“O audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar”, diz cineasta da quebrada

Edição:
Ronaldo Matos

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Vamos mostrar os caminhos e desafios que uma profissional do audiovisual da quebrada precisa trilhar para acessar conhecimento teórico, técnico e equipamentos, que poucos moradores das periferias têm acesso. 

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Durante a pandemia, a cineasta iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema” | Foto: Kaique Boaventura

Você já parou para pensar como as tecnologias do audiovisual podem impactar a vida e o imaginário dos moradores das periferias? Equipamentos, softwares e cursos de produção audiovisual formam um conjunto de técnicas e saberes que poucos brasileiros têm acesso no mundo digital, se levarmos em conta que a internet ainda não é universalizada no Brasil, e as periferias fazem parte deste cenário.

A fotógrafa, videomaker e fundadora da produtora Zalika Produções, Naná Prudêncio se reconhece como uma ‘Preta nerds’, por entender que a tecnologia alimenta seus sonhos e a capacidade de interpretar o mundo a sua volta. A moradora do Parque Pinheiros, bairro do município de Taboão da Serra utiliza o acesso à tecnologia para aprender novas técnicas de audiovisual e se aprimorar.

“Eu vou indo, agora to na fase da ilustração, já tive a fase do vídeo, tive a fase do drone, vou indo de pouquinho e tento sugar o máximo de informação naquele segmento do audiovisual”, diz a produtora, que através de novas referências e aprendizados tenta criar suas próprias técnicas para ampliar o repertório de conteúdo da Zalika produções. “Depois da ilustração, eu quero ser craque em tratamento de cor, eu quero deixar os vídeo tipo o Kondzilla tá ligado”.

Mas esse acesso a tecnologia que a videomaker se refere faz parte de um processo de adaptação, para suprir suas dúvidas com o audiovisual, pois ela relembra que quando era mais nova, essa cultura do acesso a informação era algo bem raro em seu cotidiano. “O máximo de acesso que a gente tinha era um computador velho, travava toda hora e televisão”, afirma a produtora.

O acesso às tecnologias audiovisuais levaram Naná a realizar projetos em países africanos | Foto: Nina Vieira

Após uma série de experiências profissionais bem sucedidas e outras nem tanto, ela faz uma breve reflexão sobre a importância da tecnologia em sua vida hoje. “A tecnologia me faz ir pra esse mundo de entender cada movimento que está acontecendo ao meu redor, seja no meu computador, na minha câmera, seja no drone”.

Antes de conseguir estruturar esse processo de produção audiovisual com qualidade de imagem, som e narrativa, ela conta que as tecnologias do audiovisual transformaram a sua vida. “Eu acho que o audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar sabe. Antes do audiovisual, eu tava sem vontade nenhuma de sonhar”, afirma Prudêncio.

Ela lembra que o interesse pela produção audiovisual surgiu na quebrada onde ela mora, no Parque Pinheiros. Foi a partir do envolvimento com movimentos culturais e sociais do território que surgiram as primeiras oportunidades de fotografar eventos culturais e esportivos.

“Eu acho que a várzea foi um grande ponto pra eu entrar na fotografia, porque eu faço parte de um time de várzea e a gente faz as festas das crianças, essas coisas. E a oportunidade veio aí, toda vez que tinha festa das crianças os meninos jogavam uma câmera na minha mão, e eu começava a tirar umas fotos”, relata a produtora audiovisual sobre o início de sua carreira registrando partidas de futebol de várzea na quebrada.

Começando por esse ponto de partida, Nana conta que pegava uma câmera emprestada para treinar e produzir conteúdos audiovisuais, e assim, ela conseguiu uma bolsa de 50% para ingressar no curso de audiovisual na faculdade. “Antes de fazer a faculdade eu já tava tirando umas fotinhas lá e cá, com câmera emprestada”.

A imagem da quebrada ao fundo demonstra o pertencimento da cineasta ao bairro que ela deu os primeiros cliques como fotografa de eventos culturais e esportivos | Foto: Daniel Fagundes

Ela ressalta que a partir deste momento, surgiu a oportunidade de fazer o primeiro estágio em uma produtora audiovisual. No entanto, Naná não se sentiu pertencente às narrativas produzidas pela empresa, pois elas não falavam sobre ela, os moradores das periferias e a cultura da quebrada.

“Eu já me via uma profissional do audiovisual, fazia câmera, fazia edição, trabalhava com produtora de desfile de moda, mas não estava satisfeita”, afirma ela, que a partir da sua insatisfação e não identificação com o conteúdo resolveu investir sua experiência profissional para criar a sua própria produtora, com sua identidade. Nesse cenário, nasce a Zalika Produções.

Segundo Naná, a Zalika Produções tem proposta de realizar projetos audiovisuais, artísticos, educacionais e culturais. Buscamos inspiração em comunidades e grupos culturais marginalizados para produzir e apresentar conteúdos transformadores em forma de arte e com novas narrativas.

Construir novos saberes e narrativas, a partir de histórias de pessoas periféricas que representam de fato o seu cotidiano. Esse é o propósito da produtora audiovisual.Ela destaca que a criação da produtora está conectada com a sua autoafirmação profissional. “Eu acho que o início da Zalika foi eu acreditar que eu ia ter que construir o meu espaço sabe, não só pra mim, mas pras pessoas pretas, principalmente mulheres pretas”.

Durante a pandemia, Naná iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema”, que aborda como o racismo, o desemprego, a insuficiência no atendimento de saúde nos territórios periféricos durante a pandemia do novo coronavírus resultam em uma fórmula genocida.

“Surgiu nessa ideia de mostrar pra nós da quebrada, que tem gente passando fome, tem gente na miséria na sua rua, na sua viela, no seu bairro, no seu quarteirão, e mostrar pro sistema em geral que nós não tamo de chapéu, a gente sabe o que ta acontecendo e a gente sabe que a população preta e periférica é a que mais ta morrendo de covid-19, porque é a que mais morre de tudo mesmo”, argumenta Naná, fazendo um breve resumo sobre o documentário. 

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