“Parece um código de barras”, diz fotógrafo sobre a paisagem do Cemitério São Luiz

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Redação

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Pilotando um drone há 400 metros de altura, fotógrafo do Campo Limpo registra transformação do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.



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Cemitério São Luiz, zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus em maio de 2020. (Foto: Marcelino Melo | Menino do Drone)

Medo, tristeza e impotência. Esses foram os sentimentos que tomaram conta do fotógrafo Marcelino Melo, morador do Jardim Piracuama, bairro localizado no distrito do Campo Limpo, ao produzir durante as últimas quatro semanas uma série fotográfica composta por 40 imagens aéreas sobre a transformação da paisagem do Cemitério São Luiz, localizado na zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus.

Nesta quarta-feira (13), o fotógrafo fez novos vôos para captar imagens e mesmo elevando o seu drone a altura máxima de 400 metros, ele não conseguiu registrar com exatidão a quantidade de covas que estavam sendo abertas por oito máquinas escavadeiras, devido à gigantesca dimensão do terreno do cemitério que está em processo de adequação para receber novos sepultamentos.

A iniciativa surgiu após Melo assistir o vídeo poesia produzido pelo rapper Cocão a Voz em parceria com o jornalista João Wainer, divulgado na primeira quinzena de abril, para alertar a população sobre o impacto da pandemia na vida dos moradores das periferias. Ao sentir o peso da mensagem transmitida pelo vídeo, ele decidiu iniciar um registro independente e contínuo da área no entorno do Cemitério São Luiz. O local tem passado por muitas transformações, devido o crescente número de sepultamos de moradores, vitimas do novo coronavírus ou de doenças respiratórias causadas pelo covid-19.

“Eu sobrevoei motivado pelo vídeo, mas não esperava ver aquilo ali. Quando eu vi aquele monte de cova deu uma sensação de medo, impotência e de tristeza muito grande. Eu comecei a tremer”, relembra o fotógrafo.

Melo trabalha como educador na Fábricas de Cultura do Jardim São Luís há dois anos. O equipamento cultural fica ao lado do cemitério. Nesse meio tempo, ele vivenciou uma paisagem do bairro que passava por muitas transformações culturais, afastando a imagem histórica difundida pela mídia tradicional brasileira de que o território abriga o “cemitério do crime”, conhecido por sepultar muitas pessoas vitimas de violência policial e conflitos do crime organizado nas décadas de 90 e 2000.

“A cada clique que eu fazia as fotos a minha reflexão era a mesma: era o número, a quantidade de covas que tinha ali, isso era assustador”, descreve ele, relatando a sensação de estar vivendo um genocídio invisível. “Quando se vê de 100 a 300 covas enfileiradas, a sensação é de genocídio. A história está se repetindo e chegou a nossa vez e encarar isso, não é fácil. Mas na real, eu nem sei se eu estou encarando e seu eu tenho a dimensão real disso”.

“A terra revirada insinua a morte. Parece um código de barras visto do alto”

Para realizar as imagens não foi necessário estar dentro do cemitério, além disso, o drone utilizado por Melo viabiliza uma produção de imagens com bastante qualidade, fato que o motivou a registrar as imagens com o objetivo de distribuí-la para a população, por meio de suas redes sociais e portais de jornalismo periférico.

“Quando eu fiz as fotos eu entendi naquele momento que essas fotos não eram para ficar pra mim. Isso aqui é informação. Eu não tenho carinho por essas fotos e não quero reconhecimento”, enfatiza ele, destacando que o maior objetivo é alertar a população local, por meio das imagens, sobre o que está acontecendo ao lado da casa delas, mas que ainda é difícil para ser compreendido.

O fotógrafo encontra nas imagens aéreas uma definição do seu interesse pelo registro da paisagem. “Não é foto de enterro ou caixão que eu estou procurando. A terra revirada insinua a morte. Isso é o que mais me incomoda. Parece um código de barras visto do alto”, argumenta Melo, relembrando que um amigo fez um comentário em suas redes sociais fazendo essa comparação com o leitor de produtos industrializados.

A cada semana, o fotógrafo se deparava com a simbólica imagem do genocídio, apontada por ele. E isso foi outro fator que o motivou a manter esse registro semanal do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.

Todas as imagens aéreas revelam que uma grande quantidade de covas foram fechadas nos últimos 18 dias, ou seja, receberam sepultamentos. Mas nesse meio tempo, uma quantidade ainda maior de novas covas em outras áreas do terreno do cemitério foram abertas.

Confira algumas imagens que foram produzidas a partir de 17 de abril e que revelam as principais transformações da paisagem.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 7 de maio.

No canto esquerdo da foto produzida em 7 de maio, o terreno do cemitério já não possui mais a mesma vegetação. E no centro da imagem produzida em 7 de maio, as covas que estavam abertas em 17 de abril já foram praticamente todas preenchidas.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 13 de maio.

Aqui o cenário é mais devastador. A imagem produzida em 13 de maio mostra no canto direito um aumento no número de covas, em relação a foto produzida em 17 de abril. Além disso, a imagem produzida nesta quarta-feira mostra no canto esquerdo superior uma nova área no terreno que foi aberta para produção de novas covas.

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