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“Mandei mais de 30 currículos”: a saga de jovens para trabalhar com audiovisual na quebrada

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Escassez de oportunidades de trabalho impede que jovens das periferias ocupem espaço no mercado de trabalho da produção audiovisual, aumentando ainda mais a incerteza sobre o futuro como profissionais na área. 

Raul Dantas, Igor Vasco e Gabriela Navarro, contam como é tentar viver do audiovisual em meio a desvalorização da cultura.Foto/Montagem: Mateus Fernandes

A criatividade sempre foi muito um elemento importante na vida de Raul Dantas, 24, morador de Embu das Artes, município da região metropolitana de São Paulo, mas nem sempre as oportunidades de trabalho surgiram por conta desse diferencial. Ele é um desses jovens, morador de quebrada, que deseja viver de arte e cultura, especificamente do audiovisual.

Na trajetória de Raul não faltaram tentativas para conseguir pelo menos uma entrevista de emprego. “Tem quem consegue, mas eu por exemplo, após concluir o curso eu tenho certeza que mandei mais de 30 currículos por e-mail. Só tive duas respostas dizendo “obrigado por ter mandado”, no máximo. Então rola isso mesmo”, relata o jovem.

Raul possui 24 anos e mora em Embu das Artes. Foto: Mateus Fernandes.

Raul é formado em técnico de produção audiovisual pela Etec Jornalista Roberto Marinho, um dos principais equipamentos públicos acessíveis para jovens das periferias para ter acesso a esse tipo de curso de forma gratuita.

Para complementar a sua formação, Raul chegou a iniciar um curso técnico em processos fotográficos, porém precisou trancar devido aos protocolos de isolamento social da pandemia de covid-19.

Raul durante a produção de seu TCC. Foto: Arquivo Pessoal.

A maior experiência dele na área, foi durante a realização do seu trabalho de conclusão de curso, na qual, o jovem atuou como diretor. Após a formação, Raul vem tentando submeter projetos para o PROAC – Programa de Ação Cultural, programa de investimento em projetos culturais através de editais, como alternativa para obter recursos para investir em seus projetos independentes.

“Ano passado eu escrevi um argumento, fiz todo um projeto para um edital do PROAC. Reuni toda uma equipe, pegou o documento de todo mundo, fiz todas as etapas do projeto e submeti pro PROAC, só que não passou. Mas foi bom que teve uma nota”,

conta Raul.

Embora seja formado em curso técnico na área e busque se inserir no campo da produção de áudio e vídeo, o jovem ainda não consegue viver apenas com o audiovisual e atualmente trabalha com atendimento em um call center.

“O principal interesse, meu e da minha família, é que eu faça alguma coisa da vida. Meu primeiro trabalho foi telemarketing, o segundo de formalização de contrato de banco, depois eu vendi bolo na rua, fiz entrega”, compartilha o jovem, que não esconde a sua disposição para gerar renda e trabalho, independente da profissão exercida”.

Contexto 

Em julho deste ano, foi notícia em jornais e muito discutido nas redes sociais a imagem da Cinemateca de São Paulo em chamas. A possibilidade de incêndio já havia sido alertada, porém, nada foi feito. Tal imagem foi apenas mais uma demonstração de como o governo vem ignorando a importância do audiovisual para preservação da memória e cultura do país.

Em contrapartida, temos nas periferias movimentos que seguem fortalecendo diversos campos que cotidianamente são atacados pelo Estado, entre eles, jovens que ainda sonham em viver da cultura e mudar esse contexto de desmonte das políticas públicas que apoiam a produção audiovisual.


Documentaristas da quebrada refletem sobre a importância da preservação do audiovisual periférico

Para os documentaristas Sidnei Junior e Rosa Caldeira, a Cinemateca tem potencial para expandir e se reinventar, mas ainda é um espaço elitizado que não contempla as produções periféricas.


https://desenrolaenaomenrola.com.br/panorama/incendio-na-cinemateca-desperta-debate-entre-documentaristas-perifericos-o-audiovisual-da-quebrada-e-preservado

Raul afirma que faltam incentivos ao cinema no Brasil, leis e políticas públicas que fomentem a área. “Até os anos 2000, você basicamente não tinha políticas públicas de incentivo à cultura audiovisual. E aí chega a ANCINE, diversas leis de incentivo e tal e você tem um novo florescer do cinema nacional, só que, enfim, existem diversos ataques a esse tipo de política pública. Porque um povo culturalmente desenvolvido é um povo que escolhe por si”, afirma.

Os ataques citados por Raul se mostram visíveis de diversas formas: Segundo a Sindcine, Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, a ANCINE – Agência Nacional do Cinema, não libera as verbas totais que deveriam ir ao FSA, Fundo Setorial do Audiovisual, desde 2018, e mesmo assim o acesso aos serviços prestados pela agência, ainda não chegam de forma efetiva para quem produz nas periferias.

Em 2020, o governo propôs um projeto que corta 43% do orçamento destinado ao audiovisual. É o menor valor do orçamento desde 2012. E o cenário não melhora quando se trata de incentivos diretos a produtores audiovisuais periféricos, que nem sempre conseguem acessar recursos públicos para suas produções.

Outra questão que Raul aponta, é o acesso a equipamentos para as produções. Ele relata que durante o curso técnico havia a possibilidade de pegar equipamentos para gravar na própria escola e também fazer contatos, algo muito importante na área, no seu caso, ajudando ao acesso a equipamentos.” E nisso você acaba conhecendo que tem equipamentos, câmera, microfone, etc”, coloca.

A câmera com que Raul aparece nas fotos acima, por exemplo, é do seu irmão, que também acaba ajudando nesse acesso. “Eu edito no computador dele também, porque se eu tentar abrir um première (programa de edição) no meu computador, ele deve pegar fogo”, relata.

O jovem trabalha desde o fim do ensino médio e relata que procura fazer o que gosta, mas sempre procura estar trabalhando, mesmo que em áreas distintas enquanto as oportunidades não chegam. “Hoje eu estou trabalhando com atendimento prefiro assim do que com entregas, principalmente porque é CLT”, afirma o estudante.

No momento, Raul está se preparando para participar de um novo vestibular, em busca de obter uma formação superior, para se candidatar a vagas de emprego com melhores condições de trabalho. “Até eu ter uma formação superior eu não vou conseguir trampos que não sejam a base da pirâmide mesmo. Para trocar 6 por meia dúzia, sair de um call center pra ir pra outro, eu prefiro manter, até surgir uma outra oportunidade de algo melhor”.

Para o futuro, o jovem espera alcançar seu real objetivo: atuar com produção de filmes. “Meu objetivo principal é realmente a criação de filmes e projetos audiovisuais”, finaliza.

Acesso ao ensino e educação

Gabriela, 20 anos, é moradora de Barueri.

Atualmente, Gabriela Navarro, 20, moradora de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, atua como como editora de vídeo em uma empresa de mídia digital independente. Assim como Raul, a jovem diz que pensou em fazer projetos independentes, porém desde o início da pandemia se sente desanimada, sem ânimo de levar a ideia adiante.

Ela conta que começou no atual emprego este ano e todo o processo foi à distância, desde entrevista até o recebimento de equipamentos e documentos. “Montei o meu home office no meu quarto e é muito estranho pra mim que o meu local de trabalho seja o mesmo local do meu descanso/lazer”, aponta.

A jovem também conta que o apoio da família não veio no início e que através de incentivos e políticas públicas, como o Prouni, programa que garante bolsas parciais ou integrais em universidades privadas para estudantes com baixa renda, que foi possível chegar na universidade e trabalhar com o que gosta.

“Quando decidi que gostaria de trabalhar com audiovisual, de primeira meus pais não quiseram me apoiar, pois para eles não era uma área rentável. Sinto que o que posso considerar apoio é o Prouni que me possibilitou a formação em Produção Audiovisual”,

conta Gabriela, que também revela pensar mais alto para o futuro, pois segundo ela, o mercado de trabalho continua restrito

Gabriela em home office. Foto: Mateus Fernandes

Atualmente Gabriela trabalha em uma empresa independente e pretende continuar na área. “Hoje minha expectativa e vontade é continuar editando, chegar num patamar e num lugar que as pessoas confiem nas minhas ideias, se destacar a ponto de ter mais liberdade criativa”, diz.

A jovem conta que a empresa que trabalha fornece computador, e que de equipamento pessoal tem um headphone e um notebook que comprou com o dinheiro que juntou do seu primeiro salário. Segundo ela, os equipamentos são suficientes para trabalhos não tão grandes, mas enfrenta dificuldade quando precisa trabalhar com arquivos muito pesados.

