Segundo dados da pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade, realizada pela Rede Nossa São Paulo junto com o Instituto Cidades Sustentáveis e o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), em 2023, o tempo médio gasto diariamente para fazer todos os deslocamentos na cidade, através do transporte público, era de 2h26.
Esse é um dado vivenciado por muitas pessoas, principalmente em territórios periféricos, como é o caso da Josivete Pereira, conhecida como Jô, que passou a considerar o uso da bicicleta para se locomover, a princípio por uma questão financeira, mas também pelo tempo de locomoção na cidade.
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“A gente precisa ter tempo pra gente, só [temos] tempo para o trabalho. A gente se desloca, trabalha e volta. Não pode ser só isso”, coloca Jô Pereira, que é educadora física, moradora do bairro Jardim Ester, no distrito do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, presidenta da União de Ciclistas do Brasil, atuante na Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo, e uma das fundadoras do coletivo Pedal na Quebrada.
A ciclista aponta que qualidade de vida e lazer se relacionam com as questões de mobilidade urbana. Ela coloca que o uso da bicicleta nas periferias não se dá apenas no aspecto da obrigação ou escassez, que pode ser usada para brincar e em exercícios físicos.
“A mobilidade ativa, tanto a pé quanto de bicicleta, e o transporte público dependendo dos horários, são maneiras com as quais a gente pode estar somando ganhos nessa mobilidade. Isso é importante para repensar as cidades”, diz Jô.
Pedal na Quebrada
O Pedal na Quebrada é uma iniciativa criada em 2018, pela Jô Pereira, junto da Jezz Rodrigues e Angela Maris, que moram em Itaquera, e pela Tati Souza, que é de Guaianazes, ambos territórios localizados na zona leste de São Paulo.
Formado por três educadoras físicas e uma educadora infantil, as ações do coletivo circulam por diferentes regiões. A principal atividade tem sido retomar as reais histórias dos territórios, a partir do conhecimento de quem veio antes e de quem o habita no momento, isso se dá através da poesia e do ciclismo na atividade que Jô se refere como Pedalada Política, proposta pelo coletivo. Ela explica que o objetivo é “falar da nossa historicidade, dos corpos negros e indígenas na cidade, só que no olhar do pedal”.
“Não é um passeio ciclístico, é uma pedalada política, artística e principalmente afetiva, porque é para a gente se colocar na história e se colocar no presente”. A ciclista conta que essas pedaladas são realizadas com alguém do território, e previamente é feito um mapeamento do percurso que tem entre 10 e 20 km.
O coletivo também promove oficinas de mecânica e de pedal, que além do aprendizado prático estimulam o desenvolvimento da autonomia, da construção coletiva e provocam questões de identidade e subjetividade das pessoas que participam.
Como exemplo, Jô cita um grupo de pedal formado por incentivo das ações do coletivo, após uma oficina que realizaram na Casa Anastácia, um Centro de Defesa e Convivência da Mulher que atende mulheres vítimas de violência doméstica.
Participar de discussões acadêmicas é mais uma das movimentações da iniciativa. “Entrar dentro das estruturas de educação para decolonizar esse assunto [da mobilidade urbana], porque ele é bem colonizado”. Classe, raça e gênero são temas presentes quando se trata da viabilidade do uso de bicicletas e o Pedal na Quebrada também desenvolve suas atividades a partir dessas abordagens ao abrir espaço para rodas de conversas antes das oficinas práticas.
Políticas públicas
A regulamentação do uso das bicicletas e dos demais veículos, como bicicletas elétricas, ciclomotores, entre outros, para que eles utilizem as vias ao invés das calçadas, por exemplo, é apontada por Jô como uma forma para evitar acidentes.
“A gente está lutando por mais espaço dentro das vias, da ‘carrocracia’ e para isso a gente tem que ganhar mais espaço também para o pedestre”.
Jô Pereira, Presidenta da União de Ciclistas do Brasil, integrante da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo e cofundadora do coletivo Pedal na Quebrada.
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, a bicicleta é considerada um veículo de propulsão humana, e por isso pode ser usada na via, tendo direitos e deveres resguardados pela lei.
Jô afirma que a diminuição da velocidade dos veículos motorizados é uma das providências a serem tomadas para viabilizar não só a locomoção com bicicleta nas cidades, mas para diminuir os sinistros com veículos de modo geral. Ampliar a malha cicloviária na cidade, tendo como foco as periferias, também é uma das prioridades reivindicadas.
“Pensar a cidade e as políticas públicas também nessa visibilidade de como respeitar a pluralidade das pessoas estarem nos mesmos espaços com seus direitos garantidos. [Precisamos] de olhares [na] construção política para periferias e falar: ‘Opa, precisamos aumentar a malha cicloviária nas periferias’. Tem aumentado? Tem. Com tanta pressão tem funcionado, mas ainda está muito lento”, coloca a cofundadora do Pedal na Quebrada.
As necessidades para viabilizar a locomoção com bicicleta nas periferias ainda são muitas, e Jô coloca que a organização em coletivos para elaborar projetos políticos tem sido a estratégia adotada para alcançar melhorias.
“Quem mais pedala é a periferia, isso é muito bom e positivo, só que a gente precisa de segurança para todo mundo [com] qualidade, não é só pintar [uma faixa]”, compartilha Jô, que também afirma sobre a facilidade do uso de bicicletas em bairros centralizados ocorrer por conta do investimento destinado para esses locais.
A educadora coloca que as discussões sobre políticas públicas de mobilidade urbana precisam acontecer também nas periferias para que moradores desses territórios possam ter a possibilidade de participar.
“[Precisamos de] mais de nós falando, não pode ter tão poucas representações assim, porque somos muitos, tem que ampliar mais essa discussão, porque não é uma discussão só da bicicleta, é uma discussão da cidade”, menciona Jô, que ressalta sobre o voto nas eleições interferir diretamente nesse planejamento urbano.