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“Somos mães atrevidas”: mulheres criam organização para combater encarceramento nas periferias

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Em Itaquera, zona leste de São Paulo, movimento de mães democratiza há 22 anos o acesso à informação sobre direitos sociais para que famílias possam conviver e proteger seus filhos dentro do sistema prisional. 

Maria Aparecida Soares de Melo, 52, é moradora de Diadema e há mais de vinte anos, ela luta pela garantia de direitos para pessoas que estão ou passaram pelo sistema prisional. (Foto: Carolina Carmo)

Em 1998 quando o filho adolescente de Maria Aparecida Soares de Melo, 52, é moradora de Diadema, foi levado para antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM), ela conta que se viu perdida e desamparada, sem entender o que poderia ser feito, por não ter consciência de quais eram os seus direitos como mãe diante daquela situação.

“Cheguei na delegacia e fui humilhada né, porque eles humilham a gente. Daí na porta da FEBEM a gente se uniu com meia dúzia de mães e falou: “Isso tá errado, tão me privando de tudo”, lembra Aparecida.

Para ela, o Estado fala isso e aquilo, mas não explica na prática quais sãos os direitos das famílias que tem seus filhos privados de liberdade. Viver essa situação mudou para sempre a vida dela e de muitas mães que estavam na mesma situação.

“Daí a gente fundou uma associação, na época chamava “AMAR” Associação de Mães e Amigos de Adolescentes em Risco. A gente fez um trabalho muito bonito, a gente ganhou até prêmios de direitos humanos”, conta ela. 

“O nosso intuito lá atrás era fundar um grupo de mães mais atrevidas, porque nós somos atrevidas mesmo”

Maria Aparecida é conhecida como Cidinha entre as mães da Associação Amparar.

Um dos objetivos da inicialmente AMAR, organização social que hoje se chama AMPARAR, era fundar uma organização de mães desafiadoras e presentes na cobrança da assistência que deveria ser prestada às pessoas em situação de cárcere e a família delas.

“O nosso intuito lá atrás era fundar um grupo de mães mais atrevidas, porque nós somos atrevidas mesmo, para formar outras mães a não aceitar o sistema!”, conta Cidinha, uma das fundadoras da AMPARAR.

A AMPARAR oferece serviços essenciais que deveriam ser oferecidos pelo poder público, desde assistência psicológica a orientação jurídica, e através de doações também distribui cestas básicas aos familiares que tem parentes no sistema prisional.

Cidinha conta também que a AMPARAR hoje é reconhecida internacionalmente e que seu filho não está mais privado de liberdade, mas ela ressalta que o filho da coordenadora da associação está no sistema prisional, e esse fato reforça a importância de seguir construindo ações afirmativas para a população pobre, preta e periférica ter acesso aos seus direitos no sistema prisional.

O sistema prisional e a ressocialização  

Para Carlos Alberto de Souza Junior, vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, a sociedade precisa entender o que é e como funciona o sistema prisional. “As discussões avançaram, mas a sociedade ainda precisa entender o que é o sistema prisional, o que é a cadeia que nós temos hoje que não reeduca, não ressocializa, não cumpre uma função social”, argumenta.

Ele complementa enfatizando que essa discussão na sociedade precisa acontecer para ampliar o debate sobre o que é segurança pública. “Se a gente trabalhar com isso, a gente acaba com políticas como a segurança pública, que não é uma política pública, pelo contrário, vem cumprindo um papel péssimo na sociedade”, diz ele.

O vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, que é especializado em gestão de organizações sociais e em gestão de políticas sociais também ressalta os impactos que o sistema prisional gera nas pessoas que já ficaram privadas de liberdade, por cometer algum tipo de delito.

“A pessoa que tá presa é aquela que cometeu um mal a alguém, não veem que ali está um ser humano, as pessoas nesse caso esquecem a história, elas veem só o momento. Ai se cria um estigma”, explica.

“A ausência de oportunidades de emprego e qualificação profissional acabam prejudicando todo esse contexto de ressocialização”

 Carlos Alberto de Souza Junior é vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

 Esse estigma citado por Souza também é lembrado por Cidinha como um fato que acompanha a vida e as relações sociais de quem passa pelo sistema prisional. “Quando uma pessoa vai presa todo mundo tem preconceito, o filho de fulano foi preso, não presta. O meu que é bom. Eu era assim, eu não enxergava. Hoje eu penso diferente”, afirma Cidinha, uma das fundadoras do AMPARAR.

Um dos caminhos para as pessoas que passaram pelo sistema prisional recuperar sua autoestima e combater o preconceito que gira em torno dela é a conquista de um trabalho formal, com garantia de direitos. Mas esse é outro desafio para quem vive essa realidade.

Segundo Souza, existem no Estado de São Paulo uma média de 11 cadeiras que tem atuam no formato de Colônia, essas unidades prisionais oferecem formação e oportunidade de trabalho para quem está privado de liberdade, mas a qualidade dos cursos e dos empregos oferecidos ainda é algo a ser debatido pela sociedade.

“A ausência de oportunidades de emprego e qualificação profissional acabam prejudicando todo esse contexto de ressocialização, não gosto muito desse termo, porque falam em ressocializar como se a pessoa fosse a pior do mundo, mas tem outras conjunturas e contextos que colocam a pessoa em situação de violência”, finaliza o vice-presidente do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente.

Yakissoba do Chico: ao criar o próprio negócio na pandemia, morador emprega 5 filhos

Conheça a história de Chico, cozinheiro que em meio às diversas crises da pandemia de covid-19 decidiu abrir um delivery de Yakissoba, e com isso trouxe emprego aos seus filhos e hoje consegue passar mais tempo com a família.  

 Ao pensar nos desafios que a pandemia trouxe para sua rotina e da sua família, Francisco Rodrigues, 46, carinhosamente conhecido como Chico, morador do Cidade Ipava, bairro pertencente ao distrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, viu a possibilidade de criar um empreendimento diante de um cenário pandêmico, correndo o risco de não dar certo e trocar o que já tinha em mãos pelo que ainda era duvidoso.

“Começou essa pandemia, a gente estava em casa sem fazer nada, sem trabalhar. Aí tivemos que encarar com a experiência que a gente tem, que é trabalhar com a culinária japonesa, e graças a Deus até hoje estamos aí!”, relata o morador com entusiasmo.

E assim nasceu o empreendimento “Yakissoba do Chico”, que há quase dois anos tem fortalecido e mantido de pé a família Rodrigues, além de gerar renda e emprego para jovens da quebrada.

Chico é casado com Elizabete Maria há quase 30 anos e pai de seis filhos: Renato de 26, Bruno de 24, Thiago de 22, Aline de 21, Jennifer de 16 e Isabelli de 3 anos.

Chico é pai de 6 filhos e casado há mais de 25 anos. (Foto: Flávia Santos)

De seis filhos, cinco trabalham no Yakissoba, o Renato como motoboy, o Bruno como sushiman, Thiago como auxiliar de cozinha, Jennifer como empacotadora e Aline como administradora e gerente.

Além dos filhos de Chico, ele também contratou outros dois moradores do bairro, que atuam como entregadores e auxiliando no atendimento com os clientes.

O pai de família afirma que quando começou o negócio, sua filha Aline incentivou a continuar e não desistir de criar o empreendimento, mesmo entendendo que apareceriam dificuldades no caminho.

Apesar de ter sido criado por necessidade, o que mais motivou Francisco e motiva até hoje é o fato de trabalharem em família. “Para entrar nesse ramo, não dá pra fazer tudo sozinho, tem que trabalhar em família. Aí já junta todo mundo e faz um pacote só!”, exclama o chefe de cozinha.

As dificuldades que a família passou a enfrentar após a chegada da pandemia aumentaram, por isso Chico resolveu achar uma saída. Um dos obstáculos que ele está enfrentando é o fato de todos os materiais e produtos usados no negócio estarem mais caros.

Foto: Flávia Santos

“O filé mignon que a gente pagava $23,00 o quilo, agora estamos pagando $45,00. O salmão que era $30,00, agora eu pago $55,00”, desabafa.

 Além desse exemplo, ele comentou que as caixas de salmão fechadas que ele juntamente com sua equipe comprava e pagava em torno de R$700,00, agora não encontram por menos de R$1.500,00, em boa qualidade.

O chefe de cozinha afirmou que apesar desse aumento dos produtos diante da pandemia, os seus preços no empreendimento não foram recalculados, pois o risco de perderem clientes se tornaria muito maior. Com isso, o lucro é menor e o desânimo se torna bem maior.

“É um desafio a gente continuar trabalhando, porque tem que correr atrás pra conseguir promoções e não encontramos. A gente vai batalhando como pode, às vezes a gente fica até desanimado, só que a gente não pode desanimar, tem que continuar, apesar de não ser fácil” 

conta o pai de família.

Durante a trajetória de quase dois anos do Yakissoba do Chico, esses desafios de aumento nos preços dos produtos os preocupam há cerca de seis meses.

Antes, ele não cobrava a taxa de entrega, em busca de fidelizar ainda mais clientes. Mas com todo esse cenário, precisaram mudar a estratégia e cobrar uma pequena tarifa para conseguirem manter os lucros de pé.

Mas apesar dos desafios, Chico hoje trabalha com sua família e tem mais tempo perto de seus filhos, o que por muitos anos não conseguiu, pois saía muito cedo e chegava muito tarde em casa, trabalhando em dois horários, e isso impossibilitava o contato e a interação familiar.

