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Afetos em pandemia

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Pense num texto que já de início, é um desafio escrever. Refletir e mergulhar em meio a sentimentos tão conturbados e atravessados. Vamos, se achegue aqui comigo, vai que temos algo pra trocar!?

Campo Limpo, São Paulo, 2015 – Foto: @DicampanaFotoColetivo

Nesses últimos dias tenho percebido a cria bem mais dengosa, manhosa, birrenta. Às vezes é comum do crescimento, construímos e experimentamos variados dramas de controle (pesquisa sobre, é massa) para atender nossas demandas de fome, afeto, prazer, higiene, dentre outras coisas. Então nesse balaio tem choro, tem birra, tem às vezes até uma febre, que alguns ainda adultos também têm, só para termos aquele colinho bom, aquele cuidado e uma atenção maior dedicadas a nós.

Em meio a isso, essa pandemia nos tira do convívio social, da interação tão básica e estruturante de nos tornar humanos, as crianças brincando na rua, a relação com crianças mais velhas e mais novas, nos instigando, provocando a curiosidade, a ousadia, nos levando a experimentações de nós mesmos e de nós com o outro.

Isso tudo nos dá prazer, alegria, ânimo, disposição e para a cria não é diferente. Estar somente com seus pais, as vezes repetidas vezes com as mesmas brincadeiras, brinquedos, ambientes, gera estresse, desgaste. Num momento tão criativo, tão sensível e desejoso de estímulos para compor e nos estruturar no caminho do crescimento.

Por outro lado, o do pai, fico buscando (já que sou autônomo) trabalhar mais na semana que não estou com ele, para que em nossa semana juntos, possa dedicar maior tempo a ele. Mas esse não é o mundo real, as agendas de trabalho não são construídas com base unicamente em nossas necessidades particulares, então sempre tem um demanda, uma agenda, uma reunião para fazer, um cliente para atender e a necessidade do apoio familiar para ficar com a cria, já que ainda não tem creche com todo mundo vacinado e segurança garantida em meio a variações de cepas e humores governamentais, diga-se de passagem.

Moro ao lado da casa da minha mãe, consigo, as vezes, demandar um dia da semana para focar mais no trabalho, mas é engraçado como as dinâmicas me afetam, por exemplo:

  1. Se minha irmã desce para minha casa e me ajuda cuidando dele aqui, metade da minha atenção está voltada para o trabalho e outra metade, senão 70%, aos sons que a cria ta fazendo, chamando papai, chorando, não querendo comer, não querendo tomar banho ou dormir, coisas que você sabe – se eu fizer assim, assado, talvez dê para dar só um pulinho ali e dar uma atenção para ele.
  2. Já se ele sobe e fica na casa da vó, eu consigo focar mais, mas ao mesmo tempo, trabalhando uma parte com a cabeça na cria e outra parte na agenda depois que pegar a cria.

 

Primeiro que eu só tenho a agradecer, que mesmo em pandemia, tenho uma rede de apoio próxima, a menos de um minuto. Sei que uma par de manas, monas e manos estão com suas famílias longes e é maior corre.

Mas seguindo! Por esses dias tenho pensado: “puxa cara, se está com sua mãe, foca, ou mesmo, se está próximo ouvindo, foca, confia, entrega”.

Uma parte é controle, uma parte é culpa de não estar 100% toda hora, outra parte é dengo mesmo rs. Mas há também o que trouxe nas primeiras linhas, em meio a pandemia a criança está mais constante com os pais, cortar o cordão umbilical fica sendo mais difícil. Ouvi de uma amiga: “Dimas, são as crianças da pandemia”. Nossas crianças em sua maioria estão isoladas e restringidas em sua relação com o mundo, isso torna ainda maior e mais intensa a referência pai/mãe/pãe.

Nesse vuco todo, que até o texto ficou muvucado, não tenho conclusão, só um compartilhar de momento e buscando refletir, me dizer que está tudo bem não estar todas as horas do dia voltado a cria, ou ver ele chorando porque tu foi ali comprar uma fralda, faz parte e é necessário, mesmo neste contexto atual, dialogar e construir com a criança um entendimento desses processos, para que ela possa entender os diferentes momentos e demandas que nos vêm.

Desenrola indica 4 espetáculos de teatro gratuitos para assistir online

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Separamos quatro peças de teatro que estão com exibição gratuita e online durante as próximas semanas e são realizadas por grupos que atuam a partir dos territórios e contextos periféricos.

Espaço Clariô – Foto: Fernando Solidade

Como forma de continuar oferecendo ao público acesso à cultura e lazer de maneira segura durante a pandemia de covid-19, muitos artistas da quebrada adaptaram seus trabalhos para o formato online. O mesmo aconteceu com grupos e coletivos do teatro, que passaram a produzir e distribuir seus espetáculos para o público, por meio de plataformas online.

O Desenrola selecionou quatro espetáculos que estão acontecendo de forma online e que são gratuitos para você acompanhar ao longo dos próximos dias. As apresentações abordam desde temas como relações familiares até a obra de Carolina Maria de Jesus. Além das peças que estão previstas para acontecer nos próximos dias, os grupos possuem outros espetáculos e atividades que desenvolvem ao longo do ano. Confira:

Jardim Vertical – Grupo Pandora 

Segundo o grupo, o espetáculo retrata a realidade de uma família que opta por se isolar do mundo exterior em um seguro apartamento no quadragésimo sétimo andar de um edifício, trazendo à tona aspectos significativos da sociedade. A peça reflete sobre as relações familiares na contemporaneidade e a falsa ideia de segurança.

O espetáculo acontece entre os dias 22 e 27 de abril, com sessões às 17h, 19h e 21h, pela plataforma Zoom. A atividade faz parte do projeto aprovado pelo Edital Proac Expresso Lei Aldir Blanc. Clique aqui e adquira o ingresso gratuito.

Sediado no bairro de Perus, região noroeste de São Paulo, o Grupo Pandora de Teatro possui 17 anos de atuação e tem como uma de suas abordagens artísticas a história do bairro de Perus e do Brasil, suas injustiças sociais e suas problemáticas, através de uma intervenção poética que exalta a força da teatralidade. Há cinco anos, o grupo ocupa o Cine Teatro Pandora – Ocupação Artística Canhoba, espaço público que foi transformado por coletivos culturais de Perus em um polo cultural aberto ao público, fortalecendo o fazer artístico como um ato social e político dentro do bairro.

Serviço: “Jardim Vertical”

Datas:

22 de abril de 2021 (quinta-feira) sessões às 17h e 21h

23 de abril de 2021 (sexta-feira) às 21h

24 de abril de 2021 (sábado) sessões às 17h e 21h

25 de abril de 2021 (domingo) às 19h

26 de abril de 2021 (segunda-feira) às 21h

27 de abril de 2021 (terça-feira) sessões às 17h e 21h

Onde? Link para ingresso online e gratuito

Siga nas redes sociais: Instagram Grupo Pandora

Um canto para Carolina – Cia dOs Inventivos 

A companhia volta a apresentar, agora de forma online, o espetáculo infanto-juvenil “Um canto para Carolina”, inspirado no livro “Quarto de despejo”, uma das principais obras da escritora Carolina Maria de Jesus. As apresentações desta temporada vão até o dia 27 de abril e estão sendo exibidas através do canal do Youtube da companhia.

A peça será apresentada para grupos agendados como Escolas, Fábricas de Cultura e Etecs, mas parte dos ingressos será aberto para o público em geral. Para a realização do espetáculo, o grupo foi contemplado pelo edital Proac Lab Expresso.

A Cia dos Inventivos atua no movimento do teatro de rua desde 2008 e constroem seus repertórios a partir da estética e aprofundamento no movimento.

Serviço: “Um canto para Carolina”

Datas: Temporada abril de 2021, próximas datas.

20/04 – 10h

21/04 – 10h

23/04 – 09h30

27/04 – 9h

Onde? Youtube Cia dos Inventivos.

Siga nas redes sociais: Instagram Cia dOs Inventivos.

Para mais informações enviei e-mail para: espacoculturalinventivo@gmail.com

Memórias da Rabeca – Cia. Mundu Rodá 

A Cia. Mundu Rodá está apresentando o espetáculo “Memórias da Rabeca”. Segundo o grupo, a peça busca exaltar a poética de rabequeiros brasileiros e a luta pela preservação dessa cultura, onde o espetáculo fala sobre memórias guardadas por sete rabecas, falando sobre histórias, personagens e memórias de rabequeiros brasileiros, colocando em foco dinâmicas das relações entre o humano e a rabeca.

