“Eu sou uma artista em constante estudo e construção”: o legado de Dêssa Souza na arte periférica

Dêssa Souza fala sobre a trajetória na arte periférica e o processo de formar novas gerações de produtoras culturais, para se dedicar a carreira de multiartista independente.
Edição:
Ronaldo Matos

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“Eu falo que eu sou filha do seu Raimundo, marceneiro, com a dona Cleonilda, que é costureira. Irmã do André e do Iúna. E sou mãe do João Miguel, 7, e da Cecília, 13. Aí tem as outras coisas que eu estou sendo”. É desse modo que Dêssa Souza, 42, começa a apresentar a sua trajetória na arte periférica, em uma segunda de manhã, em que nos recebe em sua casa, no bairro Jardim Elizabeth, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo

Desde que se mudou de Carapicuíba para a zona sul de São Paulo, há 12 anos, ela atua no território do Campo Limpo como multiartista, exercendo as profissões produtora cultural, cantora, atriz, e é uma das fundadoras da produtora Pin Rolê Invenções.

“Eu percebo que a galera me vê muito como produtora, né? Mas eu estava refletindo que eu sou uma artista em constante estudo e construção, atravessada pela produção cultural, no sentido de entender a produção cultural como espaço de sobrevivência”

Dêssa Souza, multiartista independente e moradora do Campo Limpo

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A multiartista faz parte do processo de desenvolvimento da cena cultural do Campo Limpo. Ela já atuou como produtora cultural do Sarau do Binho, coletivo que a acolheu na zona sul. Além desta vivência com o coletivo literário, Dêssa foi cantora durante 10 anos na banda Preto Soul, uma referência em música afro centrada da região. Sua vivência no teatro do território começou quando ela entrou para a trupe Artemanha, grupo de investigação teatral que deu início às atividades da Ocupação Cultural Cita, localizada na Praça do Campo Limpo.

Dessa também é empreendedora e criou a produtora Pin Rolê Invenções para fomentar a distribuição de renda para outras mulheres que atuam como produtoras culturais nas periferias. (Foto: Rogério Gonzaga)

Essas vivências culturais foram aproximando a multiartista do universo da produção cultural. Com o passar do tempo, repleto de construção de projetos artísticos que marcaram época no Campo Limpo, ela passou a ser considerada uma referência em produção cultural na região.

“Eu acho muito bonito a pessoa ser referência né? E eu concordo com isso, porque de fato eu sei que é importante a gente assumir”, conta. Dêssa faz essa colocação e pontua que o seu reconhecimento é uma construção que vem das relações que ela estabelece com grupos culturais da região, mesmo antes de se mudar para a zona sul de São Paulo.

Atualmente, Dêssa abdica da carreira de produtora cultural, para se dedicar totalmente aos palcos. Esse processo teve início há quatro anos, momento no qual, ela tomou a decisão de seguir a carreira de cantora e estudar dança. Mas para isso, ela precisou formar novas gerações de produtoras culturais.

“Eu só estou conseguindo fazer isso agora, porque eu dei um gás no rolê da produção. Em 2017, eu comecei a dar as oficinas de produção, a ideia já era compartilhar o conhecimento para ter outros produtores, que pudessem fortalecer no trabalho artístico”, revela a cantora.

Depois de anos de dedicação na construção de tantos projetos, em 2022, a vontade de viver exclusivamente do fazer artístico se tornou uma necessidade inadiável para a multiartista.

“Esse rolê de cuidar de ocupação cultural, produzir todo mundo, fazer a vida acontecer, me adoeceu de uma forma absurda. Embora eu nunca tenha abandonado, eu estava investindo muito pouco naquilo que eu queria fazer mesmo”

Dêssa Souza é uma das fundadoras do Espaço Cita e da Pin Rolê Invenções
O coletivo literário Sarau do Binho foi um dos primeiros movimentos culturais do Campo Limpo, que acolheam a artista, quando ela se mudou para a Zona Sul de São Paulo. (Foto: da zona sul de São Paulo)

Hoje, Dêssa se afastou da produção cultural, a não ser pelos projetos de sua própria carreira artística, e a Pin Rolê segue sob o comando de Simone Gonçalves. “Teve o momento da crise. Quando começou a virar o ano, que o dinheiro acabou eu falei assim: ‘meu Deus’, e eu segui falando não para o trabalho de produção”, relembra Dêssa, mencionando que apesar da instabilidade financeira, no início da mudança, está feliz com a nova fase.

“Quando você é mãe, tem que pagar as contas, pagar o aluguel, comprar comida, e mano, tudo que a gente quer fazer precisa de tempo e de investimento”, diz ela, ressaltando como é difícil conciliar as responsabilidades financeiras, a maternidade e ser artista independente na periferia.

Dêssa reconhece que ter uma rede de apoio consistente foi e é algo fundamental para a sua atuação. “A gente fica falando, ‘criar a criança no Quilombo e não sei o que’, mas a gente não pratica. Eu pratico o máximo que eu posso sem sofrimento”, destaca. Ao todo são 26 anos de carreira como artista e atualmente, Dêssa faz parte do Pepalantus Núcleo, do núcleo Gingas, do Bando Trapos e segue sua carreira como cantora com o álbum Camadas. Para quem sonha em ser artista e vive a realidade da periferia, ela dá as seguintes indicações.

“Olhar para a própria história e entender o quanto a nossa própria história é importante para o mundo, para uma construção de comunidade, de universo. Focar, porque às vezes eu quero ser atriz de teatro, mas eu não consigo ganhar dinheiro com isso ainda. E tudo bem, eu posso fazer qualquer outra coisa para me manter, mas faz um pouquinho de teatro por semana, sabe? Eu falo sempre ‘não solta’, porque se a gente solta [o sonho] vai embora, né? E olhar para o lado, para os nossos vizinhos, olhar para o perto, porque tem muita possibilidade”

Dêssa Souza é cantora, atriz e artista da dança

Toda a entrevista foi regada por doses de gargalhadas de Dêssa, tendo sempre a cachorrinha Madonna por perto recebendo carinho da dona. Dêssa conta que é sonhadora, utópica e que nos próximos trabalhos pretende falar de amor. “A gente é pé na porta também, mas eu sinto que eu também estou no mundo para colocar um olhar para as coisas, com um pouco de delicadeza.”, finaliza.

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