Coletivos propõem local de destaque para estátua de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros

Edição:
Ronaldo Matos

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Escultura da escritora será a segunda em todo o município de São Paulo a representar uma mulher negra.

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Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros, é onde a maioria dos coletivos culturais da região realizam os seus eventos. Foto: Erivelton Camelo / Sarauê

A Prefeitura de São Paulo anunciou em agosto de 2021, a instalação de cinco estátuas de personalidades negras: Adhemar Ferreira da Silva, Itamar Assumpção, Madrinha Eunice, Geraldo Filme, e entre elas, a da escritora Carolina Maria de Jesus.

Artistas e coletivos de Parelheiros, território onde Carolina passou seus últimos anos de vida, apontam que o local para receber a escultura da escritora deve ser a praça central do distrito, espaço com maior visibilidade e circulação de pessoas no território.

No entanto, o local para instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus escolhido pela Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Cultural, foi o Parque Linear Parelheiros, espaço no qual articuladores do território reafirmam sua importância, mas relatam não ser um local de grande visibilidade.

Além disso, apontam que não foi realizada nenhuma consulta aos coletivos e articuladores do território, e o contato feito com a Vera Eunice, filha de Carolina, se deu já com o intuito de informar que o local de instalação da escultura seria no parque.

“Em reunião, ao questionar uma das servidoras do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura, como se deu a escolha do local, com que respaldo, ela informou que foi através do ‘núcleo periférico’ que existe dentro da secretaria, núcleo esse que desconhecemos a existência e quem o integra”, afirma Joziane Sousa, integrante do Sarauê, grupo literário e cultural de Parelheiros, e uma das articuladoras do manifesto.

Joziane conta que quando os agentes culturais do território souberam da definição do local, não tinham conhecimento de quem teria escolhido o Parque Linear, e logo receberam o pedido de Vera Eunice, para compor a comissão de inauguração. Ela ainda ressalta que a filha de Carolina estranhou que nenhum coletivo do território havia integrado a comissão a convite direto da Secretaria de Cultura. 

“Carolina, mesmo quando teve condições financeiras de morar numa região nobre do bairro de Santana, nunca foi acolhida, e no imaginário da época nunca deixou de ser a “favelada”. Os seus últimos anos de vida em Parelheiros, foram num contexto de refúgio, onde ela nunca deixou de escrever, mas também nunca pode usufruir de fato dos frutos que poderia ter colhido com a sua produção literária.”

afirma Joziane Sousa, integrante do Sarauê, grupo literário e cultural de Parelheiros, e uma das articuladoras do manifesto.

Após receberem a informação da data de inauguração da escultura, que estava prevista para 13 de fevereiro, data do falecimento de Carolina, a família da escritora e o movimento cultural do território passaram a se articular e se reuniram com o subprefeito de Parelheiros, que não havia sido comunicado sobre o evento de inauguração, e buscaram contato com o Departamento de Patrimônio Histórico para reverter o local e data já definidos.

“Desde o dia 17 [de fevereiro], estamos atuando de forma muito organizada como um comitê, em torno dessa pauta para tentar reverter essa decisão da Secretaria, e no dia 21, uma das componentes do comitê entregou nas mãos da secretária Aline Torres o nosso manifesto. A mesma solicitou uma carta escrita e assinada por Vera, onde declarasse os motivos para a solicitação de troca do local, e essa carta foi entregue na secretaria dia 22 [de fevereiro]”, relata Joziane.

Ontem, dia 23 de fevereiro, o grupo recebeu uma mensagem da secretária de cultura solicitando uma reunião com os membros do comitê na sexta-feira (25).

Na carta produzida por artistas, coletivos e articuladores de Parelheiros, eles reforçam que o Parque Linear Parelheiros, local escolhido pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, tem muita importância para o território, mas que o local para instalação da escultura de Carolina, deve ser a “sala de visitas” do território, na Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros.

A articuladora Joziane reforça que a escultura da Carolina será a segunda em todo o município de São Paulo a representar uma mulher negra, sendo que a única existente até então é a estátua da mãe preta, que foi produzida em 1955, pelo artista Júlio Guerra, e retrata uma mulher negra amamentando uma criança branca.

“Carolina frequentou muito a Praça Central que na época era onde aconteciam os eventos do território, como a festa de Santa Cruz e de aniversário do bairro. A Praça de Parelheiros tem um reconhecimento histórico, e uma vez que a região passou a ser o Polo de Ecoturismo de São Paulo, a Praça também é um importante atrativo turístico”, afirma.