Ao final de cada apresentação o grupo realiza um bate-papo com integrantes da equipe de criação do espetáculo e mestres rabequeiros convidados. O espetáculo tem tradução em libras e acontece através do facebook e youtube do grupo, sempre às 19h.

Serviço: Memórias da Rabeca

Datas: 16 a 21 de abril de 2021, às 19h00.

Onde? Facebook e Youtube da Cia Mundu Rodá

9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto – Grupo Clariô de Teatro 

O Grupo Clariô de Teatro deu início no dia 17 de abril a 9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto. A programação vai até dia 29 de abril e conta com espetáculos, shows e debates com a participação de artistas convidados. A mostra será transmitida pelo canal do youtube do Espaço Clariô, sempre às 20h.

Além da participação de companhias de teatro de São Paulo, como a Cia Os Crespos, Coletivo Negro e Cia do Sal, a mostra também terá a participação de companhias de outros estados e países, como o Grupo Formosura do Ceará, e Fundação Olho D’Agua da Colômbia.

Com quase 20 anos de história, o Grupo Clariô de Teatro pensa e produz no cenário artístico a partir de sua ligação e atuação nas periferias. O trabalho do grupo está enraizado no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, local onde desde 2005 o grupo mantém sua sede, que se tornou um espaço de referência cultural no território, abrigando diversas outras iniciativas.

Serviço: 9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto

Datas:

Dia 19 De Abril – Núcleo Toada – Sp | Pagu, Anjo Incorruptível | Classificação 12 Anos

Dia 20 De Abril – Grupo Caras Pintadas – Mg | Mata Rasteira |Classificação Livre

Dia 21 De Abril – Grupo Formosura – Ce | Duplicité | Classificação Livre

Dia 22 De Abril – Mesa “Teatro De Guetos Em Tempos De Isolamento” | Convidades: Emilce Gonzales / Daniel Veiga / Luiz Carlos Laranjeiras / Interprete Espanhol: Juan Velasquez / Mediação: Naloana Lima | Classificação Livre

Dia 23 De Abril – Coletivo Negro – Sp | Preta Rainha | Classificação 14 Anos

Dia 24 De Abril – Fundação Olho D’água – Colômbia |Wüin, Agua En Wayunaiki | Classificação Livre

Dia 25 De Abril – Grupo Famíla – Sp | Canto De Fraldas | Classificação Livre

Dia 26 De Abril – Barbara Leite Matias – Cariri/Ce | Cardinal | Classificação Livre

Dia 27 De Abril – Cia De Teatro De Bonecos Vira Toco – Ba | Zaiza E A História Do Tear | Classificação Livre

Dia 28 De Abril – Cia Do Sal – Sp | Macacos | Cia Do Sal | Classificação 14 Anos

Dia 29 De Abril – Lenna Bahule – Moçambique | Show: Mcika | Classificação Livre

Onde? Youtube Espaço Clariô. Instagram Grupo Clariô.

Essas são algumas das peças que irão rolar nos próximos dias, mas as companhias continuam criando e estreando espetáculos durante o ano todo.

Coletivo Coletores vira referência de vídeo projeção nas periferias

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Artistas visuais mostram como a técnica do vídeo projeção que se tornou parte da paisagem de prédios no centro de São Paulo durante a pandemia, pode ganhar as quebradas e se transformar em uma linguagem artística e autônoma para informar moradores. 

A criatividade dos artistas visuais Toni Baptiste, 36, e Flávio Camargo, 44, transformou a técnica elitizada de vídeo projeção em linguagem artística voltada para as periferias da cidade de São Paulo. Juntos, eles formam o Coletivo Coletores, um dos principais precursores desta linguagem que foi disseminada ainda mais por conta da pandemia de covid-19.

Com restrições à circulação de pessoas pela cidade, a vídeo projeção conquistou as ruas e foi exibida pelas redes sociais e canais de streaming. A ocupação da cidade com arte e tecnologia foi alcançando as telas dos celulares e é tema de uma formação gratuita e virtual ministrada pelo Coletores e realizada pelo Centro de Mídia M’ Boi Mirim, espaço de trabalho compartilhado e formação para comunicadores das periferias.

Os artistas formaram o coletivo em 2008, durante a graduação em Artes Visuais e ambos eram professores da rede pública. “Quando conhecemos a vídeo projeção, tínhamos menos recursos do que temos hoje. Compramos projetor para dar aula e usamos este mesmo projetor para fazer as nossas ações artísticas”, conta Toni Baptiste, que é morador da Vila Flávia, bairro do distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo.

A vídeo projeção na pandemia  

Em março de 2020, momento que marcou a chegada da pandemia nas periferias de São Paulo, todas as atividades que o Coletores tinha programado foram canceladas. Como muitas das famílias das periferias, os artistas tiveram parentes e vizinhos infectados e também vítimas da covid-19.

Com o distanciamento social, foi possível acompanhar pelas redes sociais que muitos grupos que trabalham com vídeo projeção em uso comercial ou de entretenimento, passaram a utilizar a técnica para trazer mensagens de conforto e reivindicações no contexto da pandemia.

“A maioria dessas projeções eram no centro de São Paulo, de pessoas que moravam em apartamentos na região e que tinham uma vista privilegiada, para que elas pudessem da própria janela ter um grande paredão para projetar. Essa informação circulava apenas no circuito da vídeo projeção e quando tinha uma mensagem conveniente, a grande mídia divulgava”, conta Toni sobre como essas ações eram restritas e não dialogavam com as periferias.

Ainda em 2020, surgiu um convite do CPDOC Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás) para fortalecer uma manifestação contra a reabertura de um shopping em Itaquera, zona leste. Além dessa pauta, a manifestação também reivindicava um hospital de campanha na zona leste, que era na época a região do estado de São Paulo onde mais havia vítimas de coronavírus. Com equipamentos simples, o Coletores fez de forma independente nesta manifestação a “projeção de guerrilha”, que também é um dos temas da formação ministrada em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim.

Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, o coletivo também fez uma outra ação de vídeo projeção em equipamentos de saúde. Com equipamentos dentro de uma kombi, o Coletores saiu pelas ruas da zona leste para homenagear os profissionais de saúde que são linha de frente no combate à pandemia, além de trazer mensagens de conscientização.

Subvertendo o equipamento, criando uma linguagem 

Interessados em pensar a arte urbana para além das linguagens tradicionais como o grafitti e o pixo, o Coletores desde suas primeiras ações se empenhou em utilizar criativamente uma combinação de técnicas para criar experimentações artísticas inovadoras. Passando pela fotografia, instalações, design, grafitti, animações e games, a vídeo projeção se apresentou como um desafio com amplas oportunidades.

A barreira da aquisição de equipamentos caros não intimidou o Coletivo Coletores, como conta Flávio. “A gente pensa a projeção como uma linguagem. A gente não pensa só no que será projetado, o conteúdo em si. Temos um modo de fazer. Muitas vezes, em trabalhos que repercutem até hoje, nós tínhamos equipamentos muito aquém daquilo. Mas por a gente ter conseguido adaptar a precariedade dos nossos equipamentos à nossa linguagem, conseguimos tirar proveito disso”, compartilha o artista, que é morador de Poá, município da Grande São Paulo.

Segundo ele, durante o processo de produção das imagens e textos a serem projetados, há a curadoria e edição que burla características dos equipamentos que seriam desfavoráveis.

Um dos exemplos mais emblemáticos dos trabalhos do Coletores é a série de pesquisa iconográfica “Resistência”, que ainda está em desenvolvimento, é feita a partir de fotografias de momentos históricos da luta da população negra, indígena e periférica no mundo.

A fotografia da caminhada de 1965 liderada por Martin Luther King, militante do movimento negro nos Estados Unidos, em Selma, no estado do Alabama, foi projetada na favela da Vila Flávia, zona leste de São Paulo. Considerando o registro da ação tão relevante quanto a intervenção em si, na fotografia da atividade feita pelo Coletores é possível observar as texturas das paredes das casas, sua iluminação e partes do seu interior. Dessa maneira, a “foto da foto” torna-se uma outra obra em si porque captura as interpretações possíveis entre a vida dos moradores das periferias da cidade de São Paulo no século XXI e a luta por direitos da população negra na década de 60 em uma das regiões mais racistas dos Estados Unidos.

Aprenda a multiplicidade desta linguagem tecnológica 

A vídeo projeção, utilizada como linguagem, pode tornar o conteúdo mais dinâmico e agregar outra camada de experiência visual. Dentre os trabalhos que os Coletores já fizeram em parceria com outras coletividades e artistas, estão shows musicais e peças teatrais.

