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Segunda temporada do Desenrola Aí estreia com entrevista sobre aborto no Brasil 

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Nesta quinta-feira (14), estreia a segunda temporada do programa de entrevistas, Desenrola Aí, no canal de YouTube do Desenrola e Não Me Enrola Desta vez. O programa irá abordar o tema: ‘Descontruir Tabus: corpo e sexualidade’. No primeiro episódio, a entrevistada da vez é a antropóloga, Simony dos Anjos, que explica sobre os tabus da descriminalização do aborto, um tema polêmico que envolve política, religião, e interfere diretamente nos direitos à saúde, corpo e bem estar das mulheres.

No Brasil, uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já abortaram, é o que aponta a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2021. Na última terça-feira, 12 de setembro, a Ministra e Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, liberou para julgamento a ação que propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Embora a liberação do caso tenha sido encaminhada para análise, a data do julgamento não foi determinada. Vale ressaltar que Rosa Weber, relatora do caso, está prestes a se aposentar este mês, ao completar 75 anos, o que adiciona maior atenção a este debate em andamento.

“Para que o Congresso Nacional vai comprar uma pauta que é polêmica e se indispor com os líderes religiosos que são capazes de influenciar grandemente a vida das pessoas? Então, essa relação: religião, política e aborto tem muito a ver com o nosso sistema econômico”

analisa a antropóloga, Simony dos Anjos.

Para a antropóloga, Simony dos Anjos, a questão do aborto é uma pauta econômica e política que mexe com o tabu religioso e com o controle do corpo da mulher numa sociedade extremamente machista. Este cenário, por sua vez, impõe riscos à vida das mulheres, particularmente às mulheres negras, que, em sua maioria, enfrentam desafios financeiros que as tornam mais propensas a recorrer a abortos inseguros. Essa realidade contrapõe com a realidade das mulheres ricas, que têm maior acesso a serviços seguros de interrupção da gravidez, agravando ainda mais as ameaças à saúde e à vida das mulheres.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda  temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade.

O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens

Manaus, exclusão e pandemia

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Manaus (AM) – Na comunidade Waikiru, onde vivem 150 pessoas do povo Sateré-Mawé, em um bairro da zona oeste de Manaus, todos foram contaminados pelo coronavírus durante a pandemia da Covid-19. A doença rapidamente se espalhou no local. Em resposta, como bilhões de outras pessoas amedrontadas pelo medo da morte, eles também optaram pelo isolamento. Foi nesse momento crítico que decidiram resgatar antigos conhecimentos medicinais ancestrais. Banhos de plantas da floresta e infusões de chás ajudaram a amenizar os sintomas da doença. Mas um mal maior, muito mais conhecido e devastador, chegou de forma implacável: a crise econômica. A comunidade cuja principal fonte de renda é a venda de artesanato e trabalhos informais teria enfrentado a fome não fossem as doações de alimentos vindas de organizações indígenas e de igrejas.

Waikiru é uma das mais de 50 comunidades indígenas localizadas em Manaus. Ela também é uma das mais antigas. Foi fundada na década de 1980 por Nândia Sateré, quando ela veio da Terra Indígena Andirá Marau, território originário dos Sateré-Mawé, localizado nos municípios de Barreirinha, Maués e Parintins, no Amazonas. Nândia voltou a morar na sua aldeia, em Maués, mas suas filhas decidiram permanecer em Manaus. Hoje, a comunidade é liderada por uma mulher, a cacica Geane Maria da Silva.

Leiliane Maria Sateré, professora da comunidade, é filha de Nândia e irmã da cacica Geane. Ela lembra do exato instante em que a Waikiru decidiu se fechar. Era abril de 2020, e as notícias da capital do Amazonas em calamidade pública repercutiam no mundo. Mas, naqueles primeiros meses da pandemia, as informações batiam de frente com a desinformação generalizada.

“Quando soubemos dessa doença, a gente não se assustou no primeiro momento. Foi mais como lidar com o desconhecido. A gente foi abrir os olhos quando viu que Manaus estava naquele desespero, naquela calamidade. Então, a comunidade se fechou. Na época, tinha muitos fakenews. Diziam que no Amazonas não ia chegar porque gripe só gosta de frio, essas coisas. Pelo contrário, depois vimos que Manaus foi a mais afetada”,

Leiliane Maria Sateré, professora da comunidade indígena Waikiru
Leiliane Maria Sateré, na Comunidade indígena Waikiru, no bairro Redenção, zona centro-oeste de Manaus. Onde vivem o povo Sarteré-Mawé (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real).

Segundo mapeamento feito pela Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Manaus tem 66 aldeias, sendo 54 delas de contexto urbano e 12 à margem dos rios que cercam a capital amazonense; entre eles, o rio Negro, o rio Cuieiras e o rio Tarumã-Açu. É um mapeamento realizado em campo, durante as visitas das lideranças da Copime em atenção às demandas das populações indígenas.

De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, divulgado em agosto, Manaus possui a maior população indígena do País em contexto urbano: 71 mil pessoas. Antes da divulgação deste número, Marcivana Paiva, também Sateré-Mawé, coordenadora da Copime, já tinha expectativa de que a população chegaria a essa quantidade. Ela atribui o crescimento à conscientização étnica, ancestral e política das pessoas, que passaram se reconhecer e se identificar como indígena pertencente a um povo.

Mesmo com esta população tão expressiva atestada pelo IBGE, os indígenas de Manaus continuam apagados nos registros oficiais dos órgãos públicos do município e do Estado. Não existem documentos sobre quem são, onde vivem, quantos precisam de escolas ou de atendimento à saúde diferenciada. A subnotificação ocorre em todas as esferas.

Insegurança alimentar

Durante a pandemia da Covid-19, mesmo com a vulnerabilidade histórica dos povos originários e altas taxas de infecção e de mortalidade, Manaus, a cidade que colapsou e viveu sucessivas tragédias sanitárias, não documentou quantos indígenas foram contaminados, quantos morreram, quantos foram hospitalizados ou vacinados. Mura, Sateré-Mawé, Kokama, Apurinã, Tikuna, Tukano, Baré, entre outros povos que vivem na capital amazonense, tiveram seus dados de imunização pulverizados em “população em geral”, conforme a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), em resposta à reportagem.

