Entrevista

Assessora de incidência política comenta desafios de participação social nas periferias após eleições

Richelle Costa, articuladora política e integrante do Mulheres Negras Decidem, explica como acompanhar propostas e cobrar candidaturas eleitas.
Edição:
Evelyn Vilhena

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O período eleitoral é um dos principais momentos em que a população consegue identificar diretamente como o ato de votar está vinculado ao exercício da cidadania. Após as eleições, a ideia de participação política se perde na realidade de muitos brasileiros, é o que afirma Richelle Costa. “As pessoas estão saindo de casa de madrugada e voltando tarde da noite tentando buscar o mínimo. Elas não têm tempo e não acreditam que vale a pena se engajar na política”, diz Richelle, estudante de ciências sociais, articuladora política, assessora de incidência política e advocacy do movimento Mulheres Negras Decidem (MND).

Assessora de incidência política comenta desafios de participação social nas periferias após eleições
Richelle Costa é articuladora política, assessora de incidência política e advocacy do movimento Mulheres Negras Decidem. (Foto: arquivo pessoal)

A assessora pontua que participação popular na política vai além do voto e que a atuação da sociedade civil deve se estender para a construção de políticas públicas junto com as candidaturas eleitas. Ela também observa que, em geral, as pessoas não se mobilizam para acompanhar e cobrar os eleitos sobre suas propostas de governo, o que afirma estar associado à falta de educação política.

“Enquanto a educação básica não abarcar o que é a pessoa exercer o voto, o que é a política institucional e como ela reflete nas nossas vidas, as pessoas vão continuar votando por obrigação, trocando o voto por algum benefício próprio e sem responsabilidade, sem entender que a gente tem o direito de ter políticas que beneficiam a nossa vida e a sociedade no geral.”

Richelle Costa, articuladora política do Mulheres Negras Decidem.

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Para a articuladora, nas periferias, por vezes essa falta de engajamento se dá também por motivos específicos, entre eles a falta de identificação do povo com os eleitos, a vinculação que se faz entre política e corrupção, além da disseminação da ideia de que melhorias para a sociedade em geral não podem ser alcançadas por meio de políticas públicas.

“A gente tem a política institucional como um lugar completamente distante da população [e] isso fala muito sobre quem está lá. A quem é interessante que o povo não participe? [É] o mesmo grupo [de] homens, brancos, ricos e velhos que ocupam em maioria a política”, analisa a articuladora política do Mulheres Negras Decidem. 

Ação do movimento Mulheres Negras Decidem (MND), no Rio de Janeiro, reivindicando a participação de uma mulher negra como Ministra da Suprema Corte. (Foto: arquivo pessoal)

Em contrapartida, Richelle dá exemplos de alguns mandatos de mulheres negras que estão desenvolvendo tecnologias para aproximar a população da política, como o formato gabinete aberto. “O gabinete tem um dia específico de atendimento em determinado território, tem um mobilizador no território e ele é [a] referência no gabinete para acolher as demandas da população ou a própria parlamentar vai até os territórios”.

Prestação pública de contas e manter contato com a população via redes sociais e aplicativos de mensagem também são alguns diferenciais desses mandatos citados por Richelle.

Propostas de governo

Outra forma de acompanhar o que as candidaturas eleitas estão fazendo é através dos sites institucionais da Câmara Municipal, do Congresso Nacional ou das Assembleias Legislativas. Richelle também indica o site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, da Justiça Eleitoral, que, desde 2004, reúne a ficha de todos os candidatos do Brasil, e algumas contêm as propostas de governo. 

No entanto, ela aponta que o acesso a essas informações por vezes não estão disponíveis. “Eu fiz um levantamento nas Câmaras Municipais de todo o Rio de Janeiro para ter informações dos vereadores eleitos e isso foi uma dificuldade enorme, tem cidade que eu não sei quem está eleito, porque no site da Câmara não tem.”

Segundo Richelle, mesmo que seja possível encontrar as propostas protocoladas, o cruzamento entre o plano de governo e a realização da proposta é algo que a própria população teria que tentar fazer acompanhando as páginas e redes sociais da candidatura eleita.

Legalmente a pessoa eleita não é obrigada a cumprir suas propostas de campanha, mas a assessora indica que caso alguém queira fazer cobranças nesse sentido, pode buscar dialogar com o político e caso isso não seja efetivo, é possível procurar as ouvidorias das Casas Legislativas e a Defensoria Pública, pois podem tirar dúvidas e dar instruções. Além do Ministério Público que tem como uma de suas funções fiscalizar o poder público. Richelle também indica o site da Controladoria Geral da União, que tem o passo a passo de como fazer uma denúncia.

Participação de Richelle na mesa de abertura do Programa nacional de equidade de gênero, raça, etnia e valorização das trabalhadoras no SUS. (Foto: Nina Camelo)

“Enquanto cidadãos [o ideal seria que] a gente conseguisse chegar até eles [os eleitos] de forma mais prática, mais acessível, conseguisse ligar, marcar uma reunião. [Que] uma associação de moradores, a partir dali conseguisse ampliar e levar essa demanda para os gabinetes”, menciona a assessora.

Outra indicação dada por Richelle é que a pessoa que tem interesse em efetuar uma denúncia contra um eleito que não está cumprindo com as propostas de governo, é que ela procure um parlamentar. “No caso, um opositor, de preferência, para que [ele] te ajude e coloque o mandato a essa disposição para que você consiga denunciar”.

Ainda na perspectiva de participação, ela salienta que as desigualdades influenciam, inclusive, nos direitos da população, ao exemplificar que muitas pessoas não sabem que podem ir até a Câmara Municipal. “No mundo ideal o que a gente gostaria é ter as portas abertas e ter essa tradução da linguagem [institucional], que é você construir junto com o parlamentar, conseguir acessar o gabinete dele, ter um problema no bairro e conseguir conversar.”

Richelle atuou, em 2024, na campanha política de Camila Moradia e, durante esse período, não pôde visitar a família que mora em um território diferente do da candidata. (Foto: arquivo pessoal)

Entretanto, Richelli ressalta que diante da realidade de algumas favelas e periferias, cobranças direcionadas a políticos envolvem outras questões, ap exemplificar que em muitas casas legislativas existem pessoas envolvidas com a milícia e com o tráfico, o que interfere no fato dos moradores desses territórios não poderem desenvolver nenhum tipo de crítica ou cobrança direta. Em alguns territórios, em caso de denúncia o morador pode passar por retaliações como agressão, expulsão do local ou até morte.

Segundo ela, isso reforça a importância do voto consciente em candidatos comprometidos com a criação de políticas públicas que representem e busquem os interesses coletivos da maioria da população brasileira, que é negra e periférica. 

“Ser eleito quer dizer representar todas as pessoas. Independente se eu votei ou não no eleito, ele tem o dever e o compromisso de legislar para mim e para todas as pessoas igualmente. Esse é o processo democrático de ser eleito para representar o povo”, ressalta Richelle.

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