Desde o ano passado, o coletivo realizou diversas oficinas em espaços culturais, como o equipamento estadual Oficina Alfredo Volpi em Itaquera, quanto em espaços universitários como a UFABC e USP. No final deste mês, entre os dias 26 e 29, eles irão ministrar uma oficina gratuita e virtual em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim. “A gente sempre pensa a oficina como um campo aberto. De repente, o interesse da pessoa não é a vídeo projeção em si, mas a produção de conteúdo para esta linguagem, como a animação. Entendemos que esse é um ponto de partida, uma entrada a este mundo de produção. Por isso, partimos de ferramentas que sejam usadas de maneira muito intuitiva, acessível. A gente tenta mostrar que existem vários caminhos, como o da poética, para pensar a estética. E também tem um caminho da operação, que muita gente também se interessa pela matemática da coisa”, conta Flávio.

A partir destes tantos caminhos na linguagem, o Coletores selecionou quatro estilos para serem ministrados na atividade voltada para moradores das periferias, são eles: Vídeo Mapping, Vídeo Guerrilha, Projeção em Shows e Grafitti Digital, que é uma linguagem desenvolvida pelo Coletores. “Ao mapearmos o grafitti e fazermos uma projeção nele, criamos uma outra camada de interpretação dele”, acrescenta Toni sobre as novas abordagens dessa linguagem.

São disponibilizadas 30 vagas e as inscrições para a Oficina de Vídeo Projeção ficam abertas até o dia 22 de abril ou até o número de vagas serem atingidos por ordem de inscrição. Para fazer a inscrição, é necessário acessar este link. As aulas acontecem das 19h às 21h e serão ministradas pelo aplicativo Google Meet, sendo que o contato com os inscritos será feito pelo WhatsApp.

Projeto oferece bolsa para jovens que movimentam a cultura periférica

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A plataforma FIXE oferece seis vagas para a juventude periférica participar de um programa de pesquisa e curadoria artística. Cada jovem curador selecionado receberá uma bolsa no valor R$ 1.000,00 reais. 

Batalha de rima organizada por jovens do Jardim Ângela, território que faz parte do programa. (Foto: Thais Siqueira)

A plataforma FIXE está com inscrições abertas para selecionar seis jovens que atuam com cultura nas periferias de São Paulo, para participar de um programa de bolsas de pesquisa e curadoria artística. As inscrições podem ser realizadas até 18 de abril no site da Fixe (www.festivalfixe.com.br), que também publicará o resultado da seleção no dia 20 de abril.

Jovens que atuam com cultura e residem nos distritos de Bom Retiro, Brás, Brasilândia, Campo Limpo, Capão Redondo, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Grajaú, Iguatemi, Itaim Paulista, Jaraguá, Jardim Ângela, Lajeado, Marsilac, Parelheiros, Pedreira, Perus, São Mateus, São Rafael, Sapopemba, Tremembé, Vila Andrade, Vila Curuçá, Vila Maria e Vila Medeiros podem se inscrever no programa.

Segundo a organização do programa, esses territórios foram escolhidos por possuírem o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) com os níveis médio ou baixo na dimensão da educação. Para se inscrever, os jovens terão que ter até 25 anos, perfil ativo nas redes sociais (Facebook e Instagram), disponibilidade para participar de reuniões de equipe e mentoria durante o período de participação no projeto.

A iniciativa foi criada pela empreendedora cultural Fabiana Batistela, que também é diretora geral da Semana Internacional de Música de São Paulo (SIM São Paulo). A FIXE (lê-se “fiche”, gíria portuguesa que significa legal, com estilo e boas qualidades), reúne a produção artística e cultural de países e regiões lusófonas, ou seja, que falam a língua portuguesa.

A atuação de cada colaborador abrange as expressões do Festival Fixe: música, cinema (audiovisual), artes visuais, literatura, teatro e gastronomia, revelando outros jovens talentos das periferias da capital paulista para o Portal FIXE que atuam nessas áreas.

Cada pesquisa será desenvolvida por um mês, com mentoria indicada pelo projeto e o resultado será compartilhado em destaque nas redes sociais e no portal da plataforma FIXE.

A partir da pesquisa e curadoria, o projeto busca dar visibilidade à nova produção artística que vai revelar 36 talentos legitimados pelo próprio grupo de jovens curadores.

Saiba mais.

Chamamento Jovens Curadores Bolsistas FIXE
De 06 a 18 de abril

Inscrições no www.festivalfixe.com.br


Internet e remuneração ruim desmotivam entregadores de apps na quebrada

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Entregadores afirmam que aplicativos de entrega não levam em consideração a qualidade da internet nas periferias. Além disso, eles contam que a alta demanda de entregadores tem precarizado ainda mais a remuneração e a qualidade de vida de quem trabalha com delivery na quebrada.

Créditos: DiCampana foto coletivo

 Através de um anúncio nas redes sociais, Christopher Augusto, 22, morador do bairro Parque Santo Amaro, zona sul de São Paulo, conheceu as possibilidades de gerar renda se cadastrando nos aplicativos de delivery Lalamove, iFood e Uber Eats. O entregador descreve a ocasião do contato com o anúncio como “um anúncio chamativo e que nos oferece uma boa renda”.

Ele avalia essa descoberta não como uma escolha e sim como o único meio encontrado para não passar dificuldades diante de uma alta taxa de desemprego no país. “Em meio à pandemia, uma das soluções encontradas para não passar dificuldade, e sim à falta de emprego de carteira assinada é uma das causas”, afirma o entregador.

Além de fazer entregas nos aplicativos durante o dia, Augusto trabalha em uma pizzaria a noite, pois ele acredita que a dependência do aplicativo afeta diretamente na sua qualidade de vida “Se formos depender só do aplicativo para sobreviver, nós vamos ter que trabalhar como um serviço de escravo, tá ligado”, define o entregador.

O argumento de Augusto se baseia na quantidade de horas necessárias para se ter uma renda media mensal que possa apoiar no pagamento dos boletos e gastos fixos com a família. “É preciso trabalhar de 12 a 14 horas por dia pra poder manter um salário que possa nos ajudar a pagar nossas dívidas entendeu”.

Augusto explica que a concorrência por realização de entregas é outro fator que tem intensificado a precarização dos trabalhadores de aplicativos de delivery. “A demanda de motoboy está muito alta, querendo ou não se tornou uma concorrência tá ligado”.

Segundo Augusto, as despesas com gasolina e internet por mês giram em torno 700 a 800 reais, sendo que seu salário no mês fora as despesas fica em torno de 1.500 reais. O entregador ressalta que mesmo tendo um plano de internet para trabalhar, muitas vezes o serviço deixa a desejar, causando interrupção da sua rotina de trabalho.

O entregador faz questão de descrever como a internet ruim dificulta o seu trabalho. “Você chega à casa do cliente, no endereço determinado, quando você vai finalizar a entrega muitas vezes não tem internet não dá pra finalizar a corrida, muitas vezes a casa do cliente é em tal lugar e a localização dele é mais pra frente, aí você vai finalizar é não consegue também, então são algumas coisas que dificulta tá ligado, até mesmo da parte da plataforma dos aplicativos”, conta Augusto.

Outra dura realidade apontada por Augusto é o tratamento diferenciado vivenciado pelos entregadores com usuários de apps que vivem na região central de São Paulo e nas periferias. Ele relata que sua entrega nas periferias e no centro da cidade tem recepções totalmente diferentes, sendo que na quebrada o seu trabalho é mais valorizado.

“Nós sentimos que ao chegar à periferia você dá uma boa noite, bom dia ou boa tarde pro cliente, e já é automático que ele vai te responder, vai perguntar se você tá bem, não é criar uma amizade entre o cliente e um motoboy, é respeito é humildade”, conta Augusto, destacando que dá ponte pra lá o desprezo é uma constante na rotina dos entregadores.

“Eles enxergam a gente como escravos do sistema né, tipo eu to te pagando e você é obrigado a fazer isso, eu sou obrigado a falar com você e já era, até a forma de expressão da pessoa, o olhar da pessoa, entendeu pow, a cara de nojo, já na periferia não é assim, querendo ou não somos de dentro, então um tem que respeitar o outro”, descreve.

 A visão macroeconômica da quebrada

 O entregador traz um questionamento importante, fazendo uma comparação com a alta dos preços de combustíveis e a estagnação do valor das taxas de entrega que não são corrigidas pelas empresas de delivery, fator que amplia a visão de Augusto sobre a exploração do seu trabalho. “Eu espero que eles percebam que todos nós tenhamos o serviço reconhecido, da mesma forma que teve aumento no combustível tenha um aumento nas nossas taxa de entrega. Sinceramente somos explorados”, avalia.