No primeiro ano da pandemia, os indígenas de Manaus não tiveram acesso às alas de hospitais de campanha criadas pelo governo do Amazonas abertas aos povos indígenas. A alegação: o setor ficou restrito aos chamados “aldeados”, isto é, apenas aos que moravam em territórios indígenas e não na capital. Os que moravam Manaus encontraram dificuldade de se identificar como indígenas nos cadastros nos hospitais. Os funcionários insistiam em chamá-los de “pardos”.

Também em 2020 veio o temor da saúde se agravar devido a outras doenças e junto à constatação de que não bastava ser indígena para ter acesso a atendimento de saúde diferenciado. 

“Foi um tempo de muitas negações de direitos. O hospital de campanha instalado em Manaus, que foi discutido em um Grupo de Trabalho e resultado de um pacto entre os entes federativos, foi fechado para nós da cidade”

Marcivana Paiva, também Sateré-Mawé, coordenadora da Copime
Marcivana Sateré-Mawé, a primeira mulher a assumir a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus (Copime) (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Naquele período, tem-se o registro da internação de apenas uma indígena da cidade de Manaus, Terezinha Ferreira de Souza, também do povo Sateré-Mawé, moradora de uma comunidade à margem do rio Tarumã-Açu. Mas isso ocorreu apenas porque houve uma grande manifestação do lado de fora do hospital, durante da pandemia. “Muitos parentes iam ao hospital e eram mandados de volta para casa. Muitos morriam em casa. Outros não eram compreendidos por causa da dificuldade de falar português. Não houve entendimento da gravidade dessa situação pelas autoridades de saúde”, diz Marcivana.

A Covid-19 também levou insegurança alimentar às comunidades, com aumento inesperado de desemprego, fim das atividades de turismo (uma das principais fontes de renda) e impossibilidade de realizar pesca e caça para a alimentação. O agravamento da situação dos indígenas obrigou a Copime a acionar uma rede de apoio que resultou em fundos destinados para a compra de cestas básicas e medicamentos.

“A gente ia nas comunidades, mas era um perigo. Ficamos muito expostos. Havia realmente o medo de sermos infectados, o que acabou acontecendo com todos nós. A gente pensava: ‘Vamos morrer lutando’. Mas conseguimos levar mais de 7 mil cestas básicas, com apoio da Igreja Católica, de organizações com projetos emergenciais, com parceiros de fora”, lembra Marcivana.

“O que era interessante é que os parentes pediam nas cestas sempre limão e alho. Eles queriam isso para fazer os chás junto com outras plantas. Nós, Sateré, tomamos muito banho de mucuracaá, de cipó alho. Naquele momento dramático de nossa história, resgatamos nosso conhecimento e aceitar que ele faz parte de nós”, diz.

Na comunidade Waikiru, enquanto serve o almoço do pai Marcos Lima, de 94 anos, com um peixe com caldo e farinha, Anita Lima lembra do período mais dramático na comunidade e diz que foi o conhecimento da medicina tradicional que ajudou a amenizar os sintomas. “Aqui em casa, todos pegaram. Mas usamos muitos remédios caseiros, muitos banhos com folhas. Meu pai, mesmo com essa idade, não ficou grave”, diz ela.

Vanda Ortega Witoto, durante atendimento na Unidade de Saúde feita pela própria comunidade do Parque das Tribos. Na foto, com agentes da Semsa (Foto: Fernando Crispim/La Xunga/Amazônia Real/2021).

Imunização excludente

No início de 2021, ainda sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando o governo federal iniciou a campanha de vacinação contra a Covid-19, os indígenas de Manaus tiveram uma nova experiência de exclusão. Eles não faziam parte dos grupos prioritários do Plano Nacional de Vacinação. Foi preciso iniciar outra batalha. As lideranças indígenas foram ao Ministério Público Federal no Amazonas. Uma decisão judicial, que veio em junho daquele ano, determinou que os indígenas de contexto urbano deveriam ser considerados prioritários. Na ocasião, a maioria dos indígenas já havia sido vacinada com a primeira dose, em outros grupos prioritários, como por idade e comorbidades.

“A gente dizia: ‘Olha, estamos aqui’. Quando estávamos brigando por vacina, as autoridades pediram que embasássemos nossas demandas com dados. Mas como vamos falar de indígenas da cidade se sempre fomos invisibilizados? Quais os dados? Nenhum”, relembra Marcivana.

Para ingressar com uma ação judicial e cobrar das autoridades do município, a Copime atualizou em fevereiro de 2021 seu mapeamento, e solicitou no primeiro momento 20 mil doses para indígenas da cidade. “Não tinha dados oficiais. De onde vamos tirar informação? As 20 mil doses foi um número que conseguimos identificar naquele momento, a partir das nossas informações. Foi difícil porque as comunidades estavam desarticuladas, muitas continuavam reclusas, com dificuldades financeiras. Depois, conseguimos uma recomendação legal do MPF, mas a morosidade é terrível”, lembra a coordenadora.

Segundo Marcivana, apesar de a Justiça Federal do Amazonas mandar o Estado brasileiro vacinar todos os indígenas apenas em junho de 2021, quando a maioria já estava ao menos imunizada com a primeira dose, a decisão continuou necessária e importante porque, a partir dali, ele serviria como referência para outras demandas.

“A decisão respalda a nossa luta. Ela garante e reconhece os direitos dos indígenas. A cidade não é isolada das nossas aldeias. Há uma grande quantidade de famílias em Manaus que recebem seus parentes de todo o Amazonas, das aldeias, para tratamento. São pequenas casas e malocas que recebem um grande contingente de pessoas doentes”, diz.

