Poeta Márcio Ricardo comemora 10 anos de atuação na literatura periférica

Edição:
Evelyn Vilhena

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Em 2022, o poeta celebra dez anos de incidência em saraus, slams, escolas públicas e privadas das periferias, apresentando possibilidades e perspectivas para crianças e adolescentes.

Com bom humor evidente, o escritor logo brinca ao chegar no local que marcamos para a entrevista: “achou que eu não ia vir né!?”. O poeta, escritor, rapper, palestrante e torcedor apaixonado pelo Boca Juniors, Marcio Ricardo da Silva, 31, é morador do bairro Jardim Lucélia, no Grajaú, zona sul da capital, e desde criança já tinha a arte e a escrita também como sua morada.

Riquelme, como é conhecido pelos amigos da várzea; Rica, para os familiares mais próximos e Poeta Márcio Ricardo para os que conhecem e admiram seu trabalho e sua arte. Esses são alguns dos nomes que identificam um dos artistas mais conhecidos da cena do slam e da educação da cidade de São Paulo. 

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“Um dia um menino perguntou para mim se eu sabia a importância que eu tinha. Respondi que eu nem tenho tempo de pensar nisso, já que tudo é tão rápido e consome tanto a gente. É ir nas escolas, chegar em casa, tomar banho, comer e dormir. Acordar e fazer o mesmo tour”, conta Márcio sobre uma de suas idas às escolas em 2015. Em uma dessas atividades, um aluno percebeu que através das sua palavras existiam mais coisas a se fazer, e naquele dia tinha ido a escola com a intenção de se matar.

Poeta formador do Slam interescolar, Marcio abraça seu aluno em forma de apoio após a apresentação. Foto Sérgio Silva.

Através do seu trabalho e escritos, Márcio criou uma ligação forte com as escolas, mas nem sempre esse foi um ambiente acolhedor para ele, que era um bom aluno, mas tímido e sem muitos amigos. Parou de estudar aos 14 anos e aos 21 voltou e concluiu o ensino médio pelo EJA (Educação para Jovens e Adultos), na escola Escola Estadual Adelaide Rosa Fernandes Machado de Souza, no Grajaú.

“Ela [professora] disse que eu tinha copiado de algum lugar, porque de onde eu tinha vindo, não tinha capacidade de fazer aquilo, e isso gerou um gatilho forte em mim, hoje as coisas que eu considero geniais, eu faço duplicado”, conta Márcio sobre a situação que vivenciou ainda na 4° série, ao escrever uma poesia e um colega ter mostrado para a professora que questionou a autoria do poema.

Esse foi um momento que se tornou gatilho em todo seu processo criativo. Frustrado, decidiu que não escreveria mais, mas por gostar do que fazia e tendo a certeza de que era ele quem criava as poesias, decidiu duplicar os textos de maneira parecida, mas que desafiasse a sua própria capacidade.

“Hoje, por exemplo, eu tenho uma poesia, Conjunto de Ideias, que é do A ao Z, e tenho uma do Z ao A. Outro exemplo é a Felicidade Brasileira, a partir dela escrevi: A Mãe da Felicidade Brasileira e a Tristeza Brasileira, três poesias feitas de formas diferentes para provar pra mim mesmo que eu consigo fazer”, afirma.

Conquistas através da poesia 

Lançar um livro de poesia na quebrada foi um dos feitos e marcos importantes na vida de Márcio. Algo que se deu a partir de uma conversa com uma colega de curso, que o questionou porque não escrevia um livro, e após esse papo o poeta começou a escrever, mas ao terminar não sabia como seguir.

“Fui para uma roda de poesia do Centro de Arte e Promoção Social, em 2012, e lá conheci o Cesar Mendes da Costa, da editora Filoczar, e ele disse que eu precisava ter um livro. Depois de ter conversado com a esposa, eles custearam o meu livro. Selecionei 101 poesias e enviei”, conta o poeta sobre como foi o processo de seu primeiro livro junto a uma editora independente da quebrada, lançado em 2013, quando tinha 21 anos.

Com o apoio da Editora Filoczar, seu primeiro livro foi lançado: Felicidade Brasileira – Os Versos de um Semblantes. E foi em um dos encontros de lançamento e venda do livro que passou por espaços como o Centro Cultural do Grajaú, que Márcio se aproximou dos slams – competição de poesia falada.