Agora ele consegue aproveitar o convívio com a filha caçula Isabeli, de 3 anos, participando mais do processo de criação e troca de afeto. “Eu nunca tive tempo em casa, só no dia da folga, mas aí tinha coisa pra resolver e passava rápido, não tinha tempo com eles.” afirma Chico.

No restaurante que ela estava trabalhando antes da pandemia, ele ficou sem receber seu salário por alguns meses, isso fez com que ele resolvesse efetivamente abrir seu próprio empreendimento. Mas a situação foi ficando apertada e ele resolveu se desligar da empresa. “Eu ia trabalhar sempre na esperança de receber”, explica.

Foto: Flávia Santos

Prezando pelo trabalho em equipe e melhor entrega a seus clientes, hoje o Yakissoba do Chico é uma empresa registrada, que está de pé desde maio de 2020 e vem construindo sua história e sua própria essência, seu local de produção fica em cima da casa da família, onde produzem os pratos e o processo de delivery e atendimento digital.

Francisco foi embora para São Paulo com 23 anos, já casado, sem imaginar como seria sua trajetória profissional, é um pai que incentiva seus filhos a desenvolver habilidades e busca todos os dias a melhoria de vida da família, sempre acreditando que esses aprendizados irão fortalecer seus filhos num futuro próximo.

“Isso que eles estão aprendendo agora comigo, vai ajudar eles a saberem o que fazer daqui alguns anos, até porque daqui um tempo eu não vou estar mais aqui. E a história continua”

conclui.

Trajetória 

Nascido no dia 2 de outubro de 1974, na cidade de Graça do Ceará, a história do Chico com a culinária japonesa começou no ano de 1997, quando ele decidiu ir embora da sua cidade natal para São Paulo em busca de um emprego fixo e estabilidade.

No mesmo ano, ele começou a trabalhar num restaurante bem conhecido na época, localizado na Avenida Paulista, onde atuou por 19 anos. Neste local ele começou trabalhando na pia lavando louças, área que atuou por dois anos, ganhando pouco, onde afirma que o trabalho era mais valorizado, dependendo de qual função você exercia naquela época.

Depois desses dois anos, ele passou a trabalhar como ajudante de cozinha, após isso, se tornou cozinheiro e saiu da empresa como chefe de cozinha, e isso tudo aconteceu ao longo de 19 anos de casa.

Após sair desse restaurante, Francisco foi contratado por um outro, também especializado na culinária japonesa, localizado na Lapa, zona oeste da cidade, onde ficou também por 4 anos. Ao todo, o chefe tem 24 anos atuando como cozinheiro.

Antes dos comércios serem fechados na cidade, ele trabalhou durante dois meses em um restaurante de culinária japonesa localizado dentro de um shopping da zona sul de São Paulo. O pouco tempo de casa se deve ao fato de o dono do estabelecimento ter tido dificuldades para parar os salários dos funcionários, devido aos impactos da pandemia do coronavírus.

Grupo atua para mudar a visão da população sobre pessoas com deficiência em Osasco

Atendendo cerca de 400 pacientes no bairro Jardim Cipava, localizado em Osasco, região metropolitana de São Paulo, a organização Igats busca possibilitar maior autonomia e independência aos pacientes através de atividades ligadas principalmente à arte.

As aulas de música funcionam como terapia para Rodrigo Sobral, conta o professor José Elias Foto: Mateus Fernandes.

O IGATS, Instituto de Gestão, Administração e Treinamento em Saúde, foi criado em 2009, originalmente no bairro Jardim Belval, em Barueri. Atualmente o instituto atua em unidades espalhadas por 8 municípios em São Paulo. Entre essas unidades, está a do bairro Jardim Cipava, em Osasco, que atende cerca de 400 pessoas moradoras de bairros do entorno, sem restrição de idade.

Através de um acompanhamento contínuo, a organização utiliza diversas abordagens para melhorar a saúde e a educação de pessoas com deficiência, entre elas o trabalho com materiais recicláveis. “É a nossa maior matéria prima aqui, até por causa de nossos recursos virem muito de doações”, conta Ricardo Beserra, psicólogo e um dos coordenadores da unidade de Osasco. 

Denise Fernanda, de 60 anos, exibe artesanato que realizou no IGATS Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

“Eu gosto de vir,  senti falta em casa quando não tava podendo vir [para o espaço].”

Conta Denise Fernanda,  paciente.

Na unidade, que antigamente era uma escola de educação especial, existem dois núcleos: na parte de baixo está o Centro Especializado em Reabilitação (CER 2 Osasco), e Núcleo Ambulatorial, onde ocorrem atendimentos de saúde agendados. O outro núcleo, na parte de cima da unidade, é um Núcleo de Convivência, frequentado por aqueles que eram alunos da antiga escola.

Como o local antes era uma escola de educação especial, com a mudança da legislação, esses usuários não poderiam ser desassistidos, sendo assim, através do Núcleo de Convivência eles continuaram sendo estimulados.

Equipe do IGATS Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Os frequentadores recebem atendimento de especialistas em áreas como neurologia, psicologia,  fisioterapia, educação física, enfermagem, fonoaudiologia e dentista. Os trabalhos não são apenas ambulatoriais e clínicos: há trabalhos terapêuticos realizados com música, dança e esporte. Além disso, tem também o acompanhamento com assistentes sociais.

Paredes do CER 2 Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

A existência de várias salas no espaço, permite que ocorram atendimentos tanto em grupo como mais individualizados. “Tudo depende da maneira como o paciente vai estar melhor se beneficiando”, afirma Rebeca Mancini.

As salas de atividades específicas, como as de música e de capoeira, contam com desenhos relacionados à atividade, assim, ao entrar na sala, eles já identificam o atendimento que terão, trabalhando também a questão do reconhecimento do ambiente. 

William Veloso é professor de capoeira e realizou a arte na parede da sala onde ocorrem as aulas. Foto: Mateus Fernandes

Atividades fora do espaço

xposição da CER 2 no Super Shopping Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Em setembro de 2021, o espaço realizou uma exposição com obras produzidas pelos pacientes. As obras foram expostas no Super Shopping Osasco, próximo a região central do município.

Ricardo, morador de Osasco e um dos coordenadores da unidade, conta que no dia da exposição observou os olhares do público que passava pelo shopping aos deficientes, onde segundo ele, é um local que não é considerado um espaço para eles estarem.

“… a gente pode ocupar esse espaço, isso não precisar nem ser avisado”,

afirma o Osasquense

Fotos que registram a história do CER 2 em Osasco estiveram presentes na exposição. Foto: Mateus Fernandes.

A proposta da exposição foi ampliar esse convívio dos pacientes, pois Ricardo relata que muitas vezes a pessoa com deficiência só convive com os responsáveis e com o pessoal da unidade, como no centro de convivência do IGATS.

“A gente que atende esse público, a gente que é da saúde mental, a gente entende que se não tomarmos posse de certos lugares não há mudança. Foi legal, até porque a gente tira aquela ideia do pessoal do shopping ou do empreendedor, que é ver a pessoa com deficiência sempre como coitadinho”

declara Ricardo, que é formado em psicologia.

A prática do esportes é incentivada, para evolução de corpo e mente. Na foto: Maria Isabel Carvalho, Iago Ramilo, 28 e Ediralf Rodrigues, 32. Foto: Mateus Fernandes.

Muitos acessos são negados ou dificultados para uma pessoa com deficiência, a falta de acessibilidade em aspectos básicos como a ausência de elevador ou uma rampa, diz muito sobre os lugares restritos e não pensados de forma plural, principalmente para pessoas com deficiência que são de territórios periféricos. Para Ricardo, muito disso se dá devido ao mercado e empresários não enxergarem a pessoa com deficiência como consumidora.

“Às vezes as famílias deixam de ir a determinados lugares com os filhos e vão sozinhos pensando: ‘ah, eu não vou com meu filho porque lá ele não vai se sentir bem’. Mas por que ele não vai se sentir bem? Porque o ambiente não foi pensado pra ele”

coloca Ricardo

Arte, reciclagem e cultivo fazem parte da rotina do espaço

Além da reciclagem, plantio, aulas de capoeira e outras atividades, as oficinas também abordam áreas artísticas, sempre buscando que o produto final seja feito pelos pacientes.

Todos desenhos foram feitos por atuais e ex- frequentadores. Foto: Mateus Fernandes.

O espaço realiza ações como eventos no bairro, práticas de esportes ao ar livre e festas temáticas, com a intenção principal de integrar os pacientes à comunidade e mostrar aos moradores que não deve existir restrição nesse convívio. Além de informar sobre a importância dos serviços públicos de saúde e assistência social para pessoas com deficiência.

Essas ações permitem ainda arrecadar doações para a instituição e também para as famílias, que em sua maioria vivem em alto risco de vulnerabilidade social. 

Visitante da exposição é auxiliada pela profissional Carla Isabel. Foto: Mateus Fernandes

Com o tempo, o uso do material reciclável que recebem por meio de doações, também se firmou na instituição com a ideia de conscientizar sobre o aspecto do meio ambiente e sustentabilidade. O espaço chegou a contar com instrumentos musicais feitos de materiais de reuso.

Bonecos foram feitos de material reciclável por pacientes da CER 2 Osasco Foto: Mateus Fernandes

As obras da exposição que realizaram em 2021, foram todas feitas em oficinas com materiais recicláveis que ocorreram no centro de convivência. Os materiais vêm de itens reutilizados na instituição ou de doações, desde garrafa plástica, caixa de leite a tampinha de garrafa. Rebeca destaca que todos os objetos foram construídos pelos pacientes.

