Após 10 anos da primeira edição da Marcha das Mulheres Negras, segundo estimativa da organização do evento, cerca de 300 mil pessoas ocuparam as redondezas da Esplanada dos Ministérios por Reparação e Bem Viver, tornando o dia 25 de novembro uma data histórica no Brasil.
Há 10 anos, novembro também foi um mês marcante para o debate de raça e gênero na sociedade. Foi em 2015, que a primeira Marcha das Mulheres Negras reuniu mais de 100 mil mulheres negras do Brasil contra o racismo, a violência e pelo bem viver.
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Uma década depois, a capital do país volta a ser palco desse movimento de luta, colocando também em pauta a reparação histórica. Nesse tempo, muitas mudanças aconteceram no aspecto social, político e no que se refere a acesso a direitos. Como, por exemplo, a nova Lei 15.142, de 2025, que mudou de 20% para 30% a reserva de vagas oferecidas em concursos públicos e em processos seletivos da União para pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas. Ou a decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2021, reconheceu o crime de injúria racial imprescritível e a sanção da lei que tornou a equiparação constitucional.
Ana Luísa, 33, moradora da capital de São Paulo, não esteve presencialmente na Marcha de 2010, mas participou de um dos comitês que construiu a delegação de Uberlândia, município em que morava na época. Em 2025, acompanhando a mobilização direto de Brasília, ela conta que marcha pelas mulheres negras da sua família. Mãe, tia e avó são as suas principais referências de força, luta e protagonismo.
“É por elas que eu estou aqui, que eu cresci, vivi, acessei vários lugares e posso estar presente nesse movimento hoje”, conta.

Ela é diretora do Instituto Geni, organização do terceiro setor que apoia governos na implementação de políticas públicas para as mulheres com foco gênero e interseccionalidade, e conta que, para os próximos 10 anos, espera a redução significativa da violência contra pessoas negras de forma geral.
“A violência é algo muito doloroso que atravessa a nossa experiência. Então, se a gente conseguir lidar um pouco com isso, eu sinto que a gente consegue também destravar outras partes da nossa existência.”
Ana Luísa, 33, moradora de São Paulo.
Assim como Ana, a assistente social, e moradora do município de Simões Filho, na Bahia, Esther Marcos Santiago, 42, mesmo sem estar presente na Marcha de 2015, contribuiu na sua construção. Nesse período, ela diz que enxerga avanços, sobretudo, ao se tratar de mulheres na política e em locais de poder, como na gestão, nos municípios, enquanto prefeitas, vereadoras e deputadas.
Entre 2014 e 2024, a presença de mulheres negras em cargos eletivos cresceu, mas ainda de forma lenta. No Congresso, elas passaram de 2% em 2014 para 5,7% na Câmara em 2022 — um avanço ainda distante da realidade demográfica do país. Nos municípios, o movimento também é tímido: menos de 1% das prefeituras eram lideradas por mulheres negras em 2016, e 4,3% em 2024. Nas câmaras municipais, a proporção subiu de 15,3% em 2016 para 39,3% entre as mulheres eleitas em 2020.
No total de eleitos nos municípios, a participação delas passou de 4,8% para 7,2% entre 2016 e 2024. Mesmo com 5.006 mulheres negras eleitas em 2024, o crescimento de apenas 2,5 pontos percentuais em oito anos evidencia como barreiras estruturais seguem limitando o acesso dessas mulheres aos espaços de poder.

Mas, segundo ela, ainda tem muito o que avançar, principalmente quando se trata da morte de mulheres. “Lésbicas são as mulheres que mais morrem. Mulheres negras, trans, lésbicas. Então esse avanço a gente precisa pra ontem na nossa sociedade”, diz.
“Nós tivemos alguns avanços concretos, contudo, ainda existe o racismo, o sexismo, sim. A gente consegue perceber isso. Porque a gente não percebe a diferença da paridade, da participação, sobretudo nos espaços de poder, relacionada à questão de gênero.
Esther Marcos Santiago, 42, assistente social, moradora de Simões Filho, Bahia.
Na sua primeira vez na marcha, em 2025, Maria Fernanda Silva, 25, moradora de Brasília, conta que, enquanto psicóloga preta, compreende a importância da construção da identidade a partir do coletivo, por isso, também marcha pela saúde mental da população negra.
“Hoje eu percebo que a gente consegue alcançar alguns espaços a mais, tanto na questão da representatividade, tanto na construção da identidade. No entanto, a gente segue passando ainda por micro violências que estão vindo nas partes veladas. Eu confio muito nesse empoderamento, tanto na questão da autoestima, mas no posicionamento também da gente construir saberes que envolvem tanto as tecnologias ancestrais, quanto ocupar espaços.”
Maria Fernanda Silva, 25, psicóloga, moradora de Brasília.

Para ela, a demanda principal de muitas mulheres negras é a exaustão e a dificuldade de descansar. “Então quando a gente fala da saúde mental da população preta, principalmente as mulheres, a gente tem que focar bastante na questão do afeto. Mas o afeto também como empoderamento, não só aquela questão do afeto romântico. Nesse autoafeto, o poder do descanso, ter uma rede de apoio para que essa pessoa também possa descansar”, diz.

Edineia de Fátima Santos, 59, moradora de Curitiba e integrante do Movimento Nacional da População de Rua, avalia que houveram avanços, mas reforça sobre a importância de olhar para a diversidade de questões que envolvem as mulheres negras. “A realidade é que as mulheres pretas se empoderaram numa gigantesca organização para poder reivindicar as pautas que nos foram roubadas. Mas no geral, faltam muitas pautas [a serem] colocadas”.
“[Por exemplo], o direito das mulheres em situação de rua, a violência que as mulheres sofrem dentro desse governo que não tem políticas públicas para essas mulheres que são abandonadas pelo Estado, pelo município e até pelo governo federal. Não tem pautas para esse tipo de mulheres. Mas, no geral, estamos avançando”, coloca.
Maria Fernanda lembra que toda sua construção enquanto mulher negra não é só para si, é fruto das gerações anteriores e construção para as que virão. “E é importante fazer esse recorte da idade, porque embora algumas questões sejam diferentes por causa da geração, ainda assim somos todas mulheres pretas. Então, temos a mesma característica, o nosso sofrimento tem a mesma raiz”, finaliza.
