“Eu falo que cada periférico é um sem-terra também, [pois] ele não tem um grande latifúndio, não tem dinheiro e nem riqueza acumulada. Ele é um sem-terra, entendeu?”. Essa fala é de Maria Alves, 70, uma militante, que transita, há tempos, entre o campo e a periferia usando a educação como ferramenta de mudança e luta em defesa do meio ambiente.
Maria Alves é nordestina e cresceu na divisa do Pernambuco com a Paraíba. “A minha família era como se fosse uma aldeia, todo mundo no entorno da minha vó, Conceição, que era uma mulher comunitária. Então, a gente aprendeu no berço de famílias de agricultores que não tinham terras, mas que trabalhavam muito nesse país.”
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Em 1975, Maria vem para São Paulo com o marido, após morar 10 anos no Paraná trabalhando como agricultora. Eles se mudam para o Jardim Damasceno, região da Brasilândia, na zona norte da cidade.
“Como toda pessoa que não tem uma formação acadêmica, que viveu sempre trabalhando na roça e na agricultura, a gente chega na cidade de São Paulo e vai conseguir o subemprego, aquele emprego que mal dá para você passar o mês e pagar suas contas. E a gente vem morar no pé da Serra da Cantareira em uma periferia bem abandonada”, relembra a agricultora.
Ela comprou um terreno a prestações e construiu a casa na base do mutirão com a família. Depois o foco de Maria passou a ser melhorias para o bairro. Ela conciliava isso com o trabalho e a educação dos filhos.
“A gente foi lutar por qualidade no bairro, qualidade de vida, transporte, questão de saúde, educação, saneamento, essas coisas que a necessidade faz, você acaba virando uma militante urbana, que eu nem sabia que eu era. Eu sabia que tinha que fazer a luta, eu fiquei 27 anos morando ali. Depois eu integrei ao movimento sem-terra”
Maria Alves, agricultora e educadora ambiental
Educação ambiental em defesa dos rios
Maria conta que quando chegou à Brasilândia ainda era possível lavar roupa e tomar banho de rio na região. “E aí a gente vê logo em seguida toneladas e toneladas de lixo e entulho sendo jogado nesses rios”, conta.
Em 1996, quando o rio Cabuçu, foi canalizado com o investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e, em contrapartida, o banco pedia um trabalho de educação ambiental no bairro. Maria estava entre as lideranças locais que participaram do projeto, que foi implementado pelo instituto Ecoar.
Com o fim do projeto, as lideranças comunitárias envolvidas e a Associação Cantareira resolveram dar continuidade ao trabalho nas salas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), na qual Maria era monitora.
“A gente tinha o tema constante [de preservação ambiental] e aí a gente falava das sacolas de lixo que eram jogadas no rio. Mas a gente tinha algo pior, que são as empresas que jogam lixo. Lá no bairro tinha até uma tabela de cobrança, um homem que cobrava pelo lixo jogado”, recorda.
“Eles foram soterrando nascentes, fazendo uma devassa e a gente também foi brigando. Nós tivemos 20 anos, com um processo contra um chiqueirão clandestino, esse processo caducou, as autoridades não tomaram nenhuma providência e a gente ainda foi ameaçada de morte, porque a gente estava lutando contra esses lixões”, conta a educadora ambiental. Isso provocava inundações, que até hoje atingem os moradores.
Mesmo com as adversidades, Maria junto com a associação de moradores seguiam com as reivindicações, que com tempo surtiram efeitos, e investindo na educação como principal ferramenta de mudança. Ela foi uma das fundadoras do projeto Arte na Rua, que atendia 80 crianças de 7 a 18 anos, fazendo o trabalho de arte, educação e práticas esportivas.
“Assumi dois projetos também ligados à Associação Cantareira, que foi de Agentes Comunitários, com 40 alunos e Monitores Ambientais, com 30 alunos, na faixa etária dos 15 e 16 anos, para acessar o primeiro emprego e se capacitar”, conta a educadora sobre sua trajetória.
Maria fala que se orgulha de todo trabalho dedicado à região. “Hoje eu tenho uma alegria de ter sido essa moradora urbana, militante que me envolvi e mergulhei de cabeça numa coisa de pensar a Juventude”, finaliza Maria.