016, em Tóquio 2020 as jogadoras almejam mais uma vitória. Entre as paratletas do time está Gizele Costa Dias, 43 anos, moradora de Mogi das Cruzes, em São Paulo.
O vôlei acompanha a trajetória de Gizele desde antes dela entrar para a seleção brasileira em 2009, e até mesmo antes da lesão que sofreu em 2007, que a fez entrar para a modalidade paralímpica. Incentivada pelo pai, seu João, 79 anos, que gostava de jogar bola com os colegas do trabalho, ela começou a criar uma paixão pelo esporte, mas diferente do pai, ela escolheu outra modalidade e começou a treinar com 9 anos.
Ainda criança, Gizele estudava na EMEF Coronel Almeida, em Mogi, e quis fazer parte do time de vôlei da escola.
“Desde o colégio eu venho praticando essa modalidade que eu escolhi pra minha vida. Eu queria ter 18 anos pra jogar com as meninas mais velhas e com 12 eu já jogava entre elas”
A partir daí, a prefeitura de Mogi das Cruzes decidiu montar um time para representar a cidade nos campeonatos regionais, e o desejo de se tornar jogadora profissional no esporte, virava realidade para Gizele.
Durante todas as trocas de time a equipe não se separava. Se uma ia, todas iam, e foi com essa amizade que Gizele entendeu a missão mais valiosa do esporte.
“A minha relação continua igual como se nada tivesse acontecido, como se a gente não tivesse se separado. Eu tenho contato com todos até hoje, eu tô aqui e elas estão me mandando mensagem”, relata sobre as amizades que construiu ao longo do tempo com Fabi, Cilene, Cintia, Tânia e Márcia e outras jogadoras.
Além das amigas, o pai e a mãe dona Judite, 81 anos, são os seus maiores apoiadores e vibram com cada conquista da filha como se fosse deles: “A minha melhor torcida são eles”, conta.
Gizele representou Mogi por um ano, mas o time que a adotou foi Ferraz de Vasconcelos, no qual a jogadora ficou por 12 anos. Depois representou a cidade de Campos de Jordão por um ano, e foi para o time de Poá, quando aconteceu a partida que mudou sua vida.
Representando Poá contra a equipe de Cruzeiro, nos jogos regionais de Ubatuba em 2007, Gizele sofreu uma lesão ao torcer o joelho esquerdo e se desequilibrou. Ao bater com o pé no chão, seu fêmur foi para dentro e a tíbia para fora. Na mesma hora ela sentiu que aquele era um ferimento grave e poderia comprometer a sua carreira.
Após o acidente, Gizele, na época com 30 anos, estava vivendo um início de depressão, pois a recuperação estava lenta e apesar da lesão não comprometer sua mobilidade na hora de caminhar, ela teria que desistir do vôlei em pé por conta dos impactos da movimentação do esporte em quadra. Foi quando a amiga, Fabi Teles, apresentou a modalidade sentada.
“Ela me encaminhou a essa modalidade que hoje é minha vida e eu sou dedicada 25 horas do meu dia. Ela falou: ‘Gi, por que você não conhece?’. Seja vôlei sentado ou vôlei em pé, eu tô indo!”
afirma Gizele.
A amiga recomendou que Gizele procurasse pelo Sesi de Suzano, que oferece capacitação esportiva gratuitamente e ajuda a formar atletas de diversas modalidades para competições. O treinador do Sesi, Ronaldo Oliveira, era o mesmo que treinava a seleção brasileira de vôlei sentado na época.
A jogadora conta que nunca vai esquecer do misto de sensações que sentiu no instante em que entrou no ginásio: “Quando eu entrei na quadra eu vi aquele monte de próteses encostadas na parede, foi chocante, pelo lado positivo. Eu vi aquelas pessoas sem perna e felizes da vida correndo para lá e para cá com as mãos e pensei: é aqui que eu quero estar!”, relembra emocionada.
Quando conheceu o treinador Ronaldo, ele a instruiu a fazer uma série de exames para uma classificação funcional do tipo de deficiência. O resultado dos exames foi de uma lesão neurológica periférica (lesão de nervo fibular na perna esquerda), sendo que a classificação era de deficiência mínima. Em uma equipe de vôlei sentado só é permitido duas atletas com deficiências mínimas, uma em quadra e outra no banco de reserva.
Com a equipe do Sesi Suzano completa, ela foi competir por Jacareí e logo foi convocada para a seleção brasileira em seu primeiro ano, em 2009. Desde então está há 12 anos como levantadora e carrega muito orgulho pela modalidade que transformou sua vida, já que até 2007, tentava entrar para a seleção, e conseguiu através do vôlei sentado ter esse sonho realizado.
A paratleta jogou por Jacareí até 2012, depois ficou oficialmente com Ronaldo no Sesi de Suzano, onde conquistou o título de octacampeã brasileira. “É pra ele que dedico todas as minhas conquistas”, diz carinhosamente sobre o treinador que acreditou em seu potencial desde o primeiro dia.
Instalada na Vila Paralímpica, em Tóquio, Gizele teve uma partida algumas horas depois da entrevista com o Desenrola. Empolgada antes de cada jogo, ela lamenta sobre os torcedores não poderem acompanhar a trajetória da seleção e vibrarem com ela, pois conta que o torneio não recebe a mesma cobertura midiática como as Olimpíadas.
“Nós ainda somos tratados como ‘os deficiente que chocam’. Salvo as exceções do atletismo e natação que são bem divulgados, o vôlei ainda tá bem precário a divulgação”, dispara. Além disso, Gizele comenta que os paratletas precisam ser tratados iguais aos atletas olímpicos, pois se dedicam na competição de alto rendimento de maneira igual.
Para Gizele, durante toda a trajetória na modalidade, o lado positivo está começando a superar o negativo, e a mídia está um pouco mais do lado das paratletas. No dia 31 de agosto de 2021, o jogo contra a Itália foi televisionado por um canal fechado e os familiares e amigos de Gizele conseguiram assisti-la representar o país.
Ainda assim, há muito o que conquistar nessa cobertura, pois apesar de alguns jogos paralímpicos serem transmitidos ao vivo na televisão, em sua grande maioria são exibidos em canais fechados, com acesso limitado a grande parte das pessoas.
No momento, Gizele é uma das paratletas mais velhas da seleção, mas segundo ela, isso não significa que pensa em se aposentar da modalidade, e quer continuar representando o país por mais alguns anos.
“Enquanto Deus me permitir ter saúde física, saúde mental e eu identificar na minha cabeça que estou ajudando a seleção brasileira, eu vou continuar. Vamos ver se dá, se não der, eu passo pra parte da comissão técnica, vamos ver como eu vou trabalhar, mas do vôlei sentado eu não vou sair”, finaliza a paratleta.