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Casa Cultural Hip Hop Jaçanã manterá suas atividades, diz gabinete da Secretaria de Cultura

Edição:
Ronaldo Matos

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Desde 2019, os coletivos que ocupam a Casa Cultural Hip Hop Jaçanã, na zona norte de São Paulo, resistem a proposta de fechamento do espaço, que na época foi dado como ocioso e sem atividades com fins públicos pela prefeitura. Na última quarta-feira (17), a Guarda Civil Metropolitana (GCM) tentou fechar novamente o equipamento cultural comunitário.



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Encontro de escrita para mulheres realizado na Casa Cultural Hip Hop Jaçanã (Foto: Marcos Aroeira)

Na última quarta feira, 17 de junho, agentes culturais que realizam a gestão da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã, um equipamento comunitário de cultura gerido por coletivos e artistas independentes das periferias da zona norte de São Paulo, foram notificados pela Guarda Civil Metropolitanos (GCM) que afirmavam que o prédio do espaço cultural seria transformado em uma sede da Inspetoria Regional Jaçanã/Tremembé da GCM.

Um dia após ocorrido, na quinta-feira (18) pela manhã, o espaço amanheceu com três guardas civis na frente da ocupação cultural, que já estava com cadeado estourado. Os guardas orientaram os agentes culturais a desativar o espaço, que além de garantir o direito a cultura para os moradores do território do Jaçanã, está servindo como uma sede de ações solidárias para doação de mascaras, cestas básicas e ações de conscientização de moradores durante a pandemia de covid-10, o novo coronavírus.

A nossa reportagem apurou que o Movimento Cultural das Periferias apresentou a Secretaria Municipal de Cultura em abril de 2019 um documento que traz dados de 20 espaços públicos que são ocupados por coletivos culturais, que cumprem uma função cultural e comunitária importante para garantir o direito à cultura nas periferias.

Esse documento embasou a construção de duas políticas públicas inéditas no município de São Paulo. A primeira é o Edital de Mapeamento e Credenciamento de espaços culturais comunitários e a segunda é o edital que reconhece e valoriza Coletivos Culturais que realizam a Gestão Comunitária em espaços públicos ociosos da cidade de São Paulo, que está com inscrições abertas até 10 de julho de 2020.

A Casa Cultural Hip Hop Jaçanã foi uma das iniciativas contempladas pelo edital de Mapeamento e Credenciamento, um instrumento de valorização da cultura periférica que está previsto no Plano Municipal de Cultura, resultado de muito investimento de articulação política e pesquisa do Movimento Cultural das periferias, para construir o que eles chamam de “gestão compartilhada”, uma iniciativa que busca unir coletivos e articuladores das periferias na gestão destes espaços junto com o poder público.

Em resposta a reportagem do Desenrola, o gabinete da Secretária Municipal de Cultura afirmou que toda articulação em torno do caso está sendo feita em acordo com a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, que gerencia a GCM. “As SMC e SMSU estão alinhadas para manter as atividades culturais na Casa de Cultura Hip Hop Jaçanã”, afirma Tais Lara, chefe de gabinete da secretaria.

Lara complementou dizendo que o edital de reconhecimento e fortalecimento de Equipamentos Culturais Comunitários mostra participação da Secretaria de Cultura no processo de manter na ativa os espaços culturais nos territórios periféricos. “O edital é um dos instrumentos que mostra a participação da SMC no processo de salvaguarda para o espaço continuar com as atividades culturais que exerce hoje em dia”, explica ela.

Contexto histórico: entenda a luta por cultura no Jaçanã

Desde 2019, os coletivos que ocupam a Casa Cultural Hip Hop Jaçanã resistem a proposta de fechamento do espaço, que na época foi dado como ocioso e sem atividades com fins públicos pela prefeitura. A partir deste momento, os produtores culturais que fazem a gestão e programação cultural do espaço realizaram o Sarau Ato de Resistência que reuniu mais de 300 artistas e moradores do território.

Nathália Ract, 23, educadora e produtora cultural que atua no espaço, conta que parece uma ‘briga de cachorro grande’, pois enquanto a Secretaria de Cultura dialoga dizendo que não tem outro fim para o espaço, além da cultura, eles continuam recebendo notificações da gestão municipal dizendo outras coisas.

“Segundo a secretaria de cultura não há outro destino para o espaço que não seja a cultura, mas parece briga de cachorro grande, enquanto isso nós continuamos na retaguarda, estamos organizando escalas para que todos os dias e horários tenha alguém presente na ocupação. Continuamos a luta pela permanência, a casa cultural hip hop jaçanã resiste!”

Ract relembra o que aconteceu na ocupação cultural na semana, quando receberam a notificação da GCM e reforça a essência do movimento cultural que movimento o espaço. “A ocupação funciona de forma autônoma e independente de qualquer partido e gestão governamental. Na quarta feira à noite o cadeado do portão principal da casa foi estourado, e na quinta pela manhã a GCM invadiu a casa sem mandado e sem autorizações. Três guardas civis estiveram no local pedindo para que retirassem todas as coisas do espaço, porque eles foram orientados a desativar o espaço, nos intimidaram e disseram que estão rondando a casa”.

Neste momento de pandemia, onde as periferias estão enfrentando um colapso social, os agentes culturais da região vem presenciando um aumento da força policial no território, ao invés do aumentar a oferta de serviços que oferecem um cuidado com a população local.

“Vivemos em um cenário muito difícil do genocídio de jovens de periferia. Desde o começo da pandemia tem aumentado do número de casos de violência policial. Se não nos mata o vírus, nos mata a violência”, conta a produtora cultural, relatando que há algumas semanas atrás viralizou um vídeo que mostra dois policiais militares agredindo um jovem no bairro do Jaçanã, no qual, os agentes de segurança pública ameaçam moradores que estavam gravando a abordagem indevida.