Mesmo os aplicativos não trazendo benefícios que garanta a segurança dos entregadores, Augusto conta que a própria comunidade se organiza em busca de auxiliar os entregadores a se manter em busca de seus direitos trabalhistas. “Temos uma comunicação um com os outros, agimos como uma família a fim de ajudar um ao outro, no entanto se nós nos deparamos com motoqueiro acidentado paramos para dar uma assistência”, revela.

Ao lembrar a importância dos direitos trabalhistas que ainda precisam ser conquistados, o entregador deixa um recado para os aplicativos de entrega: “gostaria que nossos serviços fossem reconhecidos, e que seja proporcionado mais segurança com uma demanda de tempo correta e uma assistência a todos para que possamos ir adiante sem tanta exploração”.

 Autonomia na jornada de trabalho

Atuando como entregador nos aplicativos iFood e Uber Eats, Paulo Henrique, 25, morador do Parque Pinheiros, município de Taboão da serra, afirma que uns dos principais motivos para sair de um emprego com registro em carteira e se tornar entregador de aplicativos foi a possibilidade da autonomia na jornada de trabalho.

“Eu saí de um trabalho com carteira assinada só para fazer entregas pelo app. Posso não ter um salário e benefícios garantidos, mas a liberdade de autonomia é maravilhosa, trabalhar na hora e no dia que quero”, conta o entregador.

Durante o seu tempo livre, o morador de Taboão da Serra se dedica a desenvolver seu conhecimento com o audiovisual e a música. “Quero ser artista rico e famoso, mas até lá, preciso desenvolver muito minha arte, então por enquanto vou focar nas entregas”, comenta o motoboy, enfatizando não enxerga alternativa de geração de renda no momento até conseguir aperfeiçoar sua arte com horas de estudos.

Porém, Henrique sente as consequências da escolha pela autonomia de fazer o seu horário de trabalho. Sem uma segurança sobre o que será o presente e futuro, ele lista algumas dificuldades que ficam cada vez mais evidentes e caminham lado a lado com sua a rotina de entregador. “Estar à mercê de vários fatores externos que podem me prejudicar, como chuva, enchentes, entregas em lugares perigosos e a falta de pedido que está acontecendo com freqüência”.

Em meio a essas adversidades, o entregador conta que foi se adaptando com os desafios impostos também pela tecnologia de geolocalização dos aplicativos, que em muitos casos é imprecisa. “Muitos estabelecimentos tem a localização diferente da que mostra no app, daí até eu me acostumar com certos restaurantes eu passei alguns perrengues”.

Diferente da história do entregador Augusto, Paulo conta que utiliza um plano de internet bom, pois nunca teve problemas durante a entrega. “A internet tá sempre disponível em todos os lugares”, afirma, mas quando se trata da recepção dos clientes em territórios da periferia e centro, as vivências dos entregadores não são muito diferentes.

“Bairro rico mal olha na minha cara, enquanto na periferia sou bem acolhido pelos clientes, aliás, o rango chegou não é mesmo? aí eles ficam felizes e são bem legais comigo, dão boa noite, boa tarde”, descreve.

No final da entrevista Henrique nos conta uma dinâmica que normalmente acontece na rotina do motoboy e que representa mais um desafio imposto pelos aplicativos. “As vezes quase não tem pedido em alguns aplicativos, e é comum o motoboy trabalhar para mais de uma plataforma. Eu mesmo faço entregas para o iFood, Uber e às vezes pra Rappi. Isso é bom porque assim são três vezes mais chances de eu ter entrega para fazer. Mas o ruim, é que alguns aplicativos não autorizam o mesmo motoboy trabalhar para o concorrente, então já até ouvi casos de motoboys serem bloqueados em certas plataformas por terem mais de um aplicativo de entrega”, diz o entregador.

Ela finalizando a entrevista mandando um recado para as empresas de aplicativo: “aumenta nosso salário poxa, vocês tiraram uma taxa que já era nossa, daí tá tudo mais difícil”.

Direitos invisíveis: ações coletivas de prevenção à covid-19 orientam moradores das periferias

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Iniciativas de comunicação nos distritos da Brasilândia, Parelheiros, São Mateus e João XXIII, atuam para garantir que a população das periferias e favelas nesses territórios tenha direito à informação. Por meio de ações de comunicação que traduzem os efeitos da pandemia, esses grupos estão investindo na orientação de famílias no portão das casas, na rua ou enviando áudios pelo WhatsApp com dicas e entrevistas sobre como prevenir o contágio de covid-19.

Sem esperar por uma mudança de narrativa nos canais de comunicação de grandes grupos empresariais e sem depender do apoio do poder público, que deveria seguir a risca o artigo 5º da Constituição Federal, que diz: 

Iniciativas de comunicação nas periferias e favelas de São Paulo estão realizando ações informativas em plataformas online e offline para conscientizar os moradores sobre as formas de proteção e prevenção ao contágio do coronavírus. Será que a frase ‘fique em casa’ contempla moradores dos territórios periféricos que precisam sair para trabalhar e manter sua família? Perfil que em sua maioria são os principais responsáveis pelo funcionamento de diversos serviços essenciais da cidade.

Nos territórios onde as iniciativas de comunicação estão atuando para orientar a população, os dados sobre os números de mortos divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde mostram a gravidade dos impactos da pandemia.

No distrito de Brasilândia, na zona norte, há cerca de 270 óbitos. Na zona leste, o distrito de São Mateus tem mais de 100 mortes, e na zona oeste já foram registrados mais de 40 óbitos no distrito de Raposo Tavares. Em Parelheiros, mais de 70 pessoas já morreram da doença causada pelo coronavírus.

Em meio a esse cenário de avanço da pandemia de coronavírus nos territórios periféricos da capital paulista, os noticiários continuam mostrando que nas quebradas a vida segue com a realização de bailes funk, aglomeração de jovens em praças e bares abertos. Mas quem deveria fazer um trabalho de conscientização desse público levando em consideração o seu modo de vida?

Essas iniciativas acreditam na importância de criar um canal de diálogo com os moradores, utilizando a vivência e o olhar de quem faz parte do cotidiano da quebrada como uma aliada para entender as variadas demandas desses locais, transformando esse repertório numa estratégia de comunicação que busca informar a população ao invés de criminalizar moradores e principalmente a juventude desses territórios, que em grande parte sempre enxergaram a rua como um caminho de fuga de diversas situações de conflitos que passam dentro das suas casas.

Em Parelheiros, zona sul, podcast ‘desuniversaliza’ os impactos da pandemia

Dados da Secretaria Municipal de Saúde mostram dos 10 distritos com maior número de mortes em São Paulo, seis deles se encontram na região sul, entre eles estão: Grajaú (267), Capão Redondo (237), Jardim São Luís (195), Jardim Ângela (240), Cidade Ademar (193), e Parelheiros (96).

Como uma alternativa à falta de ações de comunicação voltada aos moradores do território de Parelheiros, o coletivo Arque Perifa, formado por cinco jovens que atuam no distrito, criaram o podcast “Lugar de Quarentena”. A idéia é que as pessoas entendam os seus lugares, ou mesmo escutem outros lugares, sobre os impactos e as vivências no período da pandemia do coronavírus, além de fugir da ideia de que o impacto do vírus se resume apenas a pauta de saúde.

Segundo Laura da Silva, 19, produtora cultural e uma das integrantes do ArquePerifa, nas periferias a pandemia foi apenas uma lupa para várias outras questões e adversidades do cotidiano, e o podcast possibilita novos olhares para esse cenário. 

“A gente chama em cada episódio do podcast um morador para dar um relato, ou justamente nessa parada de lugar de fala, falar sobre a sua vivência de acordo com o recorte que damos para cada episódio, e também em todos os episódios tem um ativista ou especialista da causa. Normalmente a gente valoriza pessoas que sejam da região, e quando não tem essa possibilidade, a gente chama pessoas que estão pensando sobre isso em outras periferias”.

aponta.

A gravação do podcast é feita por uma plataforma de videoconferência, e distribuída através de plataformas de áudio e vídeo, além de utilizarem listas de transmissões com uma versão pocket do material para alcançar pessoas que não tem o hábito de ouvir podcast.

Laura reforça que o conteúdo do podcast não ficará acessível somente aos moradores que utilizam plataformas digitais ou celular. “A gente também quer ampliar o Lugar de Quarenta para carro de som, e panfletagem, porque a gente percebe que na nossa região a questão da internet, ou quando se tem, é muito precarizado, acaba fazendo com que a gente não atinja tantos moradores. Então a gente também vai abrir essa frente de tentar comunicar via carro de som”, compartilha.