Todos queriam a vacina

Moy Sateré é uma liderança histórica. Ela pertence a uma família de mulheres Sateré-Mawé, que foram pioneiras do movimento no Amazonas; é neta da matriarca Tereza Ferreira, filha de Kutera e sobrinha de Baku e Zenilda, duas das lideranças indígenas de maior relevância na Amazônia. Ambas já são falecidas. Em junho de 2020, Moy liderou um protesto na frente do Hospital Nilton Lins para que uma de suas primas, Terezinha, fosse internada em um dos leitos destinados aos indígenas. 

Mobilizações como esta e muita pressão à atenção à saúde do município fizeram com que a comunidade Wairiku passasse a receber atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) próximo da comunidade. “Na cidade a gente vive a nossa cultura. Na época da vacinação, tivemos que pressionar, chamar o MPF, chamar atenção da mídia. Dizer que os indígenas de todo território brasileiro, incluindo os que estão na cidade, precisavam ser imunizados imediatamente. Nós fizemos uma mobilização própria e a UBS Santos Dumont passou a nos atender”, lembra Moy.

Por causa da necessidade de isolamento, de restrições de transporte e circulação, a comunidade se viu sem sustento e convivia com notícias permanentes de casos de óbitos. “Não morreram parentes na nossa comunidade, mas perdemos em outras. Somos artesãs, fazemos colares, pulseiras, brincos. Muitas sementes que recebemos são mandadas por outros parentes e muitos morreram”, conta Moy.

Filha de Moy e também liderança Sateré-Mawé, Inara Waty conta que as muitas negativas de atendimento aos indígenas nas unidades de saúde de Manaus serviram para mostrar a falta de transparência estatística dos grupos indígenas na pandemia.

“Fizeram um hospital para internar os indígenas, mas foi apenas marketing. Não receberam os que estavam na cidade. Se tinha hospital para atender, por que não nos atenderam? A vacina foi outra luta. Todo mundo queria se vacinar. Foi a segunda porrada que recebemos. Diziam que só os indígenas aldeados. A gente fica incrédula, porque diziam ‘os povos indígenas serão vacinados logo’. E a gente se inclui como indígena”, afirma Inara Waty, que é acadêmica de Geografia pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

Prefeitura não tem informações

Frequentemente, a Prefeitura de Manaus divulga vários informes institucionais (como este) falando das ações de atenção à saúde dos indígenas da cidade de combate à Covid-19 e outros atendimentos: testagem, atendimento e vacinas. No entanto, os dados essenciais para compreender a realidade e o impacto da doença nas comunidades inexistem. A Amazônia Real procurou a Semsa e o órgão enviou dados de imunização registrados pelo Distrito Especial Sanitário Indígena (Dsei) de Manaus, que atende 19 municípios, apenas a “indígenas aldeados”. No Amazonas, existem cinco Dseis, entre os 34 vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em todo o País, do Ministério da Saúde.

“A população de indígenas aldeados assistidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Manaus (Dsei) é de 538 pessoas. É importante salientar que os indígenas no contexto urbano são registrados como população em geral”, disse a Semsa, sem especificar onde vivem essas 538 pessoas “aldeadas”. Segundo o órgão municipal, a cobertura vacinal desse universo é de 84,8% para dose 1, 92,9 para dose 2 e 65,4% para dose de reforço.

No Vacinômetro Covid-19 Amazonas, do governo do Estado, não existem dados sobre indígenas de contexto urbano, incluindo a capital Manaus. No Vacinômetro da Sesai/Ministério da Saúde, o Dsei Manaus registra uma população de 29.124 pessoas. Destas, 97% tomaram a primeira dose e única, 91% a segunda dose e única. Esses dados, contudo, não se referem a indígenas que estão no contexto urbano.

Para Marcivana Paiva, a falta de documentação sobre o quadro de saúde dos indígenas impede a criação e instituição públicas para as comunidades indígenas de contexto urbano não apenas de Manaus, mas de todo o país.

Preconceito e racismo

Um estudo da organização Oxfam Brasil sobre a desigualdade da cobertura vacinal afirma que, durante a pandemia, ocorreu a invisibilização de grupos raciais. Como consequência, essa condição de vulnerabilidade não foi levada em conta na criação de políticas públicas. “Os efeitos do racismo estrutural e institucional comprometem a análise da desigualdade racial no acesso à vacina contra a Covid-19, tendo reflexos na investigação do impacto da vacinação entre pessoas racializadas, devido à baixa qualidade de informação.”

“A desigualdade no acesso e uso das vacinas contra a Covid-19, talvez seja a mais clara sinalização sobre o desprezo pela vida em escala planetária, em especial de pessoas e regiões menos desenvolvidas”, diz o estudo. O relatório da Oxfam é a prova da subnotificação e do apagamento de populações marginalizadas socialmente, como indígenas, quilombolas ou moradores de rua. O levantamento mostra apenas dados estaduais, por falta de dados mais específicos e por município.

O epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz Amazônia e referência em estudos sobre a pandemia da Covid-19, lembra que as subnotificações resultam em falta de dados. Isso pode ser observado no relatório da Oxfam sobre a desigualdade na cobertura vacinal.

“Mesmo se a equipe de pesquisa tivesse fôlego para avaliar dados na escala municipal ou até de subgrupos específicos como indígenas em contexto urbano ou ribeirinhos, essa análise seria desafiadora, pois as bases de dados sobre vacinação ou não permitem esse tipo de análise ou eventual análise dessa natureza seria temerária, devido à baixa completude e, principalmente, qualidade desses dados”, diz o pesquisador.

Para Orellana, essa lacuna é “outro legado da má gestão da epidemia no Brasil, um retrocesso em nossas coberturas vacinais e na qualidade do dado gerado, deixando subgrupos importantes da população, como indígenas vivendo em cidades, imigrantes, moradores de rua ou ribeirinhos, na mais velada invisibilidade”. Isso aconteceu, diz Orellana, pela exclusão dos mesmos do processo de vacinação ou até mesmo por sua tardia inclusão, sem qualquer consideração bioética e humanitária.

A população indígena, historicamente, sofre com várias doenças preexistentes e transmissíveis trazidas pelo invasor europeu, como malária e tuberculose. Também possuem comorbidades causadas pela imposição dos hábitos da colonização, como diabetes.