“O que eu sinto falta hoje para trabalhar sem dúvidas seria um computador mais potente e acho essencial para quem trabalha sentado em frente a uma tela o dia todo uma boa cadeira, um monitor grande e de boa qualidade e um espaço específico para trabalhar. Com o salário que a gente recebe, tendo que pagar contas, fica insustentável, sabe? Se endividar para comprar um equipamento melhor”,

afiram Gabriela.

Diferente de Gabriela, Igor Vasco, 21, trabalha como freelancer e tem uma perspectiva de incertezas para o futuro na área.

Igor Vasco nasceu e mora até hoje na cidade de Francisco Morato, também na região metropolitana de São Paulo, e estudou técnico em Produção Audiovisual. Hoje ele trabalha com edição e fotografia de maneira freelancer e além disso, participa de uma produtora independente, focada na produção de videoclipes musicais, a ProdPa.

Igor Vasco editando no seu notebook, no CCSP – Centro Cultural São Paulo . Foto: Mateus Fernandes.

O jovem conta que começou a editar no seu notebook, mas devido às limitações do aparelho, precisou comprar um computador melhor com seu próprio salário dos primeiros meses de emprego.

“Acho que umas das coisas que fez eu conseguir o trabalho foi justamente eu ter o computador que suportasse, porque senão nem conseguia. E aí ao longo do trabalho eu fui juntando dinheiro porque eu passava muito sufoco com esse notebook”,

conta Igor

Sobre suas expectativas com o mercado de trabalho, Igor aponta diversas incertezas: “Acho que tudo vai depender do que acontecer no ano que vem, é bem nebuloso. Então acho que tem duas perspectivas: ou o Bolsonaro vai cair e aí com o tempo as coisas vão voltar ao normal ou ele vai continuar e talvez faça a gente da área audiovisual sejamos bastante prejudicados”, analisa Igor.

Igor possui 21 anos e atualmente trabalha no formato freelancer.

Uma das experiências em direção do jovem foi com o curta “Goma”, dirigido por Igor como trabalho de conclusão do seu curso e que foi feito por estudantes de maneira totalmente independente. O curta conta as dificuldades de um artista negro e gay dentro do ambiente das batalhas de rima. Atualmente, o curta concorre a festivais e ganhou menção honrosa em Atlanta, nos Estados Unidos.

Apesar da aprovação internacional, Igor relata que aqui na região sudeste o filme foi aprovado somente em um festival. Há uma crescente ideologia de impedir a exibição, distribuição e divulgação de projetos com a temática como “Goma”. Em agosto de 2019, a Ancine suspendeu um edital para séries que seriam exibidas na TV pública, cujos projetos pré-selecionados incluíam temáticas raciais e LGBTs. 

Foto dos bastidores de “Goma”, em que Igor atuou como diretor. Foto: Arquivo Pessoal.

Para um mercado audiovisual mais fortalecido, também é preciso pensar e fomentar ações e profissionais que estão nas periferias, o que pode significar mais empregos na área e menos desemprego no país, contribuindo com milhares de pessoas, como Raul, Gabriela e Igor.

Mães revolucionárias: portadora de esclerose múltipla luta pela garantia de direitos para pessoas com deficiência

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Mesmo enfrentados as dificuldades de ser portadora esclerose múltipla, Maria de Fátima se tornou uma defensora de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental, que sofrem para ter acesso a diversas políticas públicas e ajudou a construir o Movimento das Mães do Anhanguera.

No distrito de Anhanguera, zona noroeste de São Paulo, Maria de Fátima, 49, moradora do bairro Morro Doce, atua há 15 anos mobilizando outras mães para lutar pela garantia de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental. Em 2006, ela foi uma das responsáveis pela criação do Movimento das Mães do Anhanguera.

Antes do Movimento de Mães do Anhanguera ser constituído, Maria conta que estava ‘no fundo do poço’, pois fazia pouco tempo que havia sido diagnosticada com esclerose múltipla, mas que esse fato não a impediria de lutar por direitos para sua filha. “Eu já tinha uma deficiência, mas uma coisa é a mãe ter uma deficiência, outra coisa é ter um filho com deficiência, você não espera”, relata.

Ela se sentia revoltada, pois a sua vida mudou completamente após ela ter um acidente vascular cerebral. “Eu estava com 22 anos, quando cai no trabalho, acordei dias depois no hospital e comecei a ter sequelas e na sequência fui aposentada por invalidez”, relembra ela, afirmando que nessa época trabalhava como faxineira.

Mesmo enfrentados as dificuldades de ser portadora esclerose múltipla, Maria de Fátima foi em busca de seus direitos para acessar políticas públicas. (Foto: Carolina Carmo)

Após esse acontecimento, ela ficou com várias sequelas, entre elas estão a perda de fala, movimentos e uma longa perda de visão, na qual o médico chegou a confirmar que não voltaria mais. Aos 27 anos, ela recebeu também o diagnóstico de esclerose múltipla, que apontava que Maria de Fátima não seria mais capaz de se movimentar.

Maria de Fátima é mãe de Viviane Aparecida, 28, jovem que passou por uma série de problemas de saúde, após sofrer um acidente e ter traumatismo craniano. Após o ocorrido, a filha da Maria apresentou um quadro clínico com multideficiência, condição decorrente das várias lesões que ela teve devido ao acidente.

Para viver e ter condições de locomoção, Viviane precisa de uma série de suportes e acesso a uma diversidade de serviços públicos de saúde e assistência social. E é a partir daí que Maria de Fátima iniciativa uma luta incansável.

A partir destes acontecimentos, o Movimento de Mães do Anhanguera começou a ser criado. Maria de Fátima foi convidada por outra mãe do território, para ir à prefeitura de São Paulo em busca de obter informações sobre serviços de saúde para pessoas portadoras de deficiência física e mental, como a sua filha.

“Fui brigar na justiça pelos serviços de atendimento, os serviços que eu não procurava pra mim, porque eu não tinha esse olhar”

Maria de Fátima é uma das fundadoras do Movimento de Mães do Anhanguera.

Maria de Fátima leva a sua filha para o Centro da Criança e Adolescentes do Morro Doce, um equipamento público utilizado pelas mães do bairro que tem filhos com deficiência. (Foto: Carolina Carmo)

“Com o acidente da minha filha, em algumas visitas me apareceu essas pessoas. Elas falavam: ‘levanta a cabeça, levanta a cabeça’. Com isso, elas foram me incentivando. Uma delas me disse: ‘vamos na prefeitura, vai ter uma reunião, pra você vai ver como funciona”, relembra.

Esse foi o ponto de partida para Maria de Fátima entender todas as dificuldades que ela estava passando com a filha, pois não encontrava tratamento adequado e os médicos já tinham dado pouco tempo de vida para ela.

Após entender como cobrar os seus direitos durante essa visita na prefeitura de São Paulo, Maria de Fátima decidiu entrar para a ‘militância’. “Minha filha foi se recuperando, aí fui brigar na justiça pelos serviços de atendimento, os serviços que eu não procurava pra mim, porque eu não tinha esse olhar”, conta ela toda empolgada com essa lembrança de um passado de muita luta.

Uma das conquistas do Movimento de Mães do Anhanguera é a construção do Instituto da Pessoa com Deficiência do Anhanguera (IPDA), organização social composta por mães da região, pessoas com deficiência, e apoiadores do movimento.

As ações do IPDA envolvem a realização de eventos no bairro, a fim de conscientizar os moradores locais sobre a importância dos serviços públicos de saúde e assistência social para pessoas com deficiência, e arrecadar doações para as famílias, que em sua maioria, vivem em alto risco de vulnerabilidade social. 

Maria de Fátima se tornou uma defensora de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental, como a sua filha Viviane Aparecida. (Foto: Carolina Carmo)

“A maioria de nós que somos mães de uma pessoa com deficiência somos solos”

Maria de Fátima ajudou a construir o Instituto da Pessoa com Deficiência do Anhanguera (IPDA).

As ações do IPDA envolvem a realização de eventos no bairro, a fim de conscientizar os moradores locais sobre a importância dos serviços públicos de saúde e assistência social para pessoas com deficiência, e arrecadar doações para as famílias, que em sua maioria, vivem em alto risco de vulnerabilidade social. 

As desigualdades sociais que afetam as famílias do distrito de Anhanguera, que em sua maioria são chefiadas por mulheres foram agravadas durante a pandemia e em decorrência desse fato, Maria de Fátima não esconde o sentimento de solidão.

