Um trajeto de balsa, que percorre a Represa Billings, é o principal meio de conexão para chegar até a Ilha do Bororé, no Grajaú, zona sul da capital. É nessa região, que possui uma área de proteção ambiental e que abriga diversas iniciativas que têm o território e o meio ambiente como eixo de atuação, que são realizadas as atividades da Casa Ecoativa, como o “Quintal Produtivo”.
No Quintal Produtivo, oficinas, jogos cooperativos e práticas sustentáveis, são pensadas para envolver os visitantes e ensinar sobre o cuidado com a natureza. Cultivo de hortas, composteiras, observação de gongolos – espécie de invertebrado que contribui na decomposição de matéria orgânica no solo, produção de tintas naturais, brincadeiras e dinâmicas de vínculo são algumas das práticas do projeto, que acontece e é promovido pela Casa Ecoativa, um Centro Eco-Cultural, fundado há mais de duas décadas, gerida e cuidada pelos próprios moradores, em articulação com a Associação de Moradores da Ilha do Bororé (AMIB).
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“Elas chegam, percebem que o som é diferente, que a qualidade do ar é outra, olham o ambiente e já se ambientalizam com o espaço. Em geral, iniciamos a nossa proposta através de jogos cooperativos para fazer aquele ‘quebra-gelo’. Hoje, por exemplo, as crianças da turma que veio aqui, optou por iniciar pelas oficinas naturais. Elas mesmas colheram a tinta, prepararam, pilaram, peneiraram, tiveram todo esse contato e fizeram suas artes”, conta Eluane Soares, moradora do Jardim Lucélia, no Grajaú, e eco-educadora na Casa Ecoativa, sobre um dia de atividade com crianças no Quintal Produtivo.
Eluane afirma que o contato com a natureza, ativa os cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Também conta que um dos objetivos da iniciativa é despertar o senso crítico das crianças e o afeto pela comunidade, não apenas no Bororé. “Costumo dizer que não tem como amar algo que a gente não conhece. Como vou amar a natureza se não tenho contato com ela? Nego Bispo já dizia que não é cuidar da terra, é se relacionar com ela”, diz.
Segundo a educadora, o corpo é fundamental no processo de aprendizagem e faz parte das metodologias sensíveis que utilizam, construídas a partir do território.“A gente trabalha muito com a memória, com o sentir e com o fazer. Então o corpo também está sendo estimulado: a pisada no chão, o cheiro, o som, o tato, tudo isso traz uma conexão com a terra que é difícil ter na cidade”.
“Um dos momentos que me marcaram muito foi quando um menino de 11 anos, disse na roda de encerramento que gosta de jogar no celular, mas estar aqui com a gente lhe trouxe uma paz que ele não sentia há muito tempo. O nosso trabalho também envolve a desrobotização. Quando você está no aqui e no agora, brincando, participando, entendendo a forma da horta, que cada alface tem uma forma diferente, cheiro, etc, tudo isso gera conexão. Além disso, trabalhamos muito as relações humanas.” Eluane Soares, moradora do Jardim Lucélia, no Grajaú e eco-educadora na Casa Ecoativa.
Reconhecer o valor pedagógico da natureza, é uma das abordagens do grupo, como conta Eluane. “Quando a gente mostra e ensina a importância de uma borboleta passando, do som dos passarinhos cantando, da possibilidade de subir numa árvore centenária, o ser humano acaba, naturalmente, desenvolvendo esse amor, esse afeto. Então ele vai cuidar, zelar por esse espaço e pensar dez vezes antes de jogar lixo em lugares indevidos. Vai entender que aquilo não é lixo, mas resíduo, e vai se sentir pertencente.”
Esse cuidado com a terra também se materializa na horta comunitária mantida no espaço. O responsável pela área, Adão de Souza, diz que tudo é feito com muita criatividade e reaproveitamento. “Quando cheguei aqui, os canteiros eram normais, feitos direto no chão. Aí a gente teve a ideia de reaproveitar umas telhas descartadas para montar os canteiros. Ficou mais prático para plantar e renovar a terra”, explica.