No interior do Amazonas, as terras indígenas não têm acesso à atenção à saúde, tanto que muitos precisaram ser transferidos para Manaus durante a pandemia; mas os casos de mortes nas aldeias até hoje são incalculáveis devido à subnotificação.

Em Manaus, a Covid-19 fez vítimas proeminentes, como o escritor e agente de saúde Aldevan Baniwa, o líder Eli Macuxi e o vice-cacique Aldenor Tikuna, que foi enterrado em uma vala comum. “Tudo nos foi negado. Foi negação nas unidades de saúde, negação no direito à vacina. Se houver uma próxima pandemia, ou mesmo em outras situações de saúde, temos que ter direito à imunização. Mas não só isso. Que deixemos de ser invisíveis. Nesta pandemia, até hoje não sabemos quantos, de fato, morreram em Manaus. Temos os nomes de 37 pessoas, mas sabemos que foram muito mais de 100. Só não foi mais por causa da nossa medicina tradicional”, diz Marcivana Paiva.

Circo de Québra potencializa arte e cultura no Jardim São Luís

Confira a vídeorreportagem completa produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, durante as atividades do Circo de Québra no dia, 2, de setembro, no Jardim São Luis, zona Sul de São Paulo.

Há sete anos, a iniciativa do Circo de Québra promove brincadeiras e oficinas de arte circense para dialogar sobre a ocupação de espaços públicos e a importância da arte no dia a dia dos territórios periféricos.

A privatização do transporte público#16

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Nesse episódio nossa conversa é sobre privatização do transporte público. Como esse negócio lucrativo para as empresas é sinônimo de precariedade para os trabalhadores e passageiros.

Quem chega com a gente nesse papo é o Lucas Dametto, do Comitê CPTM e o Sandro Oliveira, que é cientista social e pesquisador do Centro de Estudos Periféricos. 

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

“Efeito pandemia” se reflete em cobertura vacinal abaixo da meta na cidade de São Paulo

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Glabia Soraia Andrade Silva, de 45 anos, confia na ciência. Mesmo assim, a família dela está com a vacinação atrasada. O filho mais novo, de 9 anos, tem asma e, por isso, a mãe ficou receosa de que ele se infectasse na ida à unidade básica de saúde (UBS) em plena pandemia. Hoje, o caçula e a filha do meio, de 16, precisam atualizar a caderneta. Entre as pendências, estão as proteções contra gripe, Covid-19 e HPV.

“No meu caso, eu não fiquei com medo da vacinação em si, mas da quantidade de pessoas circulando e que poderiam transmitir outros vírus”, garante Glabia, que mora na periferia da zona Noroeste de São Paulo. Profissionais de saúde do posto que abrange a casa dela já mandaram mensagens pelo WhatsApp convocando a educadora, que pretende voltar à UBS o quanto antes.

O caso de Glabia não é isolado.

Na capital paulista como um todo, a maioria das vacinas previstas na cobertura básica está com taxas abaixo da meta de imunização. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Prefeitura de São Paulo, no segundo trimestre de 2023 apenas a BCG (que protege contra a tuberculose) atingiu o objetivo de imunizar mais de 90% do público-alvo. Confira na tabela abaixo.

Aos poucos, a cidade de São Paulo vem ampliando a cobertura desde o período mais crítico da pandemia até o momento. Mas a velocidade ainda é vagarosa, como fica evidente no gráfico abaixo.

Em âmbito nacional, o número de crianças que não receberam nenhuma dose da vacina pentavalente (contra difteria, tétano e coqueluche) caiu de 710 mil para 430 mil, entre 2021 e 2022, com avanço de 5 pontos percentuais na cobertura vacinal, que chegou a 84%. Para a vacina contra a pólio, o aumento da cobertura foi de 6 pontos percentuais no período, indo para 77%. Já a cobertura vacinal contra o sarampo atingiu 81% – superior à cifra de 73% em 2021, mas aquém dos 91% de 2019.

De acordo com especialistas, vários fatores explicam a baixa cobertura vacinal. Um deles é a sobrecarga nos serviços de saúde durante a pandemia, quando as equipes priorizaram o combate à Covid-19. A ideia de que as unidades seriam ambiente propício para infecção do vírus desconhecido também contribuiu para afastar o público.

Outro elemento que impactou negativamente a confiança da população nos imunizantes foi a campanha de desinformação que desacreditou a eficácia da vacina contra a Covid-19, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Mesmo depois de um ano de controle da Covid, a cobertura vacinal não melhorou muito – e esse é um detalhe importante. Não tem mais a ver com a dificuldade para que familiares consigam buscar as unidades, mas com esse movimento de negacionistas que começaram a botar medo, de que ia ter problema de reação [adversa], etc.”, observa o médico sanitarista Jorge Kayano, pesquisador do Instituto Pólis e integrante da Rede Nossa São Paulo.

Dose a menos

Glabia nota um enfraquecimento das campanhas de imunização desde o governo de Michel Temer (MDB). Durante a gestão foi aprovado o teto de gastos (Emenda Constitucional n.º 95/2016), que limitou os investimentos públicos federais pelo período de 20 anos, incluindo medidas de conscientização. A educadora sugere que o poder público adote medidas como a vacinação em espaços abertos, reduzindo o risco para crianças com maior vulnerabilidade, como é o caso de seu filho.

Glabia (à esq.), o filho Murilo e a filha Bruna: vacinação atrasada (foto: Arquivo pessoal)

Como trabalhadora da educação, ela percebe ainda uma falta de sintonia entre diferentes órgãos para monitorar crianças e adolescentes com a caderneta atrasada ou para facilitar o acesso das famílias em dias e horários alternativos aos das UBS. As unidades de saúde geralmente funcionam de segunda a sexta-feira, entre 7h e 19h, quando muitas pessoas estão trabalhando.

