Atleta relata as dificuldades para se tornar uma referência dentro da modalidade e os obstáculos que o esporte enfrenta por ainda não ser paralímpico
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Nascido e criado no Jardim Primavera, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, Marcelo Souza, 44 anos, voltou a jogar futebol 10 anos após perder a perna. Na modalidade, se tornou tricampeão brasileiro, tricampeão paulista, tricampeão da Copa do Brasil, disputou o último mundial em 2018 e ficou em 3º lugar.
A história do jogador no esporte envolveu um grande trauma: ele perdeu a perna esquerda em 2001, quando estava em uma partida de futebol de várzea. Durante o jogo ele levou um chute na perna, uma artéria entupiu e devido a um erro médico, precisou amputar o membro.
Por conta do acontecido, Marcelo desistiu de jogar futebol e ficou anos longe dos campos. Em 2011, ele queria voltar à prática esportiva, mas escolheu fazer natação no Sesi de Suzano. A natação não deu certo, e então recebeu um convite para conhecer o futebol de amputados através do projeto Smel Mogi, que hoje é o time de atletas amputados do Corinthians.
“Aceitei o convite da pessoa e fui conhecer o projeto, desde esse dia eu até hoje não consigo largar”, relata. Quando terminou o primeiro treino com os outros atletas, ele conta que uma sensação o invadiu e que nunca irá esquecer.
“Teve um lance que eu fiz como eu fazia com as duas pernas, e aí eu caí na passada, nessa queda o pessoal já falou: ‘levanta, levanta e vai’. Aí eu falei: caramba, é um mundo nosso… Não tem ninguém que fale: ‘nossa, coitado, meu deus’. Eu gostei da igualdade!”
relembra emocionado.
As dificuldades da modalidade no Brasil
Desde então ele participou de muitos campeonatos, teve passagem em alguns times e chegou na Seleção Brasileira. Ainda assim, o jogador se deparou com diversos dilemas e toda essa trajetória foi marcada por carinho à modalidade que ele considera um hobbie, pois nunca foi remunerado para jogar: “O futebol para amputados para mim não é profissional, para mim é amador, não somos remunerados, infelizmente”, conta.
Marcelo diz que como o esporte não é paralímpico, os atletas não são remunerados como tal, mas ele anseia que talvez em 2024, essa seja uma realidade possível. “Só falta a aprovação do comitê, pois atinge todas as exigências. Está bem próximo de acontecer”, diz.
São duas as modalidades que envolvem o futebol nas Paralimpíadas: futebol de 5, exclusivo para cegos ou deficientes visuais e futebol de 7, praticado por atletas com paralisia cerebral.
Nas Paralimpíadas do Rio 2016, o Brasil ficou em 8º lugar no ranking mundial, conquistando um total de 72 medalhas. Sendo que entre as 22 modalidades, o futebol de 5 levou a medalha de ouro e o futebol de 7, a medalha de bronze.
Pela falta de remuneração, os atletas da modalidade precisam conciliar outros trabalhos para conseguir se sustentar, é o caso do Marcelo. Ele, a esposa Monalisa, e os filhos: Milena, Lucas, Guilherme e Marcelo Júnior têm o próprio negócio na área de confecção de utensílios e já trabalham juntos há 13 anos.
Por ser autônomo, ele conseguiu fazer um horário flexível para conciliar os treinos que geralmente acontecem no período da noite ou aos finais de semana. Porém, os campeonatos acontecem em dias consecutivos e é mais difícil outros atletas terem essa mesma flexibilidade.
“Já ouvi muita história de nego perder o emprego por causa de campeonato”, comenta. Outro problema que ele aponta, é a falta de patrocínio dentro da modalidade, mas ele analisa que as coisas estão melhorando com o passar dos anos e o interesse de algumas empresas pelo esporte está aumentando.
Contudo, a contratação está relacionada com registro em carteira, o que pode possibilitar o corte do benefício que ele recebe por direito devido a deficiência.
Por isso, Marcelo enfrentou outro dilema:
“O benefício eu tenho garantido, o esporte não”
conta relatando que como o patrocínio é ligado à uma empresa, o contrato pode ser rompido em algum momento, deixando o atleta sem amparo.
Marcelo comenta que em outros países a modalidade é bem mais valorizada e os atletas conseguem viver de futebol. “A gente foi disputar o mundial em 2018 e vimos os outros países, como a Inglaterra, Turquia e os angolanos, você vê que eles ganham casas, carros, em dólar. Um treino mais focado e adequado”, comenta, sobre o sonho de outros atletas, como o de Luiz Cláudio, de jogar no exterior.
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Planos para o futuro
Marcelo joga pelo time Ponta Preta, mas por conta da pandemia ele treinou com a equipe apenas uma vez e considera estudar outras propostas caso tenha alguma forma de remuneração. Atualmente ele também pensa em se aposentar da modalidade para se dedicar ao esporte de outra forma: organizando partidas que promovam inclusão social e não apenas o alto rendimento.
Ele participou da organização da primeira partida de futebol de amputados da várzea paulistana, que aconteceu em 2021, na Toca da Coruja, em Osasco, que além de promover lazer para pessoas que nunca haviam jogado futebol na vida, também apresentou novos atletas para a modalidade.
“Isso é completamente fora do alto rendimento, esse nosso trabalho a gente faz porque a gente percebeu que em cada beira de campo a gente tem um amputado lá, e trazer também as outras pessoas que não estão muito bem no alto rendimento, mas gostam de participar e bater uma bola ali”, enfatiza.
Outro sonho, seria comprar uma câmera para registrar as partidas, pois além de não ver outro amputado fazendo isso, é uma forma de continuar participando e estar sempre em contato com a modalidade.
Para Marcelo, os empecilhos que a modalidade enfrenta fazem parte de uma trajetória de melhorias e superação que os novos atletas irão encontrar. Foi através do esporte que ele conseguiu vencer o trauma e sempre vai ser a sua maior paixão.
“Me ajudou demais o esporte, até hoje. Eu gosto de passar isso pra outras pessoas, sabe, o cara tá na beira do campo e a gente fala: vamos jogar! […] Do mesmo jeito que me resgatou, a gente tá tentando resgatar outros, essa é a ideia”
finaliza o atleta.