“A IGATS tem um contrato de gestão [com a prefeitura] gerenciado pelo nosso diretor Renato Henrique Nogueira, em que os recursos para administração da unidade vêm dessa verba”

Apontam os coordenadores, que também utilizam o reuso de materiais para contribuir com a renda do espaço.

Escultura, feita na CER Osasco 2, foi depois para exposição no Super Shopping Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

No IGATS Osasco, está também sendo abordada a ideia de agricultura para consumo próprio. Recentemente foram montados canteiros no jardim do local. A ideia é trabalhar com alimentos orgânicos e fitoterápicos, plantas não convencionais com propriedades proteicas.

Canteiros, recentemente feitos no jardim da IGATS Osasco. Foto: Mateus Fernandes

Recentemente foi plantado morango, que foi consumido pelos funcionários e frequentadores. Os pacientes atendidos podem levar os alimentos plantados pra casa e aprendem todo o processo de plantio, com o intuito de também passarem a ideia para os familiares. “Acaba se tornando um investimento inicial, que precisa só fazer uma manutenção depois, né?”, aponta Ricardo. 

Trabalho contínuo

Camily Alves Machado é frequentadora do núcleo CER.

Segundo a equipe, o trabalho do IGATS vai além dos pacientes: é preciso também orientar as famílias e a população em geral, a entender as complexidades e as demandas da pessoa com deficiência, e que ela pode e deve, estar inclusa na sociedade.

“A gente busca dar maior autonomia e independência para o paciente. Ele não vai deixar de ter a deficiência, mas a gente busca proporcionar uma maior qualidade de vida pra ele de acordo com suas potencialidades”,

declara Rebeca, coordenadora.

Rebeca e Ricardo contam que muitos pacientes chegam sem conseguir pegar no talher, pois era o responsável que servia na boca. Isso passou a ser um dos aspectos trabalhados, a autonomia para comer sozinho: “As pessoas questionavam ‘você vai dar faca na mão deles?’. Sim, nós vamos dar’, colocam.

Rebeca Mancini e Ricardo Beserra, ambos de 27 anos, são gestores do projeto em Osasco.

“A gente tem paciente que tem condições de estar no mercado de trabalho hoje”

afirma a coordenadora Rebeca.

O espaço desenvolve ações que contribuem para o desenvolvimento, mas reforçam que é necessário mais políticas públicas, inclusão, incentivo e que se ocupe os espaços públicos.

“Como a Rebeca tá cansada de dizer, a gente tem que interferir. O que é interferir? É ferir entre as partes. A partir do momento que a gente interfere, na rotina de um espaço, como o shopping, e não estanca, eles entendem que precisam fazer alguma coisa para que não precisem se ferir novamente. Só assim pra mudarmos essa realidade”,

finaliza Ricardo.

Jovens da zona sul relatam os reflexos da transição capilar em sua autoestima

 Entrevistamos três mulheres da região sul de São Paulo, que trouxeram relatos sobre o processo da transição capilar, e como, para além da questão estética, as mudanças desse percurso impactaram sua saúde mental, autoestima e convívio social.

Caroline Meneses de 21 anos e moradora do Cidade Ipava. (Foto: Flávia Santos)

A transição capilar é um método adotado na maioria das vezes por mulheres, para retirar a parte do cabelo que tenha produtos químicos e voltar completamente para seu estado natural. Para entendermos os reflexos desse processo na vida de muitas mulheres da quebrada, seja antes, durante ou depois do procedimento, conversamos com três jovens que relataram suas experiências e como isso afeta a saúde mental e estilo de vida de uma mulher, principalmente negra e periférica.

Os relatos das três mulheres demonstram como o processo de transição contribui para que muitas pessoas passem por transformações que vão além do sentido físico, passando pela insegurança pessoal, medo de não conseguir se aceitar no final do procedimento, afetando também o lado emocional, sendo que muitas vezes pode ser mais difícil do que parece.

A primeira mulher que entrevistamos se chama Myrelle Oliveira, de 22 anos, estudante de teatro, moradora da quebrada Jardim São Francisco, localizada na região do Guarapiranga, na zona sul de São Paulo. Ela nos contou que desde sempre seu cabelo já era cacheado e muito volumoso, e por isso exigia muito tempo e cuidado.

Segundo ela, mesmo com um cabelo bonito e saudável, por muitas vezes sua mãe não sabia como cuidar, por não ser um estilo tão conhecido como é hoje. “Naquela época ninguém falava de cabelo cacheado, crespo ou ondulado. Era só cabelo liso, padrão. Então ela [a mãe] tinha muita dificuldade”, explica a jovem.

Myrelle conta que devido a dificuldades como essa, desde seus 9 anos sua mãe passava produtos químicos para seu cabelo “abaixar”, perder o volume e textura natural. Conforme o tempo foi passando, ela aprendeu a passar chapinha em seu próprio cabelo e foi assim até seus 17 anos, alisando, pintando e passando outros tipos de produtos. Essa dinâmica que durou até seus 18 anos, tirou totalmente a saúde do seu cabelo natural e também um pouco de sua autoestima.

Depois de muito tempo, sua irmã, Mayara, começou a passar por um processo de entendimento pessoal, quando resolveu assumir seu cabelo natural, e isso fez surgir em Myrelle um desejo de pesquisar sobre métodos e formas de recuperar o tempo que passou química no cabelo.

“Até que um dia eu bati o martelo, eu queria mudar. Parei de passar química no meu cabelo, deixava vários meses sem nada, fazia tranças para ir a escola”, relata Myrelle, que começou a explorar na internet, redes sociais e vídeos no YouTube como fazer a tal transição capilar, até que em 2017, com 18 anos, parou de alisar o cabelo.

Durante esse período de transição, ela conta que começou a se sentir estranha em seus ciclos sociais, não se sentia bem, e sempre deslocada. Sentimento que surgia tanto na escola, quanto em outros espaços com amigos, por ser a única que estava sempre de trança ou com o cabelo totalmente preso.

Segundo ela, era um acúmulo de sensações, primeiro pela falta de informação, não saber qual creme passar, que shampoo usar, e também a insegurança de não se sentir bem consigo mesma. Tanto que demorou muito para ela conseguir sair na rua com o cabelo solto, processo que só aconteceu por conta de um exercício no curso de teatro, onde ela se desprendeu de seus medos e passou a se aceitar como é, e com o cabelo que tem.

“Há uma semana de fazer 20 anos, teve uma dinâmica no curso que eu precisava apresentar um personagem. E nessa construção da minha personagem, na minha cabeça ela tinha cabelo cacheado. Talvez foi um espelho da minha vontade que ainda não estava concreta, que era de soltar meu cabelo e entender que essa sou eu”, afirma Myrelle.

Ela reforça: “quem quiser me aceite, porque eu me aceito”, retomando sobre o significado desse momento da transição capilar, onde afirma ter se redescoberto.

“Foi um processo difícil por ter aberto mão de muitas coisas, queria ter registrado todo o processo. Mas me ajudou a me descobrir, me amar, não me arrependo nem um pouco”

afirma a jovem Myrelle.

Caroline Meneses, tem 21 anos e passou pela transição capilar aos 15 anos. Foto: Flávia Santos

Outra mulher de quebrada que conversou com o Desenrola foi Caroline Meneses, de 21 anos, cria do bairro Cidade Ipava, região do Jardim Ângela. Ela mora com seu pai e sua filha de 1 ano e conta que se reinventou após ter iniciado a transição capilar aos 15 anos, pois nesse mesmo período ela namorava uma pessoa branca e também com uma família branca.

“Aquilo me incomodava, só eu negra, todo mundo de cabelo liso. E quando era pra sair em família, eu inventava desculpa para não ir, mas nunca falava o motivo de fato”, relata Carol.

Depois de passar muitas vezes por essa situação, ela decidiu cortar seu cabelo por conta própria, pois toda vez que o molhava e passava o creme, via que ele formava cachos, isso a encorajava para poder aos poucos perder o medo de entrar em uma transição. Foi quando cortou toda a parte com química do cabelo, deixando menos de um dedo dos fios, o que trouxe ainda mais inseguranças, pois a vergonha que antes ela já tinha, aumentou.

“Pensei ‘o que fiz da minha vida?’, cortei porque na hora me deu coragem, mas foi só na hora. Depois me desanimei, porque não sabia como a sociedade ia reagir com uma negra de cabelo crespo, só sabia como era uma negra de cabelo pranchado”.

compartilha a jovem.

Carol conta que passou por inúmeras situações de racismo, desde sua infância na escola, até depois já mais velha, e isso a assustava. Essa era a causa de grande parte da sua insegurança e da sua vergonha de ter o cabelo tão curto e natural. Um reflexo disso é que mesmo depois de 6 anos desde que cortou o cabelo, às vezes se vê com um olhar de preconceito, por conta dos padrões impostos pela sociedade, conta ela.

“As pessoas falam pra eu alisar, pranchar, dando todas as opções para deixar ele liso, e por último me falam pra trançar. Não entendem a importância da transição. E pra mim, a importância da transição capilar foi me descobrir como mulher”, diz Caroline.

Ela concluiu seu relato contando como foi difícil o processo de transição capilar, e como ainda é, mesmo depois desse período, pois afirma que até hoje ainda coloca a sociedade e o que pensam sobre ela na frente do que deseja ou busca, processo que está aprendendo a lidar. Obstáculos como esses tornam a trajetória de jovens e mulheres mais difícil e frustrante.

