Escritor indígena analisa propostas de Lula e Bolsonaro para os povos originários

Edição:
Evelyn Vilhena

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A análise aponta que Bolsonaro busca ampliar a mineração e Lula quer reforçar a proteção de terras dos povos originários com mais participação social na FUNAI.

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Durante os primeiros três anos (2019 – 2022) do governo de Jair Bolsonaro (PL), as atividades de grilagem de terras, desmatamento de florestas, mineração e garimpo ilegal aumentaram e se tornaram ameaças diretas à vida da população indígena que vive na Amazônia Legal, território reconhecido por lei e composto pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão.

Além de possuir a maior biodiversidade de floresta tropical e a maior bacia hidrográfica do mundo, que distribui água para diversos estados do país, a Amazônia Legal concentra 98% das terras indígenas e abriga 56% da população indígena do Brasil, segundo dados do IBGE. Esses fatores demográficos e climáticos tornam as eleições presidenciais de 2022 o principal debate de interesses políticos e econômicos do planeta.

Atento a importância de colocar a população indígena no centro do debate político, o Desenrola entrevista o escritor e ativista Olívio Jekupé, importante liderança indígena guarani no Brasil, autor de 24 livros, que levou para centros acadêmicos o pensamento e o conhecimento dos povos originários. Ele irá analisar as propostas dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT).

Logo no início da entrevista, o escritor indígena relembra a fala de Jair Bolsonaro em fevereiro de 2018, momento de pré-campanha eleitoral à presidência da república, na qual o atual presidente comentou em uma entrevista: “Nem um centímetro a mais para terras indígenas”.

Para Olívio, liderança indígena Guarani que já presenciou uma série de ataques do governo Bolsonaro aos direitos dos povos indígenas, as propostas do candidato não apresentam um interesse genuíno em promover o direito à vida e à terra.

“Não dá para acreditar nas propostas de Bolsonaro. É um governo complicado na questão indígena. Ele cumpriu o que ele falou na outra proposta dele – não dar nenhum centímetro de terra – mas a terra não é dele, a terra é nossa, dos nossos parentes. Com isso, as demarcações das terras indígenas no Brasil estão todas paradas”

Olívio Jekupé é escritor e liderança indígena. 

Plano de governo 

Intitulado ‘Caminho da Prosperidade – Construindo uma Grande Nação’, o plano de governo de Jair Bolsonaro (PL) cita pela primeira vez a palavra indígena na proposta focada em promover “Liberdade para o Uso Responsável dos Recursos Naturais”. Ao todo são 12 citações ao termo ‘indígenas’ no documento.

De forma resumida, o item apresenta o seguinte objetivo: “o governo deve propiciar a todos, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros, a LIBERDADE de uso responsável dos recursos naturais que cada indivíduo ou coletividade dispõe legalmente.”

Na contramão do que propõe Bolsonaro, o plano de governo do candidato Lula (PT) cita a palavra indígena apenas três vezes, mas faz menção direta à proteção dos povos originários. “Estamos comprometidos com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas”, diz o item 40 da proposta, que propõe criar mecanismos de proteção das terras indígenas para impedir atividades predatórias que colocam em risco a vida dos povos tradicionais.

“Com a proposta do Lula, a gente acredita que as questões indígenas podem melhorar. Inclusive com a criação de um ministério ocupado por povos indígenas do Brasil que são capacitados e inteligentes, para trabalhar melhor as nossas demandas”, coloca o escritor guarani. 

Combate à pobreza 

Olívio faz uma distinção entre as propostas de Bolsonaro e Lula, no que se refere à construção de proteção às populações mais pobres e melhorias de condições de vida. “Bolsonaro é da elite, principalmente na questão dos fazendeiros. Como ele prometeu não demarcar terra indígenas, isso incentivou ainda mais os fazendeiros, então a gente corre um grande perigo”, aponta o escritor, que enfatiza uma preocupação coletiva com o trabalho e a renda dos povos indígenas.

De acordo com o plano de governo, Bolsonaro visa combater a desigualdade socioeconômica incentivando e fomentando o empreendedorismo para os cidadãos brasileiros. Segundo Olívio, essa visão de política econômica impacta diretamente a cultura dos povos tradicionais, na sua forma de viver em harmonia e preservar os recursos naturais dos territórios onde vivem, como a terra e a água.

Outra medida proposta pelo plano de governo do atual presidente é promover e estimular a realização de atividades de turismo em territórios indígenas, para promover a economia local.

Já o presidenciável Lula aposta em medidas como fortalecimento das ofertas de trabalho com carteira assinada, a partir de uma renovação de leis trabalhistas para contemplar as novas formas de geração de renda da população brasileira, englobando novas categorias de trabalhadores que precisam de proteção social para não serem continuamente afetados pela informalidade e perda de direitos presente na atual legislação de apoio ao empreendedor e relação com aplicativos.

“O Lula sempre teve uma preocupação com a sociedade brasileira e especialmente os mais pobres”, diz Olívio, mencionando a importância de construir mecanismos de proteção social dos trabalhadores, para combater a extrema pobreza que vem afetando não só as populações de áreas urbanas, mas também a população indígena.

FUNAI 

No plano de governo do candidato Bolsonaro, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) aparece citada de forma tímida sem uma proposta concreta para reformular, organizar ou ampliar as competências do órgão público que tem por objetivo garantir a proteção dos direitos dos povos indígenas brasileiros.

Diante dos ataques de violência contra a vida dos povos indígenas promovidos por garimpeiros, mineradores, grileiros e fazendeiros, a FUNAI representa uma das principais instâncias do poder público para promover um debate em torno destas circunstâncias, apontando os problemas e soluções em defesa dos povos indígenas.

“A FUNAI precisa de mais poder para trabalhar com força as questões indígenas com respeito e honestidade, porque o atual presidente da FUNAI é ‘bolsonarista’, então a questão indígena ficou pior”, afirma Olívio, e ressalta ainda que essa é uma questão urgente que precisa ser alvo de mudança do próximo presidente eleito.

Para o escritor guarani, enquanto Lula fala em impedir atividades predatórias em territórios indígenas, o plano de governo de Bolsonaro propõe a legalização de atividades de mineração em terras dos povos tradicionais com apoio e fiscalização de órgãos do governo. Desta forma, ele avalia que o candidato Lula propõe uma série de ações para fortalecer a FUNAI e sua atuação no combate aos ataques contra a vida dos povos indígenas e o meio ambiente.

“Vamos combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico. Para isso, será necessário recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai”, descreve o item 49 do plano de governo do presidenciável do PT.

Um dos trechos que mais chama a atenção do escritor indígena é o fato de Lula propor a participação social nesse importante órgão do governo. Segundo ele, isso é um caminho para ouvir e acolher lideranças indígenas no comando da entidade. “Uma coisa importante é a presidência da FUNAI. Os próprios indígenas devem eleger quem vai governar a FUNAI”, finaliza.

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