“A maioria de nós que somos mães de uma pessoa com deficiência somos solos, ninguém quer tomar essa responsabilidade, o problema é seu, então você assume”, desabafa, destacando: “Hoje eu faço por outras mães o que fizeram por mim.”

Políticas públicas

Além de todas as lutas cotidianas, nesse período de pandemia, Maria de Fátima teve que enfrentar os cortes de suprimentos, e medicamentos essenciais, tanto para ela, quanto para sua filha Viviane, que atualmente não estão sendo amplamente fornecidos pelo poder público.

O Brasil tem um sistema bem estruturado, o Sistema Único de Assistência Social das pessoas SUAS, que tem por atribuição garantir a proteção social das pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Segundo Maria José Menezes, mestra em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal da Bahia, essa política pública nacional vem atravessando uma série de desmontes que afetam moradores como Maria de Fátima e sua filha, Viviane.

“Este é um problema de desmonte das políticas públicas durante a pandemia. Piorou muito a situação das populações de maior vulnerabilidade social, impactando muito as mulheres, principalmente mulheres negras e crianças”, comenta Maria José, que também é a ativista e defensora dos direitos fundamentais da população negra, e integra a Marcha das Mulheres Negras e a Coalização Negra Por Direitos.

“O que acontece é que essas políticas estão sendo atacadas” 

Maria José Menezes é mestra em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal da Bahia

O depoimento da profissional que acompanha o desempenho deste serviço público para a população preta e periférica faz com que Maria de Fátima reflita sobre a sua trajetória de luta e questione a efetividade das leis e políticas públicas.

“Não adianta ter lei no papel com número, qual a prática dentro desse número? O que a lei de acessibilidade me oferece e onde eu posso cobrar? É constrangedor, a gente se sente humilhado!”, enfatiza.

Para Maria José, o problema faz parte de outra questão, ligada a ação que o poder público exerce nesses territórios em situação de vulnerabilidade social, atualmente agravada pelos cortes, e pela pandemia.

Diante disso, a especialista em patologia humanas pontua a diferença entre o assistencialismo e os direitos constitucionais inalienáveis, promovidos pelo acesso às políticas públicas.

“Essa população primeiro, ela tem por direito o acesso aos benefícios de prestação continuada que garante o pagamento de um salário-mínimo, para garantir a sobrevivência mínima desse setor. O que acontece é que essas políticas estão sendo atacadas, as pessoas não estão tendo acesso a essas políticas, então a gente tem o aumento da população em uma situação de extrema pobreza, essas pessoas que deveriam ser beneficiadas por esses serviços que não são assistencialistas, mas são direitos constitucionais”, explica.

Curso forma lideranças comunitárias para disputar eleições em 2022

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Voltada para agentes comunitários comprometidos com a redução das desigualdades sociais, a formação é gratuita e as inscrições para a 1ª edição do projeto ficam abertas até 30 de setembro de 2021.

Keit Lima é uma das ativistas políticas que construíram o curso para formação de novos líderes políticos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a necessidade de confrontar a polarização política e o fascismo escancarado que cresceu no Brasil após as eleições de 2018, oito ativistas que já atuavam em campanhas eleitorais, se juntaram para formar a “Laborá Política”, curso de formação de pré-candidatos e lideranças progressistas para os pleitos de 2022.

A iniciativa parte de um movimento autônomo, independente e sem vinculação com partidos, mandatos ou governos. Entendendo que a política institucional é uma ferramenta para diminuir a desigualdade, ela precisa estar latente dentro das periferias de São Paulo, produzida e mobilizada por quem vê as necessidades da cidade: o sujeito periférico. 

As inscrições são feitas através de um formulário online, que pode ser encontrado também nas redes sociais do projeto, e ficam abertas até 30 de setembro de 2021.

“Se não tem política pública que chegue na periferia, que não chega na negritude, é porque a gente não tá lá”

 Keit Lima, 30 anos, é moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo e co-fundadora do Laborá

 Uma das ativistas que integram a iniciativa é Keit Lima, 30 anos, moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Ela é co-fundadora e integrante do comitê executivo da Laborá.

Em 2020, Keit foi candidata a vereadora de São Paulo, mesmo não ocupando uma cadeira no legislativo municipal, ela entende como urgente a ocupação de ativistas e lideranças comunitárias dentro do poder institucional.

“A gente precisa garantir que os nossos estejam lá. Se não tem política pública que chegue na periferia, que não chega na negritude, é porque a gente não tá lá”, afirma.

“Há um projeto político que nos exclui desse espaço”

 Keit Lima, 30 anos, é moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo e co-fundadora do Laborá

A ausência de lideranças políticas pretas e periféricas na política institucional tem um motivo bem claro na visão da co-fundadora do curso de formação de pré-candidatos e lideranças progressistas para os pleitos de 2022.

“A gente não tá lá, não é porque a gente nunca disputou, e sim porque há um projeto político que nos exclui desse espaço. Nos exclui desse espaço inclusive quando a gente vai tentar concorrer e não sabe as ferramentas que tem que usar”, enfatiza.

Dentre todos os ativistas que formam o Laborá, Keit é a única que já foi candidata, e usa da própria experiência para junto com os outros fundadores, entender a necessidade de uma formação para concorrer às eleições.

Ela utiliza das formações que já participou para fazer críticas sobre o modelo tradicional e com o Laborá, quer reestruturar e ressignificar essa formação de candidatos às eleições de 2022.

Formação 

O curso disponibiliza 30 vagas, inteiramente gratuitas, para ativistas e lideranças comunitárias, tanto homens quanto mulheres. A ideia segue o pressuposto de inserir na política pessoas que já são comprometidas com a diminuição das desigualdades, independente de cargo legislativo.

“Já fazem isso na prática, já fazem isso no seu dia-dia. “Essas pessoas são comprometidas o ano todo, o tempo todo, não só em campanha eleitoral. Então como a gente faz? A gente amplia essa galera que quer sair candidato dando a ferramenta pra essas pessoas, porque não dá pra dizer “vai lá e seja candidata”, sem dar o mínimo pra essa pessoa se candidatar”, explica.

O curso, será dividido em três módulos: o primeiro é teórico e será realizado totalmente de forma online, até o final de 2021, e os participantes contarão com uma ajuda de custo para a internet. Esse processo inicial tem como objetivo pensar nos pilares territoriais: onde o candidato está, como foi parar ali, onde quer chegar, qual o projeto político quer defender e no que ele acredita.

O segundo módulo, acontecerá no primeiro semestre de 2022, e engloba a pré-campanha eleitoral: discutir as ferramentas que precisam ser utilizadas, por mais que cada candidato faça sua campanha de maneira única, é necessário pensar desde o design, comunicação, assessoria e até como fazer a captação de recursos para a eleição.

O terceiro módulo acontece em conjunto com a campanha eleitoral, no segundo semestre de 2022. “É pensando em mentoria, é pensando em olhar cada candidato muito mais perto. Até a campanha eleitoral a gente vai estar perto, junto, mostrando as ferramentas. A finalização só termina com eles eleitos. Todo mundo eleito”, diz Keit, esperançosa.

Vivências 

 A ideia de criar a formação começou a tomar forma antes da campanha e partiu das vivências de Keit, em formações que já participou, que apesar de importantes, acontecem conjuntamente com as eleições, impossibilitando o candidato a ter uma melhor preparação.

“Eu acho que um grande erro das formações que eu participei inclusive, foi começar na época que a pessoa tá fazendo campanha. Então nem você nem as pessoas que estão ligadas a você conseguem participar, porque ou você tá na rua, ou você tá na live, ou você tá na formação, então como que a gente prepara esse terreno antes, sabe?, expõe.

As aulas serão ministradas não necessariamente pelos organizadores da Laborá ( Fernanda Chagas, Keit Lima, Juliane Arcanjo, Lucas Freitas, Luís Barbieri, Mariana Bernd, Samuel Dias e Samuel Souza ) e sim por ativistas que já atuaram em campanhas de pessoas que conseguiram ser eleitas.

“não tem ninguém melhor pra fazer política pública em primeira pessoa do que as pessoas que sentem diariamente o impacto das desigualdades”

 Keit Lima, 30 anos, é moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo e co-fundadora do Laborá

“São essas pessoas que vão vir conversar com essa galera sobre todos os amores e desamores de ser candidato, sobre como a gente faz esse caminho ser um pouco mais fácil”, diz.

Keit enfatiza que o curso é para todos, e que a pessoa não precisa estar filiada a nenhum partido e que a Laborá não irá fazer nenhuma articulação para filiar candidatos. O intuito da formação é colocar esses agentes comunitários na luta por melhorias para os territórios periféricos.