“Vivia de toca, indo pra escola de blusa. Fazia chuva ou sol, eu estava com a cabeça coberta. Acho que foi uma das fases mais difíceis. Por isso até hoje de vez em quando me sinto mal, mas estou trabalhando nisso, para me ajudar a elevar a autoestima”

concluiu a jovem que segue buscando o fortalecimento da sua autoestima e autocuidado.

Conversamos também com a Tamires Aparecido, de 15 anos, moradora do bairro Jardim Aracati, na zona sul de São Paulo e estudante do ensino médio. Segundo ela, a relação com seu cabelo antes da transição sempre foi complicada, desde muito pequena, quando ainda não entendia o que era a saúde capilar e aceitação.

“Alguém da minha família praticamente me obrigou a passar química no cabelo, no início foi até bom, mas depois fui vendo e não fui gostando, passei a me sentir mal”, coloca a jovem que iniciou o processo de transição há um ano.

Segundo Tamires, o fato de se ver sempre diante de padrões colocados na sociedade, seja em um comercial de produtos para cabelo, nas redes sociais ou até mesmo em espaços de convívio no dia a dia, é o que mais a incomodava diante do seu cabelo e da sua aparência. 

“Pra mim ninguém tem que seguir um padrão. Cada um tem seu cabelo, às vezes você entra numa estética achando que vai se sentir bem, mas no fim acaba se sentindo mal”

coloca Tamires.

Tamires iniciou a transição aos 14 anos, e para ajudar nesse percurso começou fazendo tranças, para sentir aos poucos como esse processo funcionava. Mas apesar de ter dado esse grande passo, as incertezas e receios a intrigava muito por não saber se iria conseguir manter, chegar até o final e principalmente, se aceitar e se amar como é.

“Acho que minha saúde mental foi afetada um pouco, às vezes consigo me aceitar, às vezes não. Não só por conta do meu cabelo, mas pelo meu físico, meu jeito, do meu falar, do meu vestir. Às vezes me sinto muito insegura”, coloca Tamires.

A jovem usou em quase todo o período de transição, as tranças conhecidas como box braids, para a auxiliar no processo. Mas além de tudo, para a esconder de possíveis comentários maldosos que normalmente circulam.

“O padrão social me afeta muito. Por isso tenho as tranças e eu não quero tirar, é um escudo que uso para me proteger, fico pensando que se eu tirar as pessoas vão voltar a me zoar e isso vai me dar vários gatilhos”

relata a jovem que há um ano passa por esse processo de transição.

Tamires conta que apesar de ter sido e continuar sendo difícil todo esse caminho percorrido em busca de aceitação e desenvolvimento pessoal, se conhecer e ter consciência de sua identidade é totalmente crucial e libertador.

“A importância da transição não só uma questão de melhorar minha autoestima, mas de mostrar quem eu sou, mostrar minhas raízes, mostrar a minha identidade. Porque minha identidade é o meu caráter e também como as pessoas me veem”, conclui Tamires.

“Eu tento dar o melhor pro meu filho”, diz Luana Ribas, artista e mãe solo

 Mãe aos 17, Luana contou ao Desenrola quais foram os principais obstáculos enfrentados por ela sendo artista, mulher preta e mãe solo na periferia. 

Cria da Cidade Ipava, bairro localizado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, Luana Ribas, de 20 anos, além de mãe, é uma multiartista, atuando com artes visuais e na música. Ela passou a infância nessa quebrada da zona sul, onde colecionou vivências e construiu quem é no dia de hoje.

Luana desenha desde aproximadamente 3 anos de idade, e sua paixão por essa arte é tão grande que na escola, sempre que tinha tempo, estava rabiscando em algum papel. “Eu sempre gostei de desenhar, desde sempre mesmo! Desde que eu era criança. Na escola eu vivia desenhando”, relembra.

Uma de suas metas de vida é ter o corpo todo tatuado, mas isso não é por acaso, Luana diz ter se encontrado na arte um pouco depois da vinda de seu filho Anthony Ribas, de 3 anos, que nasceu em maio de 2018.

Nessa época, ela não conseguia encontrar emprego e precisava buscar o melhor para si e seu filho. E com isso veio a ideia de usar sua habilidade de desenhar para gerar renda, foi quando ela decidiu vender seus desenhos e começou a tatuar.

“Um rapaz que eu tinha no meu Facebook, era tatuador, e aí ele viu e me chamou pra ser meu ‘padrinho’ na arte. Aí ele começou a me ensinar, eu aprendi e comecei a ganhar dinheiro com a minha arte”, explica ela.

Luana Ribas é mãe de Anthony Ribas, de 3 anos. (Foto: Flávia Santos)

Saúde mental 

Se tornar mãe foi um passo grande que Luana não estava esperando que viria tão cedo, mas trouxe de volta a vontade de viver, fazer o melhor, pois sabia que em algum momento seu filho iria começar a se espelhar nela, e o que queria era mostrar o melhor de si para Anthony.

Seu tempo se tornou limitado após toda sua rotina ter sido construída nessa correria, na semana o tempo é curto e na maioria das vezes, o que ela precisaria resolver na semana, acaba deixando para o final de semana, pois sua prioridade sempre é dar mais atenção para seu filho.

“É meio difícil porque no final de semana faço coisas que não dá pra fazer na semana, tenho que dar atenção pro Anthony. Mas de pouquinho em pouquinho eu vou conseguindo conciliar”, pontua Luana.

Ela terminou os estudos ainda com Anthony na barriga, diz ter se esforçado bastante para ir o máximo de dias que podia, pois queria concluir o terceiro ano do ensino médio de toda forma, imaginou que teria problemas e ainda mais dificuldades se deixasse de estudar, e que isso pioraria mais sua qualidade de vida e entrada no mercado de trabalho.

O pequeno Anthony ajudou Luana a se motivar para combater a depressão. (Foto: Flávia Santos

“É meio difícil porque no final de semana faço coisas que não dá pra fazer na semana”

Luana tem uma jornada tripla, pois trabalha em diversos lugares para complementar a renda da família.

A gravidez em aspectos de acompanhamento foi relativamente saudável, o que realmente passou a preocupar bastante a jovem foi o fato de sempre ter tido problemas psicológicos, como a depressão, doença que já a fez tentar tirar sua própria vida mais de uma vez. inclusive quando ainda estava em período gestacional.

“Foi bem difícil, fiquei muito mal. Eu já tinha depressão, pensei várias vezes em tentar suicídio, mesmo grávida”, relata Luana.

A jovem lembra que descobriu a depressão quando era mais nova e explicou que até hoje ela sente ainda marcas da doença, onde o medo de cuidar de uma outra vida era grande.

“Teve uma época da minha vida que eu estava com depressão e tudo mais, não tinha muita perspectiva de vida. Depois que o Anthony nasceu, eu me vi obrigada a tentar melhorar, eu tinha que além de cuidar de mim, cuidar de outra pessoa. E aí comecei a ter meus objetivos como artista”, reforça.

Viver de arte

No início de 2020, mesmo Luana tendo tido um reconhecimento por parte desse profissional da área, ela afirma já ter pensado em se tornar tatuadora antes, pois amigos e colegas próximos notavam seu talento e sempre a questionavam o porquê de ela não trabalhar com isso.

Essa fase foi complicada, pois Anthony ainda estava para completar 2 anos, Luana já tinha iniciado seus trabalhos como tatuadora e se esforçava para conseguir tempo para tudo. Além disso, a vaga na creche estava difícil de conseguir, não tinha com quem ela deixar seu filho, pois sua família também trabalhava, e a preocupação tomou conta da mãe.

“Depois disso eu tive certeza de que queria tatuar. Mas aí não estava sendo o suficiente no momento, precisava de mais dinheiro. Eu era iniciante, tatuagem dá dinheiro, mas é preciso estar ali no ramo há um tempo”, diz a artista.

Com todos esses receios que ainda ocupavam espaço na mente de Luana, ela passou a procurar emprego para conseguir um dinheiro extra para dentro de casa, foi quando conseguiu uma vaga como atendente de telemarketing, trabalhando de segunda à sexta e mesmo assim continuou tatuando nas horas vagas.

Mesmo trabalhando fora, ela tinha certeza de que queria viver da arte, mesmo que isso exigisse um foco ainda maior vindo dela.

Os planos de Luana para atuar somente com arte em 2022 foram afetados pela pandemia. (Foto: Flávia Santos)

“Viver da arte e ter minha própria independência é meu maior objetivo. Quero fazer acontecer”

Luana atua com produção de desenhos, faz tatuagens e pretende lançar seu primeiro álbum musical.

Além de mãe solo, ela afirma ser uma artista acima de tudo, tanto que comentou com o Desenrola o fato de ter em mente futuros projetos musicais, por ter a habilidade também de escrever e compor letras baseadas em suas vivências. E é por se encontrar na arte, que seu sonho é viver dela.

“Me vejo como uma pessoa que passou por coisas bem pesadas. Eu só quero passar por cima de tudo isso, me tornar uma artista, viver da minha arte e dar uma vida minimamente decente pro Anthony”, desabafa.

Com a chegada da pandemia esses sonhos ficaram ainda mais distantes. Mas Luana tem tentado seguir adiante, dando máxima atenção como mãe e sempre correndo atrás do melhor pro Anthony.

“Viver da arte e ter minha própria independência é meu maior objetivo. Quero fazer acontecer”, concluiu ela.

Hoje, Luana mora com sua família materna, sua mãe, avó, tia e tio. Isso facilita para que não fique tão pesada a divisão de valores e gastos na casa, e ajuda no que pode todo mês.

