Fotorreportagem

Em Osasco, moradores transformam terreno com construção atrasada em espaço de lazer

Edição:
Evelyn Vilhena

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O terreno fica no bairro de Quitaúna, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e desde 2003 é ocupado por moradores que o utilizam como local de lazer, principalmente para soltar pipas. O espaço que já foi sede de campeonatos de pipas, irá abrigar um campus da Universidade Federal de São Paulo, mas a construção anunciada em 2008, continua sem término.

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Jovem empina pipa no terreno conhecido como “Estandão”, com o prédio da Unifesp em construção ao fundo, à direita. Foto: Mateus Fernandes

Jovem empina pipa no terreno conhecido como “Estandão”, com o prédio da Unifesp em construção ao fundo, à direita. Foto: Mateus Fernandes

Em abril de 2008, foi fixada a pedra fundamental do futuro campus da Universidade Federal de São Paulo, na rua General Newton Estilac Leal, no bairro de Quitaúna, em Osasco, e assim formalizado o anúncio do campus na região metropolitana de São Paulo. Anteriormente, o local abrigava o rodeio da cidade, e hoje, mais de 13 anos desde a aquisição do terreno, a entrega do campus ainda não foi realizada.

Conhecido como Estandão, o terreno que deve abrigar o campus da universidade, tem uma área estimada em cerca de 24 mil m², e foi direcionado para obras em 2008, mas teve início apenas em 2016. Mas o que já havia começado há muito tempo no local eram eventos e campeonatos de pipa.

Pipas compõem o cenário da construção do campus de Osasco da Universidade Federal de São Paulo. Foto: Mateus Fernandes

Até 2008, as atividades e campeonatos de pipa ocorriam com aval da prefeitura de Osasco, mas após a autorização para a construção do campus da Unifesp, essas autorizações para os campeonatos não foram mais concedidas. Porém, a prática de pipas continua a todo vapor no local, principalmente aos finais de semana.

Prédio espelhado do campus da Unifesp já construído, contrasta com o espaço de terra vazio. Foto: Mateus Fernandes.

Um dos moradores que tem uma ligação direta com o Estandão, é o Alex Sandro, de 43 anos, mais conhecido como Ligeirinho. Ele conta que há 18 anos vende pipas na região, além de ter sido pioneiro da prática no local. O vendedor continua com sua loja até hoje, vivenciando toda a história do Estandão.

Ligeirinho, nascido e criado em Osasco, conta que sempre foi apaixonado por pipa e que viver disso foi a concretização de um sonho. Após ter sido mandado embora do antigo trabalho, Ligeirinho acabou tendo a ideia da loja em um momento de lazer. Quando iniciou suas vendas, ainda em 2003,  ocorria o rodeio no local.

Alex Sandro, conhecido como Ligeirinho, desde 2003 tem uma loja de pipas em frente ao Estandão, em Osasco. Foto: Mateus Fernandes

“Fui soltar a pipa, perdi minha pipa e aí falei para o moleque: ‘onde que eu compro uma pipa aqui né?’, aí o local era lá no Santo Antônio [bairro de Osasco], era muito longe. Aí saindo aqui, eu olhei e falei: ‘quer saber de uma coisa? Vamos montar aí uma piparia e vamos ver o que vai dar!'”,

conta Ligeirinho que conheceu o local através de amigos que o chamaram para ir soltar pipa há 18 anos atrás.

Ligeirinho  na sua loja em frente ao Estandão, em Osasco. O trabalho na loja é responsável pelo sustento de Alex e sua família.
Foto: Mateus Fernandes

Obras em atraso e terreno inacabado 

O terreno foi adquirido em 2008, e até o fim de 2014, somente o gradil do entorno do espaço havia sido entregue após muitas reclamações de abandono. Segundo a assessoria da Unifesp, a autorização para a contratação, via licitação pública, para a sua construção, foi dada no início de maio de 2016, e a partir daí passa a ser executada, com início da obra somente em agosto de 2016.

Terreno em que ocorrem as construções da Unifesp em Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Como o campus definitivo ainda não foi entregue, os alunos estudam em uma unidade provisória que foi inaugurada em 2011, no prédio da Faculdade Instituto Tecnológico de Osasco (FITO), da prefeitura. Atualmente, mais de 1 mil estudantes utilizam a unidade temporária.

Jovens empinam pipa no Estandão. Foto: Mateus Fernandes.

