“Machismo e abuso são coisas de colonizador. Não é natural do homem preto”, diz escritor da Cidade Ipava

Edição:
Ronaldo Matos

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 Desde que criou uma conta no Instagram, Jefferson Bernardo, teve contato, pela primeira vez, com uma nova perspectiva sobre questões de raça e gênero e passou a escrever sobre isso.

Jefferson Bernardo tem 36 anos, é morador de Cidade Ipava, bairro localizado no extremo sul de São Paulo, às margens da represa Guarapiranga e trabalha há mais de dez anos como porteiro e segurança patrimonial.

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Ele conta que sempre sentiu algo de errado na sociedade, desde a forma como era visto e tratado em determinados lugares em que prestava serviço, como a maneira como ele próprio se enxergava, bem como sua visão sobre o mundo.

“Trabalhando nessa área e sendo um homem negro, me deparei com muita coisa, ouvi muitas coisas, mas só quando aprendi conscientemente a história do ponto de vista do povo preto entendi que o que até então me parecia normal, na verdade era racismo, mesmo que velado”, conta o escritor.

Combate ao racismo

Bernardo é um dos autores convidados pela Editora Copperlite para colaborar com a antologia de poesia Slammer: Afronta – O melhor do Slam, que tem lançamento previsto para o primeiro semestre de 2023.

Seu primeiro contato com a cultura negra aconteceu quando criou um perfil no instagram, após o término do casamento. “Minha parceira não entendia como eu me sentia quando conversávamos sobre coisas como racismo, mas eu consigo entender o motivo. Quando o relacionamento acabou eu decidi que só me envolveria com mulheres negras”, revela. 

“”Meu relacionamento não era afro centrado” 

Jefferson Bernardo é escritor e morador da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo.

O escritor Jefferson Barbosa tem um de seus poemas publicados na Antologia Afronta. (Foto: Arquivo Pessoal)

Jefferson passou a seguir páginas e perfis que ensinavam sobre a cultura africana e afro-brasileira e passou a pensar mais criticamente sobre isso entre o trajeto de casa até o prédio em que ele trabalha, na Faria Lima, região de grande movimentação empresarial e financeira da cidade de São Paulo.

“Passei a observar o cotidiano, a cor da pele das pessoas que entravam no busão antes mesmo das seis da manhã pra chegar ao trabalho no centro, e como as mulheres, principalmente as negras, eram tratadas no transporte coletivo”, relata.

Jefferson conta que nunca pensou em escrever e nem foi adepto da leitura na juventude, mas a partir das percepções adquiridas de cunho racial, começou a comentar nas postagens dos influenciadores que provocavam essas reflexões, até que um desses comentários chamou a atenção do escritor e criador de conteúdo Helder Alàgbà, que o incentivou a escrever também.

Desde Março deste 2022, Jefferson divulga suas poesias no perfil Akewí Sankofa, no Instagram. Lá o escritor aborda principalmente a valorização da cultura preta, relacionamento afro centrado e machismo, como no poema abaixo:

O patriarcado me formou em um assediador
Quando ela me diz: Não! Pare, por favor.
Quando forço mesmo que nenhum interesse em mim a despertou
Quando seu riso é recolhido, me impulsiona a não ter nenhum pudor
Quando nunca tive sua autorização e continuo lhe causando dor
Quando toquei seu corpo na fila, ônibus ou metrô
Está nascendo em mim um estuprador
Ancestrais, diáspora de África nos ensinam que Ubuntu é amor.
Homem preto diga não aos hábitos do colonizador. 

“Esse poema escrevi em primeira pessoa porque queria causar essa provocação. Às vezes o abusador é um amigo, um cara do seu trabalho, enfim, pode ser um rosto familiar e eu quero que os caras me perguntem sobre isso. Temos que dialogar sobre como é prejudicial e colonizador é o comportamento machista”, conclui.

Jefferson é pai de duas adolescentes pretas e se revela preocupado em como as filhas serão tratadas e lidarão com temas como a solidão da mulher negra, que ocupa, na maioria das vezes, um lugar específico dentro das relações inter-raciais e até afro centradas.

“Estudando e fazendo um exercício de autoconhecimento eu entendi que essa mudança precisa começar por mim e os textos me abriram um horizonte pra muitas coisas, hoje eu consigo impactar outros caras, do meu trabalho, da família e do bairro. Eu cometo erros, mas sigo evoluindo”, diz. 

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