As aulas de Ciências de Djalma Sobral, 56, se tornaram estratégicas para desmentir mensagens enganosas. O professor leciona em escolas municipais e estaduais do Jardim Ângela e Capão Redondo (zona Sul de São Paulo) e observa que muitas famílias alegam falta de tempo para levar as crianças para tomar a vacina. Ainda assim, um grupo menor aponta a desconfiança com os imunizantes.

O boca-a-boca ainda faz a diferença para quem circula pelos territórios.

“Acho que deveria ter mais informação para a população aderir à vacinação. Temos as fake news que acabam atrapalhando atingir o público-alvo, principalmente da periferia, que se sente excluído da verdade”, reflete Genésio da Silva, 54, que é conselheiro gestor da AMA UBS Jardim Capela, da Supervisão Técnica em Saúde M’Boi Mirim e de outros equipamentos de saúde da zona Sul de São Paulo.

Mais do que fiscalizar os serviços, Genésio é a ponta de contato entre a comunidade e as unidades. Além de confirmar ou desmentir mensagens que a população recebe, também encaminha demandas como a vacinação a domicílio, especialmente para pessoas idosas e com deficiência. “Após nosso questionamento com a UBS, tivemos mais êxito para chegar até a população local”, garante.

Cobertura desigual

Apesar de o Brasil já ter sido considerado modelo ao redor do mundo por conta do Programa Nacional de Imunização (PNI), a realidade nas diferentes regiões do país é muito contrastante. Com a pandemia e o “jogo contra” do governo Bolsonaro, ficou evidente uma situação de desigualdade vacinal.

O relatório “Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil”, publicado em novembro pela Oxfam Brasil, aponta que 35 milhões de pessoas não têm acesso a um posto de saúde no país.

Com cerca de 687 mil mortes causadas pela Covid-19 até outubro de 2022, o país era superado apenas pelos Estados Unidos no número total de óbitos nas Américas. No continente, o coeficiente de mortalidade (323,31 óbitos por cada 100 mil habitantes) só foi menor que o do Peru. Ainda assim, no período analisado, o Brasil figurava apenas em 15º lugar no ranking de países americanos em cobertura vacinal primária: apenas 78% da população com mais de 3 anos já havia completado o ciclo de imunização.

A falta de acesso a um posto de saúde e a existência de unidades sem equipamentos ou profissionais são reflexos da desigualdade sanitária, causada por uma conjunção de fatores socioeconômicos, territoriais, de gênero e étnico-raciais. Com o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Estado de São Paulo foi o único a superar a meta vacinal, com 91% da população prioritária imunizada contra Covid-19 no período analisado.

Na cidade mais rica do País, a Prefeitura propagandeia São Paulo como a “capital mundial da vacina”. Mais de 12,3 milhões de pessoas tomaram a primeira dose contra a Covid-19, enquanto 11,7 milhões tomaram a segunda dose. Isso leva a um índice de mais de 100% da população elegível imunizada, o que indica que residentes de outros municípios se locomoveram até a capital para se vacinar.

Porém, a taxa cai significativamente quando considerada a dose de reforço bivalente aplicada a partir de fevereiro de 2023, como mostram os números abaixo.

Para ampliar a cobertura, de 17 de julho a 31 de agosto de 2022, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de São Paulo, criou postos de vacinação contra Covid-19 e também contra o vírus influenza da gripe em terminais de ônibus, estações de trem e metrô. Mais de 112 mil doses foram aplicadas com essa estratégia.

Em relação às vacinas infantis previstas no calendário de imunização, a assessoria de imprensa da SMS afirma que tem investido em divulgação constante sobre a segurança e eficácia dos imunizantes. Também atua na busca ativa por agentes comunitários de saúde (ACS), que trabalham nas 470 UBS do município.

Nas escolas municipais, as famílias receberam no início do ano a Declaração de Vacinação Atualizada (DVA). Responsáveis pelas crianças devem levar o cartão à UBS de referência para atualização e preenchimento da caderneta, que deve ser devolvida à unidade escolar. Após análise conjunta pela SMS e Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo, outras estratégias combinadas são realizadas, como a busca de estudantes que não entregaram a DVA e a vacinação nas escolas com baixa devolução do documento.

Em nível federal, o Ministério da Saúde escalou a apresentadora Xuxa para aparecer nas campanhas pela multivacinação ao lado do mascote Zé Gotinha

É preciso avançar

O médico Jorge Kayano indica que a estratégia adotada pela Prefeitura paulistana é similar ao orientado pelo Ministério da Saúde, que incentiva a busca ativa de famílias com crianças que estejam com a vacinação atrasada. Ao cruzar as informações no banco de dados, as equipes das UBS conseguem identificar, entrar em contato com responsáveis e, se for o caso, agentes comunitárias de saúde visitam essas casas.

Jorge Kayano, médico sanitarista (Arquivo pessoal)

Kayano ressalta que a medida é importante, pois as pessoas de fato podem se esquecer da vacina. Porém, é necessário ir além. O sanitarista reforça que é preciso criar alternativas para que as pessoas consigam se imunizar, com espaços de vacinação em parques, shoppings e locais de trabalho, inclusive à noite e aos finais de semana.

“Com esse problema do desemprego, muita gente tem o maior medo de faltar ou acabar tendo problema no trabalho por levar criança para tomar vacina”, salienta Kayano.

Ao mesmo tempo, é importante combater a desinformação na internet, inclusive com punição e bloqueio a quem propaga fake news sobre vacinas. “[A desinformação] pode custar muito caro para as crianças. Se tiver algum surto de doenças que poderiam estar sendo prevenidas por vacinas, a coisa pode ‘pegar’ muito sério”, diz ele.

E por fim, Kayano defende uma campanha de educação permanente que envolva toda a sociedade para reforçar a importância das vacinas. “Essa é a primeira geração de pais que não conhecem as doenças, porque estão vacinados contra elas. E aí, [como estão protegidos] fica a impressão de que a vacina não tem tanta importância”, diz ele.

Enquanto isso, a Covid-19 ronda o mundo: a variante éris, identificada primeiramente na Europa, já circula pelo Brasil. Apesar de ser considerada menos letal que as demais, a nova cepa pode ser mais contagiosa.

