Através de um olhar afetivo, político e crítico, artistas visuais da quebrada pautam sobre suas identidades e símbolos periféricos em suas obras.
A imagem do que é ser periférico, quando retratado por pessoas que não vivenciam as quebradas, sempre vem ligadas a colocar esses corpos como sinônimo de violência ou pobreza.
Amor, vivência, afeto e muitas outras camadas fazem parte das criações de artistas visuais de quebrada que recontam sobre o que é ser periférico. A partir de suas criações, esses artistas buscam evidenciar os corpos, ideias, falas e vivência nos territórios.
“Eu tento enxergar essa potência na vivência cotidiana na periferia. É a roupa, o jeito que as pessoas falam, o que elas fazem, pra onde estão indo, como estão indo. Busco analisar a relação das pessoas com esses espaços. Tento olhar para esses lugares”.
artista Saudade³.
Sidnei Junior, 26, mora no Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, é ilustrador, quadrinista, educador e mais conhecido pelo como Saudade³. O artista vem da linguagem do rabisco, do desenho no papel e desde 2018, está em imersão para propor a sua arte no mundo digital.
Para ele, a arte digital foi um recurso para expandir a visão das pessoas sobre seu trabalho, principalmente após uma de suas obras ter viralizado, chamada ‘Eu, você e o foguetão’, que é o personagem Magrelo e Bombom em uma moto XT660. “As redes são uma janela para arte, o instagram é um museu na internet”, pontua.
O artista afirma que a partir do momento que consegue representar a vivência de quebrada, que também é a vivência dele, aí a arte vai de encontro com a vivência de outras pessoas.
“E para além das pessoas se sentirem representadas, outros artistas que também produzem e estão representando a quebrada, vem junto fazer essa troca. Seja do processo criativo, quanto de buscar se aquilombar dentro da cena das artes”, afirma.
“Represento um lugar apagado, um não lugar, uma identidade invisível que é das pessoas da terra”
Daniela Ramos Pereira, 25, é moradora de Santana, zona norte da cidade de São Paulo, artista, assistente de arte e educadora, conhecida pelo vulgo Danirampe. Ela é filha de imigrantes cearenses e já participou de eventos como a Feira Margens realizada pelo Museu Afro Brasil em 2022, e da exposição coletiva Ilustra Delas realizada pelo Pátio Metrô São Bento em 2020.
A artista produz ilustrações, vídeo arte, grafite, lambe-lambe e pinturas sobre fotografias antigas como linguagem autoral com a ideia de investigar sua identidade, memória e autoestima em uma perspectiva decolonial.
“O território em que localizo meu trabalho é o da terra roubada, é de um lugar que faz parte da trajetória de muitas pessoas que vivem em contextos diversos nas quebradas de São Paulo e que são filhes de tapuyas, caboclos, nordestinos migrantes como meu caso e de meus pais”
Danirampe
A partir da vivência de ser uma artista indígena na cidade de São Paulo, em sua arte ela busca representar identidades apagadas, retratando sua família: pais, avós, tios e tias, para que as pessoas se sintam identificadas.
“A transgeneridade marginal é viva, ativa e potente. Eu procuro ilustrar para toda e qualquer pessoa que é marginalizada”
Nana dos Santos Silva, 25, é designer e ilustrador que TRANSmuta sua vivência nas artes. É morador da Vila Formosa, zona leste de São Paulo e conhecido pelo vulgo Gabiru, produzindo trabalhos que envolvem um olhar social, crítico e político do seu cotidiano.
O artista pontua que sua ideia com a arte é trazer reflexão sobre o cotidiano que vive, para despertar a auto observação das pessoas, no desejo de que a quebrada entenda que ela é quem pode produzir e falar sobre sua vivência.
“Procuro ilustrar para toda e qualquer pessoa que é marginalizada e é por isso que ilustro seres humanos ‘ratificados’. Porque contrariando o senso comum de que ratos são sujos e traiçoeiros, eu os vejo como os seres mais humildes e injustiçados desse mundão moderno, assim como as pessoas que fogem do padrão branco-cis-hétero-burgues”
Gabiru
Gabiru faz o movimento de encorajar as pessoas a pontuarem o que pensam para se sentirem pertencentes, mas também se enxergarem enquanto produtoras de conhecimento e vivência.
“Minha arte é também uma forma de despertar a auto-observação e quem sabe gerar um movimento de encorajar as pessoas a fazerem o mesmo. Vejo isso quando pessoas trans me dão um salve, felizes em dizer que é tão bom estarem nas narrativas dos meus trampos, tá ligado?”, finaliza.
“Minha arte gira em torno de trazer para o real a minha sensibilidade, descobertas, referências, minha forma de enxergar e me projetar no mundo”
Stefany Lima, 26, nasceu em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, e atualmente vive em Recife – Pernambuco. Conhecida pelo vulgo de Fany, é artista visual, grafiteira e arte educadora e começou seu trabalho através do movimento hip hop, pautando seu cotidiano, corpo, ancestralidade, memória e afeto.
A artista conta que vem de uma vivência onde o rap, o grafite e a arte no geral, são compromisso, e que sua arte parte do lugar de uma mina jovem de quebrada, da rua, do terreiro, dos encantamentos.
“Meu irmão é uma figura importante nisso. Tive uma relação com a fotografia por influência dele, mas o que me ganhou mesmo foi o graffiti, quando me identifiquei com a cultura de rua por volta de 2012, no Núcleo de Hip Hop Zumaluma, na minha quebrada em São Paulo. Ali eu tive vivências que me formaram pra vida”
Fany
Fany pinta há 10 anos, e ressalta que nasceu como artista em São Paulo, mas amadureceu muito em Pernambuco, que foi abraçada pela cena local com coletivos como Quilombo do Catucá, Cores do Amanhã, Cordalama, Kardume, entre outros.
“Estudar artes visuais numa universidade, apesar das controvérsias, também abriu horizontes na minha criação. Porém, meus caminhos sempre foram feitos pelas ruas e pela coletividade que parte dela”, afirma a artista.