Entrevista

Bruna Bandeira cria outro imaginário sobre a população preta no Instagram

Edição:
Ronaldo Matos

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Com mais de 500 mil seguidores, a criadora do perfil ‘Imagine e Desenhe’ desenvolveu uma rede de apoio e representatividade que transcende as barreiras digitais das redes sociais, dando vida a ilustrações que representam ancestralidade, subjetividade e as desigualdades sociais que afetam a população preta e o cotidiano periférico.

A pedagoga e ilustradora Bruna Aparecida Bandeira da Silva, 29, fez da sua paixão pela arte de desenhar um símbolo de representatividade e afeto para a população preta e periférica que a segue nas redes sociais.

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Bruna é cria do Cidade Ipava, bairro pertencente à região do M’ Boi Mirim, onde se entendeu como mulher preta e periférica e ambiente no qual colocou em prática os objetivos e projetos que idealizou por tanto tempo.

Ela é a criadora da “Imagine e Desenhe”, um perfil no Instagram que que já se tornou referência de arte digital para internautas negros e negras, justamente por sempre ter como inspiração, manos e manas pretas para protagonizar suas ilustrações.

A página foi idealizada e criada em 2012, quando Bruna ainda estava no processo de formação acadêmica. No corre da faculdade e do trabalho, ela colocou em prática um sonho que a acompanhou pela infância, de trabalhar com arte e poder frutificar a essência da quebrada em que viveu.

Sua família se mudou para o Cidade Ipava quando ela ainda tinha apenas 4 anos de idade, portanto passou sua infância e adolescência morando na periferia. Bruna nos conta que sempre se sentiu bem no lugar onde cresceu. “Gosto de como a gente se sente confortável na periferia. Na periferia ‘cê’ se sente protegido, se sente em casa. A periferia tem aquele aconchego”, afirma.

Dentre muitas metas que a ilustradora conquistou e ainda sonha em conquistar, ela nos contou que tem o intuito de fundar uma instituição para disponibilizar mais oportunidades aos moradores da quebrada.

“Um dos meus maiores sonhos é fundar uma instituição, projeto, informação, cursos, de uma forma que seja de fácil acesso para todo mundo. Porque acho que o que a periferia precisa é de orientação e oportunidade”, ressalta.

Bruna começou a sonhar desde pequena, e foi justamente na sua infância que descobriu sua paixão por lecionar, levar informação e conhecimento ao próximo, mas ainda criança foi diagnosticada com Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDH), onde começou a desenhar como uma forma de válvula de escape, não desenhar por si só, mas criar histórias e raízes através dessa arte.

Foi a partir deste momento que ela decidiu cursar pedagogia, para levar toda sua criatividade para a educação infantil. Tanto que essa se tornou uma das maiores essências da Imagine e Desenhe, onde o nome já diz por si só, suas vivências no ensino médio, na faculdade e já formada, levou a se expressar através de suas ilustrações.

Percebendo que aquilo era muito mais que um dom, em 2012, logo quando o Instagram era novidade para muitos moradores da quebrada, ela criou um perfil pessoal e uma página para a Imagine e Desenhe, que no início era alimentado apenas com desenhos baseados em situações que aconteciam em seu cotidiano, segundo ela, até então nem considerava uma página oficialmente profissional.

“Depois de um fim de relacionamento, aquela coisa adolescente, jovem, vou postar aqui! Aí eu desenhava uma personagem, desenhava todo dia. Pegava frases de música, ai que coisa sofrida”, conta ela, relembrando o processo de criação das primeiras ilustrações de sua autoria.

O processo da página passar a ilustrar personagens negros foi bem intenso, como nos relatou a ilustradora. Ela nos trouxe que no início desenhava meninos e meninas com a pele branca, e que não tinha o entendimento de que aquilo poderia sim ser discutido e repensado.

Foi preciso muitos passos serem dados para a página se tornar fonte de representatividade racial no universo das ilustrações. “Depois de um tempo, entrei para uma casa de dança de pole dance, onde a líder falava sobre aceitação de seus corpos, falava sobre respeito, com seus corpos, seus cabelos e suas raízes. Mas isso era só a base de tudo, comecei a estudar, ir atrás de referências mulheres pretas, para poder ilustrar. E nessa transição, minha personagem mudou. Não conseguia ilustrar só personagens brancas”, relata Bruna.

Nesse meio tempo, a ilustradora passou a receber algumas mensagens de seus seguidores pedindo para que ela ilustrasse também mulheres e homens negros. E todos esses fatores colaboraram para a construção da essência da Imagine e Desenhe, que é levar aos que acompanham, a oportunidade de poder se identificar com as mensagens das publicações.

Oficina e pintura de muros no CRAS Pilar do Sul com as crianças da instituição. Fotos: Bruna Bandeira.

De 2012 até 2017 seus trabalhos e ações foram sem fins lucrativos, apenas atuando voluntariamente em prol de jovens da quebrada. Mas em 2018, foram abertas outras portas para a Imagine, seu nome foi levado até empresas e grandes marcas. Até então, a página era apenas uma rede de apoio e atualmente, possui projetos e parcerias com alguns nomes conhecidos, como a Google, Amazon, TeleCine, Sesc, Instituto Avon, entre outros.

Em 2019, depois de muito esforço e trabalho tanto com a Imagine, onde realizou alguns projetos significativos, quanto como educadora, ela comprou o seu primeiro iPad para profissionalizar ainda mais o seu trabalho, melhorando a qualidade na produção e da entrega.

Mas infelizmente, essas conquistas foram pausadas em 2020, quando Bruna e sua página sofreram muitos ataques e linchamentos virtuais onde a acusaram de plágio. Mas como toda a origem de suas criações sempre foram produzidas com inspiração em alguém ou algum momento marcante, isso confortou a pedagoga em meio a tantas agressões verbais que sofreu na época.

“Meu psicológico ficou bem afetado. Foi quando eu vi que nem todo mundo está lá com você. Achei muito importante esse momento, que foi um divisor de águas e onde resgatei meu propósito, o que me salvou foi minha jornada, foi saber que eu sempre fiz feira, pintei instituição, fazia coisa de graça. Então, sabia que meu trabalho não era virtual, meu trabalho era presencial”, argumenta.

Foi preciso muito discernimento e cuidado psicológico para que toda aquela trajetória não acabasse, mas Bruna se reestabeleceu, relembrou a essência da Imagine e Desenhe e continua até hoje levando sua arte para os corações da quebrada.

Com base nisso, ela estruturou ainda mais o propósito da Imagine e Desenhe, segue subindo nas redes conteúdos que representem as famílias periféricas, mas sempre reforçando que ter o contato com essas vidas e as levando para potencializar as ações é o combustível maior para que toda essa luta se evidencie cada vez mais.

“A Imagine é uma empresa registrada, bonitinho, como uma empresa, pago MEI, faço prestação de serviço e vivo hoje, há 2 anos, da minha arte, em pandemia e no Brasil. E é isso!”, conta ela, orgulhosa do seu trabalho construído com tanta dedicação.

Atualmente, Bruna Bandeira além de viver da sua arte, seja dentro ou fora das redes sociais, faz parte do grupo Mulheres do Brasil, onde apoia as meninas jovens e periféricas em seus trabalhos e projetos de vida.

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