“Pra mim, não tem ninguém melhor pra fazer política pública em primeira pessoa do que as pessoas que sentem diariamente o impacto das desigualdades. São essas pessoas que têm que estar lá escrevendo política pública. Pra mim, essa é a importância de ter mulheres negras e periféricas eleitas. Só teremos uma real democracia quando esses corpos estiverem ocupando as casas legislativas”, conclui.

Estilista cria loja online com peças únicas e inova na forma de vender na internet

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Empreendedora de Taboão da Serra explora diversos recursos digitais e tendências para criar um jeito brasileiro de produzir e vender roupas na internet.

Anna Carolina Coelho criou a Na Gambiarra com a proposta ter uma estética brasileira para as suas roupas
Imagem: Arquivo Pessoal

Atuando como estilista de roupas upcycling, um formato de produção e customização de vestuário que reutiliza tecidos, Anna Carolina, 25, moradora do Jardim Henriqueta, no município de Taboão da Serra, investiu em formação de tendências e comportamento de consumo em ambientes digitais, para criar a Na Gambiarra, uma loja virtual que comercializa peças únicas, explorando a audiência de seguidores do Instagram.

“Hoje em dia as pessoas não querem sair na rua e achar várias pessoas com a mesma roupa que elas no role, então eu tive essa ideia de fazer uma peça diferente da outra”, conta a empreendedora digital, que desenvolveu parte deste conhecimento durante o curso Current, um conjunto de técnicas que ajuda estudar o comportamento de consumo de determinados públicos.

Anna conta com um acervo de peças únicas que despertam o interesse dos seguidores de todo o país em seu perfil no Instagram, e a partir dessa vivência, ela revela que não consegue se ver vendendo seus produtos fora do ambiente digital.

“A tecnologia influencia 100% no meu trabalho”

Anna Carolina é moradora do Jardim Henriqueta, no município de Taboão da Serra.

Anna conta com um acervo de peças únicas que despertam o interesse dos seguidores de todo o país em seu perfil no Instagram, e a partir dessa vivência, ela revela que não consegue se ver vendendo seus produtos fora do ambiente digital.

“A tecnologia influencia 100% no meu trabalho, as vendas sempre foram online, e eu não consigo ver outro modo de vender sem ser ali no online, eu acho que ajudou muito principalmente nesse período de pandemia”, conta a estilista.

O perfil da loja @NaGambiarra no Instagram representa a principal ferramenta de divulgação do seu negócio, no entanto, ela revela que a tecnologia social de ressignificar e reutilizar tecidos para criar peças únicas é um dos seus principais instrumentos de trabalho.

“Eu comecei a reparar essa reutilização dos materiais, vi pelo Pinterest, e eu estava procurando coisa nova pra fazer, pra dar uma lançada, e achei muito vídeo gringo das minas fazendo, só que a gente ainda não tinha muita referência aqui no Brasil”, relata a estilista, sobre as referências que ela foi buscar fora do país.

“Eu quero uma coisa que seja 100% brasileira”

Anna Carolina é moradora do Jardim Henriqueta, no município de Taboão da Serra.

A partir desse mergulho em outras referências, a estilista relata que se dedicou a construir uma identidade visual e uma estética brasileira para as suas roupas.

“Eu quero uma coisa que seja 100% brasileira, sempre vejo as coisas muito ligada a gringa, quero uma coisa 100% nossa mesmo, aí pensei uma coisa ligando na outra, emendado, gambiarra, aí falei vai ser esse o nome, gostei pra caramba, vai ser muito legal”, revela Anna, dando detalhes sobre o surgimento do conceito da marca Na Gambiarra.

Além do Instagram, a estilista explora outras ferramentas para ficar bem-informada com tendências de moda e consumo, como o Pinterest e o aplicativo Vogue Runway. “Eu dou uma olhada nos desfiles de moda, para ver o que que tá acontecendo lá fora, e o que as pessoas estão postando para os próximos anos.”

Embora ela use diversas soluções digitais para facilitar a realização de pesquisas e produções no seu trabalho, a estilista não esconde o olhar crítico de quem está atenta a dependência das grandes empresas de tecnologias. “A tecnologia é muito boa, ela vem pra ajudar a gente, mas quem conduz ela, quem tem todos os meios de produção pra controlar, infelizmente não quer beneficiar a gente, só quer beneficiar a si mesmo”, critica a estilista.

Jovens do Jardim Ângela relatam suas perspectivas após se vacinarem contra a covid-19

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Durante o mês de setembro, realizamos um levantamento com 44 jovens, de 15 a 26 anos, em sua maioria moradores do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, para entendermos quais são suas perspectivas de futuro após se vacinarem, como refletiu na realidade de cada um e de que forma tiveram a saúde mental afetada.

Foto/Reprodução: Flávia Santos

No início do mês de agosto de 2021, a população jovem de São Paulo começou a ser imunizada contra a covid-19 e muitos jovens movimentaram suas redes sociais com posts e hashtags sobre a vacinação. O Desenrola conversou com alguns jovens das quebradas de São Paulo, para entender como parte deles tem reagido após a imunização contra a covid.

Realizamos um levantamento com 44 jovens, de 15 a 26 anos, em sua maioria moradores do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo e de acordo com os entrevistados, muitos deles se sentiram mais confiantes depois de tomarem a vacina, outros nem tanto, se mostrando ainda bem preocupados.

Entre os 44 jovens da quebrada que fizeram parte do levantamento, 25 deles contaram que já estão saindo de casa e se encontrando com amigos, e outros 19 jovens afirmaram ainda não se sentirem seguros para isso, sendo que alguns deles relataram que saem apenas para trabalhar ou estudar. Todos os jovens se vacinaram, com a primeira ou as duas doses para imunização.

Conversamos com a Livian Araújo, 21 anos, moradora do Vila Gilda, bairro que faz parte do distrito Jardim Ângela, zona sul de São Paulo que participou do levantamento. Ela é graduanda em Enfermagem, já tomou as duas doses da vacina e nos contou sobre como sua rotina está sendo reconstruída depois de ter se vacinado e sua família também.

“A partir do momento que tomei a primeira dose e meus familiares também tomaram, voltamos a ter costumes que tínhamos no mundo antes da pandemia, ainda seguindo todos os protocolos de segurança, revi amigos, parentes, senti confiança para enfim finalizar meus estágios obrigatórios do curso técnico de enfermagem e trouxe principalmente a esperança para um melhor cenário, tanto em número de mortes, quanto de casos” afirma Livian.

Por mais que já tenha tomado as duas doses da vacina, ela pontua que continua tomando todos os cuidados necessários quando sai de casa, pois o vírus continua circulando e a vacina protege apenas de um estado grave.

“Estou saindo e encontrando aos poucos, mas nunca em ambientes fechados e lotados ou com mais de 20 pessoas. Todo cuidado ainda é primordial para esse momento com chances de uma nova onda com a variante Delta”, relata ela. 

Livian Araújo, de 21 anos, tomou as duas doses da vacina na UBS Cidade Ipava / Foto: Flávia Santos

Outra jovem que ouvimos foi Thalita Lima, de 19 anos, moradora do bairro Cidade Ipava, no Jardim Ângela, que também já tomou as duas doses e que conta como a pandemia e toda realidade que estamos vivendo influenciou em sua vida pessoal, comparando suas experiências antes e durante o covid-19.

“Um amadurecimento mais rápido sobre responsabilidades, e o quanto eu tive que me apegar mais na minha fé sobre toda essa situação, e até o presente momento tá sendo tudo muito mais complicado em conquistar meus objetivos”, desabafa a jovem que segue se cuidando e imagina um futuro sem pandemia e mais esperançoso.

Mesmo tendo sido imunizada, a jovem reforça que os cuidados não podem parar, que a vacina protege, mas que ainda é possível contrair o vírus e levar para amigos e familiares. 

Pamela Cuba, 21, também moradora da Cidade Ipava, estudante de nutrição, tomou as duas doses da vacina contra o covid-19 e conversou com o Desenrola. Seus relatos se assemelham aos de outros jovens, com esperança e sempre mantendo seus cuidados com os mais próximos.

“Minha perspectiva não melhorou 100%, mas a vacina traz uma esperança que tudo volte ao normal logo, uma segurança para os meu familiares”

relata a jovem.

Pamela diz que em todo período da pandemia usou suas redes sociais para influenciar as pessoas com informações relevantes, para dessa forma conscientizar o público que alcançava.

“Eu compartilhava nas minhas redes sociais algumas informações também, sobre os efeitos de cada vacina, como elas reagem no nosso organismo, etc”, concluiu ela sobre a importância das pessoas se informarem corretamente e essas informações serem repassadas.