E você, está com a vacinação em dia?

Essa reportagem faz parte da ação da Oxfam Brasil sobre desigualdade no acesso a vacinas. Mais informações em http://www.oxfam.org.br/vacina-e-desigualdades.

Feira Literária da Zona Sul lança vaquinha oline para arrecadar 15 mil reais 

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Venda de livros durante a 8ª Feira Literária da Zona Sul. Foto: Will/2022.

A Feira Literária da Zona Sul realizada está mobilizando esforços por meio de uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar R$ 15 mil, disponível na plataforma Vakinha online até 18 de setembro, com intuito de promover a compra de livros, por escolas públicas e coletivos culturais da cidade, durante o  encerramento da 9ª edição da Felizs, com data marcada para, 23, de setembro na Praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.  

Suzi Soares, professora e produtora cultural da Feira Literária da Zona Sul, conta que a expectativa é ampliar o valor para que mais escolas possam ser contempladas, aumentando a possibilidade de vendas das editoras e autores. 

“Este ano temos confirmado 15 ônibus de escolas públicas da região e também serão beneficiados alguns poetas e artistas do Sarau do Binho. Se conseguirmos ampliar o valor arrecadado na vakinha, poderemos ampliar o número de beneficiados e os valores que cada um receberá”

Suzi Soares

Chegando na 9ª edição a  Feira Literária da Zona Sul – a FELIZS já faz parte do calendário cultural da cidade de São Paulo, sendo realizada por produtores culturais e artistas que fazem parte do Sarau do Binho, um dos movimentos artísticos precursores da cultura dos saraus na zona sul da cidade.

Para doar: Aqui

Data: até 18 de setembro

Curso gratuito forma desenvolvedores nas periferias para trabalhar em empresas de tecnologia

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Estão abertas as inscrições para as próximas turmas do curso de tecnologia, voltado para formação de desenvolvedores, realizado pela Generation Brasil, organização social que investe em educação com foco em empregabilidade. O curso é totalmente gratuito e engloba diferentes linguagens de programação como: Java, React JS, HTML, CSS, JavaScript, MySQL, Spring Boot, entre outras, centralizadas em uma metodologia de Bootcamp Java e JavaScript.

A proposta do curso é proporcionar uma aprendizagem intensa e acelerada para quem tem vontade de se inserir no mercado de tecnologia, portanto é necessário ter interesse e disposição para aprender e se aprimorar. As inscrições para o curso estão abertas até o dia 20 de setembro e o formulário está disponível para ser acessado neste link.

“Eu entrei sem saber declarar uma variável e hoje trabalho na construção do backend de uma das maiores instituições financeiras da América Latina”, diz Lucas Queiroz, morador de periferia e um dos participantes do curso de formação de programadores.

Lucas é formado em Publicidade e Propaganda. Após concluir a graduação, ele tentou oportunidades de trabalho na área, mas não conseguiu uma colocação no mercado. Sendo o único responsável pelo sustento de sua família, o jovem se inscreveu no curso de tecnologia da Generation Brasil para ampliar as suas oportunidades de introdução no mercado de trabalho e construção de uma carreira.

Créditos: Foto Divulgação

Nesta edição do curso, as vagas são voltadas para pessoas com 18 a 30 anos moradoras de São Paulo ou da região metropolitana, que enfrentam dificuldades socioeconômicas e ou pertencem a grupos sub-representados na área da tecnologia, como: mulheres, pessoas negras e para a comunidade LGBTQIAP+. Além disso, é necessário ter o ensino médio completo.

Com duração de três meses, as próximas turmas começam em outubro e novembro. As aulas são ao vivo e é necessário dedicação em tempo integral de segunda a sexta, das 8h às 17h. Em formato híbrido, com a maioria das aulas on-line, tendo alguns encontros presenciais, que são obrigatórios, o curso proporciona o desenvolvimento de habilidades técnicas e comportamentais orientadas para o mercado de trabalho, mentoria de carreira, suporte psicológico e de equipamento quando necessário.

Thiago Martins também foi aluno da Generation e conta um pouco da sua experiência. “Foi muito mais do que eu esperava, quando eu entrei na Generation e vi o apoio que tinha: ‘se você não tiver o notebook a gente vai te emprestar, se você precisar de internet a gente vai auxiliar’. Foi algo que realmente mudou minha vida”, relata.

Para além das aulas e dos suportes, a Generation viabiliza a conexão das pessoas formadas com empresas parceiras através da feira de talentos, da plataforma de empregabilidade e outros eventos.

Créditos: Foto Divulgação

Desde 2019, a Generation Brasil já formou mais de 2.500 pessoas, sendo que 80% dos concluintes do curso começam a trabalhar em até 6 meses. O objetivo da ONG é proporcionar educação para o emprego, transformar a empregabilidade em tecnologia no país e gerar oportunidades reais para pessoas que foram vulnerabilizadas.

As inscrições para o curso estão abertas até o dia 20 de setembro e o formulário está disponível para ser acessado neste link.

Laboratório gratuito para criação de games abre inscrições para jovens negros e indígenas

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A formação online é aberta para jovens de todo o país e as inscrições acontecem até 03 de setembro. Para participar, é necessário ter conhecimentos de design e programação. 

Como forma de impulssionar a presença de jovens negros, indígenas e de periferias do Brasil na área da tecnologia, os coletivos GatoMídia e TALES estão com inscrições gratuitas abertas para o LAB Afro-ameríndio Narrativas Gamificadas. Voltado para o aprendizado e criação de jogos eletrônicos, o projeto é voltado para pessoas entre 15 e 29 anos, que atuam com design, audiovisual, artes visuais, mídias digitais ou que tenham conhecimento básico de programação. As inscrições vão até o dia 3 de setembro, através do formulário online (acesse aqui).

