“O mulherismo africana é a quebrada”, afirma pesquisadora sobre a presença do movimento nas periferias

A prática que baseia-se na cultura africana, olha para as experiências, necessidades, lutas e vontades de mulheres negras a partir de uma lógica coletiva.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Segundo Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspóricas, o mulherismo africana busca referências plurais do continente africano, e é uma prática que está presente dentro da periferia. “O mulherismo africana vai dizer que a nossa história pode ser diferente [enquanto mulheres negras], mas a nossa luta pela raça, ela é igual independente da condição em que você esteja”, coloca.

Wanessa Yano diz que o mulherismo africana é prática nas periferias.
Wanessa Yano na exposição Brasis, que ocorreu no Sesc Belenzinho. (foto: arquivo pessoal)

A pesquisadora, que também é co-fundadora da editora Ananse, conta que é dentro de uma perspectiva familiar, matriarcal e de comunidade que o movimento se apresenta nos territórios. “Hoje a mulher negra é a sustentação da casa, principalmente na quebrada. No mulherismo africana, uma mulher preta dentro de uma periferia sabe que se ela mudar a própria realidade, vai mudar a realidade de toda a família dela”, coloca Wanessa. 

“Qualquer associação de mulheres dentro de uma quebrada já tem vínculo com o mulherismo africana. Onde as mais velhas trocam e se fortalecem entre elas é uma comunidade de mulherismo africana”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

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Wanessa afirma que nessa prática a comunidade é um elemento tão fundamental quanto raça. Esse é um ponto central na busca do bem viver e na resolução de conflitos. Dentro desse contexto de comunidade, a prática também engloba questões que envolvem homens negros.

“Por exemplo, se [uma mulherista africana] está dentro de um relacionamento e o cara é machista, ela vai fazer a correção devida desse homem, mas ele também vai precisar entender o que é ser um homem preto, africana, [para ele modificar] as reproduções que ele está tendo do machismo”, exemplifica a pesquisadora, que ressalta a importância de homens africana debaterem sobre suas masculinidades.

“O mulherismo africana já existe dentro da quebrada, ele é a quebrada. Ele é a mãe de vários meninos em situação de cárcere. Ele é a situação das grandes cozinheiras dentro da quebrada. Ele é as mulheres que estão como agentes de saúde que andam o dia inteiro para cuidar de outras pessoas. É sobre o agir e o fazer todos [os] dias por uma comunidade.”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

Feminismo e Mulherismo Africana

O termo mulherismo africana, foi criado em 1987, pela autora e acadêmica afro-estadunidense, Clenora Hudson-Weems. No Brasil, o termo chega através da tradução do livro “Mulherisma Africana: uma teoria afrocêntrica”, da escritora afro-estadunidense, Nah Dove. “Clenora fala que não inventou nada, ela deu um nome a algo que já existia, [que é] a insatisfação das mulheres que não se identificavam com o feminismo e que precisavam dar nome àquilo [que viviam]”, comenta Wanessa.

Clenora Hudson-Weems criou o termo mulherismo africana, em 1987. (foto: arquivo pessoal)

Ao citar Clenora como referência, Wanessa coloca que mesmo as vertentes do feminismo que abordam questões raciais, como o feminismo negro e o interseccional, surgiram de um não pertencimento ao feminismo tradicional, e não dão conta das experiências de mulheres negras, pois apresentam uma origem eurocêntrica e ocidental, que por anos desconsiderou até a humanidade de pessoas negras. 

“Olhando para a história do feminismo, que surgiu da luta sufragista das mulheres brancas, em que as mulheres pretas passaram por muitas violências e que [tem] situações de racismo desde a sua formação, não há como [o feminismo] se tornar algo das mulheres pretas. A agenda dessas movimentações vão ser pensadas para mulheres brancas”, pontua Wanessa Yano.

Segundo Wanessa, o movimento também contempla, desde a sua origem, a comunidade LGBTQIAPN+, por entender que ‘mulher’ é uma categoria social, não uma questão biológica. “Dentro do mulherismo africana a forma com que a gente se identifica como mulher tem muitas camadas, é por isso que essa lógica de [ser] mulher [vem] dessa formação e entendimento social”, comenta a pesquisadora. 

Wanessa chama atenção para os contextos de violência ao citar o feminicídio e a violência policial que encarcera e mata homens, adolescentes e jovens negros. Dentro do mulherismo africana, essas demandas também são apontadas.

“Quando um homem ou jovem preto é preso, a mãe não abandona esse filho. A questão é: o feminismo dá conta de justificar que essa mulher está passando por diversas violências e apontar que ela está lutando pelo filho dela, pela comunidade, pela humanidade e recuperação dele?”, questiona. 

A pesquisadora coloca que o movimento pode ser um mecanismo de mudança social, pois ao mesmo tempo que aponta as problemáticas e violências que atravessam pessoas negras, também amplia as perspectivas de mundo, fortalece o potencial das pessoas, o cuidado e a busca do bem viver em comunidade.

Da esquerda para a direita, Alice Hudson (educadora, artista e pesquisadora de ciências sociais), Noxolo Kiviet Ministra da África do Sul, Wanessa Yano. (foto: arquivo pessoal)

“Não é mais a gente sobre o olho do ocidente. É sobre nós e as nossas próprias escrevevivências, as nossas experiências. É poder falar e documentar aquilo que a gente é como ser humano, não mais [como] objeto de estudo”, finaliza a pesquisadora.

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