Reportagem

Fórum em Defesa da Mulher mobiliza ações contra violência de gênero nas periferias

Encontros, atos e atividades promovidas pelo Fórum buscam alcançar pessoas que não estão inseridas na discussão política de gênero.
Por:
Viviane Lima
Edição:
Evelyn Vilhena

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Na segunda sexta-feira de fevereiro, dia 14, cerca de 30 mulheres se reuniram, no CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular), para planejar a 2ª Marcha Por Todas Nós, que acontece no próximo dia 8 de março, data que marca o Dia Internacional da Mulher. O ato faz parte da luta contra a violência de gênero e em defesa da vida de todas as mulheres e abrange regiões periféricas da zona sul de São Paulo.

Primeira plenária de organização da 2ª Marcha Por Todas Nós, em 2025 (foto: Viviane Lima)

Realizada pelo Fórum em Defesa da Mulher, a primeira edição da marcha reuniu, em 2024, cerca de 400 mulheres, e parte delas moradoras do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, que são as principais regiões que o Fórum visa impactar, segundo Luana Oliveira. Moradora do distrito do Jardim São Luís, Luana é educadora popular no CDHEP e uma das lideranças que atua na coordenação do Fórum em Defesa da Mulher.

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Luana Oliveira, coordenadora do Fórum em Defesa da Mulher. (foto: Viviane Lima)

Para algumas delas, o ato de 2024 foi a primeira experiência em uma manifestação na rua, como no caso de Solange Gonçalves, 49, que mora no bairro Jardim Mitsutani, distrito de Campo Limpo e é professora de educação infantil.

“Foi um ato muito importante para mim [a primeira participação em 2024]. Quando eu estou naquele meio parece que eu tenho mais força e que não estou sozinha. Tem mais mulheres que estão ali lutando pela mesma causa que eu.” 

Solange Gonçalves, frequentadora do Fórum em Defesa da Mulher e professora de educação infantil.

Solange conta que frequenta o Fórum em Defesa da Mulher desde 2024, e que as reuniões mensais, também chamadas de plenárias, ajudaram a lidar com uma relação de violência doméstica. “Não [foi] agressão física, mas psicológica, vivi 20 anos numa situação assim. Hoje não vivo mais, eu me separei e esses encontros me ajudaram muito”, compartilha.

Concentração da primeira Marcha Por Todas Nós em frente Sociedade Santos Mártires. (foto: Maju Rodrigues)

“As mulheres nas periferias ainda sofrem violência calada. Muitas não têm coragem, têm vergonha de dizer. Mas quando você vê uma marcha de mulheres passando na rua dizendo que aquilo não é certo, e que ‘eu sofri violência, mas enfim me libertei, estou mais autônoma’, isso encoraja outras mulheres”, coloca Luana ao apontar que a marcha das mulheres pela periferia é capaz de alcançar pessoas que não estão inseridas na discussão política de gênero. 

“Talvez mulheres que nem têm a possibilidade de sair de casa, [a marcha] já passa em frente da casa [dela] e ela vê. [Por isso] eu acho de extrema importância”, afirma Solange. Ela coloca que através da marcha, mulheres que vivem em situações de violência, podem ter acesso à informações que são passadas durante o ato, por conversas e panfletagem.

Gênero, raça e território

Luana pontua sobre as pessoas que vivem em periferias estarem expostas a vulnerabilidades e urgências, por vezes diferentes das demandas existentes em outros territórios. Por isso, espaços de luta organizados por mulheres periféricas se fazem necessários para acolher e desenvolver soluções que contemplem as realidades dessas mulheres.

“O maior número de mulheres que sofrem feminicídio, violência física, violência obstétrica, estupro, assédio, abuso de todo tipo, são mulheres negras, mulheres que moram em periferias e porque a gente vai marchar na Avenida Paulista, né? Então, faz sentido que a gente traga para cá essa mobilização, para que essas mulheres além de se sentirem pertencentes, elas também conheçam movimentos que estão reivindicando vida melhor para todas”, diz Luana, uma das coordenadoras do Fórum em Defesa da Mulher.