Ela denuncia os impactos da presença da polícia no território apontando o aumento de mortes na região. “A zona norte é conhecida como uma região militarizada, e não por acaso, foi uma das regiões com mais números de mortos pela polícia no mês de junho. Não queremos mais equipamentos de repressão para fortalecer o braço do Estado”.

Segundo a produtora cultural, quando a Secretaria Municipal de Cultura reconhece o trabalho realizado pela ocupação cultural, ao mesmo tempo ela valoriza a luta histórica dos coletivos e artistas locais que há seis anos atuam para organizar a gestão cultural do espaço.

“Reconhecer a Ocupação Casa Cultural Hip Hop Jaçanã como espaço cultural comunitário também é reconhecer os trabalhos do povo que há seis anos está mantendo e realizando atividades no espaço que foi abandonado pelo próprio Estado. O edital nos apoia principalmente com a manutenção do espaço através do apoio financeiro e também nos incluindo no mapeamento cultural da cidade, possibilitando ampla divulgação das nossas atividades”.

Arquivo pessoal l Ação Solidária na Casa Cultural Hip Hop Jaçana.

A função social da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã dá sinais de ir muito além do fazer cultural quando todos os equipamentos de cultura do país estão fechados devido à pandemia, mas ela permanece aberta, movimentando coletivos e artistas locais para apoiar à população local no combate a pandemia de coronavírus, servindo como um ponto de distribuição de cestas básicas para dar assistência às famílias do território. Já as atividades culturais continuam online, com live de shows e saraus.

Eleições e Políticas Culturais

Pablo Paternostro, 31, morador da Vila Taquari em Itaquera é articulador cultural e membro do Movimento Cultural das Periferias, coalização de coletivos e artistas periféricos que criou junto a Secretaria Municipal de Cultura o edital de mapeamento e credenciamento de gestão comunitária de espaços públicos ociosos no qual a casa cultural foi contemplado.

Segundo o agente cultural, o edital é um reconhecimento dos espaços comunitários de cultura, no entanto não traz segurança jurídica nenhuma. Paternostro conta que a pauta principal do Bloco das Ocupações Culturais, uma das áreas de atuação do Movimento Cultural das Periferias é a criação de um decreto que regulariza esses espaços comunitários de cultura.

“O edital serve mais como um argumento institucional neste momento, não como um amparo legal. A nossa principal pauta é o decreto de regularização para dar uma segurança jurídica ao trabalho desenvolvido nas ocupações, mas agora é importante para evidenciar que existe um diálogo entre a Secretaria de Cultura com as coletividades servindo como argumento para que outras secretarias municipais entendam que há um projeto acontecendo nos espaços”.

O agente cultural explica que o fato corrido que na Casa Cultural Hip Hop Jaçanã é um fenômeno que atravessa a cidade de forma voraz, causado por interesses políticos e partidários, pelo fato deste ser um ano de eleições. “Infelizmente, como a história pode nos mostrar em anos de eleições, principalmente municipais, é possível observar um reflexo histórico da lógica colonial do coronelismo. As consequências são sentidas nos territórios, principalmente em espaços comunitários localizados em equipamentos públicos que frequentemente são barganhados em detrimento de interesses eleitorais ligados a poderes locais”.

Ele ressalta que fenômeno de interferência política em ano de eleição se torna evidente a partir das incoerências encontradas no texto do ofício e nas falas da GCM. “Esse fenômeno pode ser observado na invasão ilegal realizada pela GCM na Casa Cultural, em que a guarda ameaça a remover os membros da ocupação dizendo que ali seria um novo posto de guarda, incoerentemente se baseando em um ofício que dizia que ‘o equipamento será reformado’ de autoria de um vereador de um partido que é contra a cultura e a educação emancipadora”, afirma Paternostro, ressaltando que o parlamentar é filiado ao DEM.

O agente cultural explica a afirmação ressaltando que um dia antes da invasão na Casa Cultural foi publicada no diário oficial a transferência do equipamento da Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento para a Secretaria Municipal de Segurança Urbana. “Como é possível analisar nos autos do processo, se não houve qualquer consideração ao trabalho que vem sendo realizado desde 2014 na ocupação, pelo contrário, quando um deputado político militar do PDT, hoje senador do PSL, endossa que o espaço está completamente ocioso mesmo sem ter pisado no local, ignorando totalmente as demandas da comunidade, é muito importante ressaltar que a ocupação fica a 290 metros de uma delegacia e que não há nenhum outro espaço cultural comunitário nas imediações”.

“O principal impacto que essa ação causou neste momento de pandemia foi obrigar os ativistas, artistas e arte-educadores do espaço a saírem do isolamento sem planejamento prévio, sendo que muitos deles fazem parte do grupo de risco. Todo esse transtorno e perigo por conta de simplesmente terem que manter o espaço ocupado em momentos em que não é preciso, já que o espaço realiza entrega semanal de leite e distribuição de cesta básica para a comunidade mesmo em meio à pandemia”, conclui Paternostro, descrevendo os impactos de ações como estas realizadas pela GCM em meio à pandemia de coronavírus.

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1 COMENTÁRIO

  1. Sou a Mercedes Conceição C. S. Lopes, Presidente da Associação Comunitária Raio de Cristal, e atuamos neste espaço Casa de Cultura Hip Hop do Jaçanã, já por muitos anos, atendendo familias carentes da periferia e gostaria de dizer se a casa foi contemplada para o coletivo da cultura e se a Raio de Cristal está inserida neste processo também?
    Porque entramos duas vezes com o pedido de uso de concessão e não conseguimos ter um exito favorável ainda?
    Contato:@acraiodecristal.

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