Pamela Cuba, de 21 anos, tomou as duas doses da vacina na UBS Cidade Ipava / Foto: Flávia Santos

Consequências emocionais

“Minhas crises de ansiedade aumentaram, eu tive um momento de quarentena que faltei muito pouco para ter um surto”

 relato de um dos jovens que participaram do levantamento.

“Perdi muito do pouco que tinha de controle da minha saúde mental e com a atual conjuntura econômica do país, e todo esse turbilhão de informações, digamos que influenciou um pouco no meu cotidiano e na ansiedade”

Também levamos a seguinte pergunta para os jovens que dividiram suas perspectivas com o Desenrola: “Qual foi a maior diferença que você notou em si mesmo comparando a realidade antes e durante a pandemia?” e o retorno que tivemos com maior frequência foi referente ao estado emocional abalado.

“Durante a pandemia eu me vi muito mais ansiosa, insegura e estressada com relação a antes e isso afetou muito na minha interação com pessoas que eram próximas a mim”, relata Livian Araújo.

“Após a vacinação que eu comecei a de fato sair de casa para os meus compromissos e retornar a minha rotina, ter o contato com outras pessoas, isso melhorou drasticamente minha saúde mental e já vi uma evolução nítida”

afirma Livian.

Pamela e Livian / Foto: Flávia Santos

A angústia de não ter certeza do que vai ou não acontecer no futuro, agravada pela pandemia, é uma preocupação diária de muitos jovens periféricos. Para falar sobre esse aspecto, conversamos com Julia Malvezzi, psicóloga comunitária que trabalha com jovens da Rede Ubuntu, espaço de educação popular, que também foi afetado de forma significativa.

Julia explicou sobre a essência da Rede Ubuntu, e que com o impacto da pandemia, muitas atividades idealizadas para auxiliar os jovens, como rodas de conversas, bate-papos e trocas vêm acontecendo remotamente, desde 2020, quando as instituições precisaram suspender aulas presenciais.

“Acho que a primeira coisa que podemos pensar sobre o que aconteceu com um jovem da periferia na pandemia, é que esse jovem já vive uma vulnerabilidade social, de não ter acesso a educação, que às vezes precisa buscar um emprego ao invés de estar estudando”, analisa a profissional. 

“Perdi muito do pouco que tinha de controle da minha saúde mental, e com a atual conjuntura econômica do país e todo esse turbilhão de informações, digamos que influenciou um pouco no meu cotidiano e na ansiedade”

 relato de um dos jovens que participaram do levantamento.

A psicóloga trabalha no intuito de contribuir com a saúde mental do público, partindo do princípio que a saúde mental de um jovem começa a partir do momento em que ele se reconhece, conhece a si mesmo e o seu valor dentro da sociedade.

“Pensar na saúde mental de um jovem da periferia é perguntar a ele: ‘você tem um espaço onde você possa narrar sua própria história? Onde você pode pensar quem é você? Alguém está te escutando?'”, argumenta a psicóloga.

argumenta a psicóloga.

Júlia conversou com o Desenrola sobre suas experiências com os jovens de quebrada, mas afirma que não há pessoa melhor para falar da juventude, se não a própria juventude. Ela reforça que os jovens precisam ser ouvidos em todos seus locais de socialização e relacionamento.

“A pandemia trouxe ao jovem uma crise do futuro. Então, “qual é o sentido de eu estudar sendo que talvez não exista futuro? Qual é o meu futuro?’, se o futuro já era difícil para um jovem da periferia, a pandemia trouxe um futuro mais machucado”, finaliza. 

*Esta reportagem foi produzida com o apoio do Fundo de Resposta Rápida para a América Latina e o Caribe organizado pela Internews, Chicas Poderosas, Consejo de Redacción e Fundamedios. O conteúdo dos artigos aqui publicados é de responsabilidade exclusiva dos autores e não reflete necessariamente a opinião das organizações. 

Comunidade Cultural Quilombaque comemora 16 anos com celebração virtual

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Com o tema “Quilombaque, 16 anos de resistência: Nossa vitória não será por acidente!”, o espaço cultural promove até o dia 26 de setembro uma programação de atividades virtuais para celebrar mais um ano de atuação

Foto: Ira Romão

 Um ano após a compra do espaço de sua sede, a Comunidade Cultural Quilombaque realiza a celebração de 16 anos de atuação com uma série de atividades virtuais que incluem sarau, atividades para crianças, bate-papos e shows com Bivolt, Fabriccio Oliveira e Leci Brandrão. As atividades são virtuais, gratuitas e serão exibidas pela página do Facebook e também pelo canal do Youtube do espaço cultural.

Tendo o tambor como nosso princípio organizativo, cantamos e atentos nos conectamos ao Axé, gingamos pelo fim do genocídio da população pobre, preta, indígena e periférica, pois onde quer que estejamos, estamos na luta! Alongamos a utopia como elemento fundador da nossa geração nessa travessia pandêmica de desesperança.

Manifesto de aniversário da Comunidade Cultural Quilombaque

Programação 

23/09, às 20h – Baobá escritas e saberes com Nelson Maca

Nelson Maca, poeta, performer, professor de Literatura, fundador do Coletivo “Blackitude: Vozes Negras da Bahia”, que realiza ações artísticas de formação sócio-racial há mais de 20 anos tais como Sarau Bem Black e o Slam Lonan. Autor de Gramática da Ira (poesias), Go Afrika, Relato da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação (contos) e Ani: todos os Felas do mundo(romance) ambos pela editora Blackitude. Também organizou os livros Tarja Preta (Maloqueirista) de Zinho Trindade e A Rima Denuncia (Global) do GOG.

24/09, às 20h – Sarau D’Quilo com Andréa Amorim – lançamento do livro “Farfalhar rememórias”

Neste delicado livro de Andrea Amorim poesia e prosa se mesclam com graça desabrochando histórias cultivadas pela autora. Escrita testemunho. Forte. Amorosa. Necessária provocação em tempos tão difíceis.

25/09, às 16h – Espetáculo Infantil “Esquadrão Bombelhaço” com o Grupo Circo Teatro Palombar

Um batalhão de bombeiros composto por palhaços, correm para acabar com um incêndio que tomou conta do picadeiro. Um carro entra em alta velocidade com o esquadrão e seus equipamentos de combate ao fogo… A tropa atrapalhada inicia seus procedimentos de salvamento entre trombadas, tropeços, saltos na pizza e bofetões.

26/09, a partir das 17h – Shows com: Leci Brandão, Bivolt e Fabriccio Oliveira

As atividades serão transmitidas pela página do Facebook e canal do Youtube.

Mães revolucionárias: “O meu sonho é que a Síndrome de Williams seja reconhecida”, diz Silvana Souza

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Com 24 anos dedicados a defender acesso às políticas públicas para pessoas com deficiência física e intelectual, Silva Souza construiu uma trajetória ao lado de seu filho, portador da Síndrome de Williams. 

 Há 24 anos, Silvana Souza, 55, moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, iniciou uma luta para promover direitos sociais e acesso às políticas públicas de saúde e educação para crianças que possuem Síndrome de Williams, uma deficiência física e mental pouco difundida nos meios de comunicação tradicionais e nos serviços públicos de saúde.

Essa luta começou quando ela estava acompanhando seu filho Alan Souza, 24, em uma consulta com um pediatra. Nessa ocasião, ela ouviu pela primeira vez o termo Síndrome de Williams, e a reação dela como mãe foi de desespero por nunca ter ouvido falar nessa doença.

As crianças que possuem Síndrome de Williams apresentam características de comportamento hiper-social e comunicativo, além de problemas cardíacos, coordenação motora, equilíbrio, atraso mental e psicomotor.

“Quando meu filho nasceu, não tinha nenhum artigo no Brasil sobre Síndrome de Williams, como tinha só em espanhol e inglês, eu tive que traduzir para o português, a sorte foi que uma cunhada minha pegou e traduziu pra mim”, relembra Silvana, contanto a importância do apoio da cunhada que tinha trabalhado numa escola de inglês, para traduzir o artigo de pesquisa sobre a Síndrome de Williams.

Alan Souza é filho de Silvana e sonha em ser musicista e um dos seus instrumentos prediletos é o acordeon. (Foto: Carolina Carmo)

“A gente ajuda crianças não só aqui, mas no Brasil todo”

Silvana Souza, 55, é moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo.

