Nesta quinta (07), acontece a audiência pública que irá debater sobre a terceirização das Casas de Cultura. Desde fevereiro, artistas, coletivos, movimentos e agentes culturais das periferias de São Paulo se articulam para barrar a possibilidade de concessão desses espaços culturais.
Desde fevereiro deste ano, o debate sobre a concessão das Casas de Cultura da cidade de São Paulo têm sido tema de encontros entre coletivos, artistas, movimentos e moradores das regiões periféricas que estão se mobilizando para garantir que a gestão permaneça com a prefeitura.
Com 20 unidades espalhadas em territórios periféricos, as Casas de Cultura são espaços que possibilitam o acesso dos moradores às atividades de arte, cultura e educação de forma gratuita, desde peças de teatro, dança e música, até oficinas e cursos, além de ser um espaço que fomenta o trabalho de coletivos e artistas locais.
A notícia sobre a intenção da Secretaria Municipal de Cultura em terceirizar esses espaços, chegou até o movimento cultural a partir de uma matéria da Folha de São Paulo, publicada em fevereiro, que conta sobre a possibilidade da abertura de um edital para seleção, até julho, de Organizações da Sociedade Civil (OSC), para gerir as Casas de Cultura.
Segundo Jennyffer Nascimento, poeta, educadora, atuante do movimento cultural periférico, moradora do Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo, e também membro da Mandata Quilombo Periférico, a informação sobre a possibilidade de terceirização das Casa de Cultura da cidade de São Paulo, pega de surpresa quem as utiliza e colabora de alguma maneira para a sua existência.
“A Secretária de Cultura da Prefeitura de São Paulo, informa que 30% do quadro de funcionários das Casas de Cultura estão para se aposentar e isso vai gerar o déficit [no quadro de trabalhadores das casas de cultura]. A ideia dela é de que com esse déficit em jogo haveria um sucateamento das Casas de Cultura e existem alguns estudos para passar a gestão para organizações da sociedade civil, as chamadas OS’s”.
explica Jennyffer.
Para ela, sem a chamada de novos funcionários públicos para a administração desses espaços, a chance da abertura de um edital para selecionar organizações sociais, apesar de repentina, a efetivação desse processo pode não ser demorada.
“A gente sabe que entre ter um estudo e a efetivação da terceirização às vezes é coisa de dois ou três meses, ou chega até um projeto de lei aqui na câmara e aí tudo pode ser terceirizado. A gestão passa a não ser mais da Secretaria Municipal e sim de uma organização, como acontece em alguns equipamentos de cultura do estado de São Paulo, como é o caso das Fábricas de Cultura”, explica Jennyfer.
As Fábricas de Cultura, exemplo de espaço cultural citado pela educadora, são equipamentos que oferecem atividades artísticas e são geridas através de organizações sociais. Diversos agentes culturais apontam que a mudança da gestão de equipamentos públicos para OS, contribui para uma perda da ligação com os artistas e o movimento cultural do território em que o equipamento está inserido.
No dia 29 de março, coletivos e movimentos culturais de São Paulo entregaram uma carta manifesto à Secretaria Municipal de Cultura buscando maiores esclarecimentos e diálogo a respeito da terceirização das Casas de Cultura da cidade.
Essa relação pode ser ainda mais prejudicada se as casas de Cultura passarem a ser geridas pelas OSCs! A exemplo da gestão de equipamentos culturais do Governo do Estado, onde sabemos que essa participação nas decisões é quase nula, seguindo uma lógica de cima pra baixo.
Não por acaso, o ataque às Casas de Cultura representa um ataque direto aos territórios periféricos e seus agentes locais. Muitas dessas Casas são o único equipamento de cultura da região, gerando impacto direto na população que é usuária e frequentadora desses espaços, sendo muitas vezes o único espaço de referência nas periferias.
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Demandas e identidade do território
Com o debate sobre a terceirização das Casa de Cultura, a preocupação passa a ser também referente a qualidade dos serviços fornecidos, de que maneira se daria e o cuidado com as necessidades da população de cada região onde estão localizados esses espaços.
“A gente conseguiu retirar as Casas de Cultura da supervisão das subprefeituras e colocar na Secretaria Municipal de Cultura porque a gente sabe que teria mais verba e essa foi uma das demandas dos movimentos organizados pelos movimentos culturais. Essas OS’s acabam administrando espaços no território onde elas não conhecem, não estão, não têm afeto”, diz Alex Barcellos, co-vereador no Mandata Quilombo Periférico.
Para Cristina Assunção, professora de história, slam master, integrante do Slam da Guilhermina e produtora do coletivo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes, o receio é de que maneira e qual arte as organizações sociais podem entender contemplar os territórios periféricos.
“Essas OS que atuam com cultura elas vão priorizar aquelas artes burguesas, que existem no centro, na Vila Madalena. Vai diminuir muito o número das pessoas que atuam nas periferias como os agentes culturais que já estão nas Casas de Cultura, já há muito tempo conhecem os grupos que estão naquele território, e essas pessoas desconhecem essa rotina”.
analisa Cristina.