Ela continua trabalhando fora, fazendo tatuagens e trocando serviços em busca de novos clientes e divulgação do seu trabalho. Seus planos para o próximo ano é conseguir trabalhar e viver somente da arte, conseguir um espaço só seu, mais tempo com seu filho e estabilidade. “Pretendo estudar muito, para até o meio do ano que vem estar trabalhando somente com arte”, enfatiza.

“É uma obrigação do poder público e do cidadão consciente”: moradores contam sobre a coleta seletiva em Osasco

Reciclando há muitos anos ou distantes desse processo, moradoras de Osasco refletem sobre a cultura da separação de materiais recicláveis, onde algumas aprenderam com a própria família e outras ainda tentam descobrir como colocar em prática dentro do território.

Sempre que lava a louça, Beatriz aproveita para lavar as embalagens recicláveis que utilizou durante o dia.

Com a realização da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 26, em 2021, pautas sobre o meio ambiente foram discutidas no mundo inteiro, com grande destaque durante o evento. Nos territórios, o processo de coleta seletiva e separação de materiais recicláveis é um tema cotidiano, e para entender um pouco mais sobre essa cultura sustentável, o Desenrola conversou com Beatriz Gonçalves, que recicla desde pequena, e Ana Nunes, que não tem esse costume.

Beatriz Gonçalves, 23 anos, mora no bairro do Jardim D’Abril em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e a separação de materiais recicláveis está presente em sua vida antes mesmo de seu nascimento. Tudo começou com o seu avô, Lafaete, 79 anos, que sempre gostou de se informar sobre educação ambiental e consumo consciente, devido ao trabalho que teve durante muitos anos: vendedor de livros autônomo.

Lafaete retirava os livros de distribuidoras, colocava todos em um fusca que tinha, e saia de sua casa em Santana de Parnaíba, para vender os livros de porta em porta em todas as cidades e estados que passava. O contato com a literatura o fez entender sobre a separação de materiais recicláveis e consumo consciente. 

“Meu avô vendia livros indo até as casas, era muito antigamente. Eram sobre diversos assuntos [os livros] e ele sempre foi assim. Ele lê muito, ele gosta dessas coisas e eu acho que ele se informou por aí, […] ele sempre foi um homem bem informado, sempre com noções de consumo de água, reciclagem entre várias coisas”

conta Beatriz sobre seu avô.

Com esse conhecimento, Lafaete criou 6 filhos e passou suas vivências adiante. Principalmente para Simone, mãe de Beatriz. Mesmo o restante da família tendo o costume de separar apenas as latinhas, na casa dela, tudo é separado. “Minha mãe sempre reciclou para ajudar os catadores. Ela também estudou sobre o assunto tempos depois, quando ela voltou a estudar”, enfatiza Beatriz.

Dentro de casa, Beatriz, Simone e o padrasto, Luiz, mantêm a rotina de separação dos materiais recicláveis como algo natural. Devido a convivência com o avô e as conversas sobre sustentabilidade, reciclagem, consumo de carne e tudo que envolve impactos ambientais, Beatriz decidiu cursar Gestão Ambiental no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), para dar continuidade a tudo o que já vivia.

Separação dos materiais recicláveis  

Durante um tempo, Simone fazia a separação de materiais recicláveis em casa, mas não levava em um Ecoponto (local público em que os cidadãos podem se desfazer de seus reciclados), ela apenas colocava na calçada para que quando o caminhão do lixo passasse, pudesse retirar.

Beatriz começou a estudar o assunto e percebeu que o caminhão de lixo convencional misturava o lixo reciclável e o não reciclável, e entendeu que elas precisariam mudar essa dinâmica e levar ao Ecoponto mais próximo da casa delas, localizado no bairro do Jaguaribe, em Osasco, pois na região onde moram não passa o caminhão da coleta de material reciclável.

“A gente achava que estava reciclando só separando o lixo, só que o correto é lavar a embalagem, secar e levar no Ecoponto. Porque o lixeiro vem, joga no caminhão e mistura tudo”

relata Beatriz.

Na primeira vez que usou o Ecoponto, foi informada pelos funcionários que ela não precisaria separar em sacos específicos, pois essa separação é feita no próprio espaço. Então, ela coloca tudo na mesa sacola, e separa apenas o vidro, pois pode cortar a mão de quem está em contato com o material.

“Ao lavar a louça eu lavo também a embalagem de produtos que já usei. Coloco para secar e coloco no saco de lixo. Eu consigo manter o saco dos recicláveis em casa por até 3 meses, depois levo no Ecoponto mais próximo da minha casa” explica Beatriz, sobre o processo que realiza para a separação dos materiais.

As embalagens recicláveis escorrem junto com as louças, depois de totalmente secas, Beatriz coloca em um saco para levar no Ecoponto.

As outras tias de Beatriz, não seguiram os passos de consumo consciente do avô Lafaete como ela e a mãe. E fora do seu núcleo familiar, a estudante conhece apenas mais dois amigos que fazem a separação de materiais recicláveis. O que para ela deveria ser regra, na verdade é exceção.

“Eu fui pesquisando sobre sustentabilidade e optei por ter uma vida mais minimalista e fazer a separação correta do lixo. […] O ser humano, ele se coloca acima como um ser superior, mas ele faz parte da natureza, cuidar da natureza é por sobrevivência também”

expõe Beatriz.

Na visão de Beatriz, que está envolvida na causa ambiental, ainda é muito difícil seguir com essa educação no município, por isso ela tomou a iniciativa de tentar mudar esse processo dentro de casa, procurando algum lugar para levar o seu lixo: “A gente não tem um apoio mais efetivo para reciclar. Não tem incentivo”, lamenta.

Osasco Recicla 

Atualmente, a cidade de Osasco conta com 7 ecopontos, em que as pessoas podem levar tanto materiais recicláveis de consumo doméstico, quanto resíduos de construção civil, móveis e eletrodomésticos. Os ecopontos ficam localizados nos bairros: Jardim Mutinga, Novo Osasco, Jaguaribe, Helena Maria, Adalgisa, Bandeiras e Munhoz Júnior.

A cidade, também conta com cerca de 250 PEV’s (Pontos de Entrega Voluntária) espalhados, que estão instalados em parques e equipamentos públicos, em que cidadãos podem descartar seus próprios resíduos recicláveis, como garrafas plásticas, latas de alumínio, papelões, entre outros.

Além dessas duas formas de reciclagem, compõem o programa Osasco Recicla, a coleta porta a porta, em que um caminhão recolhe os materiais recicláveis uma vez por semana, nos domicílios onde foi implantada a coleta seletiva. Esse serviço cobre apenas 19 bairros, cerca de 30% da cidade.

Segundo Jair Ribeiro, gerente responsável pela Secretaria de Obras de Osasco, que cuida de toda a limpeza urbana da cidade, estava planejado que a coleta crescesse para outras regiões, mas entre 2020 e 2021, a pandemia da covid-19 impediu esse processo.

“Depende das ruas, tem algumas ruas que são contempladas por esse serviço, não são todas não. Na zona norte é um pouco mais difícil, mas na zona sul tem bastante”

afirma Jair Ribeiro.

Ele conta o que acontece com o material depois que ele é coletado pelos caminhões da EcoOsasco, empresa contratada pela prefeitura. “Todo esse material coletado vai para as três cooperativas [da cidade]. É um programa que nós temos chamado “Osasco recicla”, onde há a inclusão dos catadores. São três cooperativas que recolhem esse material, preparam ele, separam, vendem o material, e a arrecadação é repartida entre eles”, diz.

Mesmo morando nos bairros contemplados pela coleta seletiva porta a porta, Karen Kumagai de Presidente Altino, Jessica Rodrigues do Jardim Roberto, Patrick França da Cidade das Flores e Eduardo Lopes do Rochdale, relatam que nunca viram o caminhão, ou ficaram sabendo desse serviço.

Questionado pela nossa reportagem, Jair explica que a divulgação do serviço não é midiática, é feita de casa em casa. “A divulgação é feita porta a porta em cada casa, levando panfletos e conversando com as donas de casa. Se a gente faz uma divulgação ampla, os outros bairros querem também e você não consegue fazer. É preciso fazer bairro a bairro esse trabalho de educação ambiental”, relata Jair.

Jair afirma que o critério utilizado para fazer o mapeamento da coleta porta a porta, é geográfico, levando em consideração bairros mais próximos das cooperativas por conta da logística do caminhão, e também vai de acordo com as demandas da população.

“Por exemplo, se existe uma demanda muito grande aqui no Vila Yara e Adalgisa que quer a coleta seletiva, o pessoal começa a ligar para nós e pedir. Então as vezes fica mais fácil você implantar onde as pessoas já querem”, diz Jair.

Ana Nunes, 20 anos, moradora do bairro do Jaguaribe, em Osasco, mora com os pais e eles não têm o costume de separar o material para reciclagem. Para ela, um grande empecilho para a não realização desse processo, é a ausência do sistema porta a porta em seu bairro. 

“Se fosse um caminhão que passasse igual o caminhão do lixo normal, ia ser muito mais fácil a gente separar em sacos diferentes”

expressa Ana.

Ela relata que um de seus maiores empecilhos para começar com a cultura dentro de casa, é a falta de tempo. Trabalhando e estudando, ela conta que chega muito cansada em casa, e não tem tanto tempo para separar o material e depois se deslocar até um Ecoponto ou PEV mais próximo.

Um dos Ecopontos da cidade, fica localizado no bairro de Ana, mas ela nunca soube dessa informação.

“A gente nunca ficou sabendo se existe algum posto perto de casa, eu sempre ando pela região e nunca vi posto de coleta e olha que a gente tem vários grupos da rua e ninguém fala nada que tem isso”

diz Ana.

