Democracia e LGBTfobia foram destaques da primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo

Edição:
Evelyn Vilhena

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No último domingo (24), pessoas de diferentes idades e gêneros se reuniram na primeira parada LGBTQIA+ do Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, cujo tema foi “Salve a democracia: vote contra LGBTQIfobia”.

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A Parada foi organizada por integrantes da Rede Periférica Família Stronger e da Família Rodrigues. Foto: Guilherme Dias

Por volta das 12h, do último domingo (24), bandeiras da comunidade LGBTQIA+ começaram a colorir a Avenida Carlos Caldeira Filho, nas proximidades da estação Campo Limpo, linha lilás do metrô de São Paulo.

Pouco tempo depois, várias pessoas – de todas as idades e gêneros – começaram a se reunir no local onde aconteceria a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo e redondezas, na região sul da capital paulista. O evento foi organizado pela Rede Periférica Família Stronger e Família Rodrigues. 

“Muitas pessoas transexuais não conseguem sair de casa durante o dia, e quando você leva a Parada LGBTQIA+ para estes locais, você consegue fazer com que elas saíam sem que se tornem motivo de chacotas ou piadinhas, sem que atirem pedras nelas, sem que nada disso aconteça”

comenta Elvis Justino, organizador do evento, em entrevista ao Desenrola sobre a importância da primeira Parada LGBTQIA+ no Capão Redondo.

A passeata foi sonhada muito antes do trio elétrico sair às ruas. Pelo menos três anos separaram o momento no qual os organizadores começaram a planejar o evento do momento no qual conseguiram reunir os diversos corpos políticos para dançar, se divertir, cantar, amar e reivindicar os seus direitos numa das avenidas mais movimentadas do distrito.

 “As bi, as gay, as trans e as sapatão tão tudo organizada pra fazer revolução”

Durante o evento, cujo tema foi “Salve a democracia, vote contra a LGBTIfobia”, as palavras “Fora” e “Bolsonaro”, foram ditas repetidas vezes em uma única frase. Segundo a organização, a escolha do tema foi motivada pela importância de conscientizar a população sobre os riscos que correm caso ocorra uma reeleição este ano.

Por volta das 16h, poucos minutos antes do trio elétrico dar partida e sair em direção à casa de shows Avalon Lounge, na Estrada de Itapecerica, local marcado para encerramento do evento, diversos convidados se revezaram diante do microfone. 

Felipe Alencar subiu ao trio elétrico gritando, junto ao público, a frase “as bi, as gay, as trans e as sapatão tão tudo organizada pra fazer revolução”. Foto: Danillo Santana

O pedagogo e coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores da UFABC, Felipe Alencar, é o primeiro homem gay a ocupar o cargo e comentou, em pronunciamento, sobre a importância de fortalecer as periferias.

“A gente precisa fortalecer muito mais o trabalho da periferia (…) É aqui que a gente sabe o quanto tá impossível comprar um pedaço de carne, aqui que a gente sabe que a polícia é muito mais violenta e é aqui que a gente sabe qual é a precariedade do transporte”

falou ao público do evento.

Ele completou ressaltando sobre a circulação de todos os corpos pela cidade. “Chega final de semana, a gente é forçado a ficar trancado em casa, porque não tem busão para levar a gente pro rolê, para curtir o centro, para curtir os espaços de cultura”, disse o pedagogo.

Carolina Iara em entrevista para o Desenrola, durante a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo. Foto: Guilherme Dias

A co-vereadora da Bancada Feminista do PSOL, Carolina Iara, única parlamentar intersexo eleita no país, comenta sobre a importância de entender as Paradas LGBTQIA+ como espaços politizados e não como carnavais fora de época. 

“Temos esse desafio de povoar esses espaços de poder com pessoas negras, indígenas, pessoas LGBTQIAP+, e que não só sejam essas pessoas, essas identidades, mas que também estejam comprometidas com as agendas históricas desses movimentos sociais”

declara Carolina.

A parlamentar ressalta que para salvar a democracia é preciso, primeiro, povoar os espaços de poder com pessoas comprometidas com o enfrentamento das desigualdades de raça, gênero, classe e orientação sexual.

Em sua fala, Carolina também relembrou o caso da transexual Verônica Bolina, que foi brutalmente agredida, teve o cabelo raspado e o rosto desfigurado após ser espancada, despida e fotografada numa carceragem masculina, pouco antes de ser diagnosticada com transtorno esquizoafetivo, se tornando símbolo da violência estatal e policial contra a população transexual.

“O movimento nasceu nas periferias e precisa voltar às periferias” 

Cerca de 20 quilômetros separam a Avenida Carlos Caldeira Filho – onde aconteceu a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo – da Avenida Paulista, local no qual milhões de pessoas se reúnem anualmente para participar da Parada do Orgulho LGBTQIA+, reconhecida mundialmente como o maior evento destinado à comunidade.

Embora esta seja o mais famoso, militantes periféricos apontam que ele não foi o primeiro e o movimento precisa resgatar as suas origens.

“O movimento nasceu nas periferias e precisa voltar às periferias. Hoje em dia nós temos a Parada LGBT mais popular do mundo, mas é importante entender que muitas pessoas não conseguem ir à Paulista por falta de dinheiro, por falta de oportunidade, falta de acesso a esses locais”

aponta Rô Vicentte, integrante e fundadore do Coletivo Artístico Queer, que estava participando e também cobrindo do evento.

Rô Vicentte, ao lado da também integrante do Coletivo Artístico Queer, Thais Carvalho. Foto: Guilherme Dias

Ocupação do território 

Segundo a organização, cerca de 1.200 pessoas participaram da Parada, desde moradores do território, a pessoas que moram nas regiões centrais de São Paulo. 

O evento contou com diversas apresentações, artistas locais, e teve como padrinho o DJ Crys Rodrigues e como madrinhas as drag queens Fayla Maison e Kênia Halk’s. 

Embora no fim do trajeto tenha ficado a sensação de missão cumprida ao ver centenas de pessoas vivenciando plenamente sua identidade e sexualidade, nem tudo ocorreu como os organizadores sonhavam desde o princípio.

Um dos organizadores do evento, Elvis Justino, comenta que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), não autorizou o trajeto que havia sido escolhido pela Subprefeitura do Campo Limpo, alegando que a Parada LGBTQIA+ era um bloco de carnaval. Segundo ele, a Subprefeitura retirou o apoio à passeata após os organizadores não cumprirem a exigência de adiar a data. 

Elvis Justino durante pronunciamento na Parada LGBTQIA+ no Capão Redondo. Foto: Danillo Santana

Apreensivos com o trajeto, que atravessaria dois grandes cruzamentos, os organizadores pediram a presença da CET que, embora não tenha autorizado o percurso, chegou com quatro viaturas no local marcado para a concentração do público.

No dia seguinte, Elvis comentou que os objetivos da Parada LGBTQIA+ foram atingidos: ao todo, 1200 pessoas, de diferentes lugares da cidade, se reuniram para participar do evento.

“Foi muito bom, os comércios do outro lado da estrada, onde tinham bastante adegas, venderam muito, as pessoas encheram estes locais. A imprensa também comprou nossa ideia, mandou pessoas, saiu em vários sites”, finaliza o gestor público.


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