Enquanto as obras do prédio não terminam, a população segue utilizando o local como uma área de lazer. Moradores da região realizam caminhadas na ciclovia de mais de 1 km ao redor do terreno, e devido a área se localizar em uma subida íngreme, é mais difícil ter bicicletas no trecho. Há também muitas pessoas que praticam direção de carro e moto no terreno.

Porém, a principal atividade continua sendo o pipa, que atrai tanto pessoas do bairro, como de outras regiões de Osasco e até de outras cidades. Embora aos finais de semana e feriados você sempre consiga ver pipeiros  no Estandão, alguns anos atrás, na época das competições, o espaço era muito mais movimentado que hoje:

“Acho muito bom o espaço, pois as crianças e os jovens podem brincar sem correr o risco de ficar nas ruas onde não oferece segurança alguma. De vez em quando o barulho e o corre-corre dos pipas era demais, mas era mais antigamente, hoje nem tanto. Perto de antes isso não é nada, o som parecia dentro de casa na época do rodeio.”

Conta Neusa Ferreira, moradora dos arredores do Estandão, em Osasco.

Aumento na procura por pipas

Pipeiro que frequenta o espaço exibe suas pipas em frente a construção do campus da Unifesp em Osasco. Foto: Mateus Fernandes.

Durante a pandemia, muitos jovens recorreram ao pipa, que é uma atividade de lazer barata e que há muitos anos é um símbolo de divertimento e convivência em muitas periferias.

Porém, no início da pandemia do coronavírus, em 2020, Ligeirinho conta que ficou desesperado em como iria manter a renda para ele e sua família. “Veio a pandemia, eu estava com a mulher grávida, sem um real no bolso falei: ‘Meu Deus do céu, que que vai ser de mim, mano?'”, relata.

Para sua surpresa, durante a pandemia, a procura pelo pipa explodiu. E no caso de Ligeiro, o aumento das vendas contou com a ajuda de um recurso bem atual: as redes sociais.

“Meu filho, ele tem seis aninhos, o João Lucas, falou: ‘pai, faz um Tik Tok’. Aí eu falei, vamos ver o que é isso aí. No começo pra mim já é era novidade, né? Aí eu fiz meu TikTok e postei uma carretilha personalizada. No outro dia eu acordei meio-dia, o vídeo bateu um milhão e oitocentos mil visualizações”,

compartilha Ligeirinho

Com isso, o trabalho do pipeiro que desde 2003 possui uma loja em frente ao Estandão, se transformou. Hoje, ele sustenta toda sua família e conta com uma fábrica de carretilhas personalizadas, realizando trabalhos para todo o país.

“Eu sou o único que conheço que faz carretilha personalizada. Já fiz pro Gabigol, pra Gabi, jogadora do Corinthians. Mc, pra todos né? E esse do Igão ele pediu semana passada, tô pra levar pra ele”, afirma Ligeirinho, que começou a trabalhar no mercado de pipas a partir de uma ida despretensiosa com os amigos no Estandão.

Carretilha personalizada com Igão, que é osasquense e que atualmente é um dos apresentadores e criadores do podcast PodPah. Foto: Mateus Fernandes

Criminalização do pipa

“A linha cortante é proibida e é justo ser proibida. Mas é difícil você controlar as crianças. Então o que fazer? Uma antena na moto, ali no guidão pra linha não cortar, que salva a vida do cara. O pessoal devia fazer uma campanha pra usar antena, ia salvar vidas”

aponta Ligeirinho que não comercializa linhas com cortantes em sua loja.

O projeto de Lei 4948/2020 define como crime a posse, o uso, a fabricação, o fornecimento e a comercialização de linhas cortantes, geralmente usadas para manejar pipas, papagaios ou pandorgas. Em Osasco, a lei municipal também proíbe a comercialização, produção, armazenamento, transporte e distribuição do cerol no município.

Richard, 13 anos, frequentador do Estandão, afirma não usar cortantes na sua linha. Foto: Mateus Fernandes

“É uma das brincadeiras mais baratas que restou. E o pipa é um aprendizado sem tamanho”,

afirma Ligeirinho.

Porém, a criminalização ocorre muitas vezes até com aqueles que seguem todos os métodos de segurança. Da mesma maneira que muitas práticas de lazer que ocorrem principalmente nas periferias, como o baile funk, por exemplo, onde os pipeiros muitas vezes são taxados de vagabundos. Tal prática que ocorre também com o skate, e só vem mudando recentemente, principalmente com a inclusão do esporte em competições oficiais.