A decisão impacta diretamente nos direitos e atividades dos usuários e artistas que estão há anos compondo o polo cultural das quebradas. Jennyfer Nascimento questiona esta situação, pois, segundo ela, não existem garantias de que os artistas terão seus espaços que foram conquistados há anos, mantidos.
“Quem garante que nós seremos contratados enquanto artistas? Quem garante que o uso do espaço vai ser mantido? O Flordelis e o Panelafro fazem parte de uma manifestação cultural que acontece há mais de 20 anos na Casa de Cultura da M’Boi Mirim e que já tem o seu espaço na programação”, aponta Jennyfer.
Ela ainda ressalta que para ser uma organização social que consegue pegar essa gestão, é preciso ter uma série de documentações. “E a gente sabe que infelizmente quem está à frente preparado para assumir isso são pessoas que não pensam como nós, ou que não estão inseridos no mesmo ambiente que a gente está”, finaliza.
Para Assunção, a solução é contratar funcionários públicos para assumir os respectivos cargos. “A conclusão que se chega é que a privatização só se amplia, e vai desde a educação, cultura e ainda pode acontecer com a saúde. Isso só trará mais exclusão e diminuirá nossos recursos e possibilidades de formação de outros grupos culturais. Precisamos de agentes públicos atuando dentro desses espaços”, afirma.
Intervenções e melhorias
Administradas por meio da Secretaria Municipal de Cultura, as Casa de Cultura são equipamentos públicos existentes há mais de 30 anos, sendo a primeira delas a do M’Boi Mirim, fundada em março de 1984. Espaços que visam disseminar cultura, aprendizado, debates, reflexões e troca de saberes entre artistas e moradores das periferias.
Quando se fala em sucateamento das Casas de Cultura, trata-se também das condições de trabalho, das competências a serem desenvolvidas, quem estará na linha de frente para gerir pensando na quebrada. Segundo Alex, hoje, justamente por conta da falta de funcionários, existe um acúmulo de funções dentro dos espaços culturais.
“Um gestor que tem que cuidar de todos os espaços e no máximo o que ele tem é o apoio do segurança, das companheiras e companheiros de limpeza do espaço e com os programas de jovens monitores. Não existe um braço para ajudar na articulação de território, não existe uma pessoa para ajudar na mobilização, para cuidar só da programação, não existem técnicos para ajudar no som, na luz, são essas coisas que a gente encontra nesse tempo de pandemia”.
aponta Alex.
Para Barcellos, existe solução para isso: o chamamento de funcionários para ocupar as vagas que estão em aberto, assim como aponta Cristina. Não acontecendo isso, a mudança se justifica, deixando de lado questões humanas e visando o lucro e o faturamento.
“A gente sabe que durante o período de quando essa empresa parceira faz operação da Casa, começa a aparecer pintura, grana para pintar, para reformar, coisas simples, maçaneta, corrimão. Começa aparecer um monte de coisa e as pessoas pensam: ‘Mas na outra época não tinha, antes era judiado agora parece que tem grana’, mas não, sempre teve. E é louco isso, porque a gestão se torna privada, mas o dinheiro continua sendo pago por nós, ninguém quer assumir a bronca sozinho”, afirma Alex.
Para evitar barrar esse processo, agentes culturais têm se mobilizado em reuniões e intervenções rolando por todos os lados da cidade. Em março, uma das reuniões que aconteceram foi no Bloco do Beco, polo cultural na zona sul de São Paulo, onde foi discutida uma possível audiência pública sobre o tema.
“Ainda que o poder executivo possa tomar algumas medidas, a gente entende que o estado democrático precisa de participação social. E são nessas linhas que a gente vai também incidir, enquanto movimento, nesse lugar de representação política como uma assessora, mas também como alguém que dá voz ao movimento”
diz Jennyfer.
Segundo Barcellos, conforme as mobilizações vão acontecendo, os coletivos, movimentos e mandatas também se organizam, além dos movimentos estarem fazendo tudo que cabe: desde entrega de cartas, análise nas agendas da Secretaria do Prefeito e protocolo no Ministério Público.
“Existem ferramentas possíveis para provocar audiências públicas, conseguir provocar chamamentos dos secretários, dos envolvidos dentro da câmara legislativa para debates”, afirma.
O que diz a Secretaria
Durante a apuração desta matéria, questionamos à Secretaria Municipal de Cultura acerca dos processos em andamento e do relacionamento com todas as partes interessadas. Segundo eles, o modelo de gestão via organização social não configura privatização, mas que estão estudando a possibilidade de uma concessão.
Em um formato de concessão, a transferência da gestão e execução se dá de forma temporária, com prazo para início e fim, podendo ou não ter o prazo renovado.
“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que a pasta está estudando a possibilidade de concessão das Casas de Cultura e que, por enquanto, não há nada conclusivo a ser divulgado. A SMC ressalta ainda que não tomará nenhuma decisão sem consultar a sociedade civil e que o modelo de gestão via Organização Social (OS) não configura privatização”, informou a Secretaria.
Nesta quinta (07), a partir das 11h, será realizada a Audiência Pública com o tema “Casas de Cultura e modelo de gestão compartilhada”, na Câmara Municipal de São Paulo, para debater sobre as questões que envolvem a mudança na gestão dos espaços culturais.