Entrevista

Trajetória política: Agatha Benks fala sobre a busca por representação na política institucional

Pré-candidata a vereadora, Agatha conta como suas construções e vivências, a partir do território, se conectam com sua atuação na política institucional.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Agatha Benks, 38, é uma mulher negra, travesti, de matriz africana e periférica, que está como pré-candidata a vereadora do município de Cachoeiro de Itapemirim, do Espírito Santo, cidade onde mora, no bairro Bela Vista. Agatha conta que construiu uma trajetória de vivência política que antecede essa primeira candidatura que disputa nas eleições de 2024.

“Eu sou ativista de direitos humanos e trabalho com educação social, com coletivos e ONGs de empoderamento e fortalecimento da população preta e periférica”, diz. Agatha é vice-presidente do Conselho Estadual LGBTQIAPN+ do Espírito Santo, assessora parlamentar da deputada estadual Camila Valadão, pelo PSOL, partido no qual é filiada desde 2019, e também atua na área da cultura.

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Trajetória política: Agatha Benks fala sobre a busca por representação na política institucional
Agatha Benks em um evento do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). (foto: arquivo pessoal).

“Enquanto mulher trans e periférica, eu sou uma sobrevivente por não aceitar nada que a sociedade historicamente colocou para o meu corpo. Eu não aceitei a prostituição como a minha única opção de vida. Eu relutei contra isso por vários anos, desde quando eu me entendi travesti”, coloca.

Aos 16 anos, Agatha abandonou os estudos por causa dos preconceitos e hostilidades que sofreu quando cursava o ensino médio em uma escola pública. Foi nesse período que ela vivenciou a prostituição.

Agatha na composição do conselho estadual lgbtqipn+ do Espírito Santo (foto: arquivo pessoal)

“[Eu tinha] medo desse submundo de marginalização das mulheres trans, deste lugar que é extremamente inseguro, incerto e violento. Então eu procurei outros caminhos”. A partir daí, Agatha começou a trabalhar como cabeleireira. “Quando se é uma travesti [ou] trans, você é manicure, cabeleireira e maquiadora ou você vai fazer programa, porque você não acha outro emprego”, afirma.

Após se estabelecer como cabeleireira e voltar a estudar, ela optou por trabalhar em áreas que se relacionam com a militância sobre negritude e a comunidade LGBTQIAPN+. “Por mais que eu não esteja [mais] naquele ambiente [de prostituição], eu também não quero que as minhas amigas estejam lá”, menciona a assessora, que concluiu o ensino médio atraves do EJA (Educação de Jovens e Adultos), e por meio do ENEM, cursou Gestão Pública com bolsa de estudos pelo PROUNI.

“É só na educação e no estudo que a gente consegue romper [os preconceitos], se você quer combater o racismo, o preconceito, estude, é a única forma de você enfrentar o que está imposto frente a todos esses recortes de violações de direitos humanos.”

Agatha Benks, vice-presidente do Conselho Estadual LGBTQIAPN+ do Espírito Santo e pré-candidata a vereadora de Cachoeiro de Itapemirim.

Garantir o direito ao uso do nome social foi uma das dificuldades da graduação na universidade em que conta ter sido a primeira travesti a estudar. Nesse período, a assessora relata que outras mulheres trans e travestis da região passaram a acreditar que estudar e se formar era um caminho possível. “Foi muito simbólico, outras meninas se viram representadas”, diz.

Embora já tivesse conexão com as pautas que aborda, a universidade também fortaleceu sua militância, e de lá surgiram os direcionamentos da área que passou a trabalhar. Foi nesse espaço que conheceu coletivos, grupos de diversidade, negritude e que desenvolveu um lado politizado com o respaldo na palavra.

Atuação política no território

“A periferia está sempre formando homens e mulheres, jovens, negros, lgbts, ou não lgbts, a periferia está sempre formando o povo preto, porque é o lugar de todas as [nossas] vivências”,  menciona Agatha.

Desde 2016 ela atua no instituto FEPNES (Instituto de Fortalecimento e Empoderamento da População Negra + Diversidade), no qual atualmente é coordenadora da pasta de diversidade. O instituto realiza ações que promovem os direitos humanos das pessoas lgbtqiapn+, mulheres e jovens negros. Entre essas ações está a oferta de cursos nas áreas de empreendedorismo em comunidades do Espírito Santo.  

Suas vivências enquanto travesti, negra e periférica interferiram na decisão de entrar na disputa da política institucional e buscar combater o racismo. “A partir do momento que a gente desce um morro e vai para o centro a gente entende o preconceito territorial. O preconceito de você ser periférico, porque as pessoas vão te olhar e julgar”, coloca.

Agatha no Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Estado do Espírito Santo. (foto: arquivo pessoal).

“O menino [negro] de 17 [ou] 18 anos se desce para a rua de sandália, boné e cordão, automaticamente uma viatura vai parar ele. Quando ele entrar numa loja um segurança vai acompanhar ele”, exemplifica Agatha. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 83% dos mortos pela polícia em 2022, no Brasil, eram negros, pobres e residentes das periferias, sendo que 76% tinham entre 12 e 29 anos. 

São todos esses recortes e demarcadores que estão presentes na trajetória da assessora. “Minhas frentes de atuação [são] a negritude e a diversidade da população LGBTQIAPN+. Minhas bandeiras são homens, mulheres e jovens negros e negres. E dentro dessa militância da negritude tem os povos de terreiro e de matrizes africanas que também é um povo muito violentado”, coloca Agatha.

Desafios e motivações

Agatha diz que foi nas eleições de 2022, que começou a considerar a possibilidade de se candidatar, e a ideia veio a partir da sua atuação como assessora parlamentar. Foi através dessa experiência que começou a entender de fato como a política institucional é feita, e incentivada por pessoas parceiras, decidiu pela candidatura.

“Pessoas de terreiros, de matrizes [africana], lgbtqiapn+, pretas, periféricas, essas pessoas começaram a comentar em posts meus [nas redes sociais]: ‘você me representa’, ‘eu tenho orgulho’. Foi que eu entendi que posso realmente representá-los de fato, com garantias de lei”, coloca Agatha. Ela comenta que essa motivação foi fundamental, já que, segundo a pré-candidata, o Espírito Santo é um estado conservador. 

Em 2023, pelo 15º ano consecutivo, o Brasil seguiu sendo o país que mais assassina pessoas trans, conforme mostra o “Dossiê: Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras”, realizado pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

Para Agatha, ser uma mulher, negra, travesti, de terreiro e periférica dentro da política partidária é um posto que reúne diferentes tipos de representatividades e que isso também torna o meio político um local cheio de desafios para pessoas como ela.

“Aqui na minha cidade não precisa literalmente ser eu. Eu estou aqui pela primeira vez [me pré-candidatando], mas que tenha uma pessoa igual a mim, porque a gente entende a importância desse corpo político”, comenta. Agatha ainda menciona que mulheres trans na política, como Erika Hilton, Deputada Federal, é algo que a motiva e inspira nessa empreitada por um cargo político e por dias melhores.

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