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Além de ajudar a fazer a manutenção do único parque comunitário dedicado ao esporte na região, jovens ainda lutam contra o preconceito em relação ao skate.
Richard é um dos jovens que costuma frequentar o Estandão. Foto: Mateus Fernandes

“Muito maneiro vocês estarem realizando essa reportagem por aqui, é até bom pra ajudar na nossa vontade de descriminalizar”

afirma Jean, 29, morador de Osasco que costuma soltar pipa no Estandão com seu amigo Richard.

Carretilhas de Jean e Richard, frequentadores do Estandão que afirmam não usar cortantes em suas linhas. Foto: Mateus Fernandes.

“Não pode generalizar. O pessoal costuma radicalizar muito. As pessoas não vão parar de soltar pipa, é uma prática milenar. Eu soltei, meu vô soltou, meu bisavô soltou. Não é uma parada que acaba assim. E na periferia muitas vezes a pessoa não tem nada pra fazer, mano”

coloca Ligeirinho, sobre essa criminalização.

Outro vendedor de pipas na região, que preferiu não se identificar, relata que já sofreu agressões da GCM – Guarda Civil Municipal, quando estava vendendo pipas e lanches no terreno do Estandão.

“No dia que o guarda veio aí ele questionou: ‘você tem linha chilena?’, falei ‘não, não tenho’. Daí tinha o policial ali folgado falou assim: ‘não tem mesmo?’, eu falei de novo que não, que se quisesse podia revistar. Aí ele ‘você tem que entender que você está invadindo, aqui é área particular’. Invadindo? Se eu estou invadindo, eu estou invadindo há dez anos. Aqui é área federal, do governo”,

compartilha o vendedor local, e reafirma que tudo que vende possui nota fiscal, não existindo motivos para abordagem.

O ambulante preferiu não se identificar, segundo ele até por medo da própria GCM o identificar e voltar a importuná-lo, pois ele conta que em um outro dia encontrou um dos mesmos guardas, e afirmou que se o viesse na semana seguinte iria tomar tudo o que ele tinha.

O espaço de vendas do ambulante, muitas vezes serve como cobertura para os pipeiros quando está chovendo. Um deles é Guilherme, de 11 anos, que frequenta o Estandão.

“Aqui é bom, o vento pra pipa é bom, dá pra comer um lanche junto na barraca”,

afirma o jovem.

Guilherme (de guarda chuva) e seus amigos costumam frequentar o Estandão. Foto: Mateus Fernandes.

O Estandão se tornou um ponto de encontro de pipeiros de todas as idades: de crianças até os mais velhos, como é o caso de Madureira, que até hoje se diverte com a prática.

Tanto crianças como frequentadores mais experientes, caso de Madureira, frequentam o Estandão em Osasco.

Futuro da pipa no local

Há mais de 15 anos o Estandão é um espaço que funciona como local de lazer para os moradores. Foto: Mateus Fernandes

A obra no terreno que irá abrigar o campus da universidade, está prevista para ser entregue no segundo semestre de 2022, conforme informado pela assessoria da Unifesp. Com isso, os pipeiros do local não sabem onde poderão realizar a prática da pipa.

“Eu acho que é o fim da pipa por aqui. Muda, né? Muda a visão. De repente a pipa machuca um estudante lá dentro, sei lá como vai ser pra ser sincero. A faculdade vai ser pública, é pública no papel, mas nunca é exatamente na prática”

reflete Ligeirinho, que também acredita que quando a construção do campus for finalizada, não haverá mais espaços para pipas no local

Enquanto as obras não são finalizadas, os pipeiros aproveitam do local. Foto: Mateus Fernandes.

Mesmo que passe a vivenciar outros mundos e outras áreas do comércio, Ligeirinho afirma que o mundo do pipa não sairá dele, reforçando a importância dessa cultura em sua trajetória. 

“Se você cria um filho dentro de casa, num shopping, ele não vai aprender o que ele aprende num local como esse. Pode ser perigoso? Pode. Mas também pode dar uma noção de pertencimento, de o moleque saber o que é dele e o que é dos outros. A malandragem da vivência, do convívio, isso aí faculdade nenhuma ensina”

coloca o vendedor e pipeiro osasquense.

O Estandão faz parte das vivências não apenas do Ligeirinho, também é parte das memórias de muitos moradores, e gera sorrisos ao relembrar a nostalgia da infância.

“Esse Estandão tem história, seh loko mano. História das antiga é o que não falta”

conta Lukas Cabral, antigo frequentador do Estandão em Osasco.

Foto: Mateus Fernandes

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