Na série Relatos LGBTQIA +, Nayara de Souza conta como seu envolvimento com a arte mudou suas experiências enquanto mulher, lésbica e moradora da quebrada e como sua relação com a igreja influenciou na aceitação de sua sexualidade.
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“Sou sonhadora, gosto de viver os dias intensamente realizando tudo aquilo que está ao meu alcance”, essa é uma das formas que Nayara de Souza, 24, se apresenta. Nayara é moradora do Parque São Rafael, na zona leste da cidade de São Paulo, é turismóloga, atualmente em um hotel, e se identifica como uma mulher lésbica.
“Amo a arte, tento me manter sempre estudando dança e arte circense. Estou me jogando no mundo do pole dance também e quero continuar desafiando meu corpo e fazer dele meu templo. Eu amo viajar, estar com amigas, ouvir música além de manter uma vida ativa”, afirma.
Atualmente Nayara mora com o pai na zona leste de São Paulo, mas conta que nasceu em Santo André e que seu pai veio de Formosa Oeste e sua mãe de Londrina, buscando outras possibilidades de vida.
“Eu sou a filha caçula, meu irmão do meio morreu e minha irmã mais velha (por parte de mãe, que foi criada pelo meu pai e não pelo pai dela) mora no quintal da minha avó materna, por isso, meu pai me mima bastante”, compartilha Nayara.
A turismóloga relembra como foram suas primeiras percepções com relação a sua sexualidade e como a igreja atravessou esse processo. “Eu não entendia sobre ser homossexual, eu nasci e cresci na igreja, fui doutrinada em padrões religiosos, imposições rígidas de gênero, heteronormatividade, machismo estruturado, etc. Eu só conhecia uma realidade para a minha vida e acreditava que deveria seguir ela”, conta.
“Eu apresentei algumas atitudes homoafetivas, a mais antiga que me recordo foi aos 13 anos, quando dei meu primeiro beijo e foi com menina, e me recordo de só gostar de homens porque eu fui imposta a gostar e não tinha nada que fazia isso parecer real.”
Nayara de Souza
Ela conta que começou a se questionar sobre sua sexualidade aos 15 anos, quando começou a sentir atração por mulheres.
“Uma história que marca minha vida foi quando eu estava em uma encontro religioso e tinha uma menina lá, porém, eu achava que era um menino, quando eu vi ela pela primeira vez eu falei para a minha irmã: ‘que menino lindo’ e ela me respondeu que achava que era uma menina lá da igreja, por fim, descobri que era uma menina lésbica e eu fiz amizade com ela na época”, relembra.
A moradora da zona leste conta que depois que se apaixonou por uma menina, percebeu que realmente gostava de mulheres e começou a se questionar mais sobre o tema. “Ainda com 15 anos me apaixonei por uma menina, ela já se reconhecia como lésbica, mas não aceitava por causa da igreja. Eu ‘namorava’ um garoto mais velho que eu não gostava, hoje eu entendo que eu queria agradar minha família”, reflete.
“Foi depois disso que eu comecei reconstruir minha vida como uma mulher lésbica.”
Nayara de Souza
Nayara, reforça que passou por momentos difíceis dentro desse processo de descoberta, e que até os 18 anos tentava de todas as formas se “libertar”. Constantemente buscava representatividade em filmes e séries, mas sempre tinha um final trágico.
“Eu tive um relacionamento bem abusivo com uma menina também, mas eu continuei seguindo minha vida. Aos 21 anos eu tive depressão, porque eu não me aceitava devido a doutrinação religiosa e tudo que eu havia passado, minha família não me aceitava, eu sofri agressão verbal e eu sabia que também não era aceita na sociedade”, afirma Nayara que depois desses processos começou a reconstruir sua vida como uma mulher lésbica.
“Não foi fácil, eu fui julgada, ouvi muitas coisas cruéis e só quando eu tive depressão e quis tirar minha própria vida as coisas começaram a melhorar, eu tive apoio familiar e parei de ter tanta agressão verbal, além de que eu fui me reconstruindo e deixando de me afetar por isso. Hoje eu me sinto à vontade dentro de casa e falo abertamente sobre minha sexualidade sem me importar”, diz Nayara.
“Ser uma mulher lésbica é saber que não estarei segura e que as pessoas simplesmente aturam mas não aceitam, algumas respeitam, mas não entendem e que eu estou aqui por mim, apenas por mim e por quem representa a mesma luta.”
Nayara de Souza
A arte como instrumento de sobrevivência
Para Nayara, a arte reflete sobre quem ela é, que foi e continua sendo salva e fortalecida pela arte. “A arte fortalece quem eu sou por completo, quando eu estou dançando ou performando na lira, no trapézio no tecido acrobático ou no pole dance, eu sinto que sou livre, que posso ser eu mesma, que posso me doar por completo e que estou segura, além de que é um refúgio das minha frustrações, dos meus medos, da minha ansiedade e depressão”, afirma.
“A arte me salvou, a arte me salva!”
Durante a pandemia, precisou mudar sua rotina, o que significou ficar distante das aulas, do circo e de outras atividades que a energizam.
“A pandemia trouxe a minha segunda crise de depressão, eu perdi tudo que me fazia bem, meu trabalho, minhas aulas, a dança, o circo, minha rotina. Eu tive mais tempo comigo mesma, eu tive que encarar meus medos, minhas frustrações, meus traumas, eu tive tempo de encarar coisas que eu odiava em mim, eu passava horas me olhando no espelho e odiando o que eu via”, compartilha.
“A pandemia me fez refletir sobre toda a minha vida e tudo o que essa estrutura machista, patriarcal da sociedade fez eu vivenciar. Eu questionei muito sobre minha sexualidade e sobre a imposição de gênero.”
Nayara segue se descobrindo e diariamente identificando o que a faz bem ou mal. “No momento as coisas estão se ajeitando, foi muito difícil para mim, hoje em dia o que está sendo mais difícil de lidar é com o emocional, tive muitas crises existenciais e baixa autoestima. Por muito tempo fiquei sem minhas rotas de refúgio e tive que bater de frente com tudo que me fez e me faz mal”, finaliza.