Nascida e criada no Jardim Novo Santo Amaro, bairro localizado no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, Amanda Porto, 28, busca construir novos imaginários sobre o que é ser uma mãe preta desenrolada, ao lidar com a maternidade não apenas pelo lado das dores, desafios e sacrifícios, mas também através das alegrias, descobertas e reinvenções. Mãe da pequena Niara, de 4 anos, Amanda é profissional da área de relações públicas, e é uma das fundadoras do Coletivo Siriricas.
A comunicadora conta que a descoberta da gestação influenciou diretamente na forma que passou a enxergar o mundo. “Eu era uma pessoa extremamente egocêntrica dentro dos meus relacionamentos. Somente a minha opinião importava. Sempre fui uma pessoa crítica, que pensou muito nos direitos, e isso é até conflitante, pois me importava com a minha vida sempre em primeiro lugar, o que pode ser autoestima para algumas pessoas, mas acho que às vezes ultrapassa para algo doentio, dependendo do quanto você foca em si mesma e para de olhar ao seu redor”, coloca.
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Essa mudança de percepção, fez com que a maternidade se tornasse um divisor de águas em sua vida. “Fui jogada ali nos primeiros meses para esquecer completamente quem eu era e passar a me dedicar 100% a uma pessoa que dependia totalmente de mim. Não arrumava mais o cabelo, não tomava banho direito, não fazia mais nada. Era assim: bebê chorando, e peito, peito, peito. Eu nem me reconhecia mais. Daí então vem meu processo de paciência. Tudo era para ontem, se não fosse do meu jeito, não era de jeito nenhum, mas Niara veio me mostrar que a vida não é assim”, afirma Amanda sobre os aprendizados.
“Educar uma criança é um ensinamento diário. Você educa uma criança educando [a si mesmo]”.
Amanda Porto, uma das fundadoras do Coletivo Siriricas e mãe da Niara de 4 anos.
Quatro anos após a chegada da sua filha, ela relembra os primeiros meses com mais tranquilidade. “Educar a Niara é me reeducar ou me educar pela primeira vez, dependendo da situação que estou vivendo com ela naquele determinado momento. E isso eu tenho feito todos os dias, afinal todo dia é uma novidade para ela e para mim também.”
Criar Niara também expandiu seu olhar sobre o cuidado enquanto mulher e mãe de uma menina negra. “Isso me fez e ainda me faz rever várias coisas do meu passado e não querer replicar. Me faz construir uma relação em que eu e ela estejamos de acordo e, se a gente não tiver, está tudo bem também. Que ela aponte [o que pensa] e que [a gente chegue] a um consenso. Inclusive, é um trabalho que se faz agora, mas é ela quem vai dizer lá na frente se aquilo, de fato, fez sentido ou não. E aí você como mãe também vai ter que aprender a lidar com a frustração”, pontua Amanda.
Com uma personalidade forte, Niara já demonstra seu lugar no mundo. “Ela é geniosíssima, é doce, muito afetuosa, mas cheia de opinião. Argumenta muito e é muito ligada ao próprio cabelo. Nós conversamos muito sobre negritude, sobre beleza, cabelo, sobre música, etc. Ela contou que já ouviu de outras crianças que o cabelo dela não é bonito, o que me preocupa, mas ao ver como ela já lida com isso de uma forma bem diferente de como eu lidava [nessa idade], me sinto aliviada”, compartilha a comunicadora.
Reflexos coletivos da maternidade
Antes mesmo da maternidade, Amanda conta que já era movida por muitos sonhos e desejo de transformação. Dessa vontade de mudar o mundo coletivamente, surgiu, em 2018, o Coletivo Siriricas, iniciativa formada por sete mulheres negras que dialogam sobre autoestima e negritude.
“É um espaço que construí, junto com minhas amigas, para ampliar as nossas discussões de bar. Pensamos que se algo acontecia entre sete mulheres negras, com certeza acontecia com muitas outras pelo Brasil afora. E foi aí que demos vida ao coletivo, que é essa agência de notícias que trata de vários assuntos. De dores, sim, mas de muitas alegrias também”, conta.
O coletivo promove debates através de podcast, lives, rodas de conversa, dentre outras ações. Em 2021, integrou o projeto Adidas Runners, criando uma comunidade de corrida voltada a estimular o autocuidado e a prática de atividades físicas entre mulheres negras.
Para Amanda, a criação do Sirricas reflete uma de suas buscas, que é pensar um mundo melhor para mulheres negras, para pessoas periféricas e criar estratégias para alcançar isso. “Tenho muitas felicidades, uma delas é o coletivo.. O que já conseguimos construir, juntas, para a população de mulheres negras no Brasil. Tudo isso me devolveu [a mim mesma] até no meu processo de maternidade”, compartilha.
Amanda coloca que durante os primeiros meses da maternidade, estar entre mulheres fazia ela se reencontrar consigo. “No começo da maternidade, minhas primeiras saídas eram para a casa de algumas amigas do coletivo. Elas chegavam com pizza, vinho. Já não dava mais para ir a um bar na rua com uma criança pequena. Elas passaram a ser essa rede de apoio, não para cuidar da Niara, mas para me lembrar de quem eu sou além da maternidade”, relembra.
“Ter minhas amigas nesse processo foi essencial, porque a maternidade pode ser solitária para muitas mulheres.”
Amanda Porto, uma das fundadoras do Coletivo Siriricas e mãe da Niara de 4 anos.
Ela ainda reforça que teve uma rede de apoio, fato que contribuiu para que se sentisse mais preparada, mas ainda assim ressalta que não deixa de ser desgastante.
‘‘Ninguém vai dar para a gente o caminho. Quando pensar o que vai fazer [tem que] levar [a criança]; quando pensar que precisa ir em algum lugar e não tem com quem deixar, não deixe de ir. Leva [a criança junto]. Vai ser desafiador ficar com a criança aí do lado, ter ela puxando, chamando, chorando, mas não deixa de ir. Pode ser que ali você encontre espaço e conheça alguém que vai gerar essa oportunidade que você tanto espera”, compartilha.
Com o crescimento da Niara, o Dia das Mães ganhou um novo significado para Amanda. “Quero olhar para ela com orgulho do que a gente está construindo juntas e me sentir grata, porque até aqui tem dado certo”, finaliza.