Meninas enfrentam machismo em jogos online com criação de comunidades virtuais

Edição:
Ronaldo Matos

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Com suas habilidades de comunicação e técnicas de jogo, as jogadoras criam uma comunidade virtual mais receptiva para outras meninas que passam por ataques machistas durante os jogos.

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Ana Luiza é uma dessas jovens que estão criando comunidades virtuais para combater o machismo durante partidas de Free Fire (Foto: Thais Siqueira)

Ana Luiza, 13, moradora do Parque America, no Grajaú, região sul de São Paulo, é um exemplo das pré-adolescentes que estão sempre antenadas com as novas tendências digitais de entretenimento. Uma de suas recentes descobertas são os jogos online, mais especificamente o jogo de ação e aventura do gênero Battle Royale, gênero de jogo que envolve estratégias de sobrevivência e combate entre vários jogadores.

“A primeira vez que eu joguei um jogo online foi o Among Us, que ele tava bem famoso na época, aí só depois veio o Free Fire”, conta Ana Luiza que acessa esse universo digital gamer pelo celular. Ela complementa dizendo que os jogos são um dos seus principais passatempo:”Eu gosto bastante de jogar free fire, quando eu não tenho nada pra fazer e eu to entediada”.

Uma das suas influências para começar a jogar free fire foram seus amigos de escola: “Eu comecei jogar free fire, por conta que, na escola, meus amigos falavam muito desse jogo, falavam que era muito bom, ai eu entrava na internet e falava muito desse jogo, e as pessoas ficavam loucas nesse jogo, ai um certo dia pensei, ‘porque não jogar?’, aí eu instalei e comecei jogar”, relata Ana.

Ana conta que recebeu críticas no início por não dominar muito as jogadas. “Maior dificuldade no início é de que você era muito julgada de não conseguir jogar direito, por causa da Skin do jogo, que são as roupas que seu personagem usa, por você não ter diamante, essas coisas, essa foi a maior dificuldade”, compartilha a jovem.

Para conseguir desenvolver suas habilidades no jogo, ela procurou referências assistindo outras mulheres jogando “porque elas tem um jeito melhor de explicar”, afirma Ana Luiza.

“Esse processo de aprendizagem foi bem difícil, porque eu fui julgada por amigos e aleatórios, que hoje já não são mais meus amigos, eu fui assistindo vídeos de pessoas que jogam free fire, eu fui treinando, porque tem lá o modo de treinamento, e acabou que deu tudo certo e hoje eu sou boa”, conta.

Ana Luiza conta que nota um aumento significativo de meninas durante as batalhas virtuais. “Eu vejo bastante meninas jogando, tem muito mais meninas jogando agora do que no início, no início tinha pouquíssimas, hoje já tem muitas”, afirma.

Ela diz que mesmo com o aumento de meninas nos jogos, ainda recebem repressão de outros garotos pelo seu gênero, principalmente quando começam a ligar o microfone e falar durante as partidas.

“Direto eu fico ouvindo essas coisas, não aconteceu comigo ainda, mas com algumas amigas minhas, e eu já vi também. Tem meninos que acham que as meninas não podem jogar, ficam falando pra elas que elas tem que lavar uma louça, varrer um chão, limpar uma casa que esse jogo não é pra menina”, conta Ana.

“Se isso acontecesse comigo iria ficar sem entender, pra ser sincera, eu sou meio sem paciência quando essas coisas acontecem, então eu iria discutir, até a pessoa ficar quieta na dele, entendeu”, relata Ana contando como reagiria diante de situações de machismo que vê amigas passando durante as batalhas virtuais.

Ela ainda conta que sua melhor resposta é “chamando para uma x1”, que no mundo gamer significa chamar para uma partida, e ganhando do adversário. “Eu iria responder numa partida, porque tem uns que que se acham melhor que os outros, fica chamando os outros de boot, então eu ia responder chamando ele pro x1, pra mim poder ganhar, obviamente”.

