“Hoje nós temos condições de viver até 120 anos, como é que você pode falar que uma pessoa de 80 [anos] não pode isso [ou] aquilo? O que ela vai fazer nos outros 20 [anos]?”. Esse questionamento é da Claudete Maia, 68, moradora do bairro Vila Divina Pastora, no distrito de São Lucas, zona leste de São Paulo.
Aposentada, Claudete trabalhou desde os 18 anos como bancária, e entende que a forma como escolhe viver não cabe em padrões. “Enquanto puder fazer, faça. Para quando não puder, ter o que lembrar”, frase que a mãe de Claudete dizia à ela, e que segue colocando em prática.
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“Eu sempre gostei de dançar. A minha família era uma família que dançava, eu sempre falo que a gente aprendia a andar e dançar. Eu aprendi em cima dos pés dos meus irmãos”, menciona a aposentada sobre um de seus divertimentos.
Claudete conta que não se casar não foi uma escolha, mas acredita que isso trouxe reflexos nas boas experiências que viveu com viagens e na dança. “Se eu tivesse casado talvez não tivesse feito tudo isso”, diz.
Aproveitar a vida independente da idade não é algo novo para Claudete. Sua mãe, Mazilia Maia, que faleceu aos 88 anos, também tinha essa característica. “Minha mãe com 80 [anos] subia em árvores. Nós fomos para Europa quando ela tinha 80 anos”, conta.
Curtir a vida frente às desigualdades
A princípio, a falta de condições financeiras foi o principal entrave para que Claudete pudesse aproveitar a vida plenamente como ela gostaria. “Nós éramos seis irmãos e quando meu pai faleceu minha mãe ficou com seis para criar”, relembra sobre a infância.
Mazilia, mãe de Claudete, trabalhou como empregada doméstica até os 60 anos, e assim sustentou os filhos que começaram a trabalhar desde cedo, aos 13 anos, para ajudar em casa. Claudete conta que foi a única entre os irmãos que começou a trabalhar aos 18 anos, quando passou em um concurso da Caixa Econômica Federal.
Foi a partir de uma viagem feita para o festival Oktoberfest, em Santa Catarina, com um casal de amigos, que Claudete passou a se permitir e a enxergar possibilidades de conhecer novos lugares. Depois dessa experiência, ela fez sua primeira viagem internacional para o Chile com um grupo de amigos do trabalho que já havia a convidado para ir ao Peru e ela recusou.
“Como a gente nunca tinha [dinheiro], então ele era priorizado para as coisas da casa”, conta. No entanto, quando surgiu o convite para a viagem do Chile ela resolveu arriscar.
“Eu pedi um dinheiro para minha irmã e eu tinha comprado um terreno com meu irmão [que] a gente pagava as parcelas. Eu fiz o cálculo e falei ‘vou ficar três meses sem pagar e vou juntar esse dinheiro’. Imagina ficar sem pagar prestação. Mas eu fiquei, [porque em] três meses meu nome não ia ficar sujo. Peguei o dinheirinho e fui passear”, conta Claudete, que afirma ter sido a melhor coisa que fez por si.
“Você vai amadurecendo, e aí consegue sair com menos [dinheiro]. Aprendi a viajar e a dormir em lugares que têm banheiro compartilhado. Geralmente eu viajo sozinha. Pego a minha mochila e vou”, compartilha a aposentada. Ela também conta que conhecer a Aurora Boreal é o próximo sonho que deseja realizar.
“A questão de morar na periferia não tinha muito destaque, era normal enfrentar o transporte público [por exemplo]”, diz Claudete sobre sua dinâmica de morar na periferia, mas também circular para além do seu território.
“Ser mulher negra nunca me atrapalhou. Só percebi de fato [uma situação de racismo] quando conduzi os trabalhos de uma equipe e um dos meus subordinados não saía para almoçar conosco e só falava comigo sobre trabalho. Depois de algum tempo ele confessou o motivo: ‘Você é uma negra metida”‘, conta Claudete sobre uma das situações que por vezes ocorre com mulheres negras em cargos de gestão.
Corpo em movimento
Claudete praticou yoga durante 10 anos, participava de aulas sobre consciência corporal, pilates e danças brasileiras. No território onde mora, também faz parte da Associação Solidariedança, que a partir da fisioterapia e da dança, atende pessoas com deficiência ou com dificuldade motora.
“Como é pertinho [de casa] eu fui para lá e comecei a fazer dança com [as pessoas com deficiência]. Isso foi em 2021 e estou lá até hoje”, compartilha. Atualmente Claudete participa de apresentações de dança cigana e dos grupos Jongo Filhos da Semente, Mistura da Raça e o Jongo de Guaianazes.
No carnaval de 2024, a aposentada desfilou na escola de samba Unidos de São Lucas, e também costuma desfilar com o bloco Unidos dos Palmares.
Para mulheres que deixam de fazer o que gostam por pressão das construções sociais sobre suas idades ou por receio do que possam dizer, Claudete deixa uma dica: “Tem que agradecer a idade que elas têm e usufruir do potencial, porque se Deus te deu a vida é para você viver. Sabe pecado? Eu acho que isso é pecado, você ter a vida e não viver”, pois para ela “a idade para ser feliz é quando você está vivo”, finaliza.