A jovem conta que um dos objetivos do podcast é ‘desuniversalizar’ os impactos da pandemia. “Não está todo mundo no mesmo barco. Pessoas passam por determinadas situações, por determinadas questões, em níveis diferentes”. 

Ela também acrescenta: “Quando a gente conversa sobre um assunto que aborda o cotidiano da pessoa, primeiro ela tem uma identificação, tipo ‘eu passo por isso minha vida toda’, ou ‘nossa meu parente passou por isso’, ‘realmente nunca tinha pensado que era um problema’, e partir dessa reflexão a gente começa a engajar”.

Os números de casos confirmados e mortes no distrito de Parelheiros vêm aumentando, mas a capacidade do Hospital Municipal não é o suficiente para atender a quantidade de casos na região. Segundo Laura, o poder público não realiza ações de comunicação na região e isso é uma realidade que antecede o período da pandemia.

Ela afirma que a administração pública local faz publicações nas páginas de redes sociais, mas como prestação de contas sobre o que fizeram. Nunca um diálogo, ou pensando nas demandas da população e demandas da juventude principalmente. “É só uma replicação de uma recomendação geral, e não pensa nas características e necessidades daqui. E acaba que fica para a gente resolver as coisas mesmo”, relata.

A produtora cultural enfatiza que o tom político toma conta dos comunicados oficiais da Subprefeitura local. “Fora os canais oficiais, o que tem de comunicação no bairro é muito não crítico. É sempre realmente divulgando o que os políticos estão fazendo. Acaba que é uma coisa muito política, partidária, do que está sendo feito, muito comprado”, descreve.

Laura acredita que o trabalho do coletivo é inspirado num grupo de jornalistas que atuam no distrito de Grajaú, território que faz divisa com Parelheiros. “A gente tem de ajuda assim territórios próximos, como o Periferia em Movimento do Grajaú, cobrindo coisas que tem haver com nossas demandas, e a gente começou agora. Então realmente não tem muito a comunicação do poder público com a juventude, muito menos com o bairro”, finaliza a produtora.

Na Brasilândia, zona norte, trio elétrico realiza ações em parceria com agentes de saúde 

Na zona norte de São Paulo, muitas iniciativas têm buscado cobrir lacunas na região, e agora com o coronavírus vem propondo soluções para o enfrentamento da pandemia. Uma dessas iniciativas é a Rede Brasilândia Solidária, que vem atuando no enfrentamento da pandemia com mais de 200 voluntários. Formada por lideranças locais, a rede mantém uma constante articulação com agentes de saúde, assistência social, cultura e educação.

Carro de som na Brasilândia orienta moradores sobre uso de mascarás.

A Brasilândia está entre os 10 distritos com maior número de mortes em São Paulo. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, os óbitos por covid-19 confirmados e suspeitos na Brasilândia somam cerca de 270 óbitos, registrados entre 11 de março e 20 de junho. Os dados mostram um aumento superior a 300% em comparação com os números de 21 de abril, que registra 67 mortes.

Consciente da importância de criar estratégias de enfrentamento a pandemia, a Rede Brasilândia Solidária está organizada em nove núcleos de ação: Saúde, Educação, Comunicação, Juventude, Cultura, Assistência Social, Trabalho e Renda, Captação de Recursos e Pessoa com deficiência. Cada Núcleo, dentro de sua especificidade realiza ações e reuniões para encontrar as melhores maneiras de fazer a divulgação de informações para combater o coronavírus no território.

“Temos uma ação que ocorre quase que cotidianamente que são os carros de som e um trio elétrico que a Rede Brasilândia com ajuda de parceiros circula pelo território. Essas ações são articuladas e organizadas em parceria com as UBS’s e Agentes de Saúde que estão distribuídos nos territórios, e consiste em divulgar, por meio de vinheta produzida pela rede, a necessidade do isolamento possível e a importância de se usar a máscara quando for sair de casa e ter contato com outras pessoas”, afirma Jabes Campos, advogado e dirigente do Instituto Saci – Saberes Culturas e Integração, organização que desenvolve projetos focados em jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Com a possibilidade de circular por todo o bairro, o carro de som e o trio elétrico está em funcionamento desde o início da criação da Rede na Brasilândia. “As ações são realizadas sempre com o apoio logístico e estratégico das UBS, por meio de seus agentes e profissionais de saúde, planejando o trajeto e definindo ruas mais prioritárias para atingir a população. Nos locais aonde não chega o carro de som, a Rede Brasilândia Solidária comprou dois megafones que os agentes usam para a melhor divulgação das ações”, diz o voluntário.

Campos conta que a população de modo geral tem atendido aos apelos da Rede. Mas em relação à juventude local, eles ainda estão procurando um melhor meio de comunicação. O dirigente do Instituto Saci relata que ainda encontra muitos jovens em pequenas aglomerações no território, mas de modo geral tem sido positivo. “A receptividade das ações por parte da população é visível. Tem ajudado e muito na conscientização e entendimento da população para que se proteja. Todas as ações que realizamos entregamos máscaras que recebemos de doações e também máscaras que são confeccionadas por 40 costureiras voluntárias que temos no território”.

O advogado relata não ter conhecimento de ações do poder público pensando em atingir os moradores, principalmente os jovens. “A região já tem carências históricas, o poder público não tem uma atuação robusta, só os serviços de saúde e de educação são visíveis, fora isso os outros serviços são esporádicos”, conta.

A Rede Brasilândia Solidária é formada por diversas associações, coletivos e agentes atuantes no distrito, e juntos assinam uma carta com reivindicações para o território. Entre as ações e reivindicações da Rede está um pedido para instalação de espaços públicos para isolamento. Enquanto isso não acontece, eles seguem espalhando mais de 150 faixas de alerta e prevenção nas ruas, além de arrecadação de alimentos, e entrega de máscaras produzidas por costureiras da região.

No João XXIII, zona oeste, cartilha traduz informações sobre a pandemia 

Pensando na ideia de comunicar de morador para morador, um grupo de jovens do João XXIII, um dos bairros do distrito Raposo Tavares, se organizaram coletivamente por meio do cursinho pré-vestibular Cláudia Silva Ferreira, iniciativa de educação popular que oferece aulas para moradores que estão em busca de acessar o ensino superior.

Jovens orientam moradores no Jardim João XXIII, zona oeste da cidade.

As ações iniciais começaram com a distribuição de máscaras e pedras de sabão junto com uma cartilha que traduz informações sobre cuidados contra o coronavírus para uma linguagem não formal e pensada no morador do território. Além desta função, o material também aborda a importância da auto-organização e mostra opções de como se organizar no contexto comunitário neste momento.

Pedro Henrique Fernandes, 23, morador do João XXIII e integrante do cursinho afirma que comunicar de morador para morador é a forma mais potente, e que as pessoas dão mais credibilidade porque sabem quem você é. “Fizemos uma cartilha porque percebemos que as informações que vem do Estado não são muito acessíveis, é algo mais institucional e formal, então fizemos uma direto para o bairro, foi feita de morador para morador e tem um alcance maior e a gente vê que as pessoas acreditam mais quando você é do espaço”.

Fernandes afirma que outra dimensão importante da ação também foi o fato de conversar diretamente com jovens que muitas vezes continuam seguindo suas vidas de maneira normal por acharem que não serão atingidos pelo covid-19. 

“É uma doença que desde o começo vem sendo colocada que mata só idoso, mas na verdade não mata só idosos, aí muitos jovens têm a ideia de que podem continuar suas vidas normais, a cartilha também coloca a responsa nos jovens, de que mano você está levando esse vírus para os espaços. Vem muito na ideia de responsabilização dos jovens que furarem a quarentena, e também mostrar que tem formas de se organizar como bairro. Independente do Estado, a gente precisa se organizar para continuar sobrevivendo”.

Com o aumento das ações de mobilização de cuidado, o grupo de jovens moradores já estuda a possibilidade de transformar a experiência em uma série de vídeos para as redes sociais. 

“A gente percebe que depois da ação que se tem um clima muito mais cuidadoso no bairro, está todo mundo de máscara, até porque é uma lei, mas está todo mundo tentando respeitar uma distância. Mas a gente percebeu que no momento que a gente está ali e conversa, existe um choque das pessoas, e agora estamos nos organizando para postar uma série de vídeos produzida pelos moradores que fala sobre as questões do coronavírus junto com questões sociais, como por exemplo, a desigualdade social e o coronavírus”, conta Fernandes.

