Conversamos com mulheres, moradoras das periferias de São Paulo, para compreender como o Coronavírus afetou a sua relação com a sua família e a vida profissional.
Nas últimas semanas escolas, universidades, creches, espaços culturais e diversos órgãos público e privados suspenderam as atividades por conta do Covid-19, conhecido popularmente como Coronavírus, a orientação partiu do Ministério da Saúde com recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Dentro desse cenário, como tem sido a rotina de diversas mães trabalhadoras, moradoras das periferias que enfrentam uma dura jornada de trabalho para cuidar dos filhos e da sua casa?
Se por um lado a orientação é de não termos aglomeração de pessoas no mesmo espaço, por outro lado, milhares de trabalhadoras, entre eles mães, enfrentam transporte público lotado sem conseguir se esquivar desse trajeto para chegar ao trabalho.
“Sei que é difícil para cada profissão, emprego não está fácil, as contas não esperam e tem prazo para vencer”
Para a babá Antonieta Neves Oeiras, 35, moradora do Parque Bologne, localizado na periferia da zona sul de São Paulo, a preocupação é imensa: “sou mãe e tenho dois filhos, um de 18 anos e outro de 10. Gostaria de estar em casa com meus filhos, mas não é possível”, afirma ela, reconhecendo a necessidade de manter o emprego. “Preciso trabalhar, além disso, meus patrões trabalham na área da saúde e também não poderão ficar em casa com os filhos deles.”
Antonieta trabalha de babá há mais de seis anos, na Vila Mariana, bairro de classe média na zona sul da cidade. Sua rotina implica em permanecer no serviço de forma quinzenal, porém, como tem um diálogo aberto com seus patrões, consegue voltar para casa até antes desse período, dependendo da necessidade dos pais das crianças que ela cuida. Mas dentro do período, ela volta para descansar em casa, cuidar e matar a saudade de seus filhos.
Com a chegada do Coronavírus no Brasil, sua rotina mudou, tendo que ficar mais tempo no trabalho do que o previsto, já que depende do transporte público para se locomover do trabalho para casa.
“Sei que é difícil para cada profissão, emprego não está fácil, as contas não esperam e tem prazo para vencer. E cada caso é um caso. Para quem pode ficar em casa, não saiam, fique em casa e tomem todos os cuidados possíveis. Não está fácil para ninguém. Estou longe dos meus filhos, nos falamos apenas por celular, o aperto no coração aumenta pelo fato de estar longe deles, e esse aperto é imenso, mesmo sabendo que estão sendo bem tratados, orientados, aos cuidados da minha mãe, para que eu possa estar aqui, cuidando dos filhos dos outros. É assim pra quem precisa trabalhar”, enfatiza.
Antonieta também ressalta a preocupação por conta do Coronavírus, orientando seus filhos a lavarem bem as mãos, sempre passar álcool em gel e não saírem de casa em hipótese alguma, além disso, a tensão aumenta já que sua mãe dona Maria Nádia Neves Ribeiro de 56 anos de idade é diabética e está na lista de risco do vírus. “Antes de sair para trabalhar, fiz compras e deixei tudo em casa, para que nada falte e também para que não precisem sair de casa”.
“Com a escola e creche fechada, tenho que me dividir em cuidar dos meus filhos em tempo integral e ao mesmo tempo trabalhar”
A design de sobrancelhas Fabiana Calixto Braga de Oliveira, 38, moradora da Vila Flávia, zona leste de São Paulo, é mãe de 4 filhos, sendo dois jovens com de 20 e 13 anos e dois pequenos de um ano e cinco meses e outro de apenas quatro meses.
Além da preocupação com filhos e o movimento de clientes em seu trabalho, Fabiana revela que parte do impacto do Coronavírus na sua família está atingindo a relação e o cuidado com a sua mãe, dona Maria José Calixto de 70 anos. Ela faz parte da lista de pessoas dentro do grupo de risco devido a idade e baixo índice de imunidade.
“Minha mãe é minha vizinha, ela sempre ficou próxima dos meus filhos, e agora com tudo que está acontecendo, estamos evitando o contato, porém, ela não compreende, fica chateada, acha que nós estamos com medo dela passar o vírus pra gente, quando na realidade, somos nós que estamos tomando cuidado para manter a segurança dela”, relata a design de sobrancelhas.
Fabiana trabalha de forma autônoma e administra o seu próprio negócio num cômodo que fica dentro da sua casa. Segundo ela, o fluxo de clientes caiu por conta do Coronavírus. “Faz uns dias que estou sem trabalhar, porque as pessoas estão se precavendo. Mas eu estou estudando uma estratégia de marketing para trazer conforto e segurança para ter minhas clientes de volta. Sempre trabalhei com álcool em gel e máscara”, conta ela.
Para muitas mães, que trabalham fora de casa ou de forma autônoma, as medidas adotadas para prevenção do Coronavírus tem sido uma solução quando a questão é a segurança da família. Mas, quando o assunto é com quem deixar os filhos se as creches e escolas estão fechadas, a pandemia se torna um grande problema no cotidiano.
“O que precisamos nesse momento é realmente diminuir a circulação de pessoas, porém, com a escola e creche fechada, tenho que me dividir em cuidar dos meus filhos em tempo integral e ao mesmo tempo trabalhar. Tudo isso afetou 90% da minha rotina diária”, argumenta Fabiana.
Apoio às mães da quebrada
Atitudes de solidariedade estão ocorrendo, inclusive por meio das redes sociais, exemplo disso, foi a atitude da design gráfico Ju Dias, 38, moradora do Campo Limpo, zona sul da cidade, que publicou no seu perfil do Facebook uma mensagem onde oferece a ajuda as mães e idosos do território.
A mensagem diz:
“Mães, se precisarem de ajuda com as crias neste caos, sabemos que não é escolha para todas a quarentena. Trabalho de casa, tenho quintal, então caso precise, estamos ai.
Quem estiver em quarentena / idoso e precisar que se compre algo, chamem no PV.
Bora formar uma rede de cuidado…
Moro próximo ao terminal João Dias/ Arariba / metrô Campo Limpo / Vila das Belezas / Monte Azul.”
Ju Dias lembra que a ideia de oferecer ajuda ocorreu depois de acompanhar várias mulheres que trabalham na área da educação preocupadas com as mães do território, que por conta do fechamento das creches e escolas, não tinham com quem deixar os seus filhos. “Pensei que poderia ajudar, uma vez que trampo de casa, sendo autônoma. Tenho também uma mãe idosa, com várias questões de saúde, que não mora aqui perto, mas que necessita de ajuda para compra de remédio, comida etc.”
Além da vó, a moradora também possui uma irmã que também necessita de cuidado com os filhos. “Minha irmã também precisa de ajuda muitas vezes Ela tem duas filhas cadeirantes. Como não estou perto o suficiente para ajudá-las no dia dia, posso contribuir com quem está por perto”, reforça.
Dias enfatiza que sua atitude foi algo pontual, com intuito de ajudar o maior número de mulheres que querem ajudar ou que necessitam de ajuda.
Além de ser empreendedora, ela faz parte da Escola Feminista Favelada Abya Yala, que está desenvolvendo uma Rede de Mulheres Em Defesa da Vida. Ao lembrar que na periferia, mulheres em sua maioria negras, mães, serão as mais afetadas nestes tempos sombrios que virão, ela faz uma convocação: “se você pode ajudar ou se você precisa de ajuda, acompanhe ou entre em contato conosco por meio das nossas redes sociais, facebook: escolaabyayala e instagram: escola_abyayala.”