Incentivando outras meninas no universo gamer

A  jovem já entende que uma das questões para essas situações de machismo acontecerem é pela falta de representatividade de meninas no universo gamer, principalmente

meninas negras e periféricas, que não tem oportunidade de acessar essa cultura.

“Eu to querendo inclusive até começar um canal, pra poder mostrar eu jogando e quem sabe eu possa participar de torneio essas coisas”, conta Ana Luiza, que afirma também que sua principal motivação é inspirar outras meninas.

“Eu iria me sentir muito feliz, porque eu iria vê que eu estaria inspirando outras meninas a fazerem isso, a se mostrar”

Ela reflete sobre as diferenças que encontraria caso ingresse nesse cenário, que seria diferente de outras streamers que estão em alta nas redes atualmente. “O que seria diferente se eu tivesse um canal seria a qualidade de câmera, seria a cor da minha pele, seria o cenário, porque é bem diferente, seria diferente também porque eu não tenho um pc próprio pra jogar, mas dá pra jogar pelo celular, gravar a tela”, reflete Ana Luiza.

Uma das coisas que a jogadora mais se diverte é montando seu personagem, criando uma nova realidade no mundo virtual, colocando elementos da sua vida pessoal.

“Eu também gosto de colocar muito a realidade nos personagens, ela tem um pinguim, mas tem outros pets também que eu tenho. Agora que eu coloquei essa roupa, eu não pensei em nada também, eu só quis combinar look, mas geralmente eu coloco um cabelo black cacheado que eu tenho, eu coloco uma roupa assim, mas boa sabe, eu gosto de mostrar um pouco da realidade assim que eu vivo”, compartilha a jovem dizendo que reproduziria as vestimentas de sua personagem na sua realidade fora das telas

Personagem da Ana Luiza no Free Fire (Imagem: Reprodução)

Outra jovem que se diverte no universo gamer é Kauane Vitória, 12, moradora da Vila Rubi, na Cidade Dutra, zona sul de São Paulo. Ela joga free fire há muito tempo, tanto que nem lembra exatamente como começou, mas afirma que já é muito boa.

Ela conta que costuma jogar mais com meninos porque eles falam mais: “Jogo sim com microfone ligado direto pra mim tentar fazer amizade nova, jogo faz tempo, eu não tenho muito amiga menina, tenho mais menino, porque menino fala, menina não fala muito”, relata Kauane.

Ainda assim, a jovem relembra uma situação de machismo que enfrentou: “Eu tava numa partida jogando, nao sei o que aconteceu, que eu só morria, tipo assim, tem vez que eu to boa, tem vez que tô fraca, tem vez que to mais ou menos, os meninos falaram assim, ‘vai lavar a louça, vai dobrar a roupa, vai lavar roupa, aqui não é seu lugar de menina’ e ficaram fazendo bullying”, afirma Kauane.

Ela conta que mesmo quando encontra meninas nas partidas, diz não se identificar tanto com elas.”Sinto sim muita falta de ter mais meninas, mas quando encontro meninas, as meninas são tudo metida”, afirma.

“Eu acho assim, se as meninas não falarem mais no free fire, os meninos têm mais possibilidade de ganhar sim”

Para conseguir falar mais e em mais espaços virtuais, a jovem fez um canal no Youtube e está esperando bater mil inscritos para começar a fazer lives e vídeos jogando. “Eu mesma que edito, eu mesma faço meus vídeos, eu mesma faço tudo, capa, tudo é eu que faço mesmo”, conta a jovem.

Ela também afirma que seu processo de aprendizagem acontece de forma intuitiva com as ferramentas de edição. “Eu não vi nenhum tutorial, ninguém me falou nada, eu baixei o aplicativo e fui tentando lá, fui tentando é consegui”, afirma.

A jovem conta que a falta de equipamento a impede de seguir produzindo conteúdos mais focados em jogos para seu canal. “Se eu postasse vídeo assim no meu canal, eu ia fazer live jogando, por isso eu quero dois celulares, porque to esperando ter outro celular pra fazer essas coisas assim, eu gostaria de fazer live ou então gravar um vídeo”, finaliza.

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