“São Mateus é um bairro de luta e iremos vencer mais essa batalha” 

 A ação ‘Graffiti contra a fome’ faz parte da campanha articulada pela rede de coletivos culturais São Mateus em Movimento, que atua na subprefeitura de São Mateus, zona leste de São Paulo. A ação conta com a participação de artistas da região, como Rafael Bone, Cris Rodrigues, Val OPNI e Todd OPNI, para homenagear quem está na linha de frente do combate ao Coronavírus. O coletivo também tem distribuído panfletos informativos com a proposta de conscientizar também aqueles moradores quem não assiste televisão.

“A importância é trazer proximidade do tema, para quem não assiste TV e para quem acha que ainda é um problema distante, mas que na real já está atingindo a quebrada e estamos usando da ideia de panfletos impressos e colocando nas cestas, e estamos estudando a possibilidade de uma agenda de lives e vídeos informativos também para tentar comunicar os moradores principalmente os mais jovens”, relata Rafaela Maiara, 24, moradora de São Mateus e integrante da rede de coletivos.

A moradora conta que as ações realizadas pelo grupo também são um lembrete de resistência e luta no território: “A ação realizada no dia 16/05, Graffiti contra Fome, faz parte da nossa campanha São Mateus Contra a Fome, e foi pensada com os artistas da região para homenagear quem está na linha de frente do combate ao Coronavírus: profissionais da saúde, limpeza e a própria natureza em seus ciclos de cura e resistência imunológica”.

Maiara acredita que a campanha também servirá para mostrar aos moradores a importância de união comunitária. “É um convite para que pensem nisso, no cuidado, em como tratamos o nosso corpo e o mundo em que vivemos. Também é um lembrete de que nós estamos aqui, se ajudando e se cuidando, que São Mateus é um bairro de luta e que iremos vencer mais essa batalha”.

A articuladora comunitária afirma que é de responsabilidade do Estado o fato dela presenciar ainda um grande número de pessoas na rua, e não conseguirem respeitar a quarentena. 

“Maioria do público que está na rua é o público jovem e a ausência do poder público é a causa de tantas pessoas não respeitarem o isolamento social, única medida capaz de conter a disseminação do vírus. A maioria das pessoas não está na rua por querer, mas por necessidade. O Estado precisa garantir as necessidades básicas para garantir que as pessoas fiquem em casa”, finaliza.

Construção

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Filho de pai pedreiro, uma parte da minha história (e de tantas outras pela quebrada) pode ser contada através do bloco, pedra, areia e cimento. 

Favela Fim de Semana, Jd. São Luís, zona sul, 2019 – Foto: DiCampana Foto Coletivo

Caminhando pelas periferias é possível reparar em objetos, formas e cores. Não raro dá para enxergar vários blocos laranjas subindo um muro e uma nova casa sendo construída. Filho de pai que virou ajudante de pedreiro após perder o emprego em uma fábrica, cresci no meio de blocos, areia, pedras e cimento, então essa paisagem para mim é comum. Não dificilmente eu era solicitado para carregar alguns blocos em troca de umas moedas para um sorvete. Era alegria na certa. Quando o serviço era grande então, eu me sentia o próprio patrão, convidando algum colega da rua para passar a tarde toda carregando bloco. Eu não sabia, mas ali estavam sendo construídas histórias. Um espaço aberto agora se tornava moradia ou comércio, sendo aberto mais um capítulo para a história do meu bairro.

Papai tinha problemas com bebida alcoólica. Por diversas vezes “passavam a perna nele” e o dia de serviço não era remunerado. Eu ficava triste não só porque minha família não iria ter dinheiro para a mistura naquela noite, mas eu sentia como se a construção e meu pai não tivessem sido valorizados. Era como se o artista tivesse terminado a obra e não ser lembrado. Essa percepção, óbvio, eu tenho hoje, com vinte e tantos anos. Naquela época mesmo eu só queria o trocado para o sorvete.

E a periferia continua se expandindo. Meu pai faleceu quando eu era adolescente e parou de construir. Desde então, eu continuo sua história. Mas agora, ao invés de carregar blocos e erguer muros, eu carrego palavras e construo pontes. Pontes entre um passado não tão distante de um pai pedreiro e um futuro de um filho metido a jornalista, que faz da periferia não apenas sua moradia, mas sua razão de escrever.

Bom, esse texto é um pouco mais curto do que estou acostumado a fazer. Mas é proposital. Assim como as construções de quebrada, ele tem um prazo para começar, mas nunca para terminar. Com um puxadinho aqui, uma reforma ali, essa coluna vai tomando forma e sendo construída com ajuda de você, que lê o que eu tenho a dizer. Obrigado por também ser pedreiro ou pedreira da minha história.

Solidariedade digital: página cria outdoor de doações para moradores

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Através de perfil no Facebook, a página Piraporinha City está criando uma rede de solidariedade digital, ajudando moradores a receber alimentos e propostas de emprego durante a pandemia de covid-19.

Patricia Ferreira com seu filho William Ferreira (Foto: Igor Ferreira)

Desde que a crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus afetou os moradores das periferias e favelas, a página Piraporinha City, iniciativa comunitária que divulga de maneira séria e cômica os acontecimentos que fazem parte do cotidiano dos moradores do Jardim São Luís e Jardim Ângela, impactando mais de 60 mil seguidores, passou a desempenhar o importante papel de aproximar moradores das periferias que podem doar alimentos de pessoas que podem ser seus vizinhos e estão passando por muitas dificuldades financeiras, falta de emprego e alimentos dentro de casa.

Uma dessas pessoas que utiliza a página para solicitar doações de alimentos para a sua família é Patrícia Ferreira, 49, moradora do Jardim Santa Margarida. Ela está sobrevivendo através de pedidos de doações que divulga na página Piraporinha City.

Hoje suas maiores fontes de arrecadação de alimentos vêm das ações de solidariedade digital organizadas pela Piraporinha City. Ferreira conta que logo no começo da pandemia perdeu seu emprego de condutora escolar, a partir de então ela vem contando com o apoio da rede de solidariedade digital criada pela página para sustentar seus filhos. “Como eu tenho um filho especial acamado, a página publica coisas do meu filho para me ajudar com a dieta, fralda ou até mesmo com meu serviço de condutora escolar, a gente coloca lá na página essas informações que me ajuda muito”, descreve a moradora.

 “Hoje eu recebi mais de 30 mensagens de famílias precisando de cesta básica”

Durante a entrevista com um dos organizadores da página, obtivemos a informação que mais de 30 pedidos de doações haviam chegado na sua caixa de entrada do Facebook para serem publicados ao longo do dia. “No início da pandemia a gente postava individualmente quando alguém estava precisando de alguma coisa, porém hoje, somente na parte da manhã eu recebi mais de 30 mensagens de famílias precisando de cesta básica, pedindo leite, arroz e produtos de higiene”, conta um dos produtores de conteúdo da Piraporinha City, que preferiu não se identificar devido algumas ameaças que eles recebem por se posicionar politicamente nas periferias.

Ele enfatiza que com o agravamento da pandemia e do desemprego, semanalmente a página reserva um espaço de anúncios para mapear onde está acontecendo doações de alimentos e a partir desse momento o próprio seguidor começa a informar nos comentários quais organizações ou igrejas estão fazendo doações de alimentos.

O administrador da página ressalta que além das doações, a Piraporinha City também procura divulgar vagas de emprego. “Toda semana também a gente posta em relação de vagas de emprego e muitos seguidores já conseguiram emprego através das nossas postagens”, afirma.

O administrador explica que para organizar o crescente fluxo de pedidos de doações, foi preciso adotar uma política de privacidade para preservar os dados de contato das pessoas que precisam de ajuda. “A gente não gosta de expor o contato da pessoa nas redes sociais, só quando a pessoa quer expor mesmo, normalmente funciona assim: a gente faz a solicitação e posta na página , ai algum grupo de doadores ou alguma instituição entra em contato com a gente, aí a gente repassa o contato da pessoa que precisa das doações”, explica.

A Piraporinha City existe desde 2013, porém ficou inativa durante três anos, e em 2016 começou a distribuir conteúdo, que segundo o administrador é criado pelos próprios seguidores, que fornecem informações sobre doações, oportunidades de emprego, situação do trânsito local, entre outros assuntos relevantes para os moradores.