“É importante combater a ideia de que a produção de tecnologia deva ser privilégio ou prerrogativa de uma elite social ou econômica. Acreditamos que a raiz de toda tecnologia está intrinsecamente ligada à cultura e a saberes ancestrais. Por isso, alcançar o universo da tecnologia e da criação de games será mais uma consequência desse protagonismo”.
João Araió, coordenador pedagógico do GatoMídia

LAB com inscrições para oficinas de criação de games para jovens

O LAB terá início em 12 de setembro, com duração de três meses e será dividido em quatro ciclos criativos, que abordarão desde a teoria até a criação real de um jogo. Neste período, o participante terá acesso a oficinas e mentoria de desenvolvimento de games baseados em narrativas orais e cosmologias de culturas indígenas e afro-brasileiras. Todo o curso será online, pelo aplicativo Zoom.

A partir do primeiro ciclo, os participantes vão se dividir em times e começar a trabalhar no seu jogo. Durante o LAB, os processos criativos serão divididos em linguagens: storytelling, design e programação. Ao fim, serão realizadas apresentações e mentoria com profissionais da área e estúdios de games que vão ajudar na elaboração do protótipo digital de cada produto. 

O LAB será conduzido por profissionais engajados com a luta antirracista. Entre eles, a pesquisadora de literatura indígena Trudruá Dorrico, do povo Macuxi; o roteirista e escritor Renato Noguera; a designer gráfica, ilustradora e grafiteira Auá Mendes, do povo Mura; a artista carioca e “sampleadora visual” Amora Moreira; e o diretor de tecnologia e cofundador da startup HIT Jonas Alves. A equipe da Aoca Game Lab, de Salvador (BA), que desenvolveu o jogo Árida, também está entre os colaboradores.

A GatoMídia é uma rede de aprendizagem em mídia e tecnologia voltada para jovens negros e indígenas, moradores de favelas e periferias do Brasil, e tem esses territórios como metodologia e principal referência em produção de conhecimento, tecnologia e inventividade.

Serviço

LAB Afro-ameríndio Narrativas Gamificadas
Inscrições até 03/09/23 por este link
Início: 12 de setembro
Podem participar jovens negres e indígenas entre 15 e 29 anos que atuam nas áreas de design, audiovisual, artes visuais, mídias digitais ou que tenham um conhecimento básico de programação.

“A gente ficou 40 anos proibidas de jogar”: Maria Amorim propõe reparação histórica para o futebol feminino

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Para além dos resultados obtidos com a bola em campo, a Copa do Mundo Feminina, 2023, explicitou as diferentes e acentuadas dificuldades e desigualdades que os times femininos, ainda hoje, enfrentam. “O futebol feminino profissional quanto a investimento, não está nem 1% comparado com o masculino”, afirma Maria Amorim, 38.

Apaixonada por futebol, Maria é uma mulher preta, cearense, periférica, mãe do Lucas, de 18 anos, da Ana, de 13, e companheira do Beto. Ela é moradora de Parelheiros, extremo sul de São Paulo, joga futebol desde criança e como educadora social viabiliza que meninas e mulheres da periferia pratiquem esse esporte, que frequentemente é dito como masculino.

Moradora de Parelheiros, além de jogadora, Maria também é ativista em defesa do futebol feminino (foto: arquivo pessoal)
Moradora de Parelheiros, além de jogadora, Maria também é ativista em defesa do futebol feminino (foto: arquivo pessoal)

“Eu diria que [sou] ativista da modalidade feminina, sempre buscando ocupar lugares majoritariamente masculinizados, que nunca sonhou em ser jogadora profissional, mas que sempre teve dentro de si a luta pela modalidade, que decidiu brigar por esses espaços, que não é só meu, mas de todas as mulheres que querem jogar e praticar futebol independente de se profissionalizar ou não”.

Maria Amorim. educadora social de Parelheiros.

O futebol de várzea, predominante nas periferias, é a principal área de atuação de  Maria. Ela é fundadora, junto com seu companheiro Beto, do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, que reúne 110 equipes. Maria também é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos. Em 2019, ela criou e hoje conduz o projeto FutVida, que insere crianças de 6 a 15 anos no esporte.

As treinadoras, Maria Amorim e Cecília Bringel, e as crianças do projeto FutVida (foto: arquivo pessoal)

Futebol de base: peneira e investimento

No entanto, Maria também contribui com perspectivas sobre o futebol feminino profissional, somando com as visões e as realidades que há nas periferias. “O futebol feminino hoje, falando desde o profissional, que respinga no amador, eu acho que tem muito uma [questão de] reparação [histórica], né? A gente ficou 40 anos sem jogar futebol, 40 anos proibidas de jogar.” a educadora traz um contexto histórico e desdobramentos atuais sobre o assunto.

“A Federação [Paulista de Futebol], recentemente, criou a peneira sub 17. Isso é muito bom, porque na minha época não tinha peneira. Uma peneira sub 17 da Federação oportuniza as meninas a participarem e [serem visibilizadas e analisadas pelos] responsáveis de clubes. Só que tinha uma questão muito forte, que era o atestado médico”, menciona a treinadora.

Maria também relata sobre uma constatação que ela expôs em uma reunião, que ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), solicitada pela Deputada Leci Brandão, em defesa do futebol feminino, que reuniu integrantes do futebol de várzea, do profissional e a ex-coordenadora da Federação Paulista de Futebol, Thais Picarte, em 2022.

“Na minha fala, eu trouxe que entendo totalmente que o atestado médico seja necessário, mas a forma como ele é pedido é muito burocrático. Uma mãe de Parelheiros não vai faltar um dia de trabalho, para levar a menina ao médico, para conseguir um atestado.”

Maria Amorim, fundadora da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

Ela ressalta que a demora para ter atendimento é outro problema que surge ao levar meninas ao médico, no SUS, para conseguir o atestado médico. “Para ter esse atestado, o médico vai pedir exames. Então, estava tendo menos meninas pretas nas peneiras. E aí, eu trouxe essa reflexão: onde é que estão as meninas pretas? Na periferia, esse caminho para a menina chegar até à peneira é muito longo.” complementa.

Maria acrescentou também, nesta reunião, que uma realidade recorrente nas periferias é a situação das mães solos, que não podem arriscar a fonte de renda da família, faltando ao trabalho, para acompanhar as filhas nesses processos. Ela destacou e reivindicou que, “as instituições, a confederação têm que achar um caminho”.

Reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) realizada em 2022, em defesa do futebol feminino. (foto: arquivo pessoal)

As colocações da educadora social trouxeram resultados. “Esse ano de 2023, na própria peneira, eles colocaram um médico à disposição, então a menina podia ir sem um atestado médico, lá passava pelo médico da Federação e fazia o atestado na hora. Então, já foi uma possibilidade que encurtou muito o caminho das meninas”, conta Maria.

Apesar da conquista, iniciativas e dos demais feitos realizados, a educadora social diz que se preocupa muito com o cenário do futebol feminino devido à falta de valorização. “Na periferia tem muita menina boa de bola. Então, qual seria o futuro ideal para o futebol feminino? Clubes grandes, instituições como a Federação, olhar para o futebol feminino e implantar projetos, fazer parcerias com projetos já existentes”, sugere Maria. Ela menciona que o ideal é ter investimento e suporte para que no futuro essas meninas sejam selecionadas para jogar profissionalmente.

“Hoje, cada clube profissional só tem um time feminino, porque é obrigatório, ou seja, se vai participar de uma Libertadores, se o clube tá dentro da Conmebol, ele precisa ter um time feminino. Por isso que os grandes clubes têm, porque senão, não tinha”

Maria Amorim é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos.

Em contrapartida, a educadora social, através do projeto FutVida, busca aproximar e tornar possível o acesso de meninas e adolescentes, dos bairros Jd. São Norberto e Nova América, na zona sul de São Paulo, ao futebol. “A gente que é de periferia, quando decide montar um projeto e trazer as meninas para o esporte, a gente tem que buscar estratégias para que ela continue praticando, juntamente com a família”, argumenta a educadora, mencionando que é preciso fortalecer os vínculos com os pais como um caminho para tornar esses processos colaborativos, a fim de criar redes de apoio para as meninas que sonham em jogar futebol.

“Tem um ditado africano que a gente leva muito pra vida [que diz], ‘que é necessário toda uma aldeia para cuidar e educar uma criança’. E é isso que a gente faz com os nossos movimentos. A gente precisa estar junto. A gente precisa fazer essa construção coletiva”, conclui Maria.

Aloysio Letra reflete sobre ancestralidades em seu novo trabalho intitulado “DEPOIS”

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O lançamento reúne MPB dos anos 80 e 2000, e mistura influências das tradições negras do candomblé, com participações de Luedji Luna e François Muleka.

O novo projeto do cantor e músico Aloysio Letra é guiado por temas como saúde mental, luto e fé, retratados a partir das subjetividades da sua realidade como homem negro e periférico. O artista realizará uma série de apresentações para compartilhar seu novo repertório. O EP já está disponível em plataformas como o Youtube e streamings de música.

“Tento responder como é a sensibilidade de pessoas pretas sobreviventes do genocídio da população negra. Falo de ‘futuridades’. Reflito sobre como lidar com as perdas e, sobretudo, como buscar forças para prosseguir. Este é um acalanto musical afetivo e intimista.”
Aloysio Letra, cantor e compositor

Ancestralidade

Composto por 4 faixas autorais, a sonoridade de “Depois” dialoga diretamente com a MPB dos anos 80 e 2000, misturando influências das tradições negras do candomblé, das atmosferas musicais de Salif Keita, do pop de Sade Adu, da própria música popular brasileira e da instrumentação de orquestra de câmara. 

“Aqui homenageio o grande amigo e parceiro na cultura, que perdi em 2017, Daniel Marques Sundiata. Foi esse registro que me abraçou em tempos que, para mim, foram muito difíceis”, compartilha o artista. 

O ator e dramaturgo Jé Oliveira, está entre as participações especiais do projeto, na faixa-título. Ao lado dele, na mesma composição, o pianista Fábio Leandro, do Aláfia. A faixa “Áfrika”, conta com a participação da cantora e preparadora vocal Estela Paixão, também integrante do Aláfia. Nesta mesma música, François Muleka traz suas texturas e linhas de contrabaixo. Ainda no time que compõe a canção está a cantora Luedji Luna.

“É importante se vestir de ternura para enfrentar as lutas. Ter amor em si, afetos diversos que podem ser celebrados. Celebrar as lutas de outres, torcer pelo bem viver coletivo da população preta periférica. Desejo passar um legado coletivo de sobrevivência, porque apesar de ser um trabalho solo, há uma preocupação de pluri-protagonismo, ou seja, de transmitir que para um trabalho como esse ser possível e partir das periferias para o mundo, os trabalhos de várias pessoas foram necessários ao longo da construção. Esse é um trabalho de uma pessoa que é ‘cria’ dos saraus das periferias e dos movimentos de cultura das periferias das últimas duas décadas”.

Aloysio Letra, cantor e compositor.

Novo ep de Aloysio Letra tem lançamento em espaços culturais das periferias de São Paulo.
Novo ep de Aloysio Letra tem lançamento em espaços culturais das periferias de São Paulo.

Nos próximos meses, Aloysio Letra realiza uma série de shows pela cidade de São Paulo. Confira a agenda dos lançamentos:

Serviço

29/08/23 – Lançamento do EP e audição 
Ocupação Cultural Mateus Santos, às 19h
Av. Paranaguá, 1633 – Jardim Belém, São Paulo – SP, 03809-170
Duração 1h30

17/09/23 – Centro de Culturas Negras do Jabaquara Mãe Sylvia de Oxalá – CCN Jabaquara, às 18h
R. Arsênio Tavolieri, 45 – Jabaquara, São Paulo – SP, 04321-030
Duração 1h20

29/09/23 – Centro Cultural Tendal da Lapa, às 20h
R. Guaicurus, 1100 – Água Branca, São Paulo – SP, 05033-002
Duração 1h20

01/10/23 – Centro Cultural da Penha, às 19h
Largo do Rosário, 20 – Penha de França, São Paulo – SP, 03634-020
Duração 1h20