Atualizando as telemensagens que se popularizam em São Paulo entre os anos de 1990 e 2000, Karen David, 28, poeta e moradora do moradora do Alto do Riviera, zona sul da capital, oferece poesias personalizadas através de ligações, áudios no WhatsApp, cartas e vídeos para contar histórias de amor, desamor, pedidos de reconciliação e datas comemorativas.
O serviço de telemensagens começou quando Karen propôs ligar para as namoradas e esposas de amigos próximos e recitar uma poesia a R$ 2,00, pois precisava pagar a assinatura de streaming e daí surgiu a oportunidade de ter na poesia uma renda e flexibilidade para trabalhar.
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“Eu peguei as poesias que já tinha e fiz as telemensagens em formato de poesia. Postei no Instagram e comecei a oferecer pros meus amigos cobrando um valor simbólico de R$ 2,00, já que eles diziam que gostavam dos meus textos e toparam”, relembra a poeta.
“Eu precisava somar com a minha renda e pagar a Netflix”
Karen David, poeta e empreendedora
Poeta compartilha telemensagem no Tik Tok
A ideia deu certo logo de cara e publicar os vídeos no TikTok foi um divisor de águas na carreira de Karen. O primeiro vídeo bateu 450 mil visualizações, o segundo mais de 3 milhões, ela foi de 500 para 10 mil seguidores em um dia. “Depois disso, a galera começou a me procurar para contratar o serviço, mas eu não tinha um serviço, nem o produto”, relata.
Por ser uma iniciativa considerada nova, Karen não tinha referências e artistas que fizessem esse tipo de trabalho, então junto com sua irmã planejaram um negócio rentável e com qualidade, usando de parâmetro as próprias histórias de quem contratava o serviço, trazendo ainda mais identificação com as mensagens.
“Quando isso se estruturou nós pensamos ‘temos um negócio’. Foi que pensei que a gente estava atualizando o serviço dos anos 1990, inclusive até já mandei uma vez e isso pode ter me inspirado inconscientemente, mas no começo eu só pensava em entregar as poesias”, explica ela sobre ter se inspirado nas telemensagens.
“Hoje nós trabalhamos com formatos além das ligações como texto, áudio, vídeos, stories e cartas, que a gente envia pelo correio”
Karen David, poeta e empreendedora
Tik Tok atrai novos clientes
Natson Verissimo, 36, é morador do Jardim Ângela e proprietário de uma sorveteria no Grajaú, zona sul de São Paulo. Ele contratou a primeira telemensagem para a mãe em 2022. Mesmo sem a artista conhecer pessoalmente, tem uma sintonia e carinho capazes de estreitar a relação e o contato físico ser um detalhe.
“Conheci o trabalho dela no TikTok, a única rede social que eu uso. A voz e o jeito dela me contagiou, hoje a considero alguém da família. E quando descobri que ela era da minha quebrada eu tive [através dela] essa vontade de valorizar esses talentos, justamente por trabalhar na periferia”, afirma o cliente da empreendedora de telemensagens poéticas.
Veríssimo conta que já utilizou o serviço de telemensagens oferecido antigamente e afirma que a reação da mãe ouvindo a poesia foi impagável, pois as palavras usadas pela artista expressavam o sentimento que ele queria proporcionar, a partir de um direcionamento dado por ele através do atendimento da equipe.
“Eu era do tipo que mandava telemensagem de aniversário e estava com a minha mãe na hora da mensagem e ver a reação dela escutando não tem preço que pague, não é preço é valor. A Karen se empenha para isso, ela quer o melhor, quer tocar o coração e ela vem com palavras lindas, transmitindo tudo que a gente queria dizer e não sabia como”,
A poesia como inovação
Trabalhando desde os 14 anos como garçonete e bartender, Karen conta que nunca esteve de folga sábado e domingo e trabalhava em regime CLT como gerente de uma pizzaria quando o negócio da poesia deu certo.
Ela se orgulha em dizer que conseguiu estabilizar a vida da mãe, que já não é mais empregada doméstica por causa do seu corre com a poesia, assim como sua irmã, Quesia David, que atua como gerente operacional em sua empresa.
“A liberdade que o meu trabalho me traz me encanta”
Karen David, poeta e empreendedora
“É muito gratificante poder manter minha casa e a casa dos meus com o dinheiro da minha arte, a poesia sustenta o nosso lar. Não estou sobrevivendo, estou vivendo de poesia e isso ressignificou tudo que sou como pessoa e como artista”, afirma.
Desde o início de seu trabalho com as telemensagens, a artista sempre recebeu muitas demandas e durante o período de mais contratações, chegou a entregar 20 poesias em um dia.
Com o aumento da demanda, ela precisou contratar uma equipe que pudesse auxiliar nos atendimentos, pagamentos e agendamentos, enquanto escrevia os textos poéticos. Atualmente, a equipe conta com mais duas pessoas e aos fins de semana, quando tem mais demandas de atendimento, mais um freelancer.
Conforme as pessoas entendiam a importância do trabalho, passaram a pagar até mais do que era cobrado para passar na frente de uma fila de espera. “Comecei cobrando 30 reais e depois vi que estava barato porque as pessoas viram que o trabalho era entregue de forma tão completa que começaram a pagar mais e precisei ajustar os valores. Hoje tenho produtos que vão de R$ 30,00 a R$ 200,00, faço promoções toda semana, rifa e a maioria das pessoas acha o valor justo”, diz a empreendedora de telemensagens poéticas.
Mesmo com a intenção de viver da arte, Karen diz que a sua motivação consiste em fazer com que as pessoas se vejam no seu trabalho, que seja algo que represente as histórias delas, sem necessariamente salvar a vida de alguém.
“Eu sempre quis que a pessoa se visse naquele texto, que diga ‘isso me define e define minha história, minha maior frustração é quando a pessoa diz que aquilo não representa a história dela. Nunca tive a pretensão de salvar a vida de ninguém, embora isso aconteça, é a cereja do bolo”, revela.
Além de poeta, Karen é fundadora da Urban KD, uma loja de roupas online com camisetas, bonés e moletons, e autora do livro Tinha Perigo na Curva do Seu Sorriso, lançado em 2023. A publicação aborda vivências da poeta com amores e desamores.
“O processo de escrita foi doloroso, embora as poesias já estivessem todas prontas, eu ficava me sabotando, achava que não venderia, que era demais pra mim. Então eu levei um ano, e quando enfim tive coragem de publicar, foram 85 cópias vendidas no pré-lançamento. Na real meu sonho é viver do livro”, finaliza.