Dentro de casa, sua família não tem o costume de separar todas as embalagens que utilizam, mas Ana vê desde pequena o pai Sidnei Roberto, 56 anos, separar e vender latinhas. É uma cultura que ele mantém há mais de 30 anos, sendo que depois de separar, ele não leva até nenhum Ecoponto, o pai vende o material e a renda extra ajuda com as contas.

Sidnei guarda as latinhas em uma sacola, e vende quando já juntou uma boa quantidade.

Para ela, uma divulgação mais efetiva desses Ecopontos seria anunciar nos pontos mais movimentados da região, como igrejas, mercados e portas de bancos, pois sem divulgação é muito difícil saber que esse serviço está disponível. “No dia a dia a gente não passa em todas as ruas pra ver se tem alguma coisa”, coloca Ana.

Além de não saber da existência do Ecoponto, para ela o processo para separar o lixo, também não é divulgado e detalhado para a população. “Eu não sei qual é o processo, o que acontece, o que tem que fazer, não é falando em todos os lugares”, diz. 

Ação territorial, para um impacto global  

Mesmo sem realizar a separação de materiais dentro de casa, Ana compreende que é um processo importante e primordial:

“Muito bom pro meio ambiente porque eu quero viver muitos anos ainda, e eu quero que meus filhos vivam, e do jeito que está não sei se vai dar. A gente fica vendo tanta coisa ambiental acontecer que a gente podia mudar o simples que é separar o lixo, coisas que estão ao nosso alcance”

enfatiza Ana.

Carlos Marx, 75 anos, foi Secretário do Meio Ambiente da cidade de Osasco por 12 anos e integra o coletivo “Casaviva”, que atua diretamente na conscientização cultural e ambiental na cidade.

“Em 2017, eu e um grupo de amigos do movimento cultural e ambiental de Osasco, decidimos criar um coletivo para trabalharmos em conjunto na área ambiental e cultural realizando cursos, atividades, eventos, comunicação na parte de conscientização e educação ambiental”, conta Carlos.

Desde então, ele e mais 8 ativistas: Samantha Alves, Fábio Maganha, Manoel Gurgel, Dorgival Nazaro, Maristela Leamare, Gênesis Nazaro, Larissa Alves e Rosi Cheque, atuam de forma voluntária na cidade, com a proposta de promover a educação ambiental e conscientizar a população osasquense. Para Carlos, a arte é uma importante ferramenta para fazer educação ambiental. 

“Você não faz conscientização ambiental só fazendo discurso e dando aula. Uma ação cultural, um evento, um show, um ato no calçadão… às vezes atinge e sensibiliza muito mais gente que você fazer essa educação ambiental formal”

explica sobre a dinâmica de atuação do coletivo.

Além da organização de ações e eventos, o coletivo atua na divulgação dos bairros que fazem coleta seletiva porta a porta, ajudando a informar as pessoas a separarem os materiais recicláveis em casa e colocarem na lixeira no dia da coleta, ou até mesmo para os catadores pegarem.

O contato também se estende por igrejas, condomínios e escolas do ensino médio, e ensino fundamental a partir da 5ª série. Com atividades, filmes e palestras envolvendo a educação ambiental. 

“Nós entendemos que a tarefa de preservar o meio ambiente é uma tarefa de todo mundo. É uma obrigação do poder público mas também do cidadão consciente. O cidadão tem que ter consciência que ele tem que saber dar a destinação para os resíduos que ele produz, se não o meio ambiente não vai ter recuperação ambiental”

exprime Carlos.

Ativista há muitos anos, Carlos percebe que atualmente, as pessoas estão bem mais engajadas e informadas sobre a importância da preservação da natureza do que em anos anteriores, principalmente a juventude, que recebe informações de multiplataformas e repassa para os pais.

Essa mudança de hábito é o que o coletivo caminha para atingir, informando as pessoas que a preservação do meio ambiente não passa de uma ação coletiva e local. 

“A ação local agora ganhou uma expressão muito grande. A pessoa não vai conseguir sair daqui de Osasco e ir lá na Amazônia impedir que ponham fogo e derrubem as árvores. A gente tem que ter compromisso que aquilo está errado, cobrar das autoridades, e fazer a nossa parte aqui”

considera Carlos.

Descentralizar a rede 5G é a única forma de combater a desigualdade digital nas periferias e favelas

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Acesso à internet móvel de qualidade para moradores de periferias e favelas precisa ser garantido por meio de políticas públicas, para não depender do interesse do mercado.

Herbet Lucas,19, é morador da Cidade Ipava, bairro localizado às margens da represa Guarapiranga, zona sul de São Paulo, onde a internet fixa não tem boa qualidade e o sinal de 4G não é acessível. Foto: Flavia Santos

Em abril de 2013, empresas de telecomunicações como Claro e Vivo estavam fazendo comunicados à imprensa anunciando o início da oferta de produtos e serviços de telefonia móvel com rede de conectividade 4G.

Oito anos após esse marco histórico na telefonia móvel brasileira, que prometia revolucionar a forma como as pessoas se conectavam à internet por meio de smartphones, um fato invisível e quase intocado incomoda a equipe do Desenrola: por que as periferias e favelas não foram incluídas na universalização da rede 4G com a mesma qualidade que os centros urbanos do país possuem?

É necessário reconhecer que a rede 4G não é universal e acessível nas periferias e favelas. No município de São Paulo, por exemplo, maior metrópole da América Latina, a plataforma Mosaico da Anatel comprova a existência de diversas antenas RDB, instaladas nesses territórios para distribuir o sinal de redes 2G e 3G, e isso acontece principalmente nos bairros mais afastados da região central da cidade.

A precariedade da cobertura 4G nas periferias e favelas de São Paulo se mede pela quantidade de antenas RDB para distribuir o sinal de internet móvel nesses territórios. No Jardim Ângela, distrito da zona sul de São Paulo, com 300 mil habitantes, onde 60% da população se autodeclara preta ou parda, segundo o Mapa das Desigualdades há 1,23 antenas de celular para cada 10 mil moradores.

No Jardim Helena, extremo leste de São Paulo, há 1,53 antena de celular para cada mil habitantes do distrito. A Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (ABRINTEL) aponta que o ideal é que uma antena de telefonia móvel para acesso à internet forneça sinal para no máximo 2.200 usuários.

Esse dado revela que a cobertura de internet móvel em São Paulo é extremamente desigual, pois na região central da cidade, mais precisamente no distrito de Itaim Bibi, há 48,28 antenas de celular para cada 10 mil habitantes.

Ao constatar que a universalização da rede 4G ainda não aconteceu em São Paulo, na maior fica um ponto de interrogação e reflexão importante: que irá garantir o 5G não se torne mais um elemento de segregação social e econômica para a população preta e periférica?

Em nossa cobertura jornalística, o que temos observado é o crescimento do número de micro e pequenas empresas provedoras de internet fixa para os territórios periféricos, que não são atendidos pelas grandes empresas de telecomunicações.

No entanto, ainda não diagnosticamos o surgimento de empresas de telefonia móvel que irão cumprir esse papel de levar a quinta geração de acesso a internet móvel para as periferias e favelas.

Já está mais que na hora do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) ser ancorado por um movimento nacional de combate às desigualdades digitais e a concentração de renda atrelada a interesses políticos.

As empresas que irão pautar o mercado do 5G não estão engajadas em utilizar a rede 5G como uma estratégia de desenvolvimento social e econômico das periferias e favelas, e tampouco conhecem o potencial que uma ação bem desenvolvida nesse campo poderia gerar de novas oportunidades de negócios.

Enquanto o futuro da conectividade brasileira for decidido por ‘poucos’, muitos cidadãos deste país estarão condenados a viver a margem da sociedade, excluídos digitalmente e principalmente com poucas possibilidades de geração de renda e trabalho e ascensão social.

Em janeiro de 2020, antes da pandemia de covid-19 atingir o Brasil, um relatório sobre mobilidade social foi apresentado no Fórum Econômico Mundial, apontando que para um cidadão brasileiro pobre ter equidade de oportunidade de trabalho e renda será necessária sua família avançar nove gerações no tempo, para esse momento chegar.

Mas esse dado foi lançado antes da pandemia, ou seja, com o crescimento das desigualdades sociais no país, os moradores das periferias e favelas, população mais empobrecida nesta nação continuará distante do letramento digital e da inclusão digital a tanto tempo discutida por diversos setores da sociedade civil.

No centro da discussão do 5G deveria estar o objetivo estratégico de descentralizar o acesso a rede de internet móvel de quinta geração, para possibilitar que no futuro os moradores das periferias e favelas tenham acesso ao ensino público, ensino superior e posteriormente ao mercado de trabalho com equidade de direitos e não na posição histórica de subalternidade. 

Artistas das palavras movimentam a programação da 2º Festa Literária da Noroeste

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Com o  tema “CHÃO: sob o que penso, piso e sou”, o foco desta edição é evidenciar as potências encontradas nas periferias como lugar pulsante de literatura, arte e cultura.

Foto: Salve Kebrada

Poetas, escritores(as), slammers e demais artistas da palavra participam da 2ª Festa Literária Noroeste (FLINO), que acontece de 29 de novembro a 5 de dezembro. Com atividades presenciais e virtuais, a 2ª edição da FLINO homenageia o geógrafo e pensador negro Milton Santos.

Durante sete dias da festa, a maior parte das atrações acontecem de modo virtual, com transmissão online por meio do Youtube e Facebook da FLINO. Haverá, ainda, algumas oficinas e atrações nas bibliotecas da Secretaria Municipal de Cultura da região e também nos CEUs (Centros Educacionais Unificados).