 “Graças a Piraporinha City eu paguei meu aluguel esse mês”

Ruth no celular (Foto: Bruno da Silva)

“Eu só recebo só 180,00 do bolsa família, eu estava muito preocupada, não sabia o que fazer, ai eu falei: vou pedir ajuda na página Piraporinha City, pois eles sempre me ajudam, ai eu fui lá e pedi ajuda, pra ver se alguém podia me ajudar a pagar o aluguel porque eu não estou conseguindo vender bala e nem água no farol”, conta Ruth Costa, 24, moradora do Jardim Leônidas , localizado no distrito do Campo Limpo, zona sul da cidade.

Ela trabalha vendendo balas no farol, uma atividade empreendedora comum no cotidiano do morador da quebrada, mas que em meio pandemia ficou mais difícil de ser executada, devido aos protocolos sanitários. Para a moradora, a sua situação ficou ainda mais complica pelo fato dela ter problemas mentais e não ter um suporte de políticas públicas do governo. “Eu sou especial, tenho problema mental, não consegui encostar no INSS ainda, estou há três meses esperando o INSS e até agora nada”, conta ela.

Enquanto o apoio do governo não chega até Ruth, ela afirma que ao recorrer a página para pedir ajuda, o engajamento dos seguidores foi imediato. “As pessoas do grupo me ajudaram, pediram meu Pix e depositaram na minha conta, me chamaram no WhatsApp e graças ao Piraporinha City eu paguei meu aluguel desse mês”, revela.

Mesmo contato com o apoio da página para suprir essas emergências financeiras, Ruth conta que o acesso à internet ainda é uma barreira para conseguir receber doações por meio de soluções digitais.. “Não ter acesso à internet é muito ruim, a gente fica longe da família, dos amigos, não tem como se comunicar, não tem como falar com ninguém, a gente fica isolado no mundo, não tem como você falar com ninguém é muito ruim”, finaliza a moradora.

Centro de Mídia M’Boi Mirim realiza oficinas virtuais de vídeo projeção

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Vídeo mapping e graffiti digital são alguns dos temas abordados na formação gratuita, que é uma iniciação para o mundo da vídeo projeção. As inscrições para as atividades estão abertas até o dia 22 de abril.

 O Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço de trabalho compartilhado e formação para comunicadores, empreendedores e agentes culturais das periferias, realiza entre os dias 26 e 29 de abril a Semana de Cultura Digital, uma formação gratuita de vídeo projeção organizada em parceria com o Coletivo Coletores.

A oficina de vídeo projeção faz parte da Semana de Cultura Digital, evento que foi adaptado para o ambiente virtual devido a pandemia de covid-19. Em parceria com o Coletivo Coletores, a oficina acontece de maneira gratuita e os interessados devem se inscrever por este link.

O objetivo da formação é promover uma série de diálogos sobre arte, tecnologia e cidade. Os encontros são temáticos e acontecem de forma virtual e gratuita. Para participar, é necessário ser morador(a) das periferias e ter mais de 16 anos. Serão disponibilizadas 30 vagas e as inscrições estarão abertas até o dia 22 de abril ou até o número de inscritos ser atingido.

As atividades serão realizadas pela plataforma do Google Meet. Os encontros acontecem das 19h às 21h e cada um deles apresentará um tema específico relacionado com a vídeo projeção, serão eles: vídeo mapping, vídeo guerrilha, projeção em shows e graffiti digital. 

A ideia é que a formação seja uma iniciação à vídeo projeção. Não há formação de VJ, profissional de vídeo projeção nas faculdades. Muitas pessoas também não sabem o que é necessário para se fazer vídeo projeção. Então, se você é um produtor cultural, você pode descobrir como esse recurso pode ampliar a experiência visual da sua atividade. Ou se você viu uma vídeo projeção e quer aprender como ela acontece. Ou ainda, se você é do graffiti, do audiovisual, ou de outras linguagens artísticas, pode acrescentar a vídeo projeção ao seu trabalho. O mais interessante da formação é que ela pode abrir possibilidades

Toni Baptiste, coletivo coletores

Coletivo Coletores 

Criado em 2008 pelos artistas visuais Toni Baptiste e Flávio Camargo, o Coletivo Coletores é de São Mateus, na zona leste de São Paulo. O Coletores atua com instalação, stencil, web art, fotografia, interfaces de baixas tecnologias, game art, vídeo mapping e publicações impressas. Já participaram de inúmeras atividades nas periferias e também realizaram exposições, palestras e intervenções artísticas na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Dakar (Senegal), Red bull Station, FILE- Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, Instituto Tomie Ohtake, entre outros.

Para conhecer o trabalho do Coletivo Coletores, acesse seu perfil no instagram.

Semana de Cultura Digital do Centro de Mídia M’boi Mirim 

 26, 27, 28 e 29 de abril

19h às 21h, pelo Google Meet – somente inscritos

Para se inscrever, acesse o formulário aqui.

Terapeutas criam estratégias de atendimento remoto para moradores das periferias de SP

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Entrevistados afirmam que a realização de terapia por meio de plataformas de reunião ou chamadas de voz via celular fazem parte de uma medida emergencial para democratizar o acesso a saúde mental, demanda que cresceu generosamente junto com as desigualdades sociais que se agravaram durante a pandemia. 

Integrantes do coletivo PerifAnálise. (Foto: Adalberto Bussola)

Você já parou para pensar na importância de obter autoconhecimento para cuidar da saúde mental? Você acha que esse é um papo furado ou coisa de gente fresca que não sabe como gastar dinheiro e acaba investindo em consultas para falar dos problemas do cotidiano para pessoas desconhecidas que nem conhecem as suas reais necessidades físicas e mentais?

As perguntas acima fazem parte da cultura de muitas pessoas moradoras das periferias e favelas que não conhecem ou não tem acesso ao serviço de um psicólogo ou psicanalista.

Ao entender que a pandemia iria gerar um grande passo para trás, devido ao encerramento de diversas políticas públicas que garantiram acesso a direitos sociais importantes para a população pobre brasileira, um grupo de moradoras das periferias, formado por psicólogas começou a refletir sobre os efeitos do ‘bolsonarismo’ e o modo do presidente Jair Bolsonaro enfrentar o coronavírus.

Esta motivação política levou a criação do PerifAnálise, coletivo formado por mulheres da quebrada que atendem moradores das periferias que desenvolveram problemas de saúde mental durante a pandemia de covid-19.

“A periferia é a que mais sofre com a ascensão do bolsonarismo, é nesse momento que a gente começa estudar psicanálise”, afirma Paula Jamele, psicóloga clínica que atua no PerifAnálise, coletivo de profissionais que oferecem atendimento terapêutico a moradores das periferias.

O PerifAnálise foi fundado em agosto de 2018, com o objetivo de cuidar do bem estar mental do moradores da periferia e democratizar a psicanálise. “A gente começou a construir a possibilidade de ter um dispositivo clínico, que pudesse estar próximo da periferia, já que a psicanálise é sempre tão centralizada, sempre tão distante da periferia, e que muitas vezes acaba acontecendo de uma forma nem tanto democrática, então no primeiro momento a gente pensa em construir um dispositivo clínico que a periferia pudesse acessar”, acrescenta Jamele.

Mesmo com uma ideia boa para ser colocada em prática, a chegada da pandemia impediu imediatamente os atendimentos presenciais, assim o grupo passa imigrar o contato com os pacientes para o ambiente online, outro desafio a ser enfrentado nesse momento turbulento de luta pela vida.

Ao firmar o compromisso de fazer atendimentos online, a psicóloga clínica afirma que o coletivo ganhou bastante visibilidade no Instagram, uma plataforma que atraiu muitas pessoas interessadas em conhecer mais sobre o PerifAnálise, fato que resultou inclusive no crescimento do projeto e geração de novas oportunidades.

Essa transformação no atendimento ao público exigiu do PerifAnálise uma adaptação ao cenário da escassez de recursos digitais que os moradores da periferia têm em plena era da quarta revolução industrial, puxada principalmente pelas novas tecnologias.

“Estou atendendo uma analisante que mora na periferia e desde o início ela me disse: ‘olha minha internet não tem um bom sinal’ e desde então, a gente faz análise por chamada de voz, e a gente vai pensando em outras possibilidades que a tecnologia permita”, relata Jamele.

Segundo a psicóloga, analisante é a pessoa que recebe o atendimento terapêutico e está na condição se passar por um processo de acompanhamento das suas necessidades de cuidado com a saúde mental.

Ela reforça que existe uma diferença entre o serviço de internet disponível no centro da cidade e na periferia. “O que é uma internet da periferia em comparação para uma região mais central? Tem isso, a gente foi percebendo ao longo do tempo é percebe até hoje”, aponta Jamele.