Adão, que é morador da Ilha do Bororé e responsável pela horta da Casa Ecoativa, compartilha que o trabalho na horta desperta a memória afetiva de muitas pessoas, com aromas e sabores que remetem, inclusive, às lembranças da infância. “Já aconteceu de vir criança que nunca tinha visto um pé de quiabo. Elas só conheciam o quiabo da feira. Então esse contato direto é muito importante. Tem adulto que se emociona também, lembra da infância. Professores vêm aqui e dizem que isso traz lembranças boas do passado.”
“Tem quem nunca plantou nada. Quando vê o alface crescendo, quando entende que foi ela que colocou a semente, aquilo muda alguma coisa [em sua consciência].” Adão de Souza, morador da Ilha do Bororé e responsável pela horta da Casa Ecoativa.
Conhecimento a partir do território
As visitas também despertam reflexões nos educadores que acompanham os grupos e depois aplicam os aprendizados em sala de aula, como é o caso da Stefany Figueiredo, professora do CCA ABC Aurora, que fica na zona leste de São Paulo, e estava junto dos alunos durante uma visita realizada em maio no espaço.
“Onde estamos não temos muito contato com esse tipo de ambiente. Queríamos proporcionar essa experiência a eles [crianças] e também ensinar o trajeto, já que todos eles vieram de longe e é importante a criança andar de transporte público, algo precisam aprender para o futuro”, coloca Stefany.
A professora conta que vivências como as do Quintal Produtivo contribuem na socialização, no aprendizado sobre trabalho em grupo e a compartilhar. “Pretendo fazer com eles uma exposição de artes no CCA, usando também os conteúdos que aprendemos aqui. Eles mesmos, inclusive, tiveram a ideia de fazer um mosaico com tintas naturais, que já está na parede do espaço. Pensamos em fazer esse mosaico dentro do nosso espaço com a participação deles, para que tudo tenha a mãozinha das crianças”, diz Stefany.



Felipe Almeida, de 13 anos, já compreende a importância da preservação do meio ambiente. “Na minha casa mesmo não tem quase nada de verde. Não tem plantinha, nem árvore. Então, se eu quiser ver natureza de verdade, tenho que ir pra bem longe. Tipo aqui, longe, mas valeu a pena. Eu nunca tinha vindo aqui antes, nunca tinha visto esses passarinhos assim, tão de perto. É muito legal. Aqui ensina a gente a ter mais respeito pela natureza.”
“Às vezes, a gente não consegue evitar umas coisas, tipo o desmatamento, o fogo que parece que nunca param. Mas eu acho que um dia a natureza pode cansar e aí a terra vai dar o troco na gente. Se as pessoas fossem mais conscientes, talvez fizessem outras coisas, além de só destruir, matar as plantas, cortar as árvores. Às vezes dá muita tristeza pensar nisso, porque os bichos estão lá, quietinhos na natureza e sofrem com tudo isso. Essa experiência aqui também ensina essas coisas” – Felipe Almeida, 13, aluno do CCA Aurora.
Esther Morais, de 12 anos, entende a visita como um despertar. “Eu vou contar sobre tudo isso para os meus amigos, pra minha família e para outras pessoas também, vou falar para virem aqui. Ninguém que eu conheço tinha vindo antes. E a coisa mais legal que eu aprendi aqui foi o plantio com a composteira.”
“Quando a gente não cuida da natureza, é a gente mesmo que acaba se machucando” – Esther Morais, 10, aluna no CCA Aurora.
A atividade Quintal Produtivo é destinada à escolas, ONGs e coletivos. Não há restrição de idade. Para conhecer outras iniciativas da Casa Ecoativa, os interessados podem consultar o calendário de atividades pelas redes sociais e agendar uma visita ao local por meio de formulário online de inscrição, WhatsApp ou DM do Instagram.