Com uma programação multicultural, a FLINO terá mais de 25 atrações. Haverá contação de histórias, intervenções poéticas individuais, espetáculos de teatro, exibição de documentário, música e performances, além de oficinas (faça aqui sua inscrição), rodas de conversa sobre literatura, território e temas ligados às questões étnico-raciais. Haverá também uma feira virtual de livros de escritores(as) independentes da região.

Foto: Sarau D Quilo

“O objetivo da festa é fortalecer a cena cultural e literária dos bairros da região, assim como ampliar a articulação e parceria entre as bibliotecas, equipamentos públicos, coletivos de cultura e comunidades do território”, explica Sandro Coelho, bibliotecário da Biblioteca Brito Broca, que integra a organização da FLINO.

Com o mote “CHÃO: sob o que penso, piso e sou”, esta edição da FLINO vai evidenciar as potências encontradas nos territórios periféricos como lugares pulsantes de literatura, arte e cultura. O homenageado da FLINO 2021 é o geógrafo Milton Santos, considerado um dos maiores intelectuais negros do século 20 e uma grande referência nas reflexões sobre territórios.

O bibliotecário complementa que além do foco artístico, a FLINO dará destaque para discussões estruturais como raça, classe e gênero em sua programação. “É reforçar a importância dos movimentos negro, indígena, de mulheres, LGBTQIA+ e PCD, por meio de uma programação que reflita os diferentes aspectos do território noroeste”, finaliza. 

Confira a programação da 2ª Festa Literária Noroeste (FLINO) 

1º DIA | 29/11

20h | MESA DE ABERTURA – O CHÃO CONTRA O CIFRÃO (20h) | Online no FB e YT da FLINO

2º DIA | 30/11

14h | Ateliê da Memória e da Oralidade: no rastro do quilombo | Google Meet | Inscrições via formulário

21h | Roda de Conversa: Democratização do Acesso à Literatura | Online FB e YT da FLINO

3º DIA | 1/12

14h | Oficina Os Caminhos de Carolina Maria de Jesus | Online no FB e YT da FLINO | Inscrições via formulário

18h | Espetáculo Juracy Boca Materna | Online no FB e YT da FLINO

20h | Roda de Conversa: Literatura Independente | Online no FB e YT da FLINO

4º DIA | 2/12

10h | Oficina Produção de Fanzine | Online Google Meet | Inscrições via formulário

15h | Intervenção Poética Cabocly | Presencial CEU Pera Marmelo

18h30 | Rap e Poesia: Olha Ela | Online no FB e YT da FLINO

20h | Roda de Conversa: Festas Literárias Periféricas | Online no FB e no YT

5º DIA | 3/12

10h | Contação de Histórias: As Contadeiras e seus Canteiros | Presencial Biblioteca Brito Broca

14h | Oficina de Slam | Presencial CEU Vila Atlântica

20h | Batalha da 16 | Online pelo FB e YT da FLINO

6º DIA | 4/12

11h | Oficina: Construção da Fubica (Movimento Negro Unificado) | Online e Presencial na Biblioteca Padre José de Anchieta

13h | Roda de Conversa Favelas e Aldeias: narrativa coletiva, sintonia na mensagem | Online no FB e YT da FLINO

15h | Feira de venda de livros da FLINO | Online no FB e YT da FLINO

17h | Curta-Metragem Como Recuperar o Fôlego Gritando | Online no FB e YT da FLINO

18h | Roda de Conversa Literatura, Futebol e Batucada nos terrões da noroeste | Online no FB e YT da FLINO

20h | Slam do Pico | Online no FB e YT da FLINO

7º DIA | 5/12

11h | Oficina Territórios, Memórias e Identidades | Google Meet | Inscrições via formulário

13 | Apresentação: A história da Capoeira, contada por nós pra nós (13h) | Online no FB e YT da FLINO

15h | Feira de vendas de livros da FLINO | Online no FB e YT da FLINO

17h | Intervenção poética: Do Haiti ao Brasil, sonho de um haitiano em trânsito | Online no FB e YT da FLINO

18h | Apresentação: ETHNOKHAOSS – a inversão do etnocídio | Online no FB e YT da FLINO

20h | Encerramento com Saraus da Noroeste | Online no FB e YT da FLINO

Grafite “Matas Vivas Vidas Negras, salvem” é lançado em referência ao Dia da Consciência Negra

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Localizado no Grajaú, obra destaca a população negra existente nas florestas brasileiras e também nas periferias urbanas

Hoje, dia 20, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, data que marca a morte de Zumbi dos Palmares. Para chamar a atenção da população sobre o tema, mas também destacar a relação entre raça e meio ambiente, o Instituto de Referência Negra Peregum, organização que mantêm a rede de cursinhos populares Uneafro Brasil, em parceria com o artista Mauro Neri, lança a obra “Matas Vivas Vidas negras, salvem”. 

A obra está localizada no Grajaú, região escolhida por apresentar características ambientais fundamentais para a população paulista. Trata-se de um bairro com mata nativa preservada – neste caso a Mata Atlântica – além de ser uma região de manancial.
A instalação foi realizada nas empenas da Escola Estadual Mariazinha Congílio. A escola também fica às margens da Represa Billings. O desenho simboliza a população preta em meio a realidade das florestas brasileiras. Dados do Censo, por exemplo, estimam que mais de 80% da população da Amazônia é negra. 

“O racismo ambiental é presente nas cidades e nas florestas, fazer uma empena junto com um artista como o Mauro é uma honra imensa, um artista parceiro que nos inspira e desafia a olhar para o território. Trazer a Amazônia negra para um lugar como o Grajaú, extremo sul de São Paulo, dentro de uma área de proteção ambiental na Mata Atlântica confirma que os biomas se conectam pela cultura, pela beleza e pelas mazelas das desigualdades sociais”, afirma Vanessa Nascimento, diretora executiva do Instituto de Referência Negra Peregum.
A instalação contou com o apoio do Instituto Clima e Sociedade que durante o mês de novembro também realiza ações com o tema Amazônia Negra.

Em Osasco, moradores transformam terreno com construção atrasada em espaço de lazer

O terreno fica no bairro de Quitaúna, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e desde 2003 é ocupado por moradores que o utilizam como local de lazer, principalmente para soltar pipas. O espaço que já foi sede de campeonatos de pipas, irá abrigar um campus da Universidade Federal de São Paulo, mas a construção anunciada em 2008, continua sem término.

Jovem empina pipa no terreno conhecido como “Estandão”, com o prédio da Unifesp em construção ao fundo, à direita. Foto: Mateus Fernandes

Em abril de 2008, foi fixada a pedra fundamental do futuro campus da Universidade Federal de São Paulo, na rua General Newton Estilac Leal, no bairro de Quitaúna, em Osasco, e assim formalizado o anúncio do campus na região metropolitana de São Paulo. Anteriormente, o local abrigava o rodeio da cidade, e hoje, mais de 13 anos desde a aquisição do terreno, a entrega do campus ainda não foi realizada.

Conhecido como Estandão, o terreno que deve abrigar o campus da universidade, tem uma área estimada em cerca de 24 mil m², e foi direcionado para obras em 2008, mas teve início apenas em 2016. Mas o que já havia começado há muito tempo no local eram eventos e campeonatos de pipa.

Pipas compõem o cenário da construção do campus de Osasco da Universidade Federal de São Paulo. Foto: Mateus Fernandes

Até 2008, as atividades e campeonatos de pipa ocorriam com aval da prefeitura de Osasco, mas após a autorização para a construção do campus da Unifesp, essas autorizações para os campeonatos não foram mais concedidas. Porém, a prática de pipas continua a todo vapor no local, principalmente aos finais de semana.

Prédio espelhado do campus da Unifesp já construído, contrasta com o espaço de terra vazio. Foto: Mateus Fernandes.

Um dos moradores que tem uma ligação direta com o Estandão, é o Alex Sandro, de 43 anos, mais conhecido como Ligeirinho. Ele conta que há 18 anos vende pipas na região, além de ter sido pioneiro da prática no local. O vendedor continua com sua loja até hoje, vivenciando toda a história do Estandão.

Ligeirinho, nascido e criado em Osasco, conta que sempre foi apaixonado por pipa e que viver disso foi a concretização de um sonho. Após ter sido mandado embora do antigo trabalho, Ligeirinho acabou tendo a ideia da loja em um momento de lazer. Quando iniciou suas vendas, ainda em 2003,  ocorria o rodeio no local.

Alex Sandro, conhecido como Ligeirinho, desde 2003 tem uma loja de pipas em frente ao Estandão, em Osasco. Foto: Mateus Fernandes

“Fui soltar a pipa, perdi minha pipa e aí falei para o moleque: ‘onde que eu compro uma pipa aqui né?’, aí o local era lá no Santo Antônio [bairro de Osasco], era muito longe. Aí saindo aqui, eu olhei e falei: ‘quer saber de uma coisa? Vamos montar aí uma piparia e vamos ver o que vai dar!'”,

conta Ligeirinho que conheceu o local através de amigos que o chamaram para ir soltar pipa há 18 anos atrás.

Ligeirinho  na sua loja em frente ao Estandão, em Osasco. O trabalho na loja é responsável pelo sustento de Alex e sua família.
Foto: Mateus Fernandes

Obras em atraso e terreno inacabado 

O terreno foi adquirido em 2008, e até o fim de 2014, somente o gradil do entorno do espaço havia sido entregue após muitas reclamações de abandono. Segundo a assessoria da Unifesp, a autorização para a contratação, via licitação pública, para a sua construção, foi dada no início de maio de 2016, e a partir daí passa a ser executada, com início da obra somente em agosto de 2016.

