Mães revolucionárias: portadora de esclerose múltipla luta pela garantia de direitos para pessoas com deficiência

Mesmo enfrentados as dificuldades de ser portadora esclerose múltipla, Maria de Fátima se tornou uma defensora de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental, que sofrem para ter acesso a diversas políticas públicas e ajudou a construir o Movimento das Mães do Anhanguera.

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No distrito de Anhanguera, zona noroeste de São Paulo, Maria de Fátima, 49, moradora do bairro Morro Doce, atua há 15 anos mobilizando outras mães para lutar pela garantia de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental. Em 2006, ela foi uma das responsáveis pela criação do Movimento das Mães do Anhanguera.

Antes do Movimento de Mães do Anhanguera ser constituído, Maria conta que estava ‘no fundo do poço’, pois fazia pouco tempo que havia sido diagnosticada com esclerose múltipla, mas que esse fato não a impediria de lutar por direitos para sua filha. “Eu já tinha uma deficiência, mas uma coisa é a mãe ter uma deficiência, outra coisa é ter um filho com deficiência, você não espera”, relata.

Ela se sentia revoltada, pois a sua vida mudou completamente após ela ter um acidente vascular cerebral. “Eu estava com 22 anos, quando cai no trabalho, acordei dias depois no hospital e comecei a ter sequelas e na sequência fui aposentada por invalidez”, relembra ela, afirmando que nessa época trabalhava como faxineira.

Mesmo enfrentados as dificuldades de ser portadora esclerose múltipla, Maria de Fátima foi em busca de seus direitos para acessar políticas públicas. (Foto: Carolina Carmo)

Após esse acontecimento, ela ficou com várias sequelas, entre elas estão a perda de fala, movimentos e uma longa perda de visão, na qual o médico chegou a confirmar que não voltaria mais. Aos 27 anos, ela recebeu também o diagnóstico de esclerose múltipla, que apontava que Maria de Fátima não seria mais capaz de se movimentar.

Maria de Fátima é mãe de Viviane Aparecida, 28, jovem que passou por uma série de problemas de saúde, após sofrer um acidente e ter traumatismo craniano. Após o ocorrido, a filha da Maria apresentou um quadro clínico com multideficiência, condição decorrente das várias lesões que ela teve devido ao acidente.

Para viver e ter condições de locomoção, Viviane precisa de uma série de suportes e acesso a uma diversidade de serviços públicos de saúde e assistência social. E é a partir daí que Maria de Fátima iniciativa uma luta incansável.

A partir destes acontecimentos, o Movimento de Mães do Anhanguera começou a ser criado. Maria de Fátima foi convidada por outra mãe do território, para ir à prefeitura de São Paulo em busca de obter informações sobre serviços de saúde para pessoas portadoras de deficiência física e mental, como a sua filha.

“Fui brigar na justiça pelos serviços de atendimento, os serviços que eu não procurava pra mim, porque eu não tinha esse olhar”

Maria de Fátima é uma das fundadoras do Movimento de Mães do Anhanguera.

Maria de Fátima leva a sua filha para o Centro da Criança e Adolescentes do Morro Doce, um equipamento público utilizado pelas mães do bairro que tem filhos com deficiência. (Foto: Carolina Carmo)

“Com o acidente da minha filha, em algumas visitas me apareceu essas pessoas. Elas falavam: ‘levanta a cabeça, levanta a cabeça’. Com isso, elas foram me incentivando. Uma delas me disse: ‘vamos na prefeitura, vai ter uma reunião, pra você vai ver como funciona”, relembra.

Esse foi o ponto de partida para Maria de Fátima entender todas as dificuldades que ela estava passando com a filha, pois não encontrava tratamento adequado e os médicos já tinham dado pouco tempo de vida para ela.

Após entender como cobrar os seus direitos durante essa visita na prefeitura de São Paulo, Maria de Fátima decidiu entrar para a ‘militância’. “Minha filha foi se recuperando, aí fui brigar na justiça pelos serviços de atendimento, os serviços que eu não procurava pra mim, porque eu não tinha esse olhar”, conta ela toda empolgada com essa lembrança de um passado de muita luta.