Joziane ressalta que é na Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros, onde a maioria dos coletivos culturais realizam os seus eventos, uma vez que o território só passou a ter uma Casa de Cultura em 2019. Além da questão geográfica, pois a Praça é o ponto de acesso para os bairros adjacentes, como para o distrito de Marsilac, e o município de Embu Guaçu, cidade onde Carolina foi sepultada. 

“Colocar essa escultura em um local pouco movimentado, diria até que ‘escondido’ para nós mesmos, moradores do território, se assemelha como mais uma vez estabelecer que o lugar de Carolina é o ‘quarto de despejo’ que ela tão bem descreveu em sua obra. Vai contra o sentido de homenagem à obra da escritora, e também repercute de forma muito negativa nos familiares e nos admiradores de sua trajetória”

coloca Joziane.

A articuladora aponta ainda que a praça é um ponto conhecido por grande parte da população local. “Muitas pessoas ao vir aqui, nem acham que ainda faça parte da cidade de São Paulo, mas pergunte a qualquer um dos moradores, ou até para pessoas de outras regiões afastadas onde fica a Praça de Parelheiros, que elas em sua maioria saberão a localização”.

Para a agente cultural, uma das articuladoras para a alteração de local da instalação da escultura de Carolina Maria de Jesus, a não instalação na praça central do distrito, vai contra o objetivo do próprio projeto de lei que estabeleceu a produção destas obras como uma forma de exaltar a memória do povo preto e a representatividade de figuras negras dentro dos territórios periféricos: “Por que aqui em Parelheiros, Carolina não pode ocupar a nossa ‘sala de visitas’?”, questiona.

Não podemos permitir que o primeiro monumento em homenagem à Carolina NO MUNDO, não esteja em sua devida visibilidade. E ainda que seja uma argumentação concisa e suficiente, esta carta está respaldada pelo desejo de Vera Eunice, filha da Carolina, que nos afirma com precisão: “Fazemos questão que seja em Parelheiros! Minha mãe amava Parelheiros, aqui foi feliz, se benzeu e benzeu esse chão, participava das festas tradicionais, ia ao cinema mudo e entregou o meu diploma na Escola Prisciliana”.

Nós, coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros, junto aos familiares e pessoas que entendem a importância da obra e da trajetória de Carolina, viemos através desta manifestar o nosso descontentamento em relação ao local escolhido para abrigar a escultura que está sendo produzida em homenagem à escritora. Reivindicamos a instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus na Praça Júlio César de Campos, no Centro de Parelheiros e também a participação dos agentes locais na construção do evento de inauguração do monumento.

Carolina vive, e sua luta persiste, e aqui estamos apenas como pessoas que reivindicam o local, a data e a festa que ela merece ter.

Leia na íntegra o manifesto produzido por coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros: Carolina Maria de Jesus merece estar na sala de visitas! 

Posicionamento da Secretaria Municipal de Cultura 

Em contato realizado pela equipe do Desenrola, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que a escultura da Carolina Maria de Jesus já foi instalada no Parque Linear Parelheiros e está protegida por tapumes. 

“Após reunião com a secretária Aline Torres, esclarecimentos e muita conversa, os coletivos e a Vera Eunice, filha da Carolina Maria de Jesus, optaram por manter a decisão de instalar a escultura na Praça Júlio César de Campos. No entanto, a Secretaria Municipal de Cultura informou que não há recursos para a transferência da obra de local e que esses grupos teriam que se mobilizar para conseguir verbas parlamentares para que a Secretaria possa realizar as tratativas e o processo para a transferência da escultura do Parque Linear Parelheiros para a Praça Júlio César de Campos”

afirma a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura.

Ainda segundo a assessoria,  foi explicado aos coletivos que devido à complexidade dos serviços e de procedimentos, entenderam que será um processo moroso e, portanto,  a Secretaria não tem previsão para a nova instalação. 

“A partir dessa decisão, a inauguração do dia 4 de março de 2022 foi cancelada, as contratações artísticas foram suspensas e o contrato dos tapumes foi renovado, até que se decida como manter a obra no local enquanto não há a transferência da obra. Em respeito aos movimentos a obra será inaugurada quando todos os trâmites legais forem solucionados”, finaliza a assessoria.

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