Terreno em que ocorrem as construções da Unifesp em Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Como o campus definitivo ainda não foi entregue, os alunos estudam em uma unidade provisória que foi inaugurada em 2011, no prédio da Faculdade Instituto Tecnológico de Osasco (FITO), da prefeitura. Atualmente, mais de 1 mil estudantes utilizam a unidade temporária.

Jovens empinam pipa no Estandão. Foto: Mateus Fernandes.

Enquanto as obras do prédio não terminam, a população segue utilizando o local como uma área de lazer. Moradores da região realizam caminhadas na ciclovia de mais de 1 km ao redor do terreno, e devido a área se localizar em uma subida íngreme, é mais difícil ter bicicletas no trecho. Há também muitas pessoas que praticam direção de carro e moto no terreno.

Porém, a principal atividade continua sendo o pipa, que atrai tanto pessoas do bairro, como de outras regiões de Osasco e até de outras cidades. Embora aos finais de semana e feriados você sempre consiga ver pipeiros  no Estandão, alguns anos atrás, na época das competições, o espaço era muito mais movimentado que hoje:

“Acho muito bom o espaço, pois as crianças e os jovens podem brincar sem correr o risco de ficar nas ruas onde não oferece segurança alguma. De vez em quando o barulho e o corre-corre dos pipas era demais, mas era mais antigamente, hoje nem tanto. Perto de antes isso não é nada, o som parecia dentro de casa na época do rodeio.”

Conta Neusa Ferreira, moradora dos arredores do Estandão, em Osasco.

Aumento na procura por pipas

Pipeiro que frequenta o espaço exibe suas pipas em frente a construção do campus da Unifesp em Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Durante a pandemia, muitos jovens recorreram ao pipa, que é uma atividade de lazer barata e que há muitos anos é um símbolo de divertimento e convivência em muitas periferias.

Porém, no início da pandemia do coronavírus, em 2020, Ligeirinho conta que ficou desesperado em como iria manter a renda para ele e sua família. “Veio a pandemia, eu estava com a mulher grávida, sem um real no bolso falei: ‘Meu Deus do céu, que que vai ser de mim, mano?'”, relata.

Para sua surpresa, durante a pandemia, a procura pelo pipa explodiu. E no caso de Ligeiro, o aumento das vendas contou com a ajuda de um recurso bem atual: as redes sociais.

“Meu filho, ele tem seis aninhos, o João Lucas, falou: ‘pai, faz um Tik Tok’. Aí eu falei, vamos ver o que é isso aí. No começo pra mim já é era novidade, né? Aí eu fiz meu TikTok e postei uma carretilha personalizada. No outro dia eu acordei meio-dia, o vídeo bateu um milhão e oitocentos mil visualizações”,

compartilha Ligeirinho

Com isso, o trabalho do pipeiro que desde 2003 possui uma loja em frente ao Estandão, se transformou. Hoje, ele sustenta toda sua família e conta com uma fábrica de carretilhas personalizadas, realizando trabalhos para todo o país.

“Eu sou o único que conheço que faz carretilha personalizada. Já fiz pro Gabigol, pra Gabi, jogadora do Corinthians. Mc, pra todos né? E esse do Igão ele pediu semana passada, tô pra levar pra ele”, afirma Ligeirinho, que começou a trabalhar no mercado de pipas a partir de uma ida despretensiosa com os amigos no Estandão.

Carretilha personalizada com Igão, que é osasquense e que atualmente é um dos apresentadores e criadores do podcast PodPah. Foto: Mateus Fernandes

Criminalização do pipa

“A linha cortante é proibida e é justo ser proibida. Mas é difícil você controlar as crianças. Então o que fazer? Uma antena na moto, ali no guidão pra linha não cortar, que salva a vida do cara. O pessoal devia fazer uma campanha pra usar antena, ia salvar vidas”

aponta Ligeirinho que não comercializa linhas com cortantes em sua loja.

O projeto de Lei 4948/2020 define como crime a posse, o uso, a fabricação, o fornecimento e a comercialização de linhas cortantes, geralmente usadas para manejar pipas, papagaios ou pandorgas. Em Osasco, a lei municipal também proíbe a comercialização, produção, armazenamento, transporte e distribuição do cerol no município.

Richard, 13 anos, frequentador do Estandão, afirma não usar cortantes na sua linha. Foto: Mateus Fernandes

“É uma das brincadeiras mais baratas que restou. E o pipa é um aprendizado sem tamanho”,

afirma Ligeirinho.

Porém, a criminalização ocorre muitas vezes até com aqueles que seguem todos os métodos de segurança. Da mesma maneira que muitas práticas de lazer que ocorrem principalmente nas periferias, como o baile funk, por exemplo, onde os pipeiros muitas vezes são taxados de vagabundos. Tal prática que ocorre também com o skate, e só vem mudando recentemente, principalmente com a inclusão do esporte em competições oficiais.



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Além de ajudar a fazer a manutenção do único parque comunitário dedicado ao esporte na região, jovens ainda lutam contra o preconceito em relação ao skate.
Richard é um dos jovens que costuma frequentar o Estandão. Foto: Mateus Fernandes

“Muito maneiro vocês estarem realizando essa reportagem por aqui, é até bom pra ajudar na nossa vontade de descriminalizar”

afirma Jean, 29, morador de Osasco que costuma soltar pipa no Estandão com seu amigo Richard.

Carretilhas de Jean e Richard, frequentadores do Estandão que afirmam não usar cortantes em suas linhas. Foto: Mateus Fernandes.

“Não pode generalizar. O pessoal costuma radicalizar muito. As pessoas não vão parar de soltar pipa, é uma prática milenar. Eu soltei, meu vô soltou, meu bisavô soltou. Não é uma parada que acaba assim. E na periferia muitas vezes a pessoa não tem nada pra fazer, mano”

coloca Ligeirinho, sobre essa criminalização.

Outro vendedor de pipas na região, que preferiu não se identificar, relata que já sofreu agressões da GCM – Guarda Civil Municipal, quando estava vendendo pipas e lanches no terreno do Estandão.

“No dia que o guarda veio aí ele questionou: ‘você tem linha chilena?’, falei ‘não, não tenho’. Daí tinha o policial ali folgado falou assim: ‘não tem mesmo?’, eu falei de novo que não, que se quisesse podia revistar. Aí ele ‘você tem que entender que você está invadindo, aqui é área particular’. Invadindo? Se eu estou invadindo, eu estou invadindo há dez anos. Aqui é área federal, do governo”,

compartilha o vendedor local, e reafirma que tudo que vende possui nota fiscal, não existindo motivos para abordagem.

O ambulante preferiu não se identificar, segundo ele até por medo da própria GCM o identificar e voltar a importuná-lo, pois ele conta que em um outro dia encontrou um dos mesmos guardas, e afirmou que se o viesse na semana seguinte iria tomar tudo o que ele tinha.

O espaço de vendas do ambulante, muitas vezes serve como cobertura para os pipeiros quando está chovendo. Um deles é Guilherme, de 11 anos, que frequenta o Estandão.

“Aqui é bom, o vento pra pipa é bom, dá pra comer um lanche junto na barraca”,

afirma o jovem.

Guilherme (de guarda chuva) e seus amigos costumam frequentar o Estandão. Foto: Mateus Fernandes.

O Estandão se tornou um ponto de encontro de pipeiros de todas as idades: de crianças até os mais velhos, como é o caso de Madureira, que até hoje se diverte com a prática.

Tanto crianças como frequentadores mais experientes, caso de Madureira, frequentam o Estandão em Osasco.

Futuro da pipa no local

Há mais de 15 anos o Estandão é um espaço que funciona como local de lazer para os moradores. Foto: Mateus Fernandes

A obra no terreno que irá abrigar o campus da universidade, está prevista para ser entregue no segundo semestre de 2022, conforme informado pela assessoria da Unifesp. Com isso, os pipeiros do local não sabem onde poderão realizar a prática da pipa.

“Eu acho que é o fim da pipa por aqui. Muda, né? Muda a visão. De repente a pipa machuca um estudante lá dentro, sei lá como vai ser pra ser sincero. A faculdade vai ser pública, é pública no papel, mas nunca é exatamente na prática”

reflete Ligeirinho, que também acredita que quando a construção do campus for finalizada, não haverá mais espaços para pipas no local

Enquanto as obras não são finalizadas, os pipeiros aproveitam do local. Foto: Mateus Fernandes.

Mesmo que passe a vivenciar outros mundos e outras áreas do comércio, Ligeirinho afirma que o mundo do pipa não sairá dele, reforçando a importância dessa cultura em sua trajetória. 

“Se você cria um filho dentro de casa, num shopping, ele não vai aprender o que ele aprende num local como esse. Pode ser perigoso? Pode. Mas também pode dar uma noção de pertencimento, de o moleque saber o que é dele e o que é dos outros. A malandragem da vivência, do convívio, isso aí faculdade nenhuma ensina”

coloca o vendedor e pipeiro osasquense.

O Estandão faz parte das vivências não apenas do Ligeirinho, também é parte das memórias de muitos moradores, e gera sorrisos ao relembrar a nostalgia da infância.

“Esse Estandão tem história, seh loko mano. História das antiga é o que não falta”

conta Lukas Cabral, antigo frequentador do Estandão em Osasco.

Foto: Mateus Fernandes