A partir deste momento, ela começou a entender um pouco mais sobre a síndrome que estava afetando o desenvolvimento físico e intelectual de seu filho. Em meio a muitas dificuldades, ela foi buscando formas de apoiar outras mães que estavam passando pelas mesmas situações.

Nesse processo, ela acabou fundando a Associação Brasileira de Síndrome de Williams. “A gente achou bonito colocar Associação Brasileira de Síndrome de Williams, e não de São Paulo, e aí acabamos abraçando o Brasil. Então a gente ajuda crianças não só aqui, mas no Brasil todo”, conta Silvana.

A Associação Brasileira de Síndrome de Williams é uma organização social fundada em fevereiro de 2002. Com abrangência em território nacional, ela é composta por pessoas portadoras de Síndrome de Williams e seus familiares, profissionais de diversas áreas e pessoas interessadas em participar e colaborar com a organização, cujo principal objetivo é melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência.

Uma das características das pessoas que nascem com a Síndrome de Williams é a alta sensibilidade ao som e intolerância a ruídos, características que quando trabalhadas podem se transformar em uma elevada habilidade musical, como foi o caso de Alan, filho de Silvana, que estuda música e toca diversos instrumentos.

Há 24 anos, Silvana Souza, iniciou uma luta para promover direitos sociais e acesso às políticas públicas de saúde e educação para crianças que possuem Síndrome de Williams. (Foto: Carolina Carmo)

Educação especial 

Apesar de não ter tido o suporte necessário na escola onde estudou, para o desenvolvimento de suas habilidades, o filho de Silvana foi bem recebido pelo Projeto Guri, organização social que oferece educação musical gratuita às crianças e adolescentes.

“Eles fizeram um trabalho maravilhoso. Eu não acreditei pela coordenação motora, mas quando eu vi meu filho tocando a nona sinfonia de Beethoven, eu nunca mais deixei de acreditar no potencial dele”, conta Silvana.

Alan segue procurando formas de dar continuidade aos seus estudos já que o projeto Guri é oferecido a jovens até os dezoito anos, pois hoje ele está com 24. Ele diz ter vontade de seguir carreira na música, porque é o que ama e faz de melhor.

Ao refletir sobre a questão da inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência aos serviços públicos, Silmara Silva, especialista em educação especial pela UNESP, aponta a importância de discutir melhorias na legislação brasileira.

“Em decorrência da Lei Brasileira de Inclusão, a questão da inclusão e da acessibilidade vem à tona com mais frequência e força, tirando muitas pessoas com deficiência da invisibilidade e colocando-os no lugar de pessoas de direito. Isso é muito bom e importante, porém, não é o suficiente”, aponta a profissional que está há 10 anos atuando em escolas públicas das periferias com educação especial.

 “O Ministro da educação não sabe nada sobre a realidade das mães que têm filhos com deficiência”

Silmara Silva é especialista em educação especial pela UNESP.

Silvana conta que tem mais três filhos sem nenhuma deficiência e no caso deles a experiência com a escola não significou nenhum desafio, já para o Alan foi uma longa busca.

Ao relembrar a recente fala do Ministro da Educação sobre a inclusão de pessoas com deficiências na educação pública, Silmara deixa claro o seu ponto de vista: “O Ministro da educação não sabe nada sobre a realidade das mães que têm filhos com deficiência e os obstáculos percorridos para garantir o direito à educação. Tem que respeitar cada deficiência em suas especificidades.”

O posicionamento de Silmara reflete diretamente na vida de Silvana e de Alan no acesso à educação. Apesar das leis que já estão em vigor, ele recebeu recusas de matrícula em muitas escolas públicas, sob a justificativa de falta de preparo dos profissionais e de recursos da escola para receber o jovem.

“A lei assegura o direito ao acesso e permanência nas escolas, contudo, nem sempre há formação profissional adequada e recursos (inclusive humanos) que garantam avanço na aprendizagem”, argumenta Silmara.

“O que eu vi nas escolas das periferias foi pessoas com deficiência intelectual, Síndrome de Down, Autismo e Síndrome de Williams dormindo em sala de aula”

Silvana Souza, 55, é moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo.

A especialista em educação especial complementa afirmando que “os cursos de licenciatura e graduação não formam para o trabalho com as deficiências e muitos professores sentem-se inseguros (e desamparados) pois não sabem como lidar com isso”, revela ela, afirmando que a necessidade de construir uma formação continuada nessa área para profissionais de educação e recursos que garantam a aprendizagem.

Silvana conta que a sua luta é por acreditar na inclusão, mas, que ela ainda não existe na maioria das escolas públicas, e se tratando das periferias, a situação é ainda mais agravada

“O que eu vi nas escolas das periferias foi pessoas com deficiência intelectual, Síndrome de Down, Autismo e Síndrome de Williams dormindo em sala de aula, não tendo um trabalho. Eu acho que a Secretaria da Educação tem que investir mais e saber respeitar os direitos das pessoas”, diz Silvana, uma das criadoras da Associação Brasileira de Síndrome de Williams.

Para Silmara, é necessário ir além do debate sobre o acesso e discutir o desenvolvimento das pessoas. “Precisamos romper com o simples acesso e contribuir para o desenvolvimento dessas pessoas. Para além dos esforços e empenho dos profissionais, dependemos de políticas públicas para que isso se efetive”, conclui a coordenadora pedagógica de um equipamento de educação da Prefeitura Municipal de São Paulo. 

Documentaristas da quebrada refletem sobre a importância da preservação do audiovisual periférico

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Para os documentaristas Sidnei Junior e Rosa Caldeira, a Cinemateca tem potencial para expandir e se reinventar, mas ainda é um espaço elitizado que não contempla as produções periféricas.

Cineastas periféricos da produtora Maloka Filmes discursando após a premiação da obra Perifericu. Foto: arquivo pessoal.

Responsável por preservar a produção audiovisual nacional, o galpão da Cinemateca Brasileira, localizado na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, foi atingido pelo quinto incêndio em julho de 2021. Documentaristas periféricos como Sidnei Junior e Rosa Caldeira, lamentaram a perda de registros que ajudaram a construir os próprios referenciais cinematográficos, mas escancararam outra realidade: para a periferia, a Cinemateca já estava em cinzas.

Sidnei Junior, 25 anos, morador do Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, é criador do projeto independente “Quebradas Osasco” e se tornou documentarista através de um desejo de retornar para sua comunidade conhecimentos importantes que adquiriu ao longo de sua trajetória como arte educador.

“Eu atravessei essa ponte, saí da periferia e fui cursar no centro de São Paulo. Atuei trabalhando durante 4 anos no circuito cultural de São Paulo e queria retribuir isso pra cá”

enfatiza Sidnei Junior.

Sidnei Junior é documentarista, morador do Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e criador do projeto independente “Quebradas Osasco”. Foto: arquivo pessoal.

Sem estar trabalhando no momento e com uma câmera parada em casa, foram circunstâncias que contribuíram para o surgimento da ideia de um projeto que tornasse os moradores das periferias de Osasco protagonistas das suas próprias histórias, criando então o Quebradas Osasco. Os episódios são distribuídos nas redes sociais, com a periodicidade de um vídeo a cada três semanas.

“Eu conheço pessoas com histórias tão legais por aqui, tá ligado. Por que não contar, sabe? Por que não mostrar? As pessoas merecem ter essa visibilidade também e se eu puder fazer, se tiver no meu alcance, é isso!”, afirma Sidnei.

Os episódios do Quebradas Osasco são distribuídos nas redes sociais, com a periodicidade de um vídeo a cada três semanas. Foto: divulgação.

Outro aspecto que o levou a criar o projeto, foi ver a retratação das periferias por pessoas que não moram nela, e o desejo de mudar esse conceito: “A partir do momento que você vê o audiovisual da favela, da periferia sendo representado pelos nossos, sendo feito, sendo utilizado, dirigido, filmado, editado por nós… é outra coisa, né”, relata.

Como documentarista periférico, uma das dificuldades que ele enfrenta está no processo de preservação de suas obras. Devido a falta de equipamentos e infraestrutura necessária para armazenar o material bruto, sempre que termina um conteúdo, ele precisa apagar tudo para conseguir editar os próximos que virão.

Uma das propostas da Cinemateca Brasileira, é fazer a preservação do audiovisual, mas essa informação por muito tempo ficou restrita aos centros. Sidnei, por exemplo, foi saber sobre a existência da instituição em 2016, quando estava em seu primeiro ano de trabalho no circuito cultural do centro de São Paulo.

“Nunca tinha ouvido falar, porque de fato esse é o projeto: que as pessoas da periferia não tenham acesso a esses polos culturais centrais porque convém pra certas pessoas que a gente não tenha esse acesso”, reflete o documentarista.

