Inteligência periférica: “No começo da pandemia foi um choque, me senti desempregada”

Na última história de 2020 da série “Inteligência periférica”, conversamos com a Valdirene Rodrigues, costureira e moradora da região leste de São Paulo, que durante a pandemia passou a produzir um dos itens essenciais para sair às ruas depois da chegada da covid-19, as máscaras de tecido.

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Nascida em Pilão Arcado, Bahia, e hoje moradora da zona leste de São Paulo, no distrito de Sapopemba, a costureira Valdirene Rodrigues, 47, transformou totalmente seu ateliê de costura Val Atelier, que tem pensado em uma costura que respeita às medidas do corpo, para um espaço de confecção, distribuição e comercialização de máscaras no território.

A costureira está na área informal há mais de dez anos, vivendo da costura que chega a ser quase um artesanato de tão manual. “É um trabalho literalmente manual, se torna até digamos um artesanato, porque eu faço a roupa desde a modelagem até a confecção, a entrega dela embalada e passadinha”.

Valdirene conta que a pandemia afetou sua forma de trabalhar e sua lucratividade. “No começo da pandemia foi um choque, eu me senti desempregada, porque eu não poderia levar mais as roupas até as pessoas e nem receber elas aqui em casa, então ficou difícil.”

Com a queda da sua lucratividade, a costureira teve de encontrar outras formas para continuar gerando renda e continuar com seu negócio. “Eu fiquei um tempo parada, até onde eu tive a ideia de fazer máscara, aí eu comecei com o material que eu tinha aqui em casa, fazendo para doar, eu fiz muita máscara para doar, aí depois a situação começou a ficar difícil eu comecei a vender, e optei isso por um financeiro, porque não tinha outra coisa para fazer, aí virou um financeiro, e eu tô fazendo até agora e continuo doando também”, conta a costureira.

A carga horária de trabalho também foi algo que mudou durante o período da pandemia para a profissional, mas o aumento da carga de trabalho não foi equivalente aos ganhos financeiros. “A lucratividade diminui muito, nunca vai chegar no nível que é vender uma roupa, diminuiu muito financeiramente. Tenho que trabalhar mais, porque é um produto de menor custo e você tem que dar conta de fazer aquele produto porque é aquilo que a população tá precisando no momento, a carga horária de trabalho aumentou bastante, mas financeiramente não”.

Valdirene questiona o auxílio do poder público e medidas de suporte que aparentemente não têm sido efetivas para os microempreendedores das periferias. 

Valdirene Rodrigues, costureira. Arte: Flávia Lopes

Para a costureira, a flexibilização da quarentena não trouxe grandes mudanças, mas relata que o preço dos tecidos aumentaram muito, então continua difícil, pois se aumentar o preço de suas máscaras e roupas, corre o risco de não vender.

“A flexibilização do comércio na verdade não teve muita alteração para mim, mas uma coisa que percebi é que as pessoas voltaram a encomendar roupa, seja porque voltaram a trabalhar ou a sair. Mas como costureira eu continuo pegando o serviço que aparece né, para mim continua não estando nada normal, no que se diz a um retorno financeiro”, afirma Valdirene.

O aumento da precarização durante a pandemia

Pesquisa Seade – Janeiro 2020 / Elaboração: Flávia Lopes – Info Território

Dentro de um cenário que já não se apresentava nada positivo, com a crise da covid-19, muitos moradores das periferias não tiveram a opção de ficar em casa com suas famílias. Para muitos, ficar em casa significaria não ter a certeza de que conseguiriam ter a refeição do dia seguinte garantida, sem contar que são esses trabalhadores que fazem a cidade girar.

“O fato de uma das primeiras mortes por covid-19 no Brasil ter sido de uma empregada doméstica foi triste e emblemático, evidenciando que, quando o trabalhador/a não tem seus direitos assegurados, o patrão coloca o mesmo em risco e nada acontece”, analisa o núcleo de Trabalho do Centro de Estudos Periféricos – CEP, que lembram também do importante significado por trás do primeiro caso diagnosticado no Brasil.

O grupo de estudo complementa: “o Estado brasileiro não garante o suporte material necessário para que os trabalhadores informais possam ficar em casa durante a pandemia. Isso implica que essas pessoas estão arriscando sua saúde e sua vida para garantir sua renda”.

Valdirene Rodrigues, 47, transformou totalmente seu ateliê de costura Val Atelier.

O desemprego, a informalidade, a falta de segurança física, emocional e financeira já existiam antes da pandemia para a população negra e periférica, e com o avanço da doença também houve o avanço da falta do Estado para essa população.

“A pandemia e o consequente isolamento social só aprofundaram as carências que já existiam. Mas agora muitos trabalhadores não possuem um guarda-chuva social que os proteja, aumentando o número de desempregados e se intensificando a economia dos bicos, principalmente nas periferias”, analisa o núcleo de pesquisa.

Os pesquisadores também apontam que os moradores dos territórios periféricos se movimentam para lidar com os impactos gerados pela pandemia, movimentações que já aconteciam de forma independente antes do contexto da covid no Brasil, sempre buscando cobrir lacunas deixadas pelo Estado.

“Também houve reações, algumas iniciativas, ainda que pontuais, tais como vaquinhas para financiar a compra de bicicleta para entregadores, ações voltadas a criar e ensinar a usar as redes sociais comercialmente, tal como montar uma loja, são exemplos de ações de colaboração que aconteceram nas periferias. Também ocorreram interações nas redes sociais com a finalidade de promover o comércio local. O Fórum Paulista de Economia Solidária construiu de forma colaborativa um market place que será lançado em breve para os empreendimentos de economia solidária”, conclui o núcleo.

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