Em 2022, cerca de 18,6 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica e/ou sexual, o que representa 50.962 casos diários, sendo 65% delas negras. Foi o que constatou a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, publicada em 2023, realizada pelo Instituto Datafolha e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Também em 2022, 67% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras, conforme o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Questões que envolvem mulheres negras são prioridade nas discussões do Fórum, como conta Janete Novais, moradora do bairro Jardim Bom Refúgio, no distrito do Campo Limpo, e professora de educação infantil. “Tem esse encaminhamento, porque a gente vê que as mulheres pretas sofrem mais violência do que as mulheres brancas”, diz.

Janete Novais é frequentadora do Fórum em Defesa da Mulher e participante da Marcha. (foto: arquivo pessoal)

Janete é uma mulher lésbica e comenta que o acolhimento do Fórum se estende para a comunidade LBGTQIAPN+. “A gente vê como todas as mulheres são bem acolhidas [e] bem-vindas”.

Articulação territorial

O Fórum em Defesa da Mulher foi criado em 2024, como uma ação diante do aumento de feminicídio nas regiões periféricas da zona sul, local de atuação da iniciativa. 

Durante as plenárias são realizadas atividades de acolhimento e discussão que atravessam os direitos e a dignidade das mulheres. Também ocorre a construção coletiva de documentos, como a carta de princípios e carta manifesto do grupo. Há momentos de dinâmicas culturais e trocas. Além disso, o espaço gera um fortalecimento da rede de trabalhadoras que atuam na garantia de direitos, em serviços de saúde, educação e assistência social.

Moradoras das periferias da zona sul de São Paulo marchando contra a violência de gênero. (foto: Maju Rodrigues)

A primeira marcha organizada pela iniciativa foi feita em homenagem à Márcia Soares, de 30 anos, mãe e moradora do Capão Redondo que foi assassinada, esquartejada e teve partes do corpo distribuídas em lixeiras, nos arredores do terminal de ônibus Capelinha, em janeiro do mesmo ano. 

“O cara se sentiu à vontade de partir esse corpo e jogar no lixo. A gente entendeu isso como um recado. Ele deixou uma mão dela para fora da lixeira com as unhas pintadas de dourado”, conta Luana.

A marcha de 2025 homenageia Marli Bonfim, advogada e liderança de luta da região, que reivindicava contra a violência de gênero e pelos direitos das mulheres, e faleceu em 2015. Ela criou ações sociais como a Casa Sofia, Centro Maria Mariá, Fórum Permanente de Mulheres, Conferência Regional de Mulheres, entre outras.

Marli Bonfim é a homenageada da Marcha Por Todas Nós de 2025. (foto: arquivo pessoal da Fabiana Ivo)

“[Marli] deixou um legado super importante de ser revisto, ouvido e compartilhado, porque [ela] faz parte de um processo histórico de mulheres lutadoras desse território, que desde a década de 70 vem lutando de diferentes formas pela redução de violência, seja [por causa da] fome, seja por conta da violência doméstica, pela mortalidade dos seus filhos, sempre foram mulheres que se organizaram”, como conta em plenária, Fabiana Ivo, atuante na área social há 20 anos.

A Sociedade Santos Mártires e o CDHEP são as organizações que fazem a gestão dos encontros e das atividades do Fórum em Defesa da Mulher, que acontecem sempre na segunda sexta-feira do mês, das 9h às 12h, com revezamento entre os dois locais que são as sedes da iniciativa. Luana afirma que todas as pessoas são bem-vindas nos encontros, inclusive os homens.

O mesmo convite se estende para a 2ª Marcha Por Todas Nós, que acontece no dia 8 de março, com concentração na Sociedade Santos Mártires, localizada na Rua Luís Baldinato, n° 9, no Jardim Ângela, com concentração às 8h, e a partir das 9h segue até a estação Capão Redondo.

“A gente quer uma vida digna todos os dias, sem sofrer violência, sem apanhar e poder existir” 

Luana Oliveira, educadora popular e uma das coordenadoras do Fórum em Defesa da Mulher.

“É um dia de luta e de conquistas, mas ainda tem muita coisa que precisamos conquistar: o salário, ainda tem lugares que a mulher faz a mesma coisa [que o homem e] ganha menos, o respeito. Na política, você vê que tem um monte de marmanjo lá e pouca mulher”, menciona Janete sobre o que o Dia Internacional da Mulher significa para ela, que é presença confirmada na marcha.

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