Cena do segundo episodio do Quebradas Osasco. Foto: divulgação.

Para Renato Candido, cineasta negro e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, se os centros de preservação histórica como a Cinemateca estivessem próximos da periferia, esse material poderia receber mais atenção e políticas públicas de proteção. Mas por conta da distância, não apenas territorial, só quem é da área consegue dimensionar o tamanho da perda.

“É como se impedissem que a gente chegasse em um grande tesouro, porque é muito rica a nossa cinematografia e a gente não tem nem ideia da nossa cinematografia. Então, é perder algo que a gente nem chegou a conhecer”

enfatiza o cineasta.

Para o especialista, as obras periféricas também precisam estar em uma cinemateca pensada pela e para as periferias e angariada pelo Estado brasileiro. “É claro que a gente não vai ficar ‘nossa, pegou fogo? Tô nem aí!’ Porque não tem nada da gente lá, mas as nossas obras infelizmente ainda não estão em uma cinemateca e precisam estar!”, afirma.

Assim como Renato, o cineasta trans Miguel Rosa Caldeira, 25 anos, também enxerga essa ausência de um espaço para a preservação cultural e fomento das obras periféricas. Com a experiência que retirou de suas vivências, ele percebe que um cinema brasileiro diverso, vai conseguir crescer quando envolver a periferia também em sua construção.

“A gente só consegue avançar de fato com essas coisas quando elas estão relacionadas com a base, quando elas estão relacionadas com a periferia, quando elas fazem sentido para o cotidiano dessas realidades, e isso a gente ainda tá muito distante”

analisa o cineasta.

Rosa Caldeira e Maloka Filmes na 23° Mostra de Cinema de Tiradentes com a obra Perifericu. Foto: arquivo pessoal.

Pensar nessa base, é pensar desde como o cinema é financiado, para depois ser preservado. Para Rosa e Sidnei, enquanto o estado não interfere diretamente nesse processo, ele é feito através de Ongs, coletivos e produtoras independentes que também buscam acessar políticas de incentivo como o VAI – Programa de Valorização de Iniciativas Culturais e Fomento à Cultura da Periferia, que são instrumentos importantes para a democratização, mas que ainda não conseguem atender a todos.

Motivado a fazer parte do audiovisual a partir de eventos culturais como saraus de rua, Rosa foi chamado pelos amigos para fotografar um jogo de Rugby da universidade Mackenzie. “Um rolê de ganhar dinheiro, sobreviver e ajudar as coisas em casa, aos poucos fui ressignificando isso e descobrindo outra vida no audiovisual e no cinema”, conta.

Desde então, ele desenvolveu trabalhos como eletricista dentro do audiovisual e junto com Nay Mendl e Wellington Amorim, criaram a produtora comunitária Maloka Filmes. Mesmo tendo dirigido um dos curta-metragens mais premiados do Brasil em 2020, ele demorou muito para se entender como cineasta.

“Demorei muito pra me entender como cineasta porque não tem pessoas como eu. Não tem pessoas trans, não tem pessoas periféricas dentro desse lugar”, expõe.

Para Rosa, ainda são determinados espaços, como museus e cinematecas, que definem o que é cinema e audiovisual dentro do Brasil. Alguns festivais tentam validar outra cultura, mas a reprodução dos mesmos padrões permanece.

“É a mesma lógica da elite, branquitude, cisgeneridade, porque não existem pessoas periféricas, trans, pretas, coordenando, dominando, pensando ativamente esses espaços”

afirma Rosa.

O filme “Perifericu”, desenvolvido através do VAI, recebeu mais de 25 prêmios, incluindo o Festival de Tiradentes, em que ganharam como melhor curta metragem pelo Canal Brasil. Representar o filme no festival foi importante para debater a ocupação desses espaços, mas chegando lá, se depararam com uma contradição.

“É um espaço que aceita nosso filme ao mesmo tempo que exclui ele. Aceitam o Perifericu pra validar esse festival porque a nossa presença lá enquanto corpos marginais valida aquele espaço enquanto legítimo. E o fato da gente ter o nosso filme aceito lá faz com que outras pessoas como a gente não possam estar lá, porque a gente é visto como exceção e não como regra”, dispara.

Rosa faz um paralelo sobre o difícil acesso entre os festivais e outros centros culturais de preservação nas regiões centrais, como a Cinemateca. “A Cinemateca era um lugar de super difícil acesso, localizado em um bairro extremamente elitizado com uma programação muito complicada e com poucas iniciativas voltadas para jovens da periferia”, analisa o profissional.

Para Rosa e Sidnei, é importante protestar por uma cultura de produção e preservação do audiovisual que inclua a periferia como base, pois espaços como a cinemateca podem se reinventar, serem potencializados e expandidos a partir do olhar para obras periféricas, pretas e LGBTQIA+. 

Sétima edição da Felizs debate o papel da arte diante da desinformação nas periferias

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Com a programação voltada para as plataformas digitais, ao longo de sete dias consecutivos, a feira literária irá promover debates, shows musicais, intervenções artísticas, oficinas com alunos de escolas públicas e o Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”.

 A literatura indígena e os saberes ancestrais da população preta ganham destaque na VII Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), que acontece de 18 a 25 de setembro com uma programação repleta de mesas literárias e intervenções artísticas.

“Nesse momento de grande turbulência política do Brasil, a Feira Literária da Zona Sul quer ser uma plataforma de informação crítica, cumprindo o papel que a arte sempre fez nas periferias, que é promover pensamento crítico nos moradores”, afirma Diane Padial, idealizadora da Feira Literária da Zona Sul.

Ela justifica esse propósito explicando o significado do tema que norteia toda a programação do evento. “‘Existirmos! A que será que se destina?’ O verso da música ‘Cajuína’ de Caetano Veloso é nosso tema de destaque, que nos faz refletir: estamos existindo com qual propósito num momento em que a morte se tornou algo banal e os nossos governantes nada fazem a respeito?”, questiona Padial.

Seguindo a tradição das edições anteriores, a abertura da FELIZS conta com a participação do Sarau do Binho. A intervenção poética será transmitida no Facebook e Youtube da feira literária.

No dia 19 de setembro, a intervenção “Livros no Ponto”, que propõe entregar gratuitamente, livros para moradores, nos pontos de ônibus localizados na Estrada do Campo Limpo, irá movimentar o território, com livros de literatura e livros infantis. Uma ação que já é realizada pelo Sarau do Binho há alguns anos.

Valor ancestral  

Segundo Silvia Tavares, uma das curadoras da programação, a feira literária dará destaque para mesas literárias que vão debater, por exemplo, como a arte indígena e o afrofuturismo têm sido uma plataforma de informação histórica para sensibilizar as pessoas a refletir e enxergar a realidade à sua volta.

“Ao avaliar o impacto da desinformação, o negacionismo, as fake news e o descaso governamental que ampliou o número de mortes causadas pela pandemia de covid-19 no cotidiano da população preta, periférica e indígena, nós decidimos levar para a FELIZS a importância de coletivos, autores independentes, selos editoriais, e grupos culturais que fomentam a arte indígena e o afrofuturismo”, explica a curadora da FELIZS.

Para provocar reflexões importantes no público, o debate do Marco Temporal vai ser bastante abordado por Daniel Munduruku, professor e escritor que vai discutir como a literatura indígena aborda os pactos políticos que atentam contra a vida da população dos povos originários.

Com Mestrado e Doutorado em Educação pela USP,  Daniel Munduruku é autor de mais de 50 livros e foi vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2017, na categoria Literatura Juvenil.

O direito ao luto e cuidados com a saúde mental, por meio de círculos de afeto, também aparecem na programação da sétima FELIZS, como forma de debater a importância da literatura como um experimento terapêutico possível para vivenciar e superar esses momentos de constante pressão psicológica.

Território educador 

Nesta edição, a FELIZS homenageia Geraldo Magela, patrono da cultura popular de Taboão da Serra, que preserva a tradição de danças populares, como o coco, o bumba meu boi, a ciranda e o cacuriá, ritmos que fazem parte do imaginário de migrantes nordestinos que escolheram as periferias nos anos 70 e 80 para construir família.

“Além de grande artista, Magela é um dos fundadores do Grupo Candearte, coletivo que transformou uma antiga associação de moradores do Parque Marabá, em Taboão da Serra, em um centro cultural comunitário que celebra, difunde, aproxima e forma moradores do território com atividades culturais que valorizam a cultura popular brasileira”

Suzi Soares, uma das produtoras da FELIZS.

