ENTREVISTA

Homenageado em cordão carnavalesco, Elisbão do Cavaco relembra trajetória no samba

Iniciado no samba através da ala de compositores da Vai-Vai, Elisbão do Cavaco fala sobre sua ligação com o movimento e homenagem recebida no carnaval de 2024.
Por:
Viviane Lima
Edição:
Evelyn Vilhena

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Elisbão do Cavaco é o nome artístico pelo qual Elisbão Ruy Alves, 69, ficou conhecido na música. Nascido em fevereiro, mês do carnaval, em 2024, foi o homenageado pelo cordão carnavalesco do Samba do Congo, que atua na região da zona norte de São Paulo. 

“Falaram [Samba do Congo]: ‘podemos homenagear você mestre?’. Aí eu falei: ‘putz eu?’. ‘[Eles disseram] sim, você tem o hino da Vai-Vai, é um cara do nosso pedaço, já está quase 50 anos aqui na Brasilândia, na Freguesia, sempre vem dar um apoio para nós, então vamos te homenagear, vai sair a marchinha do Congo em sua homenagem’. Aí eu falei tudo bem”, conta Elisbão sobre o convite.

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Registros de Elisbão no desfile do cordão carnavalesco do Samba do Congo de 2024, em que foi homenageado. (Foto: arquivo pessoal)

Nascido no distrito do Tucuruvi, em São Paulo, o sambista se mudou para a região da Freguesia do Ó, zona norte da cidade, em 1977, onde vive até hoje com a sua esposa, Isabel Alves, no bairro Guaibim. É nesse território que ele se aproxima do Samba do Congo.

O contato com o samba começou cedo, e em 1971, Elisbão passou a fazer parte da ala de compositores da Vai-Vai, logo no período em que agremiação fez a transição do cordão de carnaval para escola de samba. “Eu não fui fundador [da ala de compositores], mas sou um dos primeiros a participar. Naquela época já tinha o Zé Di, Abate, Fernando Penteado, Odair Fala Macio, Osvaldinho da Cuíca”, relembra Elisbão, que cita os compositores que vieram antes e fundaram a ala na escola.

Desde essa época, Elisbão conta que já foram quase 50 músicas feitas, geralmente com parcerias. Além de compositor, ele também toca diversos instrumentos, como cavaquinho, violão, bandolim, sanfona, piano, violino, entre outros, e boa parte deles aprendeu sozinho.

Formado como técnico de contabilidade e graduado em administração, foi como contador que Elisbão passou a atuar profissionalmente e se aposentou em 2019. “É mais pela paixão de você gostar da música. Não pelo dinheiro”, conta o sambista, que ainda toca em alguns barzinhos e rodas de samba da região em que mora na zona norte de São Paulo.

Raízes

Foi no piano do pai, Valdomiro Alves, com 5 anos, que Elisbão começou a tocar as primeiras notas. Aos 6 anos aprendeu a tocar sanfona, e depois, em semanas, já sabia tocar violão também. 

“Meu tio Alípio sempre vinha para as festas de natal e ano novo, [ele] sentava depois do almoço [e tocava]. Ele tinha um cavaquinho de oito cordas, [que] era raro. Eu falava sempre pra ele: ‘oh tio, quando o senhor morrer eu vou querer esse cavaquinho’. Ele veio a falecer [e] passou o cavaquinho para mim, aí eu comecei no cavaquinho”, recorda Elisbão sobre os primeiros contatos com o cavaquinho através do tio, por volta dos 14 anos de idade.

Nessa época, o sambista e compositor conciliava os estudos da música com o encerramento do curso técnico de contabilidade. Ele estava prestes a entrar na faculdade, quando, a convite do irmão, Tadeu da Mazzei, passou a frequentar a Vai-Vai. Impulsionado pelo irmão, Elisbão começou a compor samba-enredo na escola, e a partir daí permaneceu na agremiação até 1984.

“Você tinha que ir se apresentar e fazer a lição de casa, que era fazer dois sambas”, menciona sobre a seleção para fazer parte da ala de compositores da Vai-Vai. Elisbão conta que uma composição tinha que ser sobre a escola e a outra um samba de quadra, um partido alto com temática livre. “Depois de passar nesse vestibular do samba você tinha o direito de começar a compor samba-enredo na escola”, recorda.

Parte da ala de compositores da Vai-Vai, de 1978: Osvaldinho da Cuíca, Galo, Maquito e Elisbão do Cavaco . (Foto: arquivo pessoal)
Elisbão em uma propaganda de loja de departamento na década de 1970 (Foto: arquivo pessoal)

“Eu cheguei várias vezes em segundo lugar, até que um dia em 1984, nós conseguimos o objetivo maior que é a escola sair com seu samba-enredo na avenida”, conta. 

O sambista cita que o maior desafio, mas também a maior conquista de sua carreira como compositor foi ganhar a disputa de samba-enredo da Vai-Vai. Disputa que conquistou com a canção ‘O sol da onça caetana ou Miragens do sertão’. 

A conquista foi no mesmo ano em que se desligou da agremiação para dar conta de outras demandas. “A escola de samba estava ocupando [muito tempo], aí você tem outros afazeres, outro pensamento. Os filhos vão crescendo”, mas ainda assim a Vai-Vai segue como a escola de samba do seu coração.

Autorreconhecimento através do samba

Quando começou a participar de festivais com o grupo Poeira Pura, que fundou junto com seis amigos, em 1974, foi que Elisbão passou a se reconhecer como músico. “O Poeira Pura era como se fosse o Fundo de Quintal aqui de São Paulo, mas só que a gente não queria levar nada sério. Onde a gente ia tinha um monte de pessoas que acompanhavam a gente”, comenta. No entanto, o compositor nunca enxergou a carreira de sambista como possibilidade de profissão. 

Elisbão conta que reconheceu seu próprio valor na música através do retorno das pessoas que consideram e reconhecem os seus feitos como artista. “Olha, nem pensei que eu tinha tanto valor assim”, diz ele enquanto sorri.

A trajetória do sambista foi reverenciada no carnaval de 2024, pelo cordão carnavalesco do Samba do Congo, que escolheu Elisbão como o homenageado do ano.

“Eu chorei tanto, fiquei tão emocionado. Todo mundo na janela olhando, batendo palma, jogando serpentina, confete e o samba exaltando meu nome toda hora, você fica extasiado”

Elisbão do Cavaco
Elisbão do Cavaco é frequentador das rodas de samba do Samba do Congo. (Foto Viviane Lima)

Essa não foi a primeira vez que Elisbão foi homenageado pelo Samba do Congo. Em 2019, o sambista recebeu uma honraria em uma festa de confraternização organizada pelo grupo, “fizeram a camisa com o meu rosto”, ele menciona. Essa festa é realizada todo fim de ano pelo Samba do Congo e mistura o samba e o rap. 

“Agora estou só no projeto, aposentado. De vez em quando, a gente fica aqui, nós temos o clube [de futebol] aqui embaixo. O pessoal joga bola e todo domingo depois do meio-dia até às 2 horas da tarde, eles fazem um churrasquinho e tem samba, o samba do Araras”, conta Elisbão sobre sua atuação atualmente.

O sambista ainda toca, mas já não compõe. Está aproveitando a aposentadoria e a família, que também é envolvida com o samba. Apesar de não participar de nenhum grupo ou projeto oficialmente, hoje incentiva a nova geração que o cerca “para que eles continuem e não deixem o samba morrer”, finaliza.

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