Com o atendimento reduzido a chama de voz, ou seja, sem ver a expressão facial do paciente, Jamele relata a importância do áudio e da escuta ativa da voz para acessar o subconsciente dos seus pacientes. “Uma presença por chamada de voz, ainda que não se possa ver a imagem um do outro é um elemento muito importante, porque a voz pra psicanálise vai dizer muito do aspecto inconsciente também”, explica.

Atenta ao diálogo com Jamele, a colega de profissão Emília da Silva, 30, moradora da Cidade Tiradentes ressalta que o atendimento online não é algo presente no cotidiano dos estudantes universitários. “Essa questão do online nunca foi muito abordada pelo menos na minha faculdade, eu sabia que existia, mas pouquíssimas pessoas faziam, já tinha ouvido ou lido algo sobre fora do Brasil, mas aqui no Brasil não”, conta ela, afirmando que já iniciei sua atuação profissional com o atendimento no ambiente digital.

A psicóloga Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, problema essa questão da grade pedagógica e enfatiza que falta uma disciplina e estudos voltados para o atendimento online nas universidades.

As ferramentas tecnológicas utilizadas por Emilia para realizar o atendimento são aplicativos que os analisantes já estão familiarizados no seu cotidiano. “Eu costumo atender mais pelo whatsapp, pensando muito na memória do celular, e se for por alguma outra plataforma, como Google Meet ou Skype, vai da demanda do analisante, eu espero ele colocar essa procura pela facilidade”, descreve.

Ao trazer essa questão da flexibilidade de escolha de aplicativos para o atendimento, ela faz uma ponderação sobre o uso do whatsapp e a memória dos smartphones dos analisantes. “O whatsapp chega até ser impessoal em alguns momentos, mas eu espero da pessoa né, muitas pessoas não têm capacidade de baixar vários aplicativos e tem essa questão da memória do celular”, argumenta.

“Eu acho que o online é mais uma possibilidade”

Rosimeire Bussola

Rosimeire Bussola é moradora de São Mateus e integrante do PerifAnálise. Para ela, a experiência com atendimento online é atribuindo a uma nova maneira de se fazer psicanálise e torna-la mais acessível para o morador da quebrada.

“A gente vê que existe uma infinidade de outras possibilidades, eu acho que o online é mais uma possibilidade, tem muita gente já estudando, debatendo e conversando sobre essa ferramenta que gente chegou para ficar, e a gente consegue ver efeitos interessantes, tanto nos efeitos da clínica convencional, quanto em relação à estrutura física”, analisa.

Bussola entende a criação desse espaço online como uma ação emergencial, para que pessoas tenham um lugar para falar das suas dores. “Quando a gente se disponibilizou em ouvir as pessoas elas vieram e com a pandemia, além da gente inventar formas de poder atendê-las, essas pessoas também se reinventaram”, explica.

A visão solidária do morador da periferia, que busca de alguma forma ajudar o próximo a superar determinado problema é algo presente em uma das experiências de atendimentos online realizado por Rosimeire.

Pude perceber o quanto as pessoas davam importância para esse espaço de escuta, tive experiência de pegarem celulares emprestados pra poder sustentar a presença os atendimentos, e ouvi coisas do tipo: olha eu moro aqui na favela, então é muito barulho, vou precisar encontrar outro lugar”, confidencia a psicóloga, afirmando que esse relato aponta para as condições da vulnerabilidade social do indivíduo, mas aponta também para uma busca de solução para continuar contando suas questões no espaço terapêutico online.

Uma das coisas que torna os valores acessíveis no coletivo é a flexibilidade de preços na sessão, onde é adequado para cada morador, de acordo com suas condições econômicas no momento de buscar a terapia. “Isso que a gente faz de combinar com cada pessoa, com cada analisante de que ela possa pagar aquilo que ela consegue no momento”, diz Rosimeire, abordando que através desse questionamento ela busca durante as sessões trazer uma maior consciência sobre o valor do dinheiro. “Ao longo do acompanhamento das sessões, a própria pessoa vê quanto quer e quanto vai pagar inclusive isso acaba sendo o acompanhamento da própria análise, qual é a função do dinheiro para vida de cada pessoa”, acrescenta.

Douglas Felix é psicólogo e sócio proprietário do espaço terapêutico Canto Baobá. (Foto: Katia Lopes)

“Atendemos pessoas na laje, banheiro, praça, já atendi também na frente do ponto de ônibus”

Douglas Felix

Outro projeto que se propôs a oferecer um espaço de cuidado para a saúde mental da população preta e periférica é o Canto Baobá, iniciativa que oferece terapia com ênfase em questões raciais, gênero e orientação sexual. A clínica foi idealizada pelo psicólogo Douglas Felix, 36, antes da pandemia e hoje também utiliza o ambiente online para atender os analisantes.

“A gente foi ser perguntando quem era essas pessoas que estavam na clínica de psicologia e como esses psicólogos estavam recebendo mesmo, quando a gente começou a construir o projeto, nossa ideia sempre foi atender essa população periférica, porque a gente lembrou muito da nossa história”, relembra Felix, abordando como os motivos para criar a empresa.

Para o psicólogo que saiu do Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo e foi morar na Bela Vista, região central, as sessões de terapia ficaram mais intensas nesse novo formato online. “Eu vejo que as sessões ficaram muito mais profundas, porque agora eles conseguem mostrar pra gente de uma forma mais concreta o que eles querem dizer, ou o que eles querem dizer”, analisa Felix.

Douglas entende o cenário no qual estamos vivendo torna a terapia um serviço essencial pra cuidar da saúde mental da população. “Essa pandemia fez a gente repensar novas formas de construir e ser psicólogo, de chegar a outros espaços, de levar a psicologia de uma forma diferente, ou até mesmo tirar esse estereótipo, essa forma que psicologia é só pra quem precisa, a gente vai vendo que a saúde mental tinha que ser muito mais trabalhada nas políticas públicas, pelos nossos governantes”, opina.

Um dos argumentos do psicólogo para tornar a terapia um serviço essencial ou uma política pública é a questão dos fatores sociais que causam as doenças invisíveis que atingem principalmente os moradores das periferias.

“Quando você pensa em uma doença quem vai somatizando no corpo, o quanto tem a haver com a história dessa pessoa, principalmente em pessoas periféricas né, ela não tem a escolha de fazer um home office, ela tem que ir lá fazer o trampo dela, então ela tem que ser colocar em risco, a gente vai pensando o quanto de outras violências estruturais foram acontecendo com essa pessoa”, reflete o psicólogo.

Ana Albuquerque e sócia de Douglas na construção do espaço terapêutico Canto Baobá. (Foto: Juliana Ribeiro)

A psicóloga Ana Albuquerque, 29, é sócia de Felix na construção do Canto Baobá, conta que os atendimentos têm circulado em torno de temas e debates focado em desigualdades sociais. “A gente tem trabalhado falando muito do social e tentando aliviar culpas singulares que vão sendo internalizadas, o que é só mais uma estratégia das violências e opressões também”, explica.

De olho na mobilidade que as plataformas digitais oferecem, a psicóloga revela que tem realizado atendimentos nos locais mais diversos. “Atendemos as pessoas na laje, banheiro, praças, e já atendi também na frente do ponto de ônibus, onde dava pra encontrar ali um espaço, a gente foi tentando ter a criatividade e trazer essa pessoa, então vamos continuar pensando e criando o que dá para fazer”, conta Albuquerque.

Ela também morava na periferia, mais precisamente na Freguesia do Ó, região noroeste de São Paulo. A psicóloga revela mais uma vez são as desigualdades sociais são temas recorrentes nos atendimentos realizados por ela. “Muito da ansiedade vem de uma angústia, do eu não posso ficar em casa, eu vou pegar transporte, eu vou chegar do trabalho, eu vou faltar, eu moro com toda minha família, não tenho tantos cômodos aqui, é a ansiedade é despertada a partir do eu posso passar todo dia, posso transgredir todo dia, e a gente tem trabalhado muito isso, e a gente tem trabalhado muito para que essa culpabilização não seja singular.”

A psicóloga finaliza a entrevista falando do quão importante é se adaptar às condições de cada pessoa, pensando no acesso à internet, para ela ter acesso ao cuidado com a sua saúde mental. “Nem todo mundo tem um lugar pra fazer terapia com privacidade e a gente precisa pensar também como a internet não chega a todos os lugares?”, questiona ela, esclarecendo que fazer uma triagem dos analisantes é o ponto de partida para gerar uma inclusão social. “Hoje a gente pensa em um caminho de triagem, de entender a realidade de cada pessoa, e o fechamento do valor é individual, de acordo com cada realidade, cada história e com cada pessoa”, conclui.