Assim como a Feira Literária da Zona Sul tem sua existência vinculada a história do Sarau do Binho, o Grupo Candearte e Geraldo Magela também fazem parte desse contexto histórico da cena cultural das periferias do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, pois o distrito faz divisa com o município de Taboão da Serra. 

O show “Todos os Sons” de Geraldo Magela e banda será apresentado no dia de abertura da feira, dia 18 às 20h.

 Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”

Como artistas independentes das periferias reinventaram suas produções no período de isolamento social e que ainda não acabou chegou ao fim? Essa é a pergunta norteadora que mobilizou a equipe de organização da FELIZS a construir o Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”, que terá a exibição de vídeo-depoimentos de artistas que irão fazer relatos de suas experiências.

O festival conta com 20 convidados, entre eles, poetas, escritores, artistas visuais, atores e músicos. “Eu costumo dizer que a FELIZ joga luz sobre a potência cultural das periferias da zona sul de São Paulo, então, não tem como realizar uma edição em plena pandemia e não promover um espaço de diálogo com esses agentes culturais que mostraram resiliência para continuar existindo na pandemia”, conta Diane Padial.

Ao longo da programação da FELIZS, haverá momentos exclusivos dedicados a participação de convidados especiais que marcam a história da arte nas periferias, como por exemplo, o poeta Akins Kinte, Thata Alves, Dandara Pilar, Cleydson Catarina, Serginho Poeta, Fernanda Coimbra, Aloysio Letra, Daniel Minchoni, Michel Yakini, Ermi Panzo, entre outros.

VII FELIZS

18 a 25 de setembro de 2021

Atividades serão exibidas na página do Facebook e no canal do Youtube da Felizs.

Interdição do CEU Capão Redondo preocupa pais de alunos e funcionários

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No início de março deste ano, a Defesa Civil interditou o polo da instituição devido a problemas estruturais, e a Secretaria Municipal de Educação afirma que está tudo “sob controle”, mas muitos envolvidos permanecem preocupados com a situação.

 Desde o dia 19 de março de 2021, o CEU Capão Redondo, localizado na Rua Daniel Gran, no bairro Jardim Modelo, na região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, encontra-se interditado. Segundo colaboradores, alunos e pais de alunos, muitas questões ainda permanecem sem respostas.

Conversamos com alguns professores que compõem o corpo docente da instituição e também com alguns responsáveis por alunos do polo, que contaram sobre o impacto dessa interdição. Os entrevistados que dividiram seus relatos com o Desenrola preferiram não se identificar.

De acordo com os profissionais entrevistados, a construção de uma identidade própria para o CEU Capão Redondo demorou anos para ser concretizada e foi preciso muita persistência para que hoje o polo pudesse receber alunos surdos, oferecer aulas de libras, materiais adequados e profissionais capacitados.

“Aprendi a ser professora lá, profissionais incríveis entraram, saíram, mas tem um grupo maravilhoso que permaneceu. Temos poucos professores com pouco tempo de casa, a maioria está há mais de 5 anos. Quando cheguei lá, a escola ainda não tinha identidade, muito menos vínculo com a comunidade e alunos”, conta uma das educadoras.

Outra característica do espaço, que tem um polo bilíngue, é que oferece aulas de libras não somente aos alunos com deficiência auditiva, mas para todos os estudantes, para que assim, consigam também se comunicarem entre si.

Foram muitos projetos idealizados no local para contribuir com o desenvolvimento e crescimento acadêmico dos alunos, entre eles: dança, teatro, leitura, natação, xadrez, reforço de português e matemática, além de grafite, futsal e música. Muitos desses projetos eram incluídos na rotina dos alunos, incentivando o contato com o meio cultural.

“O trabalho ao longo do tempo nunca foi fácil, temos muitos alunos com deficiência, então sempre fomos bastante cobrados” conta uma das professoras.

O polo possui três unidades educacionais, sendo elas o CEI, EMEI E EMEF e um dos diferenciais é que sua estrutura comporta mais de 120 alunos com deficiência auditiva. 

“Muitas escolas da região não aceitavam os alunos com deficiência e mandavam procurar o CÉU, que lá nós tínhamos suporte, mas não, não tínhamos suporte, lá nós tínhamos uma equipe que estava disposta a fazer diferente”

relatou uma professora.

As professoras reforçam que o processo de construção do CEU Capão não foi e ainda não é fácil, que foi com o tempo, diálogo e otimismo que os profissionais se sentiram aptos e seguros para estarem na linha de frente de um polo diferencial na região.

“Fomos nós que com muito trabalho, fomos criando laços, destruindo barreiras e construindo a identidade da escola. Quando o polo bilíngue chegou, também foi assim, sem muita conversa com os professores, houve bastante resistência. Mas aos poucos o trabalho foi acontecendo”, comentou a professora.

 Falta de suporte

Devido a pandemia, em 2020, as aulas presenciais foram suspensas no CEU do Capão Redondo e foi adotado o ensino remoto. No início de 2021, retomaram com as aulas presenciais, seguindo os protocolos necessários para essa nova fase, mas no mês de março de 2021, o polo sofreu a interdição feita pela Defesa Civil, por problemas estruturais na construção.

Alguns pais dividiram com a gente suas angústias diante do cenário que seus filhos estão vivendo. Entre muitas queixas, uma das mais comuns é o fato das crianças terem sido transferidas involuntariamente para outras escolas, sem nenhum diálogo e sem as famílias e os profissionais do CEU serem ouvidos.

“Essa desorganização é lamentável. Só foram correr atrás quando foi liberado 100% dos alunos de forma presencial. Aí jogaram nossos filhos de qualquer jeito em qualquer escola só pra dizer que eles não estavam sem escola”, desabafou a mãe de um aluno do CEU.

O que também preocupa muitos pais, é que as escolas para onde seus filhos foram transferidos, não possuem condições para receberem os alunos. Além da distância de suas casas para as novas escolas, sendo que agora, alguns precisam tirar de seus próprios bolsos o gasto da locomoção dos filhos de casa até a escola.

“Estou em tratamento médico e meus filhos estavam já sendo prejudicados com as aulas remotas, mas era necessário, em razão da pandemia. Agora, restando apenas alguns meses para o final do ano letivo, a gestão pública de maneira irresponsável, agrega mais este prejuízo ao desenvolvimento cognitivo dos alunos”, relata o pai de dois alunos do polo.

Um dos benefícios que os alunos do CEU Capão Redondo tinham, era o TEG – Transporte Escolar Gratuito, onde conquistaram esse recurso e era o que deixava muitos pais mais tranquilos, mas por conta da transferência para outras escolas, muitos estudantes perderam esse benefício, sendo que diversos alunos foram matriculados em escolas muito distantes de suas residências.

“Se meus filhos correm risco de perderem o ano letivo? Não, já perderam!”

desabafou o pai dos alunos.

A interdição, que ocorreu este ano pela Defesa Civil, se deu pelo deslocamento de placas de concreto que envolvem a estrutura, e que de acordo com alguns profissionais da unidade, já era do conhecimento da DRE – Diretoria Regional de Educação do Campo Limpo, há quatro anos.

Essa interdição está prevista para ser finalizada até dezembro deste ano, e os pais dos alunos optaram por manterem seus filhos nas aulas remotas até que a reforma seja concluída, mas de acordo com as próprias famílias, eles não foram ouvidos nas reuniões feitas com órgãos responsáveis, e os alunos, compulsoriamente, foram remanejados para escolas de outras regiões.

“Os alunos que frequentam o polo, tem uma prioridade da TEG (Transporte Escolar Gratuito), por isso fazem parte do projeto, mas eles estando fora do polo essa garantia já não é mais garantida. E eles vão para uma lista de espera de toda uma rede municipal. Tem aluno que dentro do polo já tinha uma dificuldade de TEG, imagina fora”, coloca outra profissional do corpo docente da unidade, que prefere não ser identificada.

Dessa forma, muitas famílias estão tendo que pegar transporte ou se deslocarem a pé para chegarem nas escolas onde os estudantes foram transferidos.

Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Educação e eles alegaram que não há risco de desabamento no local. Afirmaram também que a SIURB – Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras realizou vistorias no CEU para acompanhar a evolução das placas de concreto e que na última vistoria foi constatada a movimentação dessas placas e a necessidade de intervenções emergenciais no local.

A Secretaria concluiu dizendo que o prazo de execução das obras é de, no máximo, 180 dias. A preocupação dos familiares e professores da unidade só aumenta, tendo suas falas, sugestões e angústias não ouvidas, além da falta de garantia que após a conclusão da obra, todos alunos e professores retornem para o polo.