Uma das conquistas do Movimento de Mães do Anhanguera é a construção do Instituto da Pessoa com Deficiência do Anhanguera (IPDA), organização social composta por mães da região, pessoas com deficiência, e apoiadores do movimento.

As ações do IPDA envolvem a realização de eventos no bairro, a fim de conscientizar os moradores locais sobre a importância dos serviços públicos de saúde e assistência social para pessoas com deficiência, e arrecadar doações para as famílias, que em sua maioria, vivem em alto risco de vulnerabilidade social. 

Maria de Fátima se tornou uma defensora de direitos sociais para pessoas com deficiência física e mental, como a sua filha Viviane Aparecida. (Foto: Carolina Carmo)

“A maioria de nós que somos mães de uma pessoa com deficiência somos solos”

Maria de Fátima ajudou a construir o Instituto da Pessoa com Deficiência do Anhanguera (IPDA).

As ações do IPDA envolvem a realização de eventos no bairro, a fim de conscientizar os moradores locais sobre a importância dos serviços públicos de saúde e assistência social para pessoas com deficiência, e arrecadar doações para as famílias, que em sua maioria, vivem em alto risco de vulnerabilidade social. 

As desigualdades sociais que afetam as famílias do distrito de Anhanguera, que em sua maioria são chefiadas por mulheres foram agravadas durante a pandemia e em decorrência desse fato, Maria de Fátima não esconde o sentimento de solidão.

“A maioria de nós que somos mães de uma pessoa com deficiência somos solos, ninguém quer tomar essa responsabilidade, o problema é seu, então você assume”, desabafa, destacando: “Hoje eu faço por outras mães o que fizeram por mim.”

Políticas públicas

Além de todas as lutas cotidianas, nesse período de pandemia, Maria de Fátima teve que enfrentar os cortes de suprimentos, e medicamentos essenciais, tanto para ela, quanto para sua filha Viviane, que atualmente não estão sendo amplamente fornecidos pelo poder público.

O Brasil tem um sistema bem estruturado, o Sistema Único de Assistência Social das pessoas SUAS, que tem por atribuição garantir a proteção social das pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Segundo Maria José Menezes, mestra em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal da Bahia, essa política pública nacional vem atravessando uma série de desmontes que afetam moradores como Maria de Fátima e sua filha, Viviane.

“Este é um problema de desmonte das políticas públicas durante a pandemia. Piorou muito a situação das populações de maior vulnerabilidade social, impactando muito as mulheres, principalmente mulheres negras e crianças”, comenta Maria José, que também é a ativista e defensora dos direitos fundamentais da população negra, e integra a Marcha das Mulheres Negras e a Coalização Negra Por Direitos.

“O que acontece é que essas políticas estão sendo atacadas” 

Maria José Menezes é mestra em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal da Bahia

O depoimento da profissional que acompanha o desempenho deste serviço público para a população preta e periférica faz com que Maria de Fátima reflita sobre a sua trajetória de luta e questione a efetividade das leis e políticas públicas.

“Não adianta ter lei no papel com número, qual a prática dentro desse número? O que a lei de acessibilidade me oferece e onde eu posso cobrar? É constrangedor, a gente se sente humilhado!”, enfatiza.

Para Maria José, o problema faz parte de outra questão, ligada a ação que o poder público exerce nesses territórios em situação de vulnerabilidade social, atualmente agravada pelos cortes, e pela pandemia.

Diante disso, a especialista em patologia humanas pontua a diferença entre o assistencialismo e os direitos constitucionais inalienáveis, promovidos pelo acesso às políticas públicas.

“Essa população primeiro, ela tem por direito o acesso aos benefícios de prestação continuada que garante o pagamento de um salário-mínimo, para garantir a sobrevivência mínima desse setor. O que acontece é que essas políticas estão sendo atacadas, as pessoas não estão tendo acesso a essas políticas, então a gente tem o aumento da população em uma situação de extrema pobreza, essas pessoas que deveriam ser beneficiadas por esses serviços que não são assistencialistas, mas são direitos constitucionais”, explica.

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