Marcio exibe com orgulho a capa de seu primeiro livro Felicidade Brasileira, cuja as cores remetem ao Boca Juniors, seu time do coração. Foto: Isabella Anália.

 “Em 2013, eu não gostava de slam, achava que poesia e nota não tinham nada a ver. Mas precisava vender o meu livro e aceitei participar. Logo na primeira vez que batalhei, fui até a final contra o Emerson Alcalde, uma referência, e mandei a poesia Conjunto de Ideias, ele mandou Somos Todos Daleste e venceu. Depois nos tornamos grandes amigos”, conta sobre sua primeira batalha em uma edição do Slam do 13, evento realizado toda última segunda-feira do mês, ao lado do terminal Santo Amaro.

Através do seu primeiro livro o poeta deu início a sua jornada no slam e a partir daí foram diversas conquistas: em 2014 venceu seu primeiro slam, justamente o Slam do 13; assim como em 2015 e 2016. Em 2017, foram cinco conquistas. Em 2018, foram mais sete títulos e em 2019, ganhou 20 competições. 

A poesia como forma de expressão

Suas poesias são conhecidas pelas rimas, histórias de infância, memórias, protestos, e também em homenagem ao falecido pai, Manoel Pedro, que deu origem a uma de suas obras mais conhecidas: Fanta.

Obra que para muitos da cena do slam, saraus e literatura, deixou de ser apenas um refrigerante, ‘sério, se tiver gastrite e tomar muito pode dar até uma úlcera’, como recita em seu poema. Ou ‘A Rádio’, que hoje, quando é recitada nos slams, como o da Guilhermina, é acompanhada por boa parte da galera que está presente.

“A poesia Fanta não trata só do meu pai, da saúde mental também, mas eu não tive a oportunidade de mostrar para ele, ele morreu sem ter me visto fazer uma poesia. Ou seja, eu trocaria muito público que já me apresentei para apresentar uma poesia para o meu pai. Eu mostraria alguma poesia de amor, sem palavrão, tipo a Resumo”, reflete o poeta.

Marcio recita a poesia Fanta no Slam da Guilhermina, edição especial em 2022 e vence a batalha. Foto: Renata Amelim.

Seu talento atravessou fronteiras e chegou até a Argentina, país que ganhou seu coração quando tinha apenas 6 anos de idade. Em 2021, durante a pandemia de covid-19, de maneira remota ensinou artistas do país um pouco do seu conhecimento sobre performance corporal, apresentando suas poesias em portugues e em espanhol, e ainda venceu o Slam Quilmes na Argentina.

Quando perguntado sobre suas referências no movimento de literatura periférica, Márcio não exita: Maria Vilani, Cesar Mendes da Costa e Emerson Alcalde.

“Se a poesia tem um o corpo, para mim, a Maria Vilani é o coração. Ela que me faz acreditar demais em mim, é minha madrinha. Consigo ter uma liberdade muito grande, alguém que nunca me esqueceu. E ela ser mãe do Criolo é um detalhe”, compartilha Márcio.

Ele ainda frisa a importância do editor que acreditou e apoiou seu primeiro livro, e do poeta que batalhou na sua primeira vez no slam, hoje também sua referência.

“O Cesar é quase um pai. Quem ia apostar num rapaz de 21 anos para lançar um livro e bancar isso? É alguém que eu amo. E o Emersinho eu sou suspeito, é um dos melhores poetas que já conheci na vida, conversamos sobre tudo, e qualquer elogio vindo dele me dá um frio na barriga até hoje”, diz o artista.

As rimas que prendem a atenção de quem escuta, seja em suas músicas, que são mais de 70, ou em suas 1.287 poesias, tem ligação com suas vivências, história e também referências de outras pessoas importantes na sua trajetória. Parte de seus escritos ainda não são conhecidas ou foram publicadas.

Marcio já tem caminhos para o seu segundo livro, que terá poesias clássicas da sua carreira, poesias novas e de amor. “O próximo livro, Só Para Loucos, é um livro incrível, um dos seis livros que tenho prontos, ele traz um amadurecimento de dor, e é nele que tem Fanta, A Rádio, além de um QRcode para as pessoas ouvirem, é diferente de ler e ouvir uma poesia como essa”, finaliza.

“A arte é um conjunto, onde tudo se completa, é algo que se não existisse na minha vida, não sei como seria, ela está presente em tudo, nos meus sonhos, nas minhas vontade e tudo contempla pra que eu seja